Apelação Cível Nº 5004831-03.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: PAULO DOS SANTOS MARQUES
ADVOGADO: CESAR ACUNHA VIDAL JUNIOR
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação da parte autora contra sentença (prolatada em 08/11/2017 na vigência do NCPC) que julgou improcedente os pedidos formulados, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Em face ao exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos, resolvendo o mérito, na forma do art. 487, I do CPC, pela ausência de qualidade de segurada, nos termos da fundamentação.
Sucumbente, condeno o autor às custas processuais e honorários de advogado, os quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), na forma do art. 85 do CPC. Todavia, ficam as eras com a exigibilidade suspensa, haja vista que a parte autora litiga ao abrigo da AJG.
Inconformado, recorreu, alegando, em apertada síntese, que é inadmissível não orientar o contribuinte sobre a necessidade de inscrição no CadUnico, considerando que a falecida mantinha qualidade de segurada, uma vez que verteu as devidas contribuições dentro do prazo.
Ademais, as testemunhas comprovaram de forma unânime a convivência do casal, como marido e mulher. Requereu, ao final o conhecimento e provimento da apelação, para reformar a sentença, concedendo o beneficio de pensão por morte.
Apresentada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Os apelos preenchem os requisitos legais de admissibilidade.
Objeto da ação
Pugna a parte autora pelo reconhecimento do direito ao benefício de pensão por morte, decorrente do óbito de sua companheira, Enedir Pereira Soares, ocorrido em 18/04/2015. Para fins de clareza, transcrevo excerto do relatório da sentença (evento 3,SENT30):
PAULO SANTOS MARQUES ajuizou ação de concessão de benefício previdenciário (pensão por morte) em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ambos qualificados na inicial. Afirmou que manteve união estável com Enedir Pereira Soares, pelo período de 04 anos e 06 meses, e que após a sua morte, apresentou requerimento de pensão por morte, havendo solicitação de novos documentos, sem que tenha sido apresentada decisão. Disse que postulou novamente o benefício, todavia, não houve atendimento, em face da greve dos servidores do instituto. Discorreu sobre o direito aplicável e requereu a concessão do benefício da pensão por morte. Juntou documentos. (fls. 10/83).
Determinada a comprovação da necessidade da AJG, foi cumprida, sendo recebida a inicial e concedida a benesse (fl. 91).
Citado (fl. 40), o réu contestou. Defendeu que a de cujus não detinha a qualidade de segurada quando do falecimento, bem como ausência de comprovação da união estável e a dependência econômica ao instituidor do benefício. Subsidiariamente, teceu considerações sobre a data do início do benefício, assim também quanto aos critérios de atualização. Pugnou plea improcedência do pedido e juntou documentos, fls. 107/132.
Pensão por Morte
Para a obtenção do benefício de pensão por morte deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte.
À época, quando do falecimento de ENEDIR PEREIRA SOARES, ocorrido em 18/04/2015, a legislação aplicável à espécie - Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social) apresentava a seguinte redação:
Art. 74 - A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até 30 dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.
São, portanto, três os requisitos para a concessão do benefício de pensão por morte previdenciária:
a) o óbito (ou morte presumida);
b) a qualidade de segurada da pessoa falecida;
c) a existência de dependentes, na forma prevista no artigo 16, da Lei n. 8.213/1991.
O evento morte está comprovado pela certidão de óbito (evento 1, CERTOBT8, p.1).
Sobre a qualidade de segurado, dispõe o artigo 15 da Lei 8.213/91:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
(...)
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
De acordo com as provas dos autos, aplica-se o inciso II, não sendo possível aplicar-se o prazo previsto no §1º do art. 15 acima transcrito, pois a de cujus não trabalhou por mais de 120 meses sem interrupção que acarretasse a perda da qualidade de segurado.
Observa-se que Enedir Pereira Soares teve seu último vinculo empregatício na empresa Mapasa Industria e Comércio de Alimentos Ltda. no período de 01/08/2012 a 06/08/2013 (evento 3, ANEXOS PET4, p.61), mantendo a qualidade de segurada até novembro de 2014, aplicando-se o §4º do art. 15. Assim, considerando o óbito em 18/04/2015, não manteria a qualidade de segurada.
Entretanto, a instituidora do benefício verteu contribuições na condição de contribuinte facultativa de baixa renda, conforme GPS acostados (evento 3, ANEXOS PET4, pp 50/60):
Competência | Data Pagamento | Salário de Contribuição |
06/2014 | 15/07/2014 | 724,00 |
07/2014 | 15/08/2014 | 724,00 |
08/2014 | 15/09/2014 | 724,00 |
09/2014 | 14/10/2014 | 724,00 |
10/2014 | 12/11/2014 | 724,00 |
11/2014 | 10/12/2014 | 724,00 |
12/2014 | 13/01/2015 | 724,00 |
01/2015 | 12/02/2015 | 788,00 |
02/2015 | 11/03/2015 | 788,00 |
03/2015 | 15/04/2015 | 788,00 |
Tais contribuições restaram controvertidas, pois que o INSS não as validou, sob alegação de que a de cujus não estava inscrita no CadUnico na época do recolhimento dessas contribuições, e porque não houve comprovação dos requisitos do art 21 § 2° 11 b da Ler n ° 8 212/91 (evento 3, CONTES/IMPUG12, p.3).
Pois bem, as condições para o enquadramento dos segurados como contribuintes facultativos de baixa renda vêm sendo contextualizadas no âmbito desta Corte. Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. QUALIDADE DE SEGURADO. CONTRIBUIÇÃO RECOLHIDOS NA CONDIÇÃO DE SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. REQUISITOS. INCAPACIDADE. COMPROVAÇÃO. 1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter definitivo/temporário da incapacidade. 2. A parte autora efetuou recolhimento de contribuições previdenciárias na condição de Segurado Facultativo de Baixa Renda, embora não inscrita no CadÚnico. A inscrição junto ao Cadastro Único - CadÚnico do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome é dispensável quando provocados os demais requisitos, por se tratar de formalidade que não pode ser tomada como impedimento ao reconhecimento do direito. 3. Hipótese em que restou comprovada a incapacidade laborativa. (TRF4, APELREEX 0013110-34.2016.404.9999, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 08/03/2017)
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. DESCABIMENTO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA URBANA. CONTRIBUINTE FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. 1. Não se conhece da remessa oficial porque jamais os quatro salários-mínimos que receberia a requerente (quatro parcelas de valor mínimo) gerariam o montante exigido do art. 496, I e §3º do CPC/2015. 2. É devido o salário-maternidade à segurada da Previdência Social que fizer prova do nascimento de filho e da qualidade de segurada na data do parto. 3. Havendo filiação como contribuinte facultativo, a questão relativa à alíquota devida, no caso de contribuinte de baixa renda, não afasta a condição de segurada, pois competia ao INSS orientar a requerente quanto à forma de obter a filiação pretendida, mesmo que isto implicasse na cobrança de diferente alíquota. (TRF4 5042187-03.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 24/04/2017)
Assim, cabe ser avaliado se, no caso concreto, a segurada se enquadrava nos requisitos legais de baixa renda.
Os pagamentos foram efetuados sob o código 1929, correspondente à forma de filiação prevista no art. 21 da Lei de Custeio da Previdência Social:
Art. 21. A alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição.
(...)
§ 2º No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de:
(...)
II - 5% (cinco por cento):
(...)
b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda.
(..)
§ 4º Considera-se de baixa renda, para os fins do disposto na alínea b do inciso II do § 2o deste artigo, a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos.
Deste modo, deve-se perquirir sobre o trabalho doméstico exclusivo e sem renda própria da falecida e acerca da sua renda familiar.
Analisando detidamente os autos, nenhuma informação foi agregada aos autos a comprovar que, com efeito, a autora possuía renda pessoal (registros do CNIS, CTPS, contracheques, etc.), sendo crível a versão do apelante de que a autora era vinculada às lides domésticas.
Ademais, Cabe, ainda, frisar que a prova testemunhal produzida (evento 3, AUDIENCI26)) foi uníssona e enfática quanto ao fato de que a falecida se dedicava às lides domésticas.
Quanto à renda familiar, dessume-se dos elementos probatórios que satisfeito o requisito baixa renda, eis que a família subsistia do trabalho do autor como servente de pedreiro, sem registro formal na CTPS, segundo relato de seu enteado Rodrigo Pereira Soares, e de venda de lanches, ocasionais. Ademais, a hipótese está estribada na carta expedida pela companhia de energia elétrica de Caxias do Sul/RS, em 19/12/2014, destinada à Enedir Pereira Soares, alertando que necessitava atualizar as informações para continuar recebendo a tarifa social de energia elétrica. Ora, tem direito à esta tarifa, família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – Cadastro Único, com renda familiar mensal per capita menor ou igual a meio salário mínimo nacional.
Assim sendo, entendo que não se pode afastar a qualidade de segurada da falecida, sendo o caso de, acaso os recolhimentos efetuados fossem, com efeito, equivocados, ter sido informada a segurada pela Administração, ainda em tempo de obviar quaisquer equívocos cadastrais encontrados, o que efetivamente não aconteceu.
No mais, no que se refere à necessidade de inscrição no CadUnico, bem analisou o Juízo de origem ao afirmar, in verbis:
Não se olvida que a jurisprudência tem flexibilizado a exigência da pessoa estar inscrita no CadUnico do Ministério do Desenvolvimento Social conforme ementa ora transcrita :
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO DE BAIXA RENDA. INSCRIÇÃO NO CADÚNICO. FLEXIBILIZAÇÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Os requisitos para a obtenção do benefício de pensão por morte estão elencados na legislação previdenciária vigente à data do óbito, cabendo a parte interessada preenchê-los. No caso, a parte deve comprovar: (a) ocorrência do evento morte; (b) a qualidade de segurado do de cujus e (c) a condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. Presentes os demais requisitos legalmente exigidos, a ausência de registro no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico, pode ser flexibilizada. 3. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/2015 e art. 461 do CPC/73, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005083-62.2016.404.9999, 5ª Turma, Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO, D.E. 28/09/2017, PUBLICAÇÃO EM 29/09/2017)
Deste modo, entendo presentes os requisitos para a qualificação da instituidora do benefício como segurada facultativa de baixa renda.
Nesse diapasão, considerando-se a última contribuição previdenciária vertida 15/04/2015, referente à competência de 03/15, pouco antes do falecimento da autora, considero que esta ostentava qualidade de segurada ao falecer.
Passo a analisar esta questão, para fins de qualificação da parte autora como dependente do (a) falecido (a).
A Constituição Federal de 1988, para efeito da proteção do Estado, reconheceu a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, remetendo à lei a tarefa de facilitar sua conversão em casamento (artigo 226, § 3º).
A regulamentação do referido dispositivo constitucional veio com a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que assim estabeleceu em seu artigo 1º:
Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida como objetivo de constituição da família.
Por seu turno, o artigo 16, §3º, da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, em sua redação original, ao dispor sobre os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes, definiu como companheiro ou companheira a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o§ 3º do artigo 226 da Constituição Federal.
Posteriormente, o Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048. de 06 de maio de 1999), ao especificar a união estável para fins previdenciários, observou o tratamento conferido ao tema pelo artigo 1.723, do Código Civil de 2002, que reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Esta disposição legal deve ser interpretada conforme a Constituição Federal de 1988, de modo a dela se excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família, consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 (Relator: Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05 de maio de 2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011).
De toda maneira, para o reconhecimento da união estável, essencial que haja o propósito atual de constituir família, na linha de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, cujo trecho da ementa assim refere:
[...]
2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício
[...]
(REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015).
Dessa forma, comprovada a relação intuitu familiae, ou seja, que apresenta convivência duradoura, pública, contínua e reconhecida como tal pela comunidade em que vivem os companheiros, a dependência econômica é presumida, cabendo ao Instituto Nacional do Seguro Social provar o contrário.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO E GENITOR. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA E PRESUMIDA. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL DEMONSTRADA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Na vigência da Lei nº 8.213/91, dois são os requisitos para a concessão de benefício de pensão por morte, quais sejam: a qualidade de segurado do instituidor e a dependência dos beneficiários que, se preenchidos, ensejam o seu deferimento. 2. Presumida a dependência econômica em relação aos filhos e, também, em relação á companheira, pois demonstrada a existência de união estável entre o casal, correta a sentença que concedeu ao autor o benefício de pensão por morte a contar do óbito em relação aos filhos menores, absolutamente incapazes, e a contar do ajuizamento da ação em relação à companheira. 3. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, APELREEX 0022784-41.2013.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 27/07/2015).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. QUALIDADE DE DEPENDENTE. UNIÃO ESTÁVEL. CONSECTÁRIOS. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. Para a obtenção do benefício de pensão por morte deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte. 3. É presumida a condição de dependência do companheiro, face às disposições contidas no artigo 16, I e § 4º, da Lei 8.213/91. 4. Necessidade de comprovação da união estável, para fim de caracterizar a dependência econômica da companheira, face às disposições contidas no artigo 16, I e § 4º, da Lei 8.213/91. (TRF4, APELREEX 0007002-23.2015.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogério Favreto, D.E. 20/07/2015).
Demais, a união estável pode ser demonstrada por prova testemunhal idônea, uma vez que a Lei nº 8.213/91 apenas exige início de prova material para a comprovação de tempo de serviço. (TRF4, AC 0001256-77.2015.404.9999, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/06/2015).
Destarte, possível formar um juízo de certeza acerca da união estável havida entre o requerente e a falecida, pois que os elementos instrutórios do feito dão conta que, além de manterem uma relação de confiança recíproca, conviviam publicamente, com laços afetivos contínuos e duradouros e estabelecidos com o objetivo de constituição familiar, em condições que configuram o reconhecimento da união estável, nos termos do art. 1.723 do CC. A hipótese ganha foça diante do depoimento do próprio filho da falecida, Sr. Rodrigo Pereira Soares que afirmou: que agora ia fazer dois anos que eles viviam juntos, mas já viviam outros dois anos antes; que viviam como marido e mulher; que ela faleceu em 2015; que ela estava em casa; que ela trabalhava em casa; que eles ficaram juntos uns quatro anos; que eles tinham uma união estável.
Assim, comprovada a qualidade de segurada da falecida, e a condição de companheiro da ex-segurada, o que lhe confere o enquadramento na qualidade de dependente nos moldes do art. 16, inc. I, da Lei nº 8.213/91; preenchidos, então, os requisitos legais à concessão do benefício postulado pela parte autora, há que se reformar a sentença para conceder à Paulo Dos Santos Marques o benefício de pensão por morte.
Termo Inicial
A situação fática estava sob a regência normativa do artigo 74, II da Lei 8.213/941, de 24 de julho de 1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social), do requerimento administrativo, quando requerida após o prazo de 30 dias . Nessa senda, o óbito ocorreu em 18/04/2015 e o requerimento administrativo se deu em 23/06/2015 (evento 3, ANEXOS PET4), deve o benefício ser concedido desde 23/06/2015.
Como a parte autora logrou êxito em parte dos pedidos, invertem-se os ônus da sucumbência, nos termos do art. 86, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil (CPC), para condenar a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, como segue.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94;
- INPC a partir de 04/2006, de acordo com a Lei n.º11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, sendo que o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, determina a aplicabilidade do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado, no recurso paradigma a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Interpretando a decisão do STF, e tendo presente que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial), o Superior Tribunal de Justiça, em precedente também vinculante (REsp 1495146), distinguiu, para fins de determinação do índice de atualização aplicável, os créditos de natureza previdenciária, para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização,deveria voltar a incidir, em relação a tal natureza de obrigação, o índice que reajustava os créditos previdenciários anteriormente à Lei 11.960/09, ou seja,o INPC.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde julho de 2009 até setembro de 2017, quando julgado o RE 870947, pelo STF (IPCA-E: 64,23%; INPC 63,63%), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Em data de 24 de setembro de 2018, o Ministro Luiz Fux, relator do RE 870947 (tema 810), deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pela Fazenda Pública, por considerar que a imediata aplicação da decisão daquela Corte, frente à pendência de pedido de modulação de efeitos, poderia causar prejuízo "às já combalidas finanças públicas".
Em face do efeito suspensivo deferido pelo STF sobre o próprio acórdão, e considerando que a correção monetária é questão acessória no presente feito, bem como que o debate remanescente naquela Corte Suprema restringe-se à modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, impõe-se desde logo, inclusive em respeito à decisão também vinculante do STJ, no tema 905, o estabelecimento do índice aplicável - INPC para os benefícios previdenciários e IPCA-E para os assistenciais -, cabendo, porém, ao juízo de origem observar, na fase de cumprimento do presente julgado, o que vier a ser deliberado nos referidos embargos declaratórios.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgnoAgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do novo CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão, a ser efetivado em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
Dado provimento à apelação da parte autora. Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC, adequando consectários à orientação do STF no RE 870947, determinando o cumprimento imediato do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora, determinando o cumprimento imediato do acórdão.
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Apelação Cível Nº 5004831-03.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: PAULO DOS SANTOS MARQUES
ADVOGADO: CESAR ACUNHA VIDAL JUNIOR
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO(a). QUALIDADE DE SEGURADO. CONTRIBUINTE FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE. UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVADA. CONSECTÁRIOS
1. Para a obtenção do benefício de pensão por morte deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte.
2. Comprovada a união estável, presume-se a dependência econômica (artigo 16, § 4º, da Lei 8.213/91), impondo-se à Previdência Social demonstrar que esta não existia. In casu, a parte autora comprovou a existência de união estável.
3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR.
4. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
5. Estando pendentes embargos de declaração no STF para decisão sobre eventual modulação dos efeitos da inconstitucionalidade do uso da TR, impõe-se fixar desde logo os índices substitutivos, resguardando-se, porém, a possibilidade de terem seu termo inicial definido na origem, em fase de cumprimento de sentença.
6. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, determinando o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de janeiro de 2019.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000824915v3 e do código CRC 36ad9ac4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/01/2019
Apelação Cível Nº 5004831-03.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: PAULO DOS SANTOS MARQUES
ADVOGADO: CESAR ACUNHA VIDAL JUNIOR
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento do dia 30/01/2019, na sequência 966, disponibilizada no DE de 15/01/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, DETERMINANDO O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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