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PREVIDENCIÁRIO. NÃO CONHECIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA. INTERESSE DE AGIR. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. ...

Data da publicação: 10/10/2021, 07:01:13

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. NÃO CONHECIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA. INTERESSE DE AGIR. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. PERÍODO ANTERIOR À LEI Nº 8.213. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Não cabe reexame necessário de sentença meramente declaratória, se o proveito econômico obtido na causa é inferior a mil salários mínimos. 2. O interesse do autor pode se limitar à declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica (art. 19, I do Código de Processo Civil). 3. A ação declaratória pode ser proposta com a finalidade de obter o reconhecimento do exercício de atividade rural para averbação e aproveitamento em futuro pedido de aposentadoria. 4. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. 5. As notas de produtor rural demonstram o desenvolvimento da atividade rurícola como meio de sustento do grupo familiar. 6. É possível reconhecer o exercício de atividade rural no intervalo próximo ao efetivamente documentado, desde que a prova testemunhal seja convincente, de modo a amparar a extensão da eficácia do início de prova material. 7. O Código de Processo Civil autoriza a fixação de honorários por equidade apenas se o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou o valor da causa muito baixo. (TRF4, AC 5060799-52.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 03/10/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5060799-52.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: VANA MARA PAIM LOURENCO

ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)

ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)

ADVOGADO: VOLNEI PERUZZO (OAB RS077790)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A sentença proferida na ação ajuizada por Vana Mara Paim Lourenço contra o INSS julgou procedente o pedido, para condenar o réu a averbar em favor da parte autora o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, nos períodos de 23/05/1972 a 13/08/1978 e de 15/12/1978 a 31/10/1991, independente do recolhimento de contribuições previdenciárias, e a expedir certidão de tempo de serviço. O réu foi condenado ainda ao pagamento das custas processuais pela metade, e dos honorários advocatlcios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.

Ambas as partes interpuseram apelação.

A autora postulou a majoração dos honorários advocatícios, pois a verba foi fixada em valor abaixo do mínimo legal. Alegou que, consoante os critérios do art. 20 do antigo Código de Processo Civil, os honorários advocatícios devem ser arbitrados no mínimo de três salários mínimos nacionais, levando-se em conta o trabalho exigido, o tempo despendido pelo profissional, a complexidade da causa, entre outros. Aduziu que o valor dos honorários fixados é extremamente irrisório, desprestigiando o operador do direito, peça fundamental para a manutenção do estado democrático de direito.

O INSS aduziu que a sentença ilíquida proferida contra a Fazenda Pública deve ser objeto de remessa necessária, já que o valor da causa não justifica a dispensa do reexame. Arguiu, ainda em preliminar, a ausência de interesse processual, diante da inutilidade prática do provimento jurisdicional, sobretudo em consonância com o princípio constitucional da duração razoável dos processos, já que a parte autora não preenche os requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição e os períodos requeridos não foram analisados na via administrativa. No mérito, argumentou que, no regime de economia familiar, todos os integrantes da unidade familiar devem participar ativamente das lides rurícolas, sem empregados permanentes, de forma que o fato de um dos membros possuir outra fonte de renda descaracteriza a condição de segurado especial, uma vez que o trabalho dos demais integrantes da família deixa de ser indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento do núcleo familiar. Sustentou que a Lei nº 8.213 não permite a comprovação do tempo de atividade rural com base em prova exclusivamente testemunhal, tratando-se de hipótese rara em nosso sistema jurídico de prova tarifada. Ponderou que os documentos aptos à utilização como início de prova material são aqueles arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213, exigindo-se ainda que sejam contemporâneos da época dos fatos.

Somente a parte autora ofereceu contrarrazões.

A sentença foi publicada em 19 de maio de 2016.

VOTO

Não conhecimento da remessa necessária

Consoante dispõe o art. 496, § 3º, inciso I, do CPC, a sentença não está sujeita à remessa necessária nos casos em que a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a mil salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público.

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.

§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

Em se tratando de sentença meramente declaratória, o proveito econômico obtido na causa corresponde ao valor atribuído à causa que, no caso, é de R$ 8.688,00, em maio de 2014, conforme a decisão proferida no incidente de impugnação ao valor da causa (evento 3, sent11). Mesmo que seja atualizado o valor da causa, o montante é inferior àquele previsto no art. 496, § 3º, inciso I, do CPC. Logo, não cabe o reexame necessário da sentença.

Nesse sentido, já decidiu este Tribunal Regional Federal:

PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE TEMPO DE SERVIÇO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ENCARGO DO EMPREGADOR. ATIVIDADE URBANA. COMPROVAÇÃO. 1. Em se tratando de ação meramente declaratória, o montante do "direito controvertido" previsto no §2º do artigo 475 do CPC/73 corresponde ao valor atribuído à causa, que, no caso, é de R$ 1.000,00. Logo, não se trata de hipótese de sujeição da sentença à remessa ex officio, motivo pelo qual a mesma não deve ser conhecida. 2. Mesmo a ausência de recolhimentos previdenciários correspondentes, os quais estavam a cargo do empregador no termos do artigo 30, da Lei 8212/91, não pode obstar o reconhecimento do labor prestado pelo segurado como tempo de serviço para fins previdenciários. 3. Quanto às informações sobre os elementos caracterizadores da relação de emprego (pessoalidade, habitualidade, subordinação e remuneração - art. 3º da CLT), as testemunhas confirmam, à saciedade, a existência de labor diuturno da autora junto ao Colégio Nossa Senhora das Neves, o que, sem dúvida, configura os três primeiros requisitos antes mencionados. Já a remuneração, embora não confirmada, também não foi inquirida, por ocasião da audiência, por qualquer dos presentes à solenidade, sendo então presumível sua existência, em face da ausência de prova negativa. 4. Comprovado o tempo de labor urbano, não reconhecido na esfera administrativa, faz jus a demandante à declaração do correspondente tempo de serviço e à expedição da competente certidão de tempo de contribuição com a anotação do respectivo período. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0017042-69.2012.404.9999, Turma Regional suplementar do Paraná, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, D.E. 06/09/2017, PUBLICAÇÃO EM 08/09/2017) - grifei

Nesse contexto, não merece acolhimento a alegação do INSS.

Ausência de interesse de agir

A preliminar arguida pelo INSS não merece acolhimento.

A interpretação do princípio constitucional da duração razoável dos processos não pode ser dissociada da garantia do exercício do direito de ação (art. 5º, inciso XXXV, da CF), erigida em cláusula pétrea por força do art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal.

Por sua vez, o art. 17 do Código de Processo Civil estabelece que o interesse do autor pode se limitar à declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica.

A necessidade e a utilidade do provimento judicial estão demonstradas, porque a autora, na atual condição de segurada da Previdência Social, buscou a certificação de relação jurídica previdenciária pretérita na via administrativa, a fim de assegurar a contagem do tempo de serviço rural em futuro pedido de aposentadoria. O INSS não admitiu o requerimento administrativo, porque o Decreto nº 3.048/1999 não prevê o procedimento de averbação de tempo de atividade rural. Ora, se a autarquia não apreciou a documentação apresentada com fundamento em ato normativo flagrantemente ilegal, somente resta à segurada exercer o direito negado em juízo.

Portanto, mesmo que a autora não preencha os requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, possui interesse de agir.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacificado sobre a matéria desde a edição da Súmula 242, acolhido também por este Tribunal Regional Federal:

PREVIDENCIÁRIO. INTERESSE DE AGIR. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AVERBAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. Conforme o teor da Súmula 242 do STJ, é cabível ação declaratória para reconhecimento de tempo de serviço para fins previdenciários, não se configurando, em tais casos, carência de ação por falta de interesse de agir do segurado. 2. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço. 2. Resultando a fixação sobre o valor da causa atualizado em valor excessivamente reduzido, majora-se a verba honorária, fixando-a em valor certo. (TRF4, AC 5039200-57.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 17/06/2021)

Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991

Segundo o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31 de outubro de 1991.

O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.

Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)

Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante a Súmula 149: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).

Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.

Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Tema 638 - Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)

Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.

O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 11.718.

O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.

Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.

A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:

Tema 532 - O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Tema 533 - Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.

Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.

Caso concreto

A controvérsia diz respeito ao exercício da atividade rural pela autora nos períodos de 23/05/1972 a 13/08/1978 (quando completou doze anos de idade) e de 15/12/1978 a 31/10/1991.

As provas documentais apresentadas são as seguintes (evento 3, anexospet4):

a) certidão de casamento dos pais da autora, na data de 12/01/1949, na qual o pai da autora, Adroaldo Hoffmann Paim, é qualificado como criador;

b) certidão emitida pelo INCRA, relativa ao imóvel rural cadastrado em nome do pai da autora, com área de 96,5 hectares nos anos de 1972 a 1990 e de 35 hectares nos anos de 1991 a 1992, constando que não houve a contratação de assalariados;

c) notas fiscais de produtor rural em nome do pai da autora, emitidas nos anos de 1972, 1973, 1975, 1976, 1977, 1978, 1985, 1986 e 1987;

d) certificado de vacinação para movimentação de bovinos, em nome do pai da autora, dos anos de 1977 e 1978;

e) notas fiscais de produtor rural em nome da autora, emitidas nos anos de 1988, 1989, 1990 e 1991;

f) matrícula no Registro de Imóveis da Comarca de Nova Prata, oriunda de registro anterior do Ofício de Lagoa Vermelha, relativa ao imóvel rural com área de 13,94 hectares, em nome do pai da autora, qualificado como pecuarista.

Em juízo, foi realizada prova oral. As testemunhas Jomar Getúlio Vieira Jacques e Jaine Tagliari disseram que conhecem a autora desde a infância; tanto a autora como sua família residiam no campo, no interior de André da Rocha, e trabalhavam nas lides rurais; a família da autora tinha terras próprias, mas a área era pequena, cerca de meia colônia; a família da autora trabalhava com leite; a autora começou a trabalhar na roça desde pequena, antes dos 12 anos; o pai da autora trabalhava com os filhos, sem empregados; a família vivia somente da agricultura e da pecuária.

A apelação do INSS não merece provimento.

Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental. O próprio INSS admite a aptidão probatória do título de propriedade de imóvel rural como início de prova material, desde que conste no documento a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, entre outros documentos arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015. Além disso, o certificado de cadastro no INCRA e as notas de comercialização de produtos rurais consistem em prova hábil para a comprovação do exercício de atividade rural, no caso de produtores em regime de economia familiar, conforme expressamente prevê o art. 106 da Lei nº 8.213.

No caso dos autos, as provas documentais evidenciam o exercício do trabalho rural como meio de subsistência da família. Os documentos, além de serem contemporâneos do período requerido, são plenamente aceitos como início de prova material. Portanto, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural, atendendo à exigência do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213.

Por outro lado, não se exige que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos. É possível ampliar a eficácia probatória do início de prova material, seja quanto ao período anterior ao documentado, seja quanto ao posterior, com base na prova testemunhal. As testemunhas ouvidas confirmaram, de modo firme e coerente, o exercício de atividade rural em regime de economia familiar pela parte autora por todo o período requerido, corroborando plenamente a prova documental.

Acerca do argumento de descaracterização da condição de segurado especial, igualmente não prospera a apelação do INSS. Verifica-se que a renda proveniente da aposentadoria por invalidez urbana do pai da autora correspondeia a um salário mínimo, o que permite concluir que os seus rendimentos, quando estava em atividade, também eram em torno de um salário mínimo. Portanto, não é possível entender que somente o salário do chefe de família era suficiente para o sustento da família. Além das provas em nome da própria autora, depreende-se que a mãe da autora exerceu atividade na condição de segurada especial, tanto que o INSS concedeu-lhe a aposentadoria rural por idade com data de início em 7 de outubro de 1991 (evento 3, contes7, p. 32/39). Ora, se a própria autarquia reconheceu que o trabalho urbano do pai, em nome do qual estavam as provas da atividade rural, não era suficiente para descaracterizar o regime de economia familiar dos outros membros da família, é desarrazoado desconsiderar o trabalho realizado pela autora em condições de mútua dependência e colaboração para a subsistência do núcleo familiar.

Constata-se, assim, que o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural, sem interrupção, nos períodos de 23/05/1972 a 13/08/1978 e de 15/12/1978 a 31/10/1991.

Honorários advocatícios

A fixação dos honorários advocatícios deve observar as disposições do art. 85 do CPC de 2015, já que a sentença recorrida foi publicada sob a sua vigência.

O art. 85, §2º, do CPC, estabelece que os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Já o §3º do art. 85 fixou critérios objetivos para arbitrar a verba honorária nas causas em que a Fazenda Pública for parte.

As únicas exceções que autorizam o juiz a fixar os honorários por apreciação equitativa são as previstas no §8º do art. 85: causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou o valor da causa for muito baixo.

No caso dos autos, o valor da causa (R$ 8.688,00), atualizado pelo IPCA desde a data da propositura da ação (06/05/2014), corresponde a R$ 12.896,14. Os honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, se fossem calculados nessa data, não seriam irrisórios, como alega a parte autora. Assim, descabe o arbitramento da verba honorários por equidade.

Cabe salientar ainda que não há majoração da verba honorária, por força do art. 85, §11, do CPC, quando os recursos de ambas as partes são desprovidos.

Conclusão

Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação do INSS e da parte autora.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002765517v28 e do código CRC f843e785.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 2/10/2021, às 0:59:58


5060799-52.2017.4.04.9999
40002765517.V28


Conferência de autenticidade emitida em 10/10/2021 04:01:12.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5060799-52.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: VANA MARA PAIM LOURENCO

ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)

ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)

ADVOGADO: VOLNEI PERUZZO (OAB RS077790)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

previdenciário. não conhecimento da remessa necessária. ação declaratória. interesse de agir. averbação de tempo de serviço. exercício de atividade rural. período anterior à lei nº 8.213. início de prova material. regime de economia familiar. honorários advocatícios.

1. Não cabe reexame necessário de sentença meramente declaratória, se o proveito econômico obtido na causa é inferior a mil salários mínimos.

2. O interesse do autor pode se limitar à declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica (art. 19, I do Código de Processo Civil).

3. A ação declaratória pode ser proposta com a finalidade de obter o reconhecimento do exercício de atividade rural para averbação e aproveitamento em futuro pedido de aposentadoria.

4. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.

5. As notas de produtor rural demonstram o desenvolvimento da atividade rurícola como meio de sustento do grupo familiar.

6. É possível reconhecer o exercício de atividade rural no intervalo próximo ao efetivamente documentado, desde que a prova testemunhal seja convincente, de modo a amparar a extensão da eficácia do início de prova material.

7. O Código de Processo Civil autoriza a fixação de honorários por equidade apenas se o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou o valor da causa muito baixo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações do INSS e da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de setembro de 2021.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002765518v4 e do código CRC 26c037f0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 3/10/2021, às 23:27:43


5060799-52.2017.4.04.9999
40002765518 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 10/10/2021 04:01:12.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/09/2021 A 23/09/2021

Apelação Cível Nº 5060799-52.2017.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS

APELANTE: VANA MARA PAIM LOURENCO

ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)

ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)

ADVOGADO: VOLNEI PERUZZO (OAB RS077790)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/09/2021, às 00:00, a 23/09/2021, às 16:00, na sequência 171, disponibilizada no DE de 03/09/2021.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DO INSS E DA PARTE AUTORA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 10/10/2021 04:01:12.

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