Apelação Cível Nº 5001624-44.2020.4.04.7115/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: CLECI KNEBEL DE ALCANTARA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação interposta por Cleci Knebel de Alcantara requerendo a concessão de pensão por morte de seu ex-marido, Bernardino de Souza Neto, falecido em 12/10/2013, sob a alegação de que mesmo divorciada recebia ajuda financeira do de cujus, por possuir necessidade econômica superveniente.
A sentença proferida em 20/09/2021, julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas e honorários sucumbência, fixados no percentual mínimo previsto no parágrafo 2º e nos incisos do parágrafo 3º do art. 85 do Código de Processo Civil, sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade ficou suspensa em face da justiça gratuita.
A autora aduz que restou comprovado nos autos que mesmo divorciada, dependia economicamente de seu ex-marido, devendo ser julgada procedente a ação.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Recurso adequado e tempestivo. Apelante isenta de custas, nos termos do art. 4º, II, da Lei 9.289/1996.
Pensão por Morte
A concessão do benefício de pensão depende do preenchimento dos seguintes requisitos: i) a ocorrência do evento morte; ii) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus; e iii) a condição de dependente de quem objetiva a pensão.
O óbito do ex-esposo da requerente, Bernardino de Souza Neto, ocorreu em 12/10/2013.
A qualidade de segurado do de cujus, não contestada, restou incontroversa nos autos.
A condição de dependente da esposa é presumida, consoante as disposições contidas no art. 16, I e § 4º da Lei nº 8.213/91.
No caso, tal presunção está afastada em decorrência do divórcio entre a autora e o falecido, inexistindo comprovação de prestação alimentícia (certidão de casamento com averbação de divórcio, em 20/10/2011 - ev. 1.3).
Entretanto, o entendimento do Egrégio STJ consolidou-se no sentido de não constituir óbice à concessão do benefício de pensão por morte a ex-cônjuge, a dispensa da prestação de alimentos à época da separação, se demonstrada a necessidade econômica superveniente.
Com efeito, a jurisprudência previdenciária é pacífica e clara ao distinguir duas situações nos casos de cônjuges separados que buscam provar a dependência econômica: ( i ) cônjuge separado que recebia pensão de alimentos, a dependência econômica é presumida (art. 76, § 2º c/c art. art. 16, § 4º), ( ii ) cônjuge separado que não recebia pensão de alimentos, a dependência econômica deve ser comprovada.
Nos casos da segunda possibilidade mencionada, o cônjuge separado deve comprovar a dependência econômica, ainda que superveniente ao momento da separação. Contudo, a situação de dependência referida não pode sobrevir a qualquer tempo, mas sim, deve ter ocorrência apenas até o óbito do segurado, sob pena de, se postergado tal marco, o casamento apresentar um novo objetivo: "o da cobertura previdenciária incondicionada" (como bem ressaltou o ilustre Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, no voto do EI nº 2007.70.99.004515-5 - TRF 4º Região).
Alega a requerente que apesar da separação do casal, recebia ajuda financeira de seu ex-marido e que era dependente econômica dele até a data de seu óbito.
Mesmo não havendo nenhuma prova documental, ainda seria admissível a comprovação da dependência econômica pela prova exclusivamente oral.
Com efeito, relativamente à produção de prova exclusivamente testemunhal, a Lei n°8.213/91 somente exige início de prova material para fins de comprovação de tempo de serviço, não havendo tal exigência para fins de comprovação de união estável ou da dependência econômica.
No presente feito, entendo inexistir início suficiente de prova material e testemunhal no sentido de que a apelante continuava a depender financeiramente do seu ex-marido, ainda que divorciada do mesmo.
Nesse sentido, transcrevo os mesmo argumentos expostos pela sentença da lavra do Juiz Federal Rafael Lago Salapata, que muito bem analisou a controvérsia (Evento 36 - SENT1):
Dependência econômica da parte autora
Inicialmente cabe esclarecer que a jurisprudência previdenciária do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região traça a seguinte distinção entre os casos de cônjuges separados que buscam provar a dependência econômica: (1) dependência econômica presumida em relação ao cônjuge separado que recebia pensão de alimentos (art. 76, §2º c/c art. art. 16, §4º, Lei 8.213/91); (2) dependência econômica a ser comprovada a respeito do cônjuge separado que não recebia pensão de alimentos.
O caso do autos se amolda à segunda hipótese, visto que a parte autora não recebia pensão alimentícia do de cujus. Assim, deve restar comprovada a dependência econômica, ainda que superveniente ao momento da dissolução conjugal, para fins de concessão da pensão por morte.
Contudo, a situação de dependência referida não pode sobrevir a qualquer tempo, mas sim, deve ter ocorrência apenas até o óbito do segurado, sob pena de, se postergado tal marco, o casamento apresentar um novo objetivo: "o da cobertura previdenciária incondicionada", como bem elucidou o Excelentíssimo Des. Federal Rômulo Pizzolatti, no julgamento dos embargos infringentes nº 2007.70.99.004515-5/PR
"(...) Assim, rompida a vida em comum anteriormente ao óbito do segurado, não decai o cônjuge, em princípio, do direito à percepção de pensão por morte, mesmo que não titule crédito alimentar, seja por falta de estipulação judicial, seja mesmo por dispensa expressa, mas a presunção de sua dependência econômica torna-se relativa, exigindo, pois, comprovação judicial. Tal entendimento remonta à vetusta Súmula 64 do extinto TRF, segundo a qual "a mulher que dispensou, no acordo de desquite, a prestação de alimentos, conserva, não obstante, o direito à pensão decorrente do óbito do marido, desde que comprovada a necessidade do benefício", bem como à Súmula 379 do STF, no sentido de que "no acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais".
(...) No âmbito da lei previdenciária, a dicção do art. 16 é literal, ao exigir a dependência econômica dos beneficiários preferenciais. Ou seja, em se tratando de cônjuge separado ou divorciado, que após a ruptura da vida em comum tenha permanecido à margem de qualquer amparo alimentar por parte do consorte, somente será dado pleitear o benefício da pensão por morte se, em momento posterior à ruptura, tenha-se restabelecido efetivo relacionamento de amparo material, a criar real dependência econômica ao segurado, ainda em vida. E nem se diga que a dependência econômica decorra de mero auxílio material. Não se confunde ela com simples ajuda financeira, desprovida tanto de regularidade, quanto à frequência dos aportes monetários, quanto de previsibilidade, quanto ao seu valor (...). (Grifei)"
Nesse contexto, veja-se que a ex-cônjuge detém o direito de receber o benefício de pensão por morte, mesmo que tenha havido dispensa de alimentos na dissolução conjugal (separação de fato, separação judicial ou divórcio), desde que comprovada a dependência econômica superveniente. A matéria, inclusive, foi sumulada pelo STJ:
SÚMULA 336:
A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente.
No caso concreto a autora não logrou êxito em demonstrar dependência econômica em relação ao falecido. Os documentos que lastreiam o pedido são início de prova de que o instituidor, após a separação, possa ter auxiliado esporadicamente, mas não de que esta dependesse dele para sua subsistência. Veja-se que faturas de saneamento e de energia elétrica do imóvel em que residia a autora, mantidas em nome do ex-marido após a separação do casal, não são prova sequer de que o mesmo as liquidasse mensalmente. É normal que em situações envolvendo abandono do lar as contas e dados cadastrais permaneçam algum tempo sem alteração.
Afora isso, a demonstração de que o instituidor arcou com despesas relativas a uma reforma realizada no imóvel indica colaboração eventual e não habitual ou assencial.
Por fim, a prova testemunhal revelou-se indicativa de que, de fato, o instituidor prestou algum auxílio material à autora após a separação, mas não demonstra que este auxílio tenha sido substancial a ponto de revelar dependência econômica dela em relação a ele.
Ocorre que o reconhecimento judicial de dependência econômica para fins previdenciários demanda conjunto probatório amplo e seguro - vale dizer, reclama que todas as circunstâncias e elementos probatórios apurados no curso do feito apontem unissonamente ao acolhimento do pedido declinado na inicial.
Sob tal enfoque, não passa despercebido que a autora mantinha relação empregatícia após a separação - fato reconhecido pelas testemunhas - bem como que atualmente é beneficiária da aposentadoria previdenciária - fato mencionado na inicial.
O auxílio eventual para aquisição de gêneros alimentícios (não comprovado materialmente nos autos, diga-se de passagem) ou mesmo o pagamento esporádico de contas, em tal contexto, não agasalha a tese declinada na inicial.
Tal sucessão de fatos relevantes torna duvidosa a condição de dependente da autora no momento do óbito de Bernardino de Souza Neto, daí se extraindo que a mesma deixou de produzir prova suficiente do fato constitutivo de seu direito.
Desse modo, a improcedência dos pedidos é a medida que se impõe.
No caso em análise, a autora não logrou êxito em comprovar a qualidade de dependente econômica em face do instituidor, seu ex-cônjuge.
A testemunha confirmou que a autora trabalhava como cuidadora de idosos, e consta que atualmente se encontra aposentada, portanto, possui renda própria, da qual sempre retirou seu sustento.
Na hipótese dos autos, a prova não demonstrou consistentemente que havia a alegada dependência econômica da autora em relação ao segurado falecido, tampouco necessidade superveniente.
Assim, à vista dos fundamentos antes considerados, tenho que a parte requerente não preenche os requisitos atinentes à qualidade de dependente do de cujus, para fins previdenciários, devendo ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido contido na inicial.
Honorários Recursais
Vencida a parte recorrente tanto em primeira como em segunda instância, sujeita-se ao acréscimo de honorários de advogado de sucumbência recursais de que trata o § 11 do art. 85 do CPC. Majora-se o saldo final de honorários de advogado de sucumbência que se apurar aplicando os critérios fixados pelo Juízo de origem, para a ele acrescer vinte por cento.
Caso o valor da condenação/atualizado da causa apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no § 3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§ 4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.
Fica suspensa a exigibilidade em relação à parte autora enquanto perdurarem os requisitos ensejadores do benefício da gratuidade.
CONCLUSÃO
Apelação da parte autora improvida.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5001624-44.2020.4.04.7115/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: CLECI KNEBEL DE ALCANTARA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. QUALIDADE DE DEPENDENTE DA EX-ESPOSA. NÃO COMPROVAÇÃO.
1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão.
2. Para a obtenção do benefício de pensão por morte deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte.
3. A dependência econômica do cônjuge separado que não recebia pensão de alimentos deve ser comprovada. No presente caso, não há nos autos provas documental e testemunhal que comprovam a dependência econômica da autora em relação ao "de cujus".
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de outubro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 04/10/2022
Apelação Cível Nº 5001624-44.2020.4.04.7115/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): MARCELO VEIGA BECKHAUSEN
SUSTENTAÇÃO ORAL PRESENCIAL: JANE LUCIA WILHELM BERWANGER por CLECI KNEBEL DE ALCANTARA
APELANTE: CLECI KNEBEL DE ALCANTARA (AUTOR)
ADVOGADO: FABIO GUSTAVO KENSY (OAB RS066913)
ADVOGADO: CLAUDIA FERNANDA VEIGA DE MENDONCA (OAB RS103915)
ADVOGADO: VANUSA GERVASIO DA SILVA (OAB RS104567)
ADVOGADO: JANE LUCIA WILHELM BERWANGER (OAB RS046917)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 04/10/2022, na sequência 18, disponibilizada no DE de 23/09/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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