APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000984-47.2010.4.04.7000/PR
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | ANDERSON ANTUNES GOTARDO |
ADVOGADO | : | JONAS BORGES |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE ESPOSA E GENITORA. QUALIDADE DE SEGURADA. RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. BENEFÍCIO INDEVIDO.
1. Para a obtenção do benefício de pensão por morte deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e TRF 4.
2. A sentença proferida em reclamatória trabalhista consubstancia início de prova material para a concessão de benefício previdenciário, salvo hipóteses excepcionais, somente quando fundada em documentos que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados, sendo irrelevante o fato de inexistir participação do INSS no processo trabalhista.
3. Não tendo sido demonstrada a qualidade de segurado do falecido ao tempo do óbito, deve ser mantida a sentença de improcedência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e aos agravos retidos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 22 de fevereiro de 2017.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8780192v14 e, se solicitado, do código CRC 994CE2CD. | |
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Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
Data e Hora: | 28/02/2017 20:48 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000984-47.2010.4.04.7000/PR
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | ANDERSON ANTUNES GOTARDO |
ADVOGADO | : | JONAS BORGES |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
ANDERSON ANTUNES GOTARDO, representado por sua mãe, LEONILDA ANTUNES CARVALHO, ajuizou, em 22-02-2010, ação ordinária contra o INSS objetivando a concessão do benefício de pensão por morte de seu pai, PEDRO GOTARDO, falecido em 25-07-1999.
Na sentença (evento 144 dos autos de origem - 27-06-2012) foi julgado improcedente o pedido.
A parte autora apelou. A Sexta Turma desta Corte, na sessão de 24-07-2013 (evento 11) deu provimento à apelação para que o processo seja anulado desde, inclusive, a realização da audiência (evento 126), devendo tal ato ser renovado, com observância das formalidades legais.
Sobreveio sentença (evento 415 - 24-08-2016) que julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, restando suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça deferida.
O autor opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados (evento 423).
O demandante interpôs apelação reiterando, preliminarmente, as razões do agravo retido interposto no evento 203 e nos demais agravos retidos constantes nos autos a fim de decretar a nulidade processual neles aventada.
Afirmou que o fato de a reclamatória trabalhista ter sido ajuizada após o indeferimento administrativo do pedido de pensão por morte não pode ser utilizado como fundamento para improcedência, uma vez que a mãe do autor (autora na reclamatória) não possuía conhecimento sobre a necessidade de pleitear judicialmente o reconhecimento do vínculo de emprego de seu falecido marido.
Alegou que o fato de a reclamatória ter sido ajuizada seis anos após o falecimento de seu pai tampouco afasta o direito ao reconhecimento, uma vez que a prescrição não se aplica ao pedido de anotação do vínculo de emprego em CTPS, além de se tratar de menor impúbere à época.
Asseverou que houve o reconhecimento do vínculo empregatício com anotação na carteira de trabalho e pagamento das contribuições previdenciárias devidas e não apenas a condenação ao pagamento de verba indenizatória como alega o Juízo, sendo que o Superior Tribunal de Justiça considera sentença homologatória de acordo como início de prova material para comprovar qualidade de segurado, tendo sido juntados outros documentos como fotos e fichas de cadastro.
Sustentou que o Juiz atribuiu um peso muito maior ao depoimento do Sr. Paulo César, que é testemunha suspeita, do que às provas documental e testemunhal produzidas.
Sem contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
Não foi determinada a intimação do Ministério Público Federal para parecer, uma vez que o autor já atingiu a maioridade, tendo sido regularizada a representação processual.
VOTO
Agravos Retidos
No evento 203, insurge-se o agravante contra a decisão que indeferiu a oitiva de novas testemunhas pela parte autora, alegando ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa e quebra da isonomia.
Não assiste razão ao recorrente, uma vez que, o acórdão desta Corte anulou o processo, desde, inclusive, a realização da audiência (evento 126), determinando a abertura da instrução processual para renovação do ato, exclusivamente para oitiva das testemunhas José Aparecido Gotardo e Paulo César de Moura.
No evento 359, o agravante insurge-se contra decisão que rejeitou o pedido de cancelamento da audiência designada para 12-12-2014. Afirmou que a certidão do evento 328 informou que a audiência seria designada após a informação da data em que o informante estaria em Curitiba, tendo havido a designação da audiência antes de tal informação, com intimação em 10-12-2014, desrespeitando o prazo legal de cinco dias. Disse que, ao contrário do afirmado pelo Juízo, o evento 331 não teve abertura de prazo em 27-11-2014, constando data inicial 10-12-2014. Requereu o reconhecimento da nulidade com a necessidade de realização de nova audiência.
No evento 330, de 27-11-2014, consta a designação da audiência para 12-12-2014, tendo o autor sido intimado no evento 331, datado de 27-11-2014, com data inicial em 10-12-2014.
Entendo ausente qualquer nulidade processual, como bem analisado pelo Julgador monocrático na decisão do evento 354:
2.1. Da certidão informada no item "a" depreendo apenas a notícia de que não houve a informação por parte da testemunha da data em que estaria na cidade de Curitiba, tendo em vista que reside atualmente em Fortaleza/CE.
2.2. Da mesma forma, o despacho do evento 329 não determina que se aguarde qualquer notícia a ser passada pela testemunha, mas que " (...) proceda a Secretaria o agendamento de data para a oitiva do informante Paulo Cesar de Moura", conforme já determinado no item 2 da decisão prolatada no evento 313.
2.3. Em relação à intimação para a audiência, verifico que a decisão do evento 329, exarada em 26/11/2014, determina a designação de data para realização do evento. Cumprida pela Secretaria no dia posterior (ev. 330), agendado o ato para o dia 12/12/2014, intimou-se a Autora pelo evento 331 (em 27/11/2014). Esta, por meio de seu causídico, deu-se por ciente e renunciou ao prazo no dia 09/12/2014.
3. Com o que decido.
3.1 Infundadas as alegações "a" e "b" da Autora, os eventos 328 e 329 em momento algum determinaram o aguardo da informação da estada do informante na cidade de Curitiba para a designação de audiência.
3.2. Em referência à terceira alegação, verifico que o evento de intimação e a audiência designada distam entre si pelo prazo de quinze dias. E, tendo o autor dado sua ciência na data de 09/12/2014, preclusa sua oportunidade de requerer adiamento do ato, conforme art. 453, II, §1º do CPC.
3.3. Por último, o art. 238 do CPC é interpretado majoritariamente na doutrina e na jurisprudência no sentido de que a intimação acerca da designação de audiência deve ser realizada para o advogado da parte e não a ambos.
4. Assim, mantenho o testemunho colhido na audiência realizada em 12/12/2014.
Oportuno transcrever, também, as considerações da Julgadora monocrática constantes na sentença (evento 415) acerca dos agravos retidos interpostos pela parte autora:
Neste contexto, algumas atitudes processuais do autor ganham relevo. Notadamente no campo probatório. A leitura dos autos eletrônicos mostra tentativas de anular os depoimentos prestados, tanto pelo Sr. José Aparecido Gotardo, filho do de cujus, como pelo Sr. Paulo César de Moura. Para tanto, o autor interpôs agravos retidos, de fundamentação escassa e refutada por este Juízo.
Destes recursos, merece destaque o constante do evento 359 em que o autor aparentemente 'confunde' a data inicial determinada pelo sistema para a abertura da intimação (evento 331) com a data para a qual designada a audiência. Ocorre que já no evento 340 havia lançado sua ciência, renunciando ao prazo. É dizer: questionou os termos de intimação efetivada, após a realização do ato para o qual foi intimado, deixando de comparecer sem qualquer justificativa.
Assim, nego provimento aos agravos retidos.
Pensão por Morte
Para a obtenção do benefício de pensão por morte, deve a parte interessada preencher os requisitos previstos na legislação previdenciária vigente na data do óbito, conforme dispõe a Súmula 340, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
À época, quando do falecimento de PEDRO GOTARDO, ocorrido em 25-07-1999, a legislação aplicável à espécie - Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social) - apresentava a seguinte redação:
Art. 74 - A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até 30 dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.
São, portanto, três os requisitos para a concessão do benefício de pensão por morte previdenciária:
a) o óbito (ou morte presumida);
b) a qualidade de segurada da pessoa falecida;
c) a existência de dependentes, na forma prevista no artigo 16, da Lei n. 8.213/1991.
O evento morte está comprovado pela certidão de óbito (EVENTO 3,CERTOBT19).
Não há discussão quanto à qualidade de dependente do requerente, porquanto filho menor do falecido, sendo a dependência econômica presumida por força de lei (art. 16, inc. I, § 4º, da Lei 8.213/1991):
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz", assim declarado judicialmente;
[...]
§ 4o A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada .
A controvérsia gira em torno da qualidade de segurado do falecido.
O benefício de pensão por morte, requerido administrativamente em 09-08-2006 (evento 8) foi indeferido em virtude de ter a cessação da última contribuição ocorrido em abril de 1992, mantendo-se a qualidade de segurado pelo menos até 15-06-1993, tendo o óbito ocorrido após a perda da qualidade de segurado.
Defende o autor que seu pai trabalhou para Paulo Cesar de Moura como chacreiro (doméstico), de 20-02-1999 a 25-07-1999, conforme anotação na CTPS em virtude de reclamatória trabalhista (evento 3, CTPS1).
Em relação à comprovação da qualidade de segurado do falecido, decorrente do reconhecimento de tempo de serviço, por meio de reclamatória trabalhista, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça - STJ tem reiteradamente decidido:
A sentença trabalhista será admitida como início de prova material apta a comprovar o tempo de serviço, caso ela tenha sido fundada em elementos que evidenciem o labor exercido na função e o período alegado pelo trabalhador na ação previdenciária.
(EREsp n. 616.242/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ de 24-10-2005).
Transcreve-se o referido precedente, no qual se encontram explicitados, quais seriam os "elementos" evidenciadores do exercício do trabalho:
Nos julgados acima transcritos [REsp. 709.541/RS, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 01-08-2005; AgRg no Ag. 670.144/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 20-06-2005; e AgRg no REsp 514.042/AL, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 10-11-2003], entre outros prolatados pelas Turmas que integram esta Egrégia Terceira Seção, vê-se que é uníssona a afirmação no sentido de que será considerada como início de prova material a sentença trabalhista, com a condição de que esta seja baseada em elementos que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e no período alegado na ação previdenciária.
Desse modo, existindo uma condição para que a sentença proferida na Justiça do Trabalho seja reconhecida como de início de prova material apta a comprovar o tempo de serviço, não há como estabelecer uma solução genérica para a possibilidade de utilização desta sentença para fins previdenciários, devendo ser analisada cada situação em concreto.
A meu ver, essa particularização se consubstancia em saber se, na fase instrutória do processo trabalhista, houve a devida produção de provas documentais e testemunhais que possam evidenciar o exercício do labor na função e no lapso de tempo apontado pelo segurado.
Corroborando tal posicionamento, vale transcrever o entendimento unânime da Quinta Turma, estampado em acórdão da lavra do ilustre Ministro Gilson Dipp, proferido no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 282.549/RS, ocorrido em 15 de fevereiro de 2001, quando restou consignado que "a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material se no bojo dos autos acham-se documentos que atendem o requisito do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/91, não constituindo reexame de prova sua constatação, mas valoração de prova".
No caso em apreço, não houve produção de qualquer espécie de prova nos autos da reclamatória trabalhista, na medida em que na audiência de conciliação, instrução e julgamento ocorreu acordo entre as partes (fl. xx), sem debates ou conflito, razão pela qual a utilização desse título judicial, para fins de obtenção de benefício previdenciário, afronta o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91.
Cito a seguir, os julgados deste Tribunal Superior que estão em consonância com o entendimento aqui esposado...[REsp 396.644/RN, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 27-09-2004; REsp 499.591/CE, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 04-08-2003; REsp 478.327/AL, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 10-03-2003].
Confiram-se, ainda, as seguintes decisões monocráticas proferidas em casos análogos ao presente: Ag 670.240/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ de 05-05-2005; REsp 719.393/CE, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ de 08-03-2005; e REsp 607.691/RN, Rel. Min. Paulo Medina, Sexta Turma, DJ de 25-05-2004 (...).
De igual forma, a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4 firmou o entendimento no sentido de que, em regra, a sentença proferida em reclamatória trabalhista só consubstancia início de prova material para a concessão de benefício previdenciário quando:
1) fundada em documentos que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados (EIAC n. 2000.04.01.127331-8/PR, acórdão de relatoria do Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005), ou
2) ajuizada imediatamente após o término do trabalho, prestado muitos anos antes do implemento dos requisitos da aposentadoria (EIAC n. 2001.70.01.008783-2/PR, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. de 28-08-2007)
Nas duas hipóteses é irrelevante o fato de inexistir participação do INSS no respectivo processo (EIAC n. 95.04.13032-1/RS, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 01-03-2006).
Na hipótese, a reclamatória trabalhista foi resolvida mediante acordo, além de ter sido ajuizada mais de cinco anos após o óbito do pai do autor, não tendo sido fundada em documentos, tampouco tendo sido juntados aos autos elementos que configurem início de prova material, como bem analisado pela Julgadora monocrática:
No que toca à condição de segurado a controvérsia persiste. O INSS afirma que a última contribuição do de cujus foi nos idos de 1992, tendo o óbito ocorrido em 25/07/1999. A certidão de óbito trazida com a inicial confirma a data (evento 3, CERTOBT19). O autor alega que seu pai esteve empregado até a data do óbito, tendo por empregador o Sr. Paulo César Moura, situação esta reconhecida em ação trabalhista.
O primeito ponto digno de nota aqui é que a referida reclamatória trabalhista foi ajuizada pela mãe do autor, esposa do de cujus, em 13/03/2007, conforme cópia trazida aos autos (evento 3, OUT2). Note-se que o ajuizamento foi posterior ao indeferimento administrativo do pedido de pensão (evento 23, PROCADM2, p. 13), situação que poderia motivar extinção da presente demanda sem julgamento do mérito por ausência de interesse de agir, não tivesse o INSS contestado o mérito.
Cabe notar ainda que o ajuizamento da reclamatória trabalhista se deu passados mais de 6 anos do óbito, quando já operada tanto a prescrição integral de quaisquer créditos quanto a decadência do próprio direito de ação, nos termos do artigo 7º, XXIX, da Constituição da República. Ainda que não integral, a cópia da ata que instrui a inicial (evento 3, OUT24) reproduz o teor do acordo celebrado entre a mãe do autor e o Sr. Paulo Cesar de Moura, ambos signatários da ata, verbis:
"As partes declaram que a transação é composta de 100% de parcelas indenizatórias, correspondentes a indenização de seguro de vida (R$ 6.000,00) sobre as quais não há incidência de contribuição previdenciária."
Como dito, a reclamatória foi ajuizada quando já superados os prazos prescricional e decadencial previstos na Constituição da República. Tal circunstância por si só suscitaria dúvidas sobre as reais intenções das partes ao celebrarem acordo para por fim à demanda. A esta circunstância soma-se o teor do acordo, circunscrevendo a integralidade do valor a uma única verba de natureza estritamente indenizatória e, portanto, imune à incidência da contribuição previdenciária.
Desse acordo teria advindo ainda a anotação em CTPS do alegado vínculo, segundo alega o autor. Neste contexto, coloca-se a questão da comprovação do tempo de trabalho para fins previdenciários. A este respeito, preceitua a Lei de Benefícios (L. 8.213/91):
Art. 55. ...
...
§3º. A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
E o Regulamento da Previdência Social - RPS (Dec. 3.048/99):
Art. 62. A prova de tempo de serviço, considerado tempo de contribuição na forma do artigo 60, observado o disposto no artigo 19 e, no que couber, as peculiaridades do segurado de que tratam as alíneas j e l do inciso V do caput do artigo 9º e do artigo 11, é feita mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos períodos a serem contados, devendo esses documentos ser contemporâneos dos fatos a comprovar e mencionar as datas de início e término e, quando se tratar de trabalhador avulso, a duração do trabalho e a condição em que foi prestado.
§1º. As anotações em Carteira Profissional e/ou Carteira de Trabalho e Previdência Social relativas a férias, alterações de salários e outras que demonstrem a sequência do exercício da atividade podem suprir possível falha de registro de admissão ou dispensa.
§2º. Subsidiariamente ao disposto no artigo 19, servem para a prova do tempo de contribuição de que trata o caput:
I - Para os trabalhadores em geral:
a) o contrato individual do trabalho, a Carteira Profissional, a Carteira de Trabalho e Previdência Social, a carteira de férias, a carteira sanitária, a caderneta de matrícula e a caderneta de contribuições dos extintos institutos de aposentadoria e pensões, a caderneta de inscrição pessoal visada pela Capitania dos Portos, pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e declarações da Secretaria da Receita Federal do Brasil;
b) certidão de inscrição em órgão de fiscalização profissional, acompanhada do documento que prove o exercício da atividade;
c) contrato social e respectivo distrato, quando for o caso, ata de assembleia-geral e registro de empresário; ou
d) certificado de sindicato ou órgão gestor de mão de obra que agrupa trabalhadores avulsos;
...
§3º. Na falta de documento contemporâneo podem ser aceitos declaração do empregador ou seu preposto, atestado da empresa ainda existente, certificado ou certidão de entidade oficial dos quais constem os dados previstos no caput deste artigo, desde que extraídos de registros efetivamente existentes e acessíveis à fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social.
§4º. Se o documento apresentado pelo segurado não atender ao estabelecido neste artigo, a prova exigida pode ser complementada por outros documentos que levem à convicção do fato a comprovar, inclusive mediante justificação administrativa, na forma do Capítulo VI deste Título.
A leitura atenta do dispositivo regulamentar permite extrair algumas conclusões. De modo um tanto específico, vê-se que o Regulamento privilegia a documentação em posse da empresa ou emitida por esta, como se depreende da parte final do §1º ao afirmar que as anotações em carteira relativas a férias, salários, etc. podem suprir deficiência do registro de admissão e saída. Esta preferência por documentos firmados pelo empregador ainda é realçada no §3º, consistente em declaração ou atestado, desde que emitidos com lastro em "registros efetivamente existentes e acessíveis à fiscalização".
Seguindo a linha de preferência do Regulamento, situa-se em um segundo patamar as anotações no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cuja base de dados é alimentada, lembre-se, pelos próprios empregadores. Somente em um terceiro nível aparecem documentos que estariam em poder do empregado ou poderiam por ele ser mais facilmente obtidos, arrolados no inciso I do §2º do dispositivo regulamentar citado. Neste rol percebe-se ainda clara preferência para documentos que formalizam a relação de trabalho, seja o contrato de trabalho individual, a anotação em CTPS ou, no caso de trabalhadores avulsos, certificado do sindicato respectivo ou do órgão gestor de mão de obra.
Somente no §4º de seu artigo 62 o Regulamento abre a possibilidade de complementação, por outros documentos, caso aqueles apresentados não atendam ao disposto nos parágrafos precedentes.
Vê-se, portanto, que o Regulamento elege uma ordem de preferência, partindo dos registros do empregador, passando pelos documentos portados pelo empregado mas que formalizam a relação de emprego, chegando enfim a admitir documentos outros desde que sejam capazes de formar a convicção administrativa acerca do fato.
Claro está que o Regulamento rege a relação segurado-administração e, de modo mais incisivo, a atuação do INSS, não vinculando o Judiciário em matéria de direito probatório. Ainda assim, deve-se ter presente que é a própria Lei de Benefícios, no dispositivo já citado, que obsta a comprovação por meio exclusivamente testemunhal, exigindo "início de prova material" remetendo ao Regulamento sua definição e hipóteses de dispensa (caso fortuito ou força maior). Segue-se então, à luz do disposto no artigo 62 do RPS, que o início de prova material há de ser, necessariamente, documental.
Assim, mesmo que no processo judicial não se estabeleça uma ordem de preferência entre os documentos a serem apresentados, a exemplo do que ocorre no RPS, a prova documental será ainda imprescindível para que a prestação de trabalho possa produzir efeitos previdenciários. Nesta esteira é que se estabelecem restrições à aceitação da sentença trabalhista como prova da prestação de trabalho.
De fato, se os efeitos previdenciários da prestação do trabalho exigem sempre prova documental, também a sentença trabalhista que confirma a prestação de trabalho somente terá tais efeitos se lastreada neste tipo de prova. Isto porque, ainda que se trate de ato emanado do Poder Judiciário, a sentença não constitui por si um documento que comprova a relação de trabalho, mas um ato que declara a sua existência para que dessa declaração se extraiam efeitos entre as partes envolvidas.
Disso não decorre que a sentença trabalhista não possa produzir efeitos perante o INSS, mas que tais efeitos estarão sempre condicionados à existência de prova documental que tenha sido analisada pelo Juízo Trabalhista e servido de lastro à condenação. No caso, porém, não houve sequer condenação, mas simples acordo entre as partes que, a despeito da prescrição e da própria decadência, ajustaram a anotação em CTPS e o pagamento de verba, repita-se, estritamente indenizatória e imune à contribuições previdenciárias. Desta feita, o título do qual se originou a anotação em CTPS não possui qualquer lastro documental e não pode, por esta razão, produzir efeitos previdenciários. Neste sentido, colhem-se julgados do E.TRF4:
(...)
Desta feita, não se pode acolher a ata de audiência de conciliação, ou mesmo a anotação em CTPS dela decorrente, como início de prova material da prestação do trabalho.
No curso do processo, o autor trouxe outros documentos, a saber:
» ficha de cadastro do 'Aviário do Sasá' em nome do de cujus (evento 232, OUT2);
» fotografias (evento 232, OUT3; evento 276, FOTO2);
» fotocópia da CTPS (evento 311, CTPS1);
» petição do Sr. Paulo César de Moura, nos autos de reclamatória trabalhista, informando o cumprimento do acordo e pugnando pela desocupação do imóvel (evento 311, COMP4);
» recibo no valor de R$ 156,00, imputado como pagamento feito pelo Sr. Paulo César de Moura, nos idos de 1999 (evento 311, COMP3);
» cadastro de cliente, em nome do de cujus, ali indicado como 'chacreiro' (evento 391, PET1).
As fichas de cadastro (eventos 232 e 391) nada provam. A primeira é folha impressa, sem assinaturas ou quaisquer marcas que lhe permitam aferir a autenticidade. A segunda, supostamente preenchida pelo de cujus, sequer indica o estabelecimento (referido vagamente pelo termo "armazém"). Delas não se infere qualquer informação a apontar prestação de trabalho pelo de cujus a quem quer que fosse. Assim também as fotografias que, além de não comprovarem prestação de serviços a terceiros, sequer permitem a identificação adequada do(s) lugar(es) onde tiradas.
A fotocópia da CTPS em nada contribui, sequer inova pois, como dito, a anotação ali feita decorreu de acordo firmado entre as partes, quando já decorridos os prazos prescricional e decadencial e envolvendo verbas sem cunho remuneratório ('seguro de vida').
A petição do Sr. Paulo César de Moura nos autos da reclamatória trabalhista também não chegam a comprovar prestação de trabalho, mas simples ocupação de imóvel que viria a ser esclarecida em Juízo. Assim também o recibo no valor de R$ 156,00.
Com efeito, ao depor em Juízo, o Sr. José Aparecido Gotardo, filho da primeira união do de cujus e meio-irmão do autor, declarou que seu pai trabalhou a vida toda como servente de pedreiro e pedreiro, fazendo pequenos serviços 'por conta' ao final da vida. Dentre estes serviços, eventualmente haveria serviços prestados ao Sr. Paulo César de Moura, mas sem habitualidade nem subordinação. Asseverou que o imóvel fora cedido ao de cujus e a segunda mulher, de forma gratuita, em razão do término da primeira união e por não ter condições de arcar com aluguel. Disse que o imóvel não era uma chácara, apenas um imóvel maior, no qual hoje estaria assentado um condomínio. Esclareceu que o de cujus tinha um lote, em comunhão com a primeira esposa, que nele residia em uma pequena casa.
Vale notar que algumas destas informações são corroboradas por documentos: na certidão de óbito, o de cujus foi qualificado como pedreiro (evento 3, CERTOBT19); após prestar depoimento, o Sr. Paulo César de Moura enviou termo do contrato de comodato firmado entre a Labore Imóveis Ltda., sociedade da qual fazia parte segundo declarou em juízo, e a Srª. Leonilda Antunes Carvalho, mãe do autor (evento 344). Neste último documento consta que o comodante "é legítimo proprietário do imóvel localizado à Rua Roque Scrok, nº 231, Casa 35, Jardim Guarujá, no município de Colombo - Pr., no qual está inserido o imóvel que ora se entrega ao comodatário".
Desta forma, além da ausência de indícios documentais de prestação do trabalho, a caracterizar o início de prova material; há ainda nos autos comprovação de que o de cujus não era empregado do Sr. Paulo César de Moura, como alegado na inicial, apenas residindo em terreno cedido por este último e em moradia simples erguida pelo próprio de cujus com auxílio familiar. Como referido pelo Sr. José Aparecido Gotardo, tratou-se de mero favor, sem qualquer espécie de pagamento ou contraprestação, não caracterizando o vínculo de emprego cuja anotação em CTPS fez-se apenas com o fito de encerrar-se a reclamatória trabalhista e, aparentemente, assegurar a pensão ora pleiteada.
Esta finalidade espúria foi inclusive mencionada pelo Sr. Paulo em seu depoimento prestado ao Juízo da 17ª Vara Federal (antiga Vara Única Previdenciária de Curitiba), ato repetido após a redistribuição do feito por determinação do TRF4. Aqui ouvido, o Sr. Paulo reiterou não haver relação de emprego e que o acordo na reclamatória visava a liberação do terreno então ocupado pela viúva, mãe do autor. Declarou ainda ter firmado comodato com esta, enviando o termo respectivo, já comentado.
Ressalto que o depoimento do susposto empregador, Sr. Paulo César de Moura, embora contribua para afastar a pretensão do autor, não é decisivo para o julgamento de improcedência, o qual baseia-se, sobretudo, na ausência de início de prova material do alegado vínculo empregatício, devendo ser mantida a sentença de improcedência.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e aos agravos retidos.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/02/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000984-47.2010.4.04.7000/PR
ORIGEM: PR 50009844720104047000
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | ANDERSON ANTUNES GOTARDO |
ADVOGADO | : | JONAS BORGES |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/02/2017, na seqüência 1659, disponibilizada no DE de 09/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E AOS AGRAVOS RETIDOS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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