APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004709-98.2016.4.04.7108/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LUCIANA DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) |
: | ELIAS DOS SANTOS | |
: | ELISEU DOS SANTOS | |
: | ERONDIR DOS SANTOS | |
: | ERONI DOS SANTOS | |
: | ISAIAS DOS SANTOS | |
: | MARIA CONCEICAO DOS SANTOS (Pais) | |
: | MARINES DOS SANTOS | |
: | ROZANE DOS SANTOS | |
: | SILVANA DOS SANTOS | |
: | SILVIA DOS SANTOS | |
ADVOGADO | : | RUTE GRASSMANN |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO. ESPOSA. QUALIDADE DE SEGURADO. PROVA DE SEGURADO ESPECIAL NA DATA DO ÓBITO.
1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva o benefício.
2. A lei não exige período de carência para a concessão de pensão por morte, o que se precisa é a comprovação da qualidade de segurado do instituidor da pensão na data do óbito. Para tanto não há que se analisar com igual exigência as provas para a concessão de uma pensão, como se faz para a concessão da aposentadoria rural por idade, momento em que se exige maior rigor, pois há um tempo de trabalho rural mínimo exigido pela lei, quando alcançada a idade mínima necessária, para que o trabalhador rural seja considerado segurado especial.
3. Conforme o art. 143 da Lei n° 8213/91 e jurisprudência do STJ, o exercício da atividade rural pode ser descontínuo e o trabalho urbano intercalado ou concomitante ao trabalho campesino, não retira a condição de segurado especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e negar provimento ao apelo do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de maio de 2018.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9375947v7 e, se solicitado, do código CRC 4EE92FF2. | |
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004709-98.2016.4.04.7108/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LUCIANA DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) |
: | ELIAS DOS SANTOS | |
: | ELISEU DOS SANTOS | |
: | ERONDIR DOS SANTOS | |
: | ERONI DOS SANTOS | |
: | ISAIAS DOS SANTOS | |
: | MARIA CONCEICAO DOS SANTOS (Pais) | |
: | MARINES DOS SANTOS | |
: | ROZANE DOS SANTOS | |
: | SILVANA DOS SANTOS | |
: | SILVIA DOS SANTOS | |
ADVOGADO | : | RUTE GRASSMANN |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária proposta por MARINES DOS SANTOS, ERONI DOS SANTOS, ELISEU DOS SANTOS, SILVIA DOS SANTOS, ROZANE DOS SANTOS, ISAIAS DOS SANTOS, ERONDIR DOS SANTOS, ELIAS DOS SANTOS, SILVANA DOS SANTOS, LUCIANA DOS SANTOS esta representada por sua mãe quando do ajuizamento da ação, data em que era menor absolutamente incapaz, MARIA CONCEIÇÃO DOS SANTOS , também autora, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, pleiteando a concessão de benefício de pensão em decorrência da morte de ANTONIO DOS SANTOS, ocorrida em 12/08/1999, os primeiros autores na condição de filhos e a última autora na condição de esposa.
O juízo a quo deferiu o pedido de tutela de urgência para a imediata implantação da pensão por morte em favor de MARIA DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS e LUCIANA DOS SANTOS, devendo ser a quantia rateada entre as autoras, bem como julgou procedente o pedido veiculado na petição inicial, para os efeitos de: (a) declarar o direito da MARIA DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS ao recebimento de 50% do benefício de pensão por morte desde 13/07/2015, (b) declarar o direito da autora LUCIANA DOS SANTOS ao recebimento do benefício de pensão por morte à razão de 100% de 12/08/1999 (data do óbito do instituidor) a 12/07/2015 (dia anterior ao requerimento no INSS); sendo na razão de 50% a partir de 13/07/2015; (c) condenar o INSS a pagar as parcelas em atraso mediante acréscimo de juros e correção monetária; (d) condenar o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em percentual a ser fixado por ocasião da liquidação da sentença, nos termos do art. 85 do CPC/2015, a ser calculado sobre o valor da condenação, esclarecendo que a base de cálculo da verba honorária compreenderá apenas a soma das prestações vencidas até a data de publicação desta sentença (cf. súmulas n.º 76 do TRF/4 e 111 do STJ).
O INSS recorre, alegando que o instituidor da pensão não possuía a qualidade de segurado na data do óbito, não tendo feito prova material da condição de segurado especial. Sustenta que o de cujus realizou serviços urbanos , bem como que as autoras levaram mais de 10 anos para requerer o benefício de pensão, o que também induz à crença de que o instituidor da pensão não era trabalhador rural em regime de economia familiar. Requer a aplicação da Lei nº 11.960/09 para juros e correção monetária.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Atendidos os requisitos processuais de admissibilidade recursal.
REMESSA NECESSÁRIA
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
A nova lei processual prevê que serão salvaguardados os atos já praticados, perfeitos e acabados na vigência do diploma anterior, e que suas disposições aplicam-se aos processos em andamento, com efeitos prospectivos.
As sentenças sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório se condenassem a Fazenda Pública ou em face dela assegurassem direito controvertido de valor excedente a 60 salários mínimos.
O CPC de 2015 definiu novos parâmetros de valor, no art. 496, § 3º, para reexame obrigatório das sentenças. O texto afastou o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas decisões que a condenem ou garantam o proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos.
No caso concreto, o valor do proveito econômico, ainda que não registrado na sentença, é mensurável por cálculos meramente aritméticos, o que caracteriza como líquida a decisão, para efeitos de aferição da necessidade de reexame obrigatório.
O INSS foi condenado ao pagamento de benefício previdenciário de prestação continuada, fixando-se a data de início dos efeitos financeiros, bem como todos os consectários legais aplicáveis.
Embora ainda não tenha sido calculada a renda mensal inicial - RMI do benefício, é possível estimar, a partir da remuneração que será auferida pela parte, equivalente a um salário mínimo mensal, que o valor do benefício resultante, multiplicado pelo número de meses correspondentes à condenação, entre a DER e a sentença, resultará em valor manifestamente inferior ao limite legal para o reexame obrigatório.
Impõe-se, para tal efeito, aferir o montante da condenação na data em que proferida a sentença. Valores sujeitos a vencimento futuro não podem ser considerados, pois não é possível estimar por quanto tempo o benefício será mantido. Não se confundem valor da condenação e valor da causa. Se é a sentença que está ou não sujeita a reexame, é no momento de sua prolação que o valor da condenação, para tal finalidade, deve ser estimado.
Assim, sendo a condenação do INSS fixada em valor manifestamente inferior a mil salários mínimos, a sentença não está sujeita ao reexame obrigatório, de forma que a remessa não deve ser conhecida nesta Corte.
DA PENSÃO POR MORTE
A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: (1) ocorrência do evento morte, (2) condição de dependente de quem objetiva a pensão e (3) demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.
Considerando o estudo e a abrangência da análise do caso concreto realizado em sentença, reproduzo como razões de decidir, os fundamentos expendidos na decisão proferida pelo juízo de origem, in verbis:
2.1 Prejudiciais
2.1.1 Prescrição
Em se tratando de matéria previdenciária, prescrevem as prestações vencidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação, em razão da existência de previsão legal específica a respeito (Lei n.º 8.213/91, art. 103, parágrafo único), que afasta a regra geral de prescrição em ações movidas contra a Fazenda Pública (Decreto n.º 20.910/32).
Considerando a data de ajuizamento da presente demanda (25/03/2016) e, ainda, a data de entrada do requerimento administrativo (13/07/2015), não há falar em prescrição, porquanto não decorrido o prazo quinquenal previsto no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.
2.1.2 Decadência
Falece, de igual modo, a tese decadencial sustentada pela ré, porquanto se trata de concessão de benefício, o que é distinto de revisão, esta sim submetida a prazo decadencial. Dessa forma, não fazendo parte da controvérsia estabelecida nos autos revisão de ato de concessão de benefício previdenciário, inaplicável é o artigo 103 da Lei 8.213/91. Afasto, portanto, a prejudicial.
2.2 Mérito
2.2.1 Tempo de Serviço Rural: Considerações Iniciais
Para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, admite-se a contagem do tempo de serviço rural não indenizado anterior a 01/11/1991, na forma do art. 55, § 2.º, da LBPS, salvo para fins de carência: "O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento."
O trabalhador rural segurado especial encontra especial proteção na Lei n.º 8.213/91, que, no § 1.º do art. 11, conceitua o regime de economia familiar:
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Depreende-se da legislação que o trabalho exercido em regime de economia familiar deve ser indispensável à subsistência do trabalhador, não abrangendo, desse modo, todos os produtores rurais, mas apenas os pequenos produtores. A LBPS prevê, por exemplo, que o recebimento da pensão por morte em valor superior ao do salário mínimo descaracteriza a condição de segurado especial:
Art. 11 [...]
§ 9o Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
I - benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
Trata-se de patamar relevante. Quando a atividade rural ou a atividade do cônjuge gera renda significativamente superior ao valor do salário mínimo, a indispensabilidade do trabalho rural à manutenção do núcleo familiar fica afastada. Cabe ao produtor rural, neste caso, verter contribuições ao RGPS, pois o benefício legal da dispensa de contribuições destina-se apenas aos pequenos produtores, de baixa renda, que são chamados de segurados especiais.
A prova do tempo de serviço rural deve ser feita mediante início de prova material, como dispõe a Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário."), na forma do art. 55, § 3.º, da LBPS, que dispõe:
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Como razoável início de prova material, devem ser apresentados documentos idôneos e contemporâneos ao período a ser reconhecido (Súmula n. 34 da TNU). O início de prova material deve ser complementado por prova testemunhal idônea (arts. 55, § 3º, 106, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149 do STJ). Entretanto, não há necessidade de apresentação de documentos que comprovem, ano a ano, a manutenção da qualidade de segurado especial, por se tratar de atividade por natureza contínua, e não intermitente. Neste sentido, cito precedente:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. COMPROVAÇÃO. BOIA-FRIA. 1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea. 2. Para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. 3. A 3ª Seção deste Tribunal tem entendido que quando o documento mencionar expressamente a profissão do autor, é possível reconhecer tempo de serviço pretérito mediante prova testemunhal idônea, até porque se ele aparece qualificado como agricultor ao tempo do seu alistamento militar não há motivos para se negar esta qualidade em relação a período anterior. 4. Tratando-se de labor como boia-fria, é de ser mitigada a exigência legal de início de prova material do tempo de serviço, em razão da grande dificuldade que tem esse tipo de trabalhador de documentar a prestação do serviço. (TRF4, EINF 2006.70.16.001567-8, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 19/08/2011)- grifos
Os documentos não precisam estar em nome do próprio postulante, podendo constar em nome de terceiros, desde que vinculados ao requerente. Cito o teor da Súmula n.º 32 da AGU:
"Para fins de concessão dos benefícios dispostos nos artigos 39, inciso I e seu parágrafo único, e 143 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, serão considerados como início razoável de prova material documentos públicos e particulares dotados de fé pública, desde que não contenham rasuras ou retificações recentes, nos quais conste expressamente a qualificação do segurado, de seu cônjuge, enquanto casado, ou companheiro, enquanto durar a união estável, ou de seu ascendente, enquanto dependente deste, como rurícola, lavrador ou agricultor, salvo a existência de prova em contrário.
A contagem do tempo de serviço rural tem sido admitida desde os 12 (doze) anos de idade, embora normas constitucionais tenham proibido o trabalho de menores nesta idade. É que tais normas são e sempre foram protetivas, não podendo ser invocadas contra o trabalhador, mas apenas em seu favor. Se trabalho houve, embora não devesse ter havido, devem ser responsabilizados os órgãos públicos que não atuaram (DRT, SRTE, MPT, Polícias Civil, Militar e Federal) e a sociedade, cujos membros não denunciaram a ilegalidade, mas não o próprio trabalhador, que já foi vítima e que, se não puder computar o tempo de serviço prestado, será novamente vitimado por meio da postergação indevida de sua aposentadoria. Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL DOS 12 AOS 14 ANOS. POSSIBILIDADE. Comprovado o exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, no período dos doze aos quatorze anos, é de ser reconhecido para fins previdenciários o tempo de serviço respectivo. Precedentes do STJ. (TRF 4ª R. 3ª Seção. AC nº 2001.04.01.025230-0/RS. Rel: Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira. Data julg. 12/03/03).
2.2.2 Caso Concreto
No caso concreto, Maria da Conceição e Luciana pretendem a concessão de pensão por morte do instituidor Antônio dos Santos, respectivamente, marido e pai das citadas autoras. Juntaram documentos que comprovam que o falecido era agricultor, tendo sempre desenvolvido atividade no meio rural:
- Autorização concedida pelo INCRA de ocupação de imóvel/gleba situada em Chapecó/SC, datada de 23/09/1981 (evento1-INCRA11);
- Nota fiscal de produto autenticada por técnica do seguro social(evento1-PROCADM19);
- Certidão de casamento (datada de 04/08/1979) na qual é qualificado como agricultor e
-CTPS com anotações que apontam que trabalhou como safrista e em empresas de atividade agrícola, contendo registros a partir de 22/10/1996 a 16/05/1997, não havendo apontamento anterior. No CNIS, de igual modo, constam apenas esses dois vínculos empregatícios.
Tais documentos podem ser considerados como início razoável de prova do trabalho rural em regime de economia familiar. Não considerar como início de prova material os documentos acostados aos autos equivaleria a inviabilizar o reconhecimento da atividade rural da maioria dos brasileiros que viviam no interior. Deve-se ter em mente a realidade social que cerca o magistrado, a fim de que se possa analisar com justiça a situação de pessoas que normalmente estão à margem de informações necessárias à garantia de seus direitos e que, por essa razão, buscam o Poder Judiciário na esperança de obterem a proteção mínima de que necessitam. Em sentido semelhante, cito a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4º Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Assim, o requisito do início de prova material, previsto no art. 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91, foi satisfeito. Deve, porém, ser corroborado pela prova testemunhal, produzida em juízo ou administrativamente (justificação administrativa).
Da oitiva do depoimento da parte autora Maria Conceição (evento 93-VÍDEO1), é possível identificar que a atividade que desempenhou o falecido em Maravilha/SC era de diarista em plantações, também conhecido como boia-fria.
Disso se conclui que Antônio pode ser enquadrado como segurado especial, porquanto prestava serviços de safrista, participava de colheitas, desempenhava atividades que raramente logravam registro em CTPS, o que é característico do mercado de trabalho informal rural, sendo muito difícil ao empregado comprovar vínculo. Tratava-se de trabalho árduo e duro sem reconhecimento, na maioria das vezes, pelos empregadores. Daí a inexistência de registro na CTPS de Antônio em período anterior a 1996. No entanto, há prova material que demonstra que ele desempenhava atividade de agricultor, como a autorização concedida pelo INCRA de ocupação de imóvel/gleba situado(a) em Chapecó/SC, datada de 23/09/1981 (evento1-INCRA11), e a nota fiscal de produtor autenticada por técnica do seguro social (evento1-PROCADM19);
Maria da Conceição, em depoimento, quando perguntada acerca do último empregador do marido, o que o contratou para trabalhar na plantação de feijão, respondeu que não recorda porque "...era tanta empresa, né". Explicou ela que, na cidade de Maravilha/ SC, Antônio trabalhava na Roça. Em Fraiburgo, trabalhava para outros produtores.
Assim, considerando a perfeita lucidez da viúva, raciocínio lógico e todas as condições de cognição preservadas e compatíveis com a idade de 55 anos, tenho que, realmente, Antônio trabalhava na condição de bóia-fria.
E, dessa forma, resta concluir que Antônio possuía a qualidade de segurado quando faleceu, porquanto, ainda que tenha anotações na CTPS nos anos de 1996 e 1997, jamais saiu do meio rural, pois os referidos empregadores são do segmento rurícula. Dessa forma, independentemente de comprovação de recolhimento de contribuição, Antônio manteve a qualidade de segurado do Regime Geral da Previdência Social, razão por que a viúva e a filha têm direito ao benefício da pensão por morte pleiteada.
Demais autores apenas acompanharam o feito, nada requerendo ou se opondo ao pedido. (...)"
Em matéria previdenciária, a prescrição atinge as parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu ao ajuizamento da ação, conforme o parágrafo único do artigo 103 da Lei n°8.213/1991, como bem explanou o juízo a quo. Vale frisar ainda que, consoante entendimento jurisprudencial pacificado, nas relações de trato sucessivo em que figurar como devedora a Fazenda Pública, como na espécie, "quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação" (Súmula n.º 85 do STJ).
Para o menor incapaz, o entendimento desta Turma quanto à prescrição, é de que menor não pode ser prejudicado pela inércia de seu representante legal, não se cogitando de prescrição de direitos de incapazes, a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil e dos artigos 79 e 103, parágrafo único da Lei nº 8213/91, do que não se lhe aplica o disposto no artigo 74 do mesmo diploma legal.
Em não correndo a prescrição contra o absolutamente incapaz, o implemento dos 16 anos não torna, automaticamente, prescritas parcelas não reclamadas há mais de 5 anos, apenas faz iniciar a fluência do prazo quinquenal, que se esgotaria aos 21 anos, quando, então, todas as parcelas não reclamadas há mais de 5 anos contadas dos 16 anos é que se tornariam inexigíveis.
Considerando que a DER da pensão aqui pleiteada se deu em 13/07/2015, e a data do ajuizamento da ação ocorreu em 25/03/2016, não há prescrição a ser declarada para as autoras Luciana dos Santos e Maria da Conceição, beneficiadas pelo pensionamento. Inclusive para a autora Luciana dos Santos não há parcela vencida desde a data do óbito, uma vez que nasceu cerca de 2 anos após o falecimento de seu genitor e requereu o benefício quando ainda não tinha completado 21 anos de idade, ou seja, tinha 15 anos, quando o prazo prescricional de nenhuma parcela estava esgotado.
Para comprovar o exercício de atividade rural, na condição de segurado especial, foi juntado aos autos início de prova documental suficiente, corroborado por prova testemunhal precisa e convincente do labor rural do instituidor, por longa data na condição de trabalhador rural, inclusive na data imediatamente anterior ao óbito.
A lei não exige período de carência para a concessão de pensão por morte, o que se precisa é a comprovação da qualidade de segurado do instituidor da pensão na data do óbito. Para tanto não há que se analisar com igual exigência as provas para a concessão de uma pensão, como se faz para a concessão da aposentadoria rural por idade, momento em que se exige maior rigor, pois há um tempo de trabalho rural mínimo exigido pela lei, quando alcançada a idade mínima necessária, para que o trabalhador rural seja considerado segurado especial.
A par da inexistência de prova material correspondente a todos os períodos pleiteados, não há necessidade que a prova tenha abrangência sobre todo o período, ano a ano, a fim de comprovar o exercício do trabalho rural. Basta um início de prova material. Uma vez que é presumível a continuidade do labor rural, a prova testemunhal pode complementar os lapsos não abrangidos pela prova documental, como no presente feito.
Com relação ao provável exercício de atividade urbana, em tendo restado cabalmente demonstrado que o instituidor exercia atividade rural de forma habitual como forma de sustento seu e de sua família, o fato de haver a realização, por ventura, de alguma atividade urbana não é incompatível com o reconhecimento da qualidade de segurado especial. Conforme o art. 143 da Lei n° 8213/91 e jurisprudência do STJ, o exercício da atividade rural pode ser descontínuo e o trabalho urbano intercalado ou concomitante ao trabalho campesino, não retira a condição de segurado especial.
Assim, preenchidos pela parte autora os requisitos para a percepção de pensão por morte, nego provimento ao apelo do INSS.
CONSECTÁRIOS E PROVIMENTOS FINAIS
Considerando que a sentença não especificou quais os índices de atualização das parcelas vencidas, nem o percentual dos juros de mora, passo a fazê-lo.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94;
- INPC de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91.
- IPCA-E a partir de 30/06/2009.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo STF, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei n.º 9.289/96).
Honorários advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.
O § 3º do art. 85 da lei adjetiva estabelece que os percentuais que incidirão sobre a condenação deverão ser definidos conforme a extensão da base de cálculo (condenação ou proveito econômico a ser obtido com a ação).
O juízo de origem, tendo por aplicável a hipótese do inciso II do § 4º do mesmo dispositivo legal (decisão ilíquida), estabeleceu que a verba honorária deveria ser calculada em liquidação.
Considerando, porém, que o valor da condenação, embora não possa ser definido com absoluta precisão neste momento, é, no mínimo, facilmente estimável, sendo possível afirmar que não excederá 200 salários mínimos, impõe-se fixar, desde logo, a verba sucumbencial. Para tanto, devem ser observados o grau de zelo profissional, o tempo despendido, a natureza e a importância da causa, bem como os parâmetros relacionados à extensão da base de cálculo.
Assim, e considerados os pressupostos dos §§2º e 3º do art. 85 do CPC, a verba honorária deve ser fixada em 10% sobre o valor das parcelas vencidas.
Mantida a decisão em grau recursal, impõe-se a majoração dos honorários, por incidência do disposto no §11 do mesmo dispositivo legal.
Assim, os honorários vão fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas, observado o trabalho adicional realizado em grau recursal.
Antecipação de tutela
Confirmado o direito ao benefício de aposentadoria, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela, concedida pelo juízo de origem.
CONCLUSÃO
A sentença resta mantida integralmente.
Não conhecida a remessa necessária.
Suprida a omissão da sentença quanto à fixação dos índices de correção monetária e juros de mora.
Desprovido o apelo do INSS.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária e negar provimento ao apelo do INSS.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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Data e Hora: | 30/05/2018 18:14 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 23/05/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004709-98.2016.4.04.7108/RS
ORIGEM: RS 50047099820164047108
RELATOR | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr.Alexandre Amaral Gavronski |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | PRESENCIAL - DR. ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LUCIANA DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) |
: | ELIAS DOS SANTOS | |
: | ELISEU DOS SANTOS | |
: | ERONDIR DOS SANTOS | |
: | ERONI DOS SANTOS | |
: | ISAIAS DOS SANTOS | |
: | MARIA CONCEICAO DOS SANTOS (Pais) | |
: | MARINES DOS SANTOS | |
: | ROZANE DOS SANTOS | |
: | SILVANA DOS SANTOS | |
: | SILVIA DOS SANTOS | |
ADVOGADO | : | RUTE GRASSMANN |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 23/05/2018, na seqüência 311, disponibilizada no DE de 03/05/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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