APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005994-87.2015.4.04.7003/PR
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ANA JÚLIA QUEIRÓZ DE LIMA |
ADVOGADO | : | DEBORA GOELDNER PEREIRA OLIVEIRA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. NULIDADE DA SENTENÇA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. AFASTADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA FÉ. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO.
1. A sentença proferida pelo juízo a quo não incorreu em nulidade na medida em que fundamentou sua razão de decidir de forma clara, não sendo noticiado pela apelante questão não analisada pelo magistrado que pudesse, de forma contundente, abalar a conclusão alcançada.
2. Não houve nenhuma irregularidade, má-fé ou fraude no momento da averiguação dos requisitos necessários à concessão. Com efeito, a parte autora preencheu os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial à época do requerimento administrativo. Assim, indevida sua devolução.
3. Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 15% (quinze por cento) para 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de abril de 2017.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005994-87.2015.4.04.7003/PR
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ANA JÚLIA QUEIRÓZ DE LIMA |
ADVOGADO | : | DEBORA GOELDNER PEREIRA OLIVEIRA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido da parte autora nos seguintes termos:
(...) Pelo exposto, resolvendo o mérito do pedido, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC: (i) JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pela autora para declarar a inexistência do débito de R$ 34.718,20, relativo às parcelas atualizadas do benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência NB 87/532.424.724-0, recebidas entre a DIB 01/10/2008 e a DCB 31/08/2013; (ii) JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na reconvenção pelo INSS.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários de sucumbência a englobar a lide principal e a reconvenção, os quais fixo em 15% sobre o valor da causa atualizado pelo IPCA-e até a data do pagamento, considerando o disposto no art. 85, §§ 1º e 2º, do NCPC/2015. (...)
Irresignado, o INSS apela requerendo a nulidade da sentença por carência de fundamentação. Aduz que o inc. IV do § 1º o art. 489 do CPC/2015 aponta que não será considerada fundamentada qualquer decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo. Refere que o dever de fundamentar as decisões decorre de obrigação constitucional consoante art. 93 da CF/88. Alega que a parte autora recebeu benefício assistencial, porém não está presente o requisito legal de miserabilidade, pois foram omitidos os ganhos do núcleo familiar, bem como a propriedade de dois veículos automotores. Afirma que está comprovada a má-fé da parte autora, pois a mesma se esquivou em informar a realidade dos fatos à Autarquia Previdenciária. Por fim, requer a procedência do recurso interposto e da reconvenção manejada pelo INSS.
Com contrarrazões, vieram os autos.
O Ministério Público Federal ofereceu parecer opinando pelo desprovimento do recurso do INSS.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
O CPC/2015 não trouxe inovação quanto à necessidade fundamentação das decisões judiciais como previsto nos arts. 11 e 489 do caderno processual. A redação original do inciso IX do art. 93 da Constituição da República já previa tal requisito sob pena de nulidade da decisão, e isso se deve ao fato de ser a fundamentação judicial elemento indissociável e corolário ao Estado Democrático de Direito.
Desta forma, a previsão eleita pelo legislador no NCPC foi introduzida no sentido de resgatar a legitimidade das decisões judiciais, especificando no §1º do art. 489 as hipóteses em que não se considera fundamentada uma decisão. Tais hipóteses levam à interpretação a contrario senso de que sempre será fundamentada uma decisão quando a mesma se manifestar acerca do caso concreto dentro dos limites que foram traçados na petição inicial.
Não há, pois, necessidade de que todos os argumentos trazidos pelas partes sejam enfrentados pelo julgador, mas somente aqueles que sejam capazes de infirmar, de afastar a conclusão adotada pelo julgador, premissa esta que, inclusive, foi positivada no inciso IV do art. 489 do CPC/2015.
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça trouxe tal previsão no julgado cuja emento transcrevo:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA.
1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço.
2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida. (grifo nosso)
3. No caso, entendeu-se pela ocorrência de litispendência entre o presente mandamus e a ação ordinária n. 0027812-80.2013.4.01.3400, com base em jurisprudência desta Corte Superior acerca da possibilidade de litispendência entre Mandado de Segurança e Ação Ordinária, na ocasião em que as ações intentadas objetivam, ao final, o mesmo resultado, ainda que o polo passivo seja constituído de pessoas distintas.
4. Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum.
5. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no MS 21.315/DF, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/06/2016, DJe 15/06/2016)
A sentença proferida pelo juízo a quo (ev. 57) não incorreu em nulidade na medida em que fundamentou sua razão de decidir de forma clara, não sendo noticiado pela apelante questão não analisada pelo magistrado que pudesse, de forma contundente, abalar a conclusão alcançada.
Rejeito, pois, a preliminar de nulidade arguida.
Irrepetibilidade dos benefícios previdenciários recebidos de boa-fé
A Lei nº 8.213/1991, na hipótese de descontos de valores indevidamente pagos a título de benefício, estabelece o seguinte:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
(...)
Por sua vez, o Regulamento da Previdência - Decreto nº 3.048/1999 dispõe que:
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito. (grifei)
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa. (...)
Com relação ao dever de reparação dos valores recebidos, a Terceira Seção desta Corte já sedimentou o entendimento de serem irrepetíveis as parcelas indevidas de benefícios previdenciários recebidas de boa-fé, em face do seu caráter eminentemente alimentar, como se pode extrair dos seguintes precedentes: AR n. 1998.04.01.086994-6, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 23-04-2010; AR n. 2000.04.01.012087-8, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus; AR n. 2006.04.00.031006-4, Rel. Des. Federal João Batista Pinto da Silveira; AR n. 2003.04.01.026468-2, Rel. Des. Federal Celso Kipper; AR n. 2003.04.01.015357-4, Rel. Des. Federal Luiz Alberto D"Azevedo Aurvalle e AR n. 2003.04.01.027831-0, Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, todos estes julgados na sessão de 07-08-2008.
A respeito do tema, a jurisprudência deste Regional firma-se no sentido da impossibilidade de repetição de valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em face do caráter alimentar das prestações previdenciárias que implica relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.123/91 e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.
A propósito, os seguintes precedentes, verbis:
PREVIDENCIÁRIO. IRREPETIBILIDADE DE VALORES PAGOS ADMINISTRATIVAMENTE POR ERRO DO INSS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO SEGURADO. REDUÇÃO DA SENTENÇA AOS LIMITES DO PEDIDO.
(REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 5000961-52.2015.404.9999, Rel. Juiz Federal Paulo Paim da Silva, julgado em 08/04/2015)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO POR ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
Não cabe descontos, no benefício previdenciário, a título de restituição de valores pagos aos segurados por erro administrativo, cujo recebimento deu-se de boa-fé, face ao princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. Precedentes do STJ.
(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0002740-88.2014.404.0000, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 16/07/2014)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CANCELAMENTO. DESCONTOS ADMINISTRATIVOS. COBRANÇA DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ.
1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (grifei)
2. Diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores determinada pela autarquia.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 5014356-74.2012.404.7200, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 01/07/2014)
Destaque-se, ainda, a jurisprudência do STJ, no sentido de não ser devida a restituição de valores pagos aos segurados por erro/equívoco administrativo do INSS, observado o princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos, como se vê da ementa a seguir, verbis:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO.VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE.
1. Conforme a jurisprudência do STJ, é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. (grifo nosso)
2. Não se aplica ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada.
3. Agravo Regimental não provido
(AgRg no AREsp 470.484/RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 22/05/2014)
Note-se que a própria Advocacia-Geral da União, no tocante aos servidores públicos, já reconheceu como indevido o ressarcimento de valores pagos a maior quando decorrentes de erro da Administração Pública, definindo a questão na Súmula nº 34/AGU:
"Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública". (DOU I 27, 28 e 29.1.2014)
Para a concessão do benefício assistencial foi preenchida em 09/07/2008 (data do requerimento administrativo) declaração sobre a composição do grupo e renda familiar pela mãe da autora, Aline de Oliveira Queiróz da Silva. Informou que morava na mesma residência a autora, a mãe (do lar) e o pai, Juarez Cardoniz de Lima, única pessoa com rendimento mensal de R$ 300,00, profissão autônomo. Junto o processo administrativo, consta CNIS do pai da autora com uma única contribuição individual à Previdência Social no mês 07/2003.
A incapacidade da parte autora restou incontroversa.
A meu ver, não houve nenhuma irregularidade, má-fé ou fraude no momento da averiguação dos requisitos necessários à concessão. Com efeito, a parte autora preencheu os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial à época do requerimento administrativo. Assim, indevida sua devolução.
A questão foi abordada com propriedade na sentença, a qual colaciono, in verbis:
"(...)
A parte autora não pede o restabelecimento do assistencial ao portador de deficiência (NB 532.424.724-0; DIB 01/10/2008), deixando claro que "a pretensão da parte autora reside apenas da inexigibilidade (sic) de débitos" (evento 6).
O enriquecimento sem causa sempre foi vedado no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo antes da explícita previsão contida no art. 884 do Código Civil atual.
Especificamente em relação aos benefícios previdenciários, há a previsão legal do art. 115 da Lei nº 8.213/91, que permite o desconto de benefício além do devido.
No que respeita ao poder de autotutela da administração pública, cumpre evocar os enunciados das súmulas n.ºs 346 e 473, do Supremo Tribunal Federal, abaixo transcritos:
"A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos." (Súmula n.º 346)
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial." (Súmula n.º 473)
Segundo jurisprudência do Tribunal Regional da 4ª Região, o ressarcimento de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário depende ainda da análise de duas circunstâncias: se houve pagamento por erro da Administração e a da boa-fé de quem recebeu. Neste sentido:
AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. PARCELAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. 1. Em face de sua natureza eminentemente alimentar, são irrepetíveis as parcelas indevidas de benefícios previdenciários recebidas de boa-fé. Precedentes da Terceira Seção desta Corte. 2. Preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC - verossimilhança do direito alegado e fundado receio de dano irreparável -, é cabível a antecipação dos efeitos da tutela. (TRF4, AG 5010597-37.2013.404.0000, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013)
Pelo conteúdo elucidativo, colaciono o seguinte trecho do voto:
"...Muito embora o art. 115, inciso II, da Lei n. 8.213/91 preveja a possibilidade de desconto de pagamento de benefício além do devido, há que se interpretar tal autorização restritivamente, dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a evidenciar que qualquer supressão de parcela deste comprometeria a subsistência do segurado e seus dependentes, em afronta ao princípio do respeito à dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88). Assim, não se pode negar, in casu, ao segurado, as condições mínimas para a sua sobrevivência, diminuídas por um erro que a ele não pode ser atribuído, cometido unicamente pela Administração.
Nesse passo, a aplicação da disposição em comento restringe-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior ou por erro feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário, o que não se patenteia no presente caso. Isso porque, como bem registrou o magistrado a quo, "o processo administrativo não contém qualquer elemento a evidenciar a existência de má-fé por parte do autor. Em verdade, o benefício foi cessado simplesmente porque o segurado não conseguiu comprovar a existência de labor urbano entre 1962 e 1967, não tendo havido qualquer indicação de fraude." (evento 3, DECLIM1).
Portanto, entendo que, no caso concreto, o INSS não pode cobrar os valores recebidos de boa-fé pela parte autora em virtude de erro administrativo para o qual ela não contribuiu ou concorreu, conforme iterativa jurisprudência que consagrou o princípio da irrepetibilidade dos valores de benefícios previdenciários recebidos em situações similares, sempre que verificada a boa-fé do beneficiário...."
No caso dos autos, tenho que não ficou demonstrada a má-fé da autora quando da concessão do benefício - a boa-fé sempre se presume.
Compete, entretanto, averiguar se o segurado contribuiu para eventual fraude ou, de qualquer modo, induziu a Administração Previdenciária a conceder-lhe o benefício indevidamente.
Ademais, duas diferenças devem ser destacadas: primeiro, por se tratar de ato administrativo do próprio INSS, a concessão do benefício gera para o segurado a percepção de que se trata de ato legítimo e definitivo; segundo, por ter sido o ato anulado, por ilegalidade, impõe-se a demonstração de que o segurado atuou positivamente nesse sentido. Em outras palavras, compete ao INSS provar que o segurado contribuiu para a fraude ou, de qualquer modo, induziu a Administração Previdenciária a conceder-lhe o benefício indevidamente.
No caso concreto, destaque-se inicialmente que não há controvérsia de que a autora realmente é portadora, dentre outros problemas, de paralisia cerebral, tanto que a perícia administrativa havida em 06/10/2008 confirmou a situação (evento 22, LAU2).
Observa-se ainda que os fatos que motivaram o cancelamento foram apurados cerca de 04 anos após a concessão (DIB 01/10/2008) e assim foram descritos no P.A. (evento 22, PROCADM1):
(...)
Importa destacar que a concessão sequer se valeu de elementos de pesquisa (exceto a perícia médica) a confirmar o direito à prestação.
De fato, o requerimento do benefício assistencial e a declaração sobre a composição do grupo familiar e renda foram subscritos pela mãe da autora (Sra. Aline de Oliveira Queiroz da Silva) e ali não se vê qualquer informação relativa à inexistência de veículos de propriedade do pai da autora (evento 22, PROCADM1, fl. 04/06), não havendo nos formulários campo específico e explícito sobre tal fato.
Os dados colhidos no CNIS do pai (já que a mãe informou não ter ganhos) também não demonstraram que sua renda fosse superior à de R$ 300,00 (trezentos reais) informada.
O INSS não requereu nesses autos a produção de qualquer prova que pudesse infirmar a boa-fé da autora, não restando evidenciado que se agiu de má-fé quando da concessão do benefício.
Destarte, não se vislumbrando que a autora, por sua representante legal, tenha induzido o INSS a lhe conceder o benefício indevidamente; tratando-se de verba alimentar; e não havendo evidência de atuação de má-fé da parte autora; na esteira da jurisprudência dominante, impõe-se afastar a exigibilidade da dívida imputada ao segurado pela autarquia.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. ERRO ADMINISTRATIVO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. É indevida a cobrança de valores pagos a título de benefícios previdenciários e recebidos de boa-fé pelo segurado, em função de provável equívoco administrativo, em razão do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos. (TRF4, AG 5000477-61.2015.404.0000, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 26/02/2015).
Ou seja, necessário reconhecer a ausência de má-fé da autora durante todo o processo de obtenção do benefício.
Pelas razões expostas, merece a ação de inexistência do débito (lide principal) ser julgada procedente e a reconvenção improcedente. (...)"
Pelo todo o exposto, nego provimento ao recurso do INSS.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 15% (quinze por cento) para 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei n.º 9.289/96).
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005994-87.2015.4.04.7003/PR
ORIGEM: PR 50059948720154047003
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ANA JÚLIA QUEIRÓZ DE LIMA |
ADVOGADO | : | DEBORA GOELDNER PEREIRA OLIVEIRA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 1052, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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