Apelação Cível Nº 5004117-46.2014.4.04.7101/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MARIA JOSE PINHO CARDOZO (AUTOR)
ADVOGADO: ANA PAULA MEDEIROS VALÉRIO JACOBS
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em 30/06/2014 contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em que a autora postula o pagamento de diferenças entre o que auferiu e o valor integral, a título de pensão por morte, no período de 25-01-2006 a 01-07-2012. Informa que neste período recebeu quota-parte da pensão em conjunto com a ex-esposa do segurado falecido. Argumenta, todavia, que era a única dependente do de cujus na data do óbito, na condição de companheira, o que foi reconhecido posteriormente, judicial e administrativamente.
O juízo a quo, em sentença publicada em 31/10/2015, julgou procedente o pedido, para condenar o INSS a pagar à autora as diferenças decorrentes do reconhecimento do direito ao valor integral da pensão devida, a contar de 25-01-2006 e até a cessação do rateio indevido, com acréscimo de correção monetária e juros. Condenou o INSS, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% dos valores vencidos até a data da sentença.
O INSS interpôs recurso de apelação, sustentando que a demandante não faz jus ao pagamento integral da pensão no período em que recebeu o valor em conjunto com a ex-esposa do de cujus. Alegou que não há suporte legal para a pretensão autoral. Sopesa que a habilitação de dependente é feita em caráter constitutivo, e, por fim, aduz que os valores postulados são parcelas sem natureza alimentar. Subsidiariamente, requereu a aplicação da Lei 11.960/09 para fins de atualização monetária e juros de mora a incidir sobre as parcelas devidas.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A autora ajuizou, em março de 2006, ação de concessão de benefício de pensão por morte perante o Juizado Especial Federal de Rio Grande/RS, cuja decisão de procedência transitou em julgado em 30/06/2009. Naquela ocasião foi concedida a pensão por morte desde 25/01/2006 (data do óbito do instituidor), para que a autora recebesse o benefício em conjunto com a ex-esposa do de cujus, que já se encontrava habilitada administrativamente.
Discute-se, pois, não o direito à concessão de benefício à autora, mas sim o direito de ela receber o valor integral da pensão devida, no período de 25/01/2006 a 01/07/2012, ocasião em que dividia o valor do benefício com a ex-esposa do instituidor.
Em regular procedimento administrativo, o INSS concluiu que os valores recebidos pela ex-esposa, foram pagos de forma equivocada. Constatou a autarquia previdenciária que a pensão foi concedida à ex-esposa sem que ela tivesse provado qualquer dependência econômica com relação ao de cujus na data do óbito. Nas certidões de casamento e de óbito já se encontravam averbados a separação judicial do casal e o posterior divórcio. Apesar disso, instada a comprovar a alegada existência de união estável, a ex-esposa não apresentou provas neste sentido. Diante disso, o INSS cessou o pagamento da referida quota-parte em 01/07/2012.
Mediante a decisão da autarquia previdenciária, a ex-esposa do segurado falecido ajuizou ação de concessão de pensão por morte, em 17/12/2012, perante o Juizado Especial Federal de Rio Grande/RS, que foi julgada improcedente, e encontra-se transitada em julgado desde 08/05/2014.
Assim, não há dúvida que a autora sempre foi a única dependente do de cujus, que deveria estar recebendo o benefício de pensão na sua totalidade desde a data em que se habilitou. Não pode a demandante responder por erro da autarquia previdenciária que habilitou equivocadamente a ex-esposa do segurado falecido, sem que ela comprovasse sua dependência econômica na data do óbito.
Tem direito, assim, a demandante em receber a diferença de valores, percebidos por erro pela ex-esposa, de 25/01/2006 (data do óbito e data da habilitação da autora) até 01/07/2012 - data em que cessou o benefício pago a ex-esposa e a autora passou a receber a totalidade dos valores.
Nessa linha, reproduzo ainda como razões de decidir, os fundamentos declinados em sentença, em que a prova contida nos autos foi ampla e escorreitamente analisada in verbis:
Trata-se de ação em que a autora pretende o ressarcimento de valores relativos ao intervalo de 25-01-2006 a 01-07-2012, em razão de rateio indevido de pensão por morte.
Da análise dos documentos acostados à inicial, verifica-se que o rateio da pensão por morte nº 138.588.944-3 entre a Sra. Zilda Alagia Silva e a requerente ocorreu por força de decisão judicial proferida nos autos da ação nº 2006.71.01.001241-8, que reconheceu a condição de dependente desta última em relação ao segurado falecido, Sr. Semoacy Borba Silva.
De outro lado, a cessação do rateio ocorreu na esfera administrativa quando constatado, por meio de requerimento da própria autora, irregularidade na concessão da pensão (p. 19, PROCADM1, evento 12).
Assim, a partir de setembro de 2012, a quota até então percebida em forma de rateio pela autora passou a ser percebida de forma integral (p. 19, PROCADM1, evento 12).
A Sr. Zilda Alagia Silva, a seu turno, ajuizou ação, com o fito de obter o restabelecimento da pensão, a qual restou julgada improcedente por não ter sido demonstrado que, após o divórcio, se manteve em condição de dependência econômica em relação ao de cujus (OUT10, evento 1).
Pois bem, a Lei nº 8.213/1991 estabelece que:
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.
Art. 76. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação.
§ 1º O cônjuge ausente não exclui do direito à pensão por morte o companheiro ou a companheira, que somente fará jus ao benefício a partir da data de sua habilitação e mediante prova de dependência econômica.
§ 2º O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os dependentes referidos no inciso I do art. 16 desta Lei.
Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.
§ 1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar.
Nesse contexto, restou demonstrado de forma inconteste que a autora é a única dependente do ex-segurado Semoacy Borba Silva, motivo pelo qual faz jus à integralidade do benefício de pensão por morte, o que foi reconhecido pelo próprio réu na esfera administrativa e posteriormente ratificado no âmbito judicial.
Com efeito, a circunstância de terceira pessoa ter recebido benefício indevido não tem o condão de afastar o direito do verdadeiro pensionista ao pagamento integral das parcelas devidas desde o rateio. É dizer, incumbe ao INSS, se reputar oportuno e conveniente, buscar o ressarcimento do que foi pago indevidamente, mas o seu equívoco não pode elidir o direito do justo beneficiário. (GRIFEI)
De mais a mais, observa-se que a autarquia previdenciária, malgrado tenha sido alertada pela própria autora, em 19-08-2006, de possível irregularidade na concessão de pensão por morte à Zilda Alagia Silva, inclusive recebendo certidão na qual constava a averbação de divórcio no Registro Civil das Pessoas Naturais de Bagé (PADM8, evento 1), somente em setembro de 2012 concluiu o processo administrativo (RESJUSTADMIN9) e cessou o rateio, passando a demandante a receber integralmente a pensão.
Em suma, tendo ocorrido o rateio indevido da pensão por morte, forçoso reconhecer o direito da autora ao ressarcimento.
Nego provimento assim ao apelo do INSS, no ponto.
Consectários e provimento finais
- Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94;
- INPC a partir de 04/2006, de acordo com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, sendo que o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, determina a aplicabilidade do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado, no recurso paradigma a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Interpretando a decisão do STF, e tendo presente que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial), o Superior Tribunal de Justiça, em precedente também vinculante (REsp 1495146), distinguiu, para fins de determinação do índice de atualização aplicável, os créditos de natureza previdenciária, para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a tal natureza de obrigação, o índice que reajustava os créditos previdenciários anteriormente à Lei 11.960/09, ou seja, o INPC.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde julho de 2009 até setembro de 2017, quando julgado o RE 870947, pelo STF (IPCA-E: 64,23%; INPC 63,63%), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Em data de 24 de setembro de 2018, o Ministro Luiz Fux, relator do RE 870947 (tema 810), deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pela Fazenda Pública, por considerar que a imediata aplicação da decisão daquela Corte, frente à pendência de pedido de modulação de efeitos, poderia causar prejuízo "às já combalidas finanças públicas".
Em face do efeito suspensivo deferido pelo STF sobre o próprio acórdão, e considerando que a correção monetária é questão acessória no presente feito, bem como que o debate remanescente naquela Corte Suprema restringe-se à modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, impõe-se desde logo, inclusive em respeito à decisão também vinculante do STJ, no tema 905, o estabelecimento do índice aplicável - INPC para os benefícios previdenciários e IPCA-E para os assistenciais -, cabendo, porém, ao juízo de origem observar, na fase de cumprimento do presente julgado, o que vier a ser deliberado nos referidos embargos declaratórios. Se esta fase tiver início antes da decisão, deverá ser utilizada, provisoriamente, a TR, sem prejuízo de eventual complementação.
- Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Conclusão
Dado parcial provimento ao apelo do INSS, para adequar os critérios de juros de mora e de correção monetária. Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000953715v25 e do código CRC b150ed78.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5004117-46.2014.4.04.7101/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MARIA JOSE PINHO CARDOZO (AUTOR)
ADVOGADO: ANA PAULA MEDEIROS VALÉRIO JACOBS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. companheira. única dependente. direito ao pagamento das diferenças recebidas a menor.
1. Reconhecido o direito ao recebimento do valor integral da pensão devida, desde a data da concessão, e cessado o pagamento do benefício à ex-mulher, que recebia equivocadamente a pensão em conjunto com a companheira; a única dependente tem direito ao pagamento das diferenças não recebidas no período em que dividiu a pensão.
2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR.
3. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
4. Estando pendentes embargos de declaração no STF para decisão sobre eventual modulação dos efeitos da inconstitucionalidade do uso da TR, impõe-se fixar desde logo os índices substitutivos, resguardando-se, porém, a possibilidade de terem seu termo inicial definido na origem, em fase de cumprimento de sentença.
5. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de maio de 2019.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000953716v3 e do código CRC dc4cd16b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/05/2019
Apelação Cível Nº 5004117-46.2014.4.04.7101/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MARIA JOSE PINHO CARDOZO (AUTOR)
ADVOGADO: ANA PAULA MEDEIROS VALÉRIO JACOBS (OAB RS054970)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/05/2019, na sequência 177, disponibilizada no DE de 06/05/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 20:46:29.