Apelação/Remessa Necessária Nº 5004297-25.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALFREDO DA COSTA SANTOS
ADVOGADO: DANIELA MARIOSI BOHRER (OAB RS049362)
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e apelação de sentença (proferida na vigência do novo CPC) cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por ALFREDO DA COSTA SANTOS em face de INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:
DECLARAR o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos de 10.11.1975 a 27.12.1977, 24.01.1978 a 10.08.1981, 11.04.1981 a 12.04.1982, 04.05.1983 a 30.11.1983 (exercido junto à empresa Ligia Cia Ind. de Calçados); 01.12.1983 a 05.06.1987 (exercido junto à empresa CKM Representações Ltda.);
DETERMINAR que a autarquia demandada realize a conversão e a averbação do tempo de atividade especial dos períodos de 10.11.1975 a 27.12.1977, 24.01.1978 a 10.08.1981, 11.04.1981 a 12.04.1982, 04.05.1983 a 30.11.1983 (exercido junto à empresa Ligia Cia Ind. de Calçados); 01.12.1983 a 05.06.1987 (exercido junto à empresa CKM Representações Ltda.);
CONCEDER a aposentadoria por tempo de contribuição integral, declarando o direito do autor de perceber 100% do salário-de-benefício, observando a legislação aplicável à espécie;
CONDENAR o INSS a pagar ao autor as parcelas vencidas e vincendas, a contar da data do protocolo do pedido administrativo 31.10.2011, observada a prescrição quinquenal, na proporção de 100% do benefício até a data da implantação, com acréscimo de correção monetária pelo IGP-M até 30-06-2009, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação. Após 30-06-2009, aplica-se à espécie o artigo 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997, alterado pela Lei 11.960, de 2009.
Outrossim, CONDENO o demandado no pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, que fixo em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, conforme Súmula 111 do STJ.
CONDENO, ainda, a autarquia ré ao pagamento das custas processuais por metade, conforme antiga redação da Lei nº 8.121/85, em face da inconstitucionalidade formal da Lei 13.471/2010 declarada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça Gaúcho no julgamento da ADI nº 7004194053.
À remessa necessária, nos termos do artigo 496, inciso I, do Novo Código de Processo Civil.
Intimem-se.
Registre-se.
Publique-se.
Com o trânsito, e nada sendo requerido, arquivem-se os autos com baixa na Distribuição.
Em suas razões de apelação, a Autarquia Previdenciária alega, preliminarmente, a falta de interesse de agir do segurado em razão da ausência de documentos essenciais ao exame da aposentadoria especial na esfera administrativa, subsidiariamente requer a fixação da DIB em data posterior a DER. No mérito, a Autarquia Previdenciária aduz ser indevido o reconhecimento do tempo especial nos períodos de 10-11-1975 a 27-12-1977, 24-1-1978 a 10-8-1981, 11-4-1981 a 12-4-1982, 4-5-1983 a 30-11-1983 e 1-12-1983 a 5-6-1987, apresentando os seguintes argumentos: [a] no exercício da função "serviços gerais" a exposição aos agentes nocivos ocorreu de forma ocasional e intermitente; [b] ausência de formulários descritivos das atividades desempenhadas pelo segurado; [c] utilização de EPIs eficazes, "código GFIP zero" e a ausência de fonte de custeio para aposentadoria especial; [d] necessidade de análise quantitativa na exposição a agentes químicos; [e] inadmissibilidade de laudo similar.
Subsidiariamente, requer o início dos efeitos financeiros a partir da citação, a aplicação do disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei n.º 11.960/09, no que tange à correção monetária e aos juros moratórios e a isenção das custas processuais, nos termos do artigo 11 da Lei n° 8.121/85, com redação da Lei n° 13.471/10.
É o relatório.
VOTO
I
Remessa Oficial
A Turma tem decidido reiteradamente que “não está sujeita à remessa necessária a sentença proferida na vigência do CPC de 2015 quando é certo que a condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros, não excederá 1.000 (mil) salários mínimos” (5033464-24.2018.4.04.9999 –ARTUR CÉSAR DE SOUZA). Embora a sentença não contenha condenação líquida, é bem evidente que os atrasados compreendem parcelas vencidas, cuja soma não ultrapassa o teto de mil salários mínimos previsto no inciso I do § 3º do artigo 496 do CPC.
Não conheço da remessa necessária.
II
O precedente do Supremo Tribunal Federal, que definiu a exigência do prévio requerimento administrativo, julgado no RE nº 631.240/MG (Tema 350), em sede de repercussão geral, não exige o exaurimento da via administrativa para o acesso à via judicial.
Neste sentido os precedentes deste Tribunal:
(...) Na esteira do precedente do STF no julgamento do RE 631240, não é exigível o exaurimento da via administrativa para que se abra o acesso à via judicial. Necessário, porém, que tenha havido ao menos a formalização da pretensão do segurado ao reconhecimento do tempo especial ou a juntada de documento, ainda que insuficiente, a indicar a eventual nocividade.
(Sexta Turma, AG 5041553-26.2019.4.04.0000, rel. Taís Schilling Ferraz, j. 13/02/2020)
(...) 1. Não cabe cogitar da falta de interesse de agir pela ausência de postulação de tempo especial na ocasião do requerimento do benefício na via administrativa, tendo em vista o dever da Autarquia de orientar o segurado de forma adequada no tocante ao cômputo correto dos períodos trabalhados, inclusive quanto à especialidade. (...)
(Sexta Turma, 5066670-63.2017.4.04.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, j. 13/02/2020)
Ocorre que incumbia à Autarquia, à época do requerimento administrativo, orientar o segurado de forma adequada no tocante ao cômputo correto dos períodos trabalhados, inclusive quanto à especialidade, tendo em vista (1) o caráter de direito social da previdência social, intimamente vinculado à concretização da cidadania e ao respeito da dignidade humana, a demandar uma proteção social eficaz aos segurados, (2) o dever constitucional, por parte da autarquia previdenciária (enquanto Estado sob a forma descentralizada), de tornar efetivas as prestações previdenciárias aos beneficiários e (3) a obrigação do INSS - seja em razão dos princípios acima elencados, seja a partir de uma interpretação extensiva do art. 105 da Lei de Benefícios ("A apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para a recusa do requerimento do benefício") - de conceder aos segurados o melhor benefício a que têm direito, ainda que, para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar os documentos necessários. Dentro deste contexto, cabia à autarquia previdenciária uma conduta positiva, de orientar o segurado no sentido de, ante a possibilidade de ser beneficiado com o reconhecimento de tempo especial, buscar a documentação necessária à sua comprovação.
Por fim, verifica-se que o INSS contestou, ainda que de forma genérica, o mérito do pedido de aposentadoria por tempo de contribuição ao se insurgir expressamente contra o reconhecimento da especialidade dos períodos relevantes (EVENTO3 - CONTES8). A Turma tem decidido reiteradamente que, "tendo havido contestação pelo mérito, impõe-se reconhecer a existência de pretensão resistida e interesse processual" (5002109-59.2019.4.04.9999 - TAÍS SCHILLING FERRAZ).
III
No que concerne ao reconhecimento da atividade especial, adoto os fundamentos da sentença, a seguir expostos:
"[...] O labor insalubre durante os períodos de 10.11.1975 a 27.12.1977, 24.01.1978 a 10.08.1981, 11.04.1981 a 12.04.1982, 04.05.1983 a 30.11.1983 (exercido junto à empresa Ligia Cia Ind. de Calçados); 01.12.1983 a 05.06.1987 (exercido junto à empresa CKM Representações Ltda.), fora devidamente atestado pela perícia judicial realizada, através da qual, concluiu o Sr. Perito, extreme de dúvidas, que:
“(...) Durante os períodos entre 11/1975 a 12/1977, 01/1978 a 08/1981, 04/1981 a 04/1982, 05 a 11/1983 e 12/1983 a 06/1987, em que laborou nas funções de Serviços Gerais e Auxiliar de Modelagem, ocorreu a exposição da parte autora a agente de natureza química de forma habitual e permanente, conforme Decreto nº 53.831/1964 – Quadro Regulamento Geral da Previdência Social.(...).”
Ou seja, da perícia judicial realizada, concluiu o Sr. Perito, induvidosamente, discriminando as respectivas bases legais, que as atividades exercidas pela parte autora nas empresas acima mencionadas são caracterizadas como insalubres.
Consigno que, embora inexista formulário DSS8030 ou PPP atestando a nocividade das funções, estas restaram confirmadas tanto pelo registro na CTPS do demandante, quanto, pela prova oral colhida, que, confirmou o exercício do labor, e ainda, a exposição do autor a agentes insalubres, mesma conclusão a que chegou o expert nomeado por esse juízo.
Agregado a isso, ainda que entenda a autarquia ré pela insuficiência dos documentos apresentados, tenho que não pode o trabalhador ser prejudicado pela inércia dos empregadores, servindo, assim, a perícia judicial para suprir as lacunas existentes e que amparam o direito da autora.
Sendo assim, entendo que a parte autora cumpriu com o ônus que lhe cabia, comprovando os fatos constitutivos de seu direito, a teor do que dispõe o artigo 373, inciso I, do Novo Código de Processo Civil. [...]"
No caso de trabalhadores da indústria calçadista, as atividades desempenhadas pelos contratados como "serviços gerais" notoriamente envolvem o contato com agentes químicos nas etapas de produção dos calçados, admitindo-se como prova da especialidade o laudo pericial por similaridade produzido em juízo.
Sobre o trabalho prestado em indústria calçadista cito voto da Des. Salise Monteiro Sanchotene no julgamento do processo n. 0025291-38.2014.4.04.9999 (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0025291-38.2014.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, POR UNANIMIDADE, D.E. 03/08/2016, PUBLICAÇÃO EM 04/08/2016):
No que se refere a empresas calçadistas, é fato notório que neste tipo de local de trabalho os operários são contratados como serviços gerais, mas que a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais. É notório ainda que a indústria calçadista sempre depende da cola para a industrialização dos seus produtos. Os vapores da cola são hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos que causam tontura, dor de cabeça, náuseas, tosse, ardência nos olhos, além de outros problemas de saúde ao trabalhador. Acrescente-se que este tipo de indústria também precisa de produtos químicos e vários outros insumos que contêm na sua composição diversos agentes nocivos à saúde.
Ora, a realidade e a singularidade das funções dos trabalhadores nas indústrias de calçados não podem ser ignoradas, razão por que a prova pericial pode ser produzida em empresa similar àquela falida ou desativada. Se a perícia assim realizada for compatível com as informações sobre as atividades exercidas em condições especiais, ainda que tais informações tenham sido preenchidas por síndico ou sindicato, isto não deixará dúvida acerca dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto, assegurando-lhe o direito à conversão para tempo comum daquele serviço exercido numa atividade que efetivamente era especial. (grifei)
Destaco também que muitas vezes a solução para a busca da melhor resposta às condições de trabalho, com a presença ou não de agentes nocivos, é a constatação dessas condições em estabelecimento de atividade semelhante àquele onde laborou originariamente o segurado, no qual poderá estar presente os mesmos agentes nocivos, o que permitirá um juízo conclusivo a respeito.
Logo, não há óbice na utilização de laudo pericial elaborado em uma empresa, para comprovar a especialidade do labor em outra do mesmo ramo e no exercício de função semelhante, sendo cabível, inclusive, a utilização de laudo pericial produzido no curso de outra demanda, tendo em conta que foi elaborado sob a presença do contraditório e do princípio da bilateralidade da audiência. Neste sentido, é a jurisprudência dominante deste Tribunal: AC 2006.71.99.000709-7, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU 2/3/2007 e APELREEX 2008.71.08.001075-4, Relator Juiz Federal Guilherme Pinho Machado, D.E. 3/8/2009.
Em relação à exposição a agentes químicos, especialmente hidrocarbonetos, o entendimento já consolidado neste Tribunal é no sentido de que os riscos ocupacionais gerados por esses agentes não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa.
Ressalte-se que é perfeitamente possível o reconhecimento da especialidade da atividade, mesmo que não se saiba a quantidade exata de tempo de exposição ao agente insalubre. Necessária, apenas, a demonstração de que o segurado estava sujeito, diuturnamente, a condições prejudiciais à sua saúde. A propósito, a jurisprudência desta Corte, ipsis litteris:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. INTERMITÊNCIA. (...) 3. Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. 4. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente.(AC nº 2000.04.01.073799-6/PR,TRF-4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon , DJU 9-5-2001).
Além disso, a 3ª Seção desta Corte tem entendido que não só as atividades que realizam a fabricação desses agentes, mas também aquelas que envolvam o manuseio das substâncias compostas por hidrocarbonetos são abrangidas pela legislação previdenciária atinente à aposentadoria especial. O manuseio de hidrocarbonetos permite o reconhecimento da atividade como especial mesmo em período anterior ao Decreto 2172/97, de acordo com entendimento da 3ª Seção desta Corte, na medida que os decretos 53831/64 e 83080/79 vigoraram de forma concomitante até 1997. Ademais, o manuseio se insere, lato sensu, no conceito de fabricação.
No ponto, a fim de evitar tautologia, transcrevo excerto do voto do eminente Des. Celso Kipper (Apel/Reexame Necessário nº 0002033-15.2009.404.7108/RS, D.E. 11/04/2011):
[...] A Terceira Seção desta Corte de há muito já pacificou o entendimento de que são aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos de números 53.831/64, 72.771/73 e 83.080/79 até 05-03-1997, data imediatamente anterior à publicação do Decreto n. 2.172/97, consoante os EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19-02-2003, p. 485, de cujo voto condutor do acórdão extraio o seguinte trecho:
"Assim, tomando-se por base o raciocínio acima e a interpretação interna da Autarquia, tenho que se a atividade tiver sido prestada anteriormente à regulamentação da Lei nº 9.032/95 (pelo Decreto nº 2.172, em 05.03.97), e mesmo que o segurado não tenha implementado as condições suficientes ao benefício da aposentação até 28.04.95, deve-se seguir o enquadramento como especial com base em qualquer um dos Decretos (53.831/64 ou 83.080/79). Retifico, a esse respeito, o entendimento esposado em outros acórdãos de minha lavra."
Desde então os julgados desta Casa têm, invariavelmente, levado em consideração aqueles decretos, de forma concomitante, no que toca ao enquadramento das atividades como especiais, seja em razão da exposição a agentes insalubres ou do exercício de atividade profissional. Como exemplo significativo destaco a atividade de cobrador de ônibus, prevista como especial no Decreto 53.831/64 (código 2.4.4) e que não é mencionada no Decreto 83.080/79; independentemente disso, contudo, a atividade tem sido reconhecida como especial mesmo tendo sido exercida no período em que vigente este último dispositivo (veja-se, por exemplo, AC nº 2006.71.18.001668-0, Turma Suplementar, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 04-11-2008).
Dito isto observo que, apesar de o Decreto 83.080/79, sob o código 1.2.10, enquadrar como especial apenas a atividade de fabricação de hidrocarbonetos e outros compostos de carbono (com a exceção de inseticidas, em que é admitida também sua aplicação), o Decreto 53.831/64 é taxativo ao considerar como especial (código 1.2.11) as "operações executadas com derivados tóxicos do carbono" (sublinhei), tais como os hidrocarbonetos (inciso I) e vários outros compostos (ácidos carboxílicos, álcoois, amidas, éteres, etc), deixando claro também que tais operações significam "trabalhos permanentes expostos a poeiras, gases, vapores, neblinas e fumos de derivados do carbono constantes da Relação Internacional das Substâncias Nocivas publicada no Regulamento da OIT - tais como ..." e listando, exemplificativamente, várias dessas substâncias.
Concluo, assim, pela existência de previsão legal para o reconhecimento da especialidade de atividade que envolva o manuseio de hidrocarbonetos, e não apenas sua fabricação.
Ademais, quanto à exposição em si, o contato com esses agentes (graxas, óleos minerais, hidrocarbonetos aromáticos, combustíveis, solventes, inseticidas, etc) é responsável por freqüentes dermatoses profissionais, com potencialidade de ocasionar afecções inflamatórias e até câncer cutâneo em número significativo de pessoas expostas, em razão da ação irritante da pele, com atuação paulatina e cumulativa, bem como irritação e dano nas vias respiratórias quando inalados e até efeitos neurológicos, quando absorvidos e distribuídos através da circulação do sangue no organismo. Isto para não mencionar problemas hepáticos, pulmonares e renais. Devido ao fato de sua ação ser cumulativa na maior parte dos casos, a exposição habitual, ainda que intermitente, pode ser suficiente para a caracterização da insalubridade da atividade, o que deverá, por óbvio, ser verificado caso a caso.
Por fim, cabe registrar que a 3ª Seção desta Corte também vem julgando a questão no mesmo sentido, de que as atividades profissionais que envolvam o manuseio de hidrocarbonetos são passíveis de serem reconhecidas como especiais (EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2004.71.04.003543-6, 3ª Seção, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR MAIORIA, D.E. 20/10/2008; EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2000.71.08.002850-4, 3ª Seção, Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, POR MAIORIA, D.E. 06/11/2008; EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2003.71.08.000621-2, 3ª Seção, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR MAIORIA, D.E. 19/08/2008).
Restando impossível a realização da perícia no local onde o serviço foi prestado, porque não mais existente, admite-se a perícia indireta ou por similitude, realizada mediante o estudo técnico em outro estabelecimento, que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida. São pertinentes ao caso os seguintes precedentes da Turma: [a] são admissíveis como prova a perícia indireta, o laudo similar e a prova emprestada (5014769-04.2014.4.04.7108 - HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR); [b] o fato das provas não serem contemporâneas ao exercício das atividades não prejudica a validade dos documentos para fins de averiguação das reais condições de trabalho na empresa (0001893-57.2017.4.04.9999 - ARTUR CÉSAR DE SOUZA).
Sobre a eficácia dos EPIs para os agentes químicos, a Turma entende que "[N]ão havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. A eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, como luvas, máscaras e protetores auriculares, mas a partir de todo e qualquer meio pelo qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida." (50387813720174049999 - TAÍS SCHILLING FERRAZ).
IV
Sustenta o INSS que a parte autora não estaria exposta a agente nocivo pelo fato de constar no PPP o código zero no campo da GFIP, caso em que o reconhecimento da atividade especial ficaria sem custeio específico, ante a ausência das contribuições dispostas nos arts. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91, e art. 22, inc. II, da Lei nº 8.212/91.
Pois bem, entendo que, se estiver comprovado o trabalho em condições especiais, a mera ausência do código ou o preenchimento equivocado do campo GFIP no PPP não obsta à conversão do tempo especial em comum, pois o INSS possui os meios necessários para sanar eventual irregularidade constatada na empresa, não podendo o segurado ser penalizado por falha do empregador.
Quanto ao recolhimento das contribuições estabelecidas nos arts. 57, §§ 6º e 7º da Lei nº 8.213/91 e art. 22, inc. II, da Lei nº 8.212/91, cabe ao empregador efetuá-lo, conforme dispõe o art. 30, inc. I, alíneas a e b, da lei nº 8.212/91:
Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
I - a empresa é obrigada a:
a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração;
b) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência;
Destarte, tenho que são improcedentes as alegações apresentadas pela autarquia quanto ao assunto discutido.
V
O início dos efeitos financeiros do benefício, consoante o art. 54 c/c o art. 49, II, da Lei 8.213/91, deve ser a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Registra-se o entendimento desta Corte no sentido de ser irrelevante o fato de, à época, ter sido juntada documentação comprobatória insuficiente ao reconhecimento da atividade especial ou de ter havido requerimento específico nesse sentido, uma vez que o direito não se confunde com a prova do direito. Se, ao requerer a aposentadoria, o segurado já havia cumprido seus requisitos, estava exercendo um direito de que já era titular. A comprovação posterior não compromete a existência do direito adquirido e não traz prejuízo algum à Previdência Social, pois não confere ao segurado nenhuma vantagem que já não estivesse em seu patrimônio jurídico.
VI
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
VII
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
VIII
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, este regramento é aplicável quanto à sucumbência.
No tocante ao cabimento da majoração da verba honorária, conforme previsão do §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;
b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;
c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso concreto, não estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, não sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.
IX
A renda mensal do benefício, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, deve ser implementada em 45 dias a partir da intimação. A parte interessada deverá indicar, em 10 dias, o eventual desinteresse no cumprimento do acórdão.
Conclusão
Não conhecer a remessa necessária.
Dar parcial provimento à apelação no que concerne à isenção das custas processuais.
Adequar os consectários.
Determinar o cumprimento imediato do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer a remessa necessária, dar parcial provimento à apelação, determinando o cumprimento imediato do acórdão.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002576201v16 e do código CRC d651b162.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5004297-25.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALFREDO DA COSTA SANTOS
ADVOGADO: DANIELA MARIOSI BOHRER (OAB RS049362)
EMENTA
1. O precedente do STF, que definiu a exigência do prévio requerimento administrativo, julgado no RE nº 631.240/MG (Tema 350), em sede de repercussão geral, não exige o exaurimento da via administrativa para o acesso à via judicial.
2. EM SE TRATANDO DE INDÚSTRIA CALÇADISTA, É NOTÓRIO QUE OS OPERÁRIOS SÃO CONTRATADOS NA FUNÇÃO "SERVIÇOS GERAIS", MAS A ATIVIDADE EFETIVA CONSISTE NO TRABALHO MANUAL DO CALÇADO (0025291-38.2014.404.9999 - SALISE MONTEIRO SANCHOTENE).
3. OS RISCOS OCUPACIONAIS GERADOS PELOS AGENTES QUÍMICOS NÃO REQUEREM A ANÁLISE QUANTITATIVA DE SUA CONCENTRAÇÃO OU INTENSIDADE MÁXIMA E MÍNIMA NO AMBIENTE DE TRABALHO, DADO QUE SÃO CARACTERIZADOS PELA AVALIAÇÃO QUALITATIVA.
5. O RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE NÃO PRESSUPÕEM A EXPOSIÇÃO CONTÍNUA AO AGENTE NOCIVO DURANTE TODA A JORNADA DE TRABALHO, DEVENDO SER INTERPRETADA NO SENTIDO DE QUE TAL EXPOSIÇÃO DEVE SER ÍNSITA AO DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES COMETIDAS AO TRABALHADOR, INTEGRADA À SUA ROTINA DE TRABALHO, E NÃO DE OCORRÊNCIA EVENTUAL, OCASIONAL.
6. NÃO RESTANDO PROVADA A NEUTRALIZAÇÃO DOS EFEITOS DOS AGENTES NOCIVOS A QUE FOI EXPOSTO O SEGURADO DURANTE O PERÍODO LABORAL PELO USO DE EPI, DEVE-SE ENQUADRAR A RESPECTIVA ATIVIDADE COMO ESPECIAL.
7. SÃO ADMISSÍVEIS COMO PROVA A PERÍCIA INDIRETA, O LAUDO SIMILAR E A PROVA EMPRESTADA (5014769-04.2014.4.04.7108 - HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR).
8. OS EFEITOS FINANCEIROS DO BENEFÍCIO SÃO DEVIDOS DESDE A DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO, PORQUANTO O DIREITO AO BENEFÍCIO (OU A DETERMINADO VALOR DE RENDA MENSAL) É INDEPENDENTE DA PROVA DESSE DIREITO, CONSOANTE ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NA TERCEIRA SEÇÃO DESTA CORTE.
9. O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais. Para os feitos ajuizados a partir de 2015, a Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento da taxa única de serviços judiciais, nos termos do artigo 5º da Lei Estadual nº 14.634/2014.
10. A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, prevista na Lei 11.960/2009, foi afastada pelo STF no julgamento do Tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
11. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
12. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, dar parcial provimento à apelação, determinando o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 02 de junho de 2021.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002576202v3 e do código CRC c5ce6c4a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 02/06/2021
Apelação/Remessa Necessária Nº 5004297-25.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALFREDO DA COSTA SANTOS
ADVOGADO: DANIELA MARIOSI BOHRER (OAB RS049362)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 02/06/2021, na sequência 825, disponibilizada no DE de 24/05/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, DETERMINANDO O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 16/06/2021 04:01:00.