Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR INVÁLIDO. DIB. TRF4. 5004964-40.2021.4.04.9999...

Data da publicação: 13/04/2022, 07:01:30

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR INVÁLIDO. DIB. 1. A concessão do benefício de pensão por morte demanda, nos termos do art. 74 da Lei n.º 8.213/91, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte; (b) a condição de dependente daqueles que postulam o recebimento do benefício; e (c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. 2. Consoante a jurisprudência do STJ, é irrelevante o fato de a invalidez haver se verificado após a maioridade do postulante ao benefício de pensão por morte, bastando a demonstração de que a invalidez é anterior ao óbito do segurado. 3. DIB fixada na data do óbito da instituidora da pensão por morte. 4. Apelo da Autarquia desprovido, apelo da parte autora provido e adequada, de ofício, a sentença, quanto aos consectários legais. (TRF4, AC 5004964-40.2021.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 05/04/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5004964-40.2021.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MOACIR MARIO MOROSO

RELATÓRIO

MOACIR MARIO MOROSO ajuizou ação de procedimento comum contra o INSS, postulando a concessão de pensão por morte de sua genitora, Fortunata Luvison Moroso, ocorrida em 02/10/2017.

Processado o feito, sobreveio sentença (Evento 49) com o seguinte dispositivo:

Isso posto, defiro a tutela específica em sentença, determinando a conversão do benefício no prazo de 30 dias, e JULGO procedente o pedido para condenar o INSS a conceder ao autor o benefício da pensão por morte, a contar da DER.

As parcelas vencidas devem ser corrigidas/atualizadas pelo INPC, com juros de mora de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, consoante julgamento do STF, RE n. 870.947 [Tema 810].

O INSS é isento do pagamento das custas processuais, devendo suportar as despesas, mais honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, em percentual que será definido por ocasião da liquidação da sentença, conforme disposto no art. 85, § 4º, inciso II, do CPC, nos termos previstos nos incisos I a V, § 3º, do mesmo dispositivo legal.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Oficie-se ao INSS para cumprimento da tutela específica.

Hipótese não sujeita a reexame necessário.

Apela a parte autora (Evento 59).

Sustenta que o termo inicial do benefício deferido deve ser a data do óbito de sua genitora, ou seja, 02/10/2017.

Apela o INSS (Evento 64).

Alega que, ao completar 21 anos, o filho perde a qualidade de dependente, não a recuperando com a incapacidade superveniente à maioridade. Diz que o autor passou a receber aposentadoria por invalidez somente em 23/06/2010, quando já contava com 51 anos. Aduz que a parte autora não logrou demonstrar a dependência econômica frente à de cujus, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei n. 8.213/91, de modo que não lhe é devida a pensão por morte em questão.

Com contrarrazões.

O MPF opinou pelo desprovimento do apelo do INSS (Evento 77).

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Recebo os apelos das partes, pois cabíveis, tempestivos e ambos dispensados de preparo, considerando a AJG concedida à parte autora.

Mérito

Pontos controvertidos

Nesta instância, são controvertidos os seguintes pontos:

- O fato de a incapacidade da parte autora ser posterior aos 21 anos de idade ensejar, ou não, o direito à pensão por morte de sua genitora;

- A DIB ser na data do óbito da genitora da parte autora (02/10/2017).

Pensão por morte em favor de filho maior – Lei n.º 8.213/91, art. 16, I (“filho inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave”)

Refiro, de início, que, conforme reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a concessão do benefício de pensão por morte regula-se pela legislação vigente na data do óbito do instituidor do benefício (STJ, REsp 1699663/RN, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021; STJ, RMS 60.635/BA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 14/04/2021; entre outros).

A concessão do benefício de pensão por morte demanda, nos termos do art. 74 da Lei n.º 8.213/91, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte; (b) a condição de dependente daqueles que postulam o recebimento do benefício; e (c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.

No que diz respeito à condição de dependente, dispõe o art. 16 da Lei n.º 8.213/91:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

Discute-se o direito à percepção de pensão por morte em favor de “filho inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave”, conforme dicção legal constante no artigo 16, I, da Lei n.º 8.213/1991, sendo indiferente que tal condição tenha se verificado antes ou depois dos 21 anos.

De início, desvela-se afronta ao sistema de direitos humanos e fundamentais pela dicção legal “filho inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave”. Tal expressão carrega forte viés capacitista: seja pelo emprego da expressão pejorativa e equivocada “filho inválido”, seja pela distinção hierarquizante das deficiências em “intelectual”, “mental” e “grave”. A atenção à terminologia, desde já, não se apega a rigorismo conceitual meramente teórico, nem a qualquer espécie de controle linguístico; decorre do artigo 8 da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com estatura constitucional (Decreto n.º 6.949, de 2009), que ordena o combate a estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência (art. 8, item 1, “b), o que inclui tomar consciência da necessidade da acessibilidade atitudinal (art. 8, item 2, da Convenção, combinado com art. 3, IV, “c”, da Lei n. 13.146, de 2015 – Lei Brasileira de Inclusão, conhecido como Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Com efeito, a adjetivação “inválido” implica afastar-se da compreensão da pessoa como protagonista de sua trajetória, comprometendo a adequada constituição de relações intersubjetivas e sociais respeitosas, com evidente malefício à sua dignidade humana. Mais ainda, do ponto de vista normativo, mostra-se incompatível com o direito internacional dos direitos humanos e o direito constitucional nacional, por contradizer a compreensão normativamente adotada da deficiência como resultante da interação entre o indivíduo e as barreiras, obstáculos e limitações decorrente do meio social (artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência): a concepção social de deficiência, e não biomédica (Debora Diniz, “O que é deficiência?”. São Paulo: Brasiliense, 2007; TRF4, AC 0000533-87.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 22/06/2017).

Ademais, a aludida distinção hierarquizante das deficiências em “intelectual”, “mental” e “grave” em nada contribui para a aferição das necessidades que a proteção previdenciária busca prover, podendo aumentar estigmas desencadeadores de discriminação contra pessoas com deficiência, produzindo o efeito contrário ao almejado pela convenção, qual seja, por ensejar “... diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável” (eis o conceito jurídico de discriminação por motivo de deficiência, previsto no artigo 2 da Convenção) (RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação e discriminação por deficiência. In: DINIZ, Debora; SANTOS, Wederson. (Org.). Deficiência e Discriminação. 1ed. Brasília: Letras Livres e EdUnB, 2010. p. 73-96).

De fato, na história da deficiência intelectual, a esta condição foram associados sentidos diversos, cuja persistência é indicativa de um processo social estigmatizante. É o que se infere do estudo de Francine Cristine Garghetti, José Gonçalves Medeiros e Adriano Henrique Nuernberg, ao listar a diversidade de termos e expressões marcadores da deficiência intelectual (“...idiota, imbecil, débil mental, oligofrênico, excepcional, retardado, deficiente mental, entre outros.” - (BREVE HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL – disponível em http://www.revistare, acesso em 02jul2021), bem como da pesquisa de Sueli de Souza Dias e Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira (XXX), que relatam a identificação da deficiência intelectual à “...debilidade mental, subnormalidade mental, oligofrenia, deficiência mental, retardo mental, capacidades diferentes, barreiras na aprendizagem; ou as pessoas: idiotas, imbecis, tontos, cretinos, dementes, retardados mentais, inválidos, com necessidades educativas especiais, deficientes intelectuais, estúpidos, amentes... (Deficiência intelectual na perspectiva histórico-cultural: contribuições ao estudo do desenvolvimento adulto, Rev. bras. educ. espec. 19(2), Jun 2013 (https://doi.org/10.1590/S1413-65382013000200003).

Posto isso, a regulação do direito à pensão por morte, na previsão do artigo 16, I, da Lei n.º 8.213/1991, estabelece presunção relativa de dependência econômica em favor dos beneficiários listados (conforme parágrafo 4), vale dizer, “...nada mais faz do que colocar alguma das partes em situação de privilégio, atribuindo ao seu adversário a demonstração de que o fato presumido não se operou” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. III. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 77/78 e 125; no mesmo sentido: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 662; Rita Lynce de Faria, Inversão do ónus da Prova no Direito Civil Português. Lisboa: Editora Lex, 2001, p.34). Deste modo, nos termos da legislação, presume-se a dependência do demandante posicionado no inciso I do artigo 16 da LBPS, admitida ao INSS a prova em sentido contrário, ônus de que deve se desincumbir.

Dadas essas premissas, coloca-se a pergunta sobre o direito ao benefício por quem, nessa condição, seja titular de benefício previdenciário decorrente sua qualidade de segurado: fica afastada a presunção e exigida, pelo demandante, a prova da dependência?

Sem desconhecer a respeitável posição pela natureza absoluta da presunção ora discutida (AC nº 5012721-27.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do Paraná, julg. em 12/03/2019), vai-se consolidando na jurisprudência seu caráter relativo (STJ, AgRg EDcl RESP 1250619/RS. DJe 17.12.2012; Ag Int ARESP1064422/SP, DJe 23.08.2017), ao que se juntam precedentes para os quais a existência de um benefício já titularizado pelo demandante da pensão vai de encontro à presunção legal de dependência (STJ, AgRg RESP 1241558/PR, DJe 06.06.2011; AgRg. RESP 1369296/RS, DJe 23.04.2013), pelo que, sem que este demonstre sua efetiva dependência, não há direito a ser reconhecido.

Não obstante a inferência de que a percepção de benefício próprio pelo demandante descaracterizaria a dependência econômica, tenho que razões de ordem material e processual militam contra a conclusão preconizada pela autarquia previdenciária.

Como acima dito, no regime legal processual a presunção relativa de dependência impõe ao INSS o ônus de demonstrar eventual desnecessidade econômica do requerente, e não o inverso – ou seja, como se houvesse por parte do requerente o ônus de demonstrar a dependência, o que seria precisamente o contrário da determinação legal.

Materialmente, seja pela invocação das regras ordinárias de experiência e, mais ainda, pela notoriedade dos fatos como se verificam na vida em sociedade, evidencia-se situação em que a única presunção cabível é pela necessidade econômica do requerente. De fato, o que a pesquisa social e econômica revela é o incremento de gastos pessoais e familiares na realidade social de indivíduos e grupos familiares onde presentes necessidades adicionais decorrentes da presença de pessoa com deficiência, em reforço à razoabilidade da presunção relativa, mormente no que diz respeito à distribuição da carga probatória; nessa linha, importa observar o artigo 28 da Convenção, respeitante ao padrão de vida e proteção social adequados às pessoas com deficiência, o que inclui a melhoria contínua de suas condições de vida, sem discriminação.

De fato, a literatura especializada, ao debruçar-se sobre gastos adicionais enfrentados por pessoas com deficiência e suas famílias, é conclusiva por sua efetiva e considerável elevação (“Custos adicionais da pessoa com deficiência física – São Paulo e Brasil”; Paula Yuri Sugishita Kanikadan, Tania Yuka Yuba, Izabel de Loureiro Maior, Fernanda Gabriela Borger, Antonio Carlos Coelho Campino; J Bras Econ Saúde 2019;11(1):26-33, disponível em https://docs.bvsalud.org/biblioref/2019/07/1005626/jbes-111-art-04.pdf, acesso em 06jul2021; Maulik PA, Darmstadt GL. Childhood Disability in Low- and Middle-Income Countries: Overview of Screening, Prevention, Services, Legislation, and Epidemiology. Pediatrics 2007; 120(1):1–57; Mercadante MT, Evans-Lacko S, Paula CS. Perspectives of intellectual disability in Latin American countries: epidemiology, policy, and services for children and adults. Curr Opin Psychiatry 2009; 22(5):469–474; Aragão AEA, Ponte KMA, Pagliuca LMF, Silva MAM, Ferreira AGN, Sousa PCP. Perfil das pessoas com deficiência de uma paróquia da Diocese de Sobral - Ceará: um estudo quantitativo. Online Brazilian Journal of Nursing 2010; 9(1); Cavalcante FG, Goldson E. Situational analysis of poverty and violence among children and youth with disabilities in the Americas—an agenda proposal. Cien Saude Colet 2009; 14(1):7–20), tudo fortalecendo a presunção relativa de dependência econômica, mesmo para quem já titularize um benefício previdenciário anterior ao pedido de pensionamento.

A deficiência, como visto, importa, via de regra, incremento de gastos, cujo enfrentamento clama por contribuição familiar, como demonstram os achados das pesquisas referidas, das quais transcrevo, a título exemplificativo, nota técnica do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA):

“A presença do envelhecimento, da deficiência ou da dependência constrangem a autonomia e a vida ativa, com consequências diversas para o indivíduo e para sua família. No âmbito da renda, o impacto direto sobre o orçamento familiar - gerando o que a literatura especializada denomina “gasto catastrófico" - amplia ou aprofunda o risco de pobreza para todo o grupo familiar. Impactos indiretos são igualmente relevantes, como os percebidos na redução da oferta de trabalho notadamente das mães de PcD. Ou seja, famílias que contam, entre seus membros, com pessoas com deficiência ou idosos que necessitem de acompanhamento e cuidados, sofrem efeitos nos seus rendimentos tanto pela ampliação de seus gastos, cuja magnitude depende do tipo de deficiência e da oferta pública de serviços a essa população, como na diminuição da capacidade de participar do mercado de trabalho. O gasto catastrófico é calculado, em geral, a partir da avaliação de quanto representa o gasto com saúde na capacidade de pagamento da família. Este, por sua vez, é estimado como sendo o gasto total, descontados os recursos mínimos necessários para alimentação. Depois de deduzidos os valores mínimos necessários para alimentação (ou seu equivalente, que poderia ser uma linha relativa à extrema pobreza), se os gastos das famílias com saúde ultrapassam um determinando valor – em geral 40% da capacidade de pagamento – diz-se que elas incorreram em gasto catastrófico com saúde (Xu et al, 2003; Wagstaff e Van Doorslaer, 2003; Bos e Water, 2008; Diniz et al, 2007; Kanul, 2011). Nota-se que esta situação é agravada quando combinada com uma situação de pobreza. Nestes casos, a queda da renda disponível reprime o consumo de bens vitais (inclusive itens de saúde), agravando a situação de vulnerabilidade do público-alvo do BPC e de suas famílias. Ainda não há no Brasil estudos sobre gasto catastrófico de famílias que acolham pessoa com deficiência. Todavia, estudos para outros países sobre gastos com saúde e gastos catastróficos com saúde mostram um elevado comprometimento da renda familiar para estas famílias. Os gastos com saúde podem dobrar quando há uma criança com necessidades especiais na família (Newacheck; Kim, 2005). O comprometimento de sua renda com gastos adicionais (alimentares, com transporte e deslocamento) e a perda de renda monetária relacionada ao trabalho aumentam ainda mais a probabilidade de que qualquer gasto relacionado à saúde e aos cuidados requeridos seja um gasto catastrófico para essas famílias. Convém sublinhar que os níveis de dependência comparecem também de forma basilar nesse debate, dado que em muitos casos é necessária a mobilização de um adulto economicamente ativo para prover os cuidados demandados. É bastante numerosa a literatura que conclui que mães com crianças portadoras de problemas crônicos de saúde estão mais sujeitas a não participar da força de trabalho ou, quando o fazem, são maiores as probabilidades de o emprego ser de tempo-parcial e/ou precário. Chamam a atenção os estudos que mostram haver efeitos prejudiciais também sobre a condição laboral dos pais sobretudo envolvendo maiores chances de ser um emprego informal (Spencer, 2014). (Fernando Gaiger Silveira, Luciana Jaccoud, Ana Cleusa Mesquit, Luana Passos e Marco Antonio Natalino, “DEFICIÊNCIA E DEPENDÊNCIA NO DEBATE SOBRE A ELEGIBILIDADE AO BPC”- Nota Técnica 31, Brasília, novembro de 2016).

A realidade fática apanhada pela literatura especializada é de relevância patente para o deslinde deste litígio. Com efeito, contrastada a abstração e generalidade da diretriz jurisprudencial com o estampado nas pesquisas, conclui-se que o raciocínio ancorou-se em argumento formal (se o requerente é titular de benefício de aposentadoria, logicamente não pode ser tido como dependente de terceiros), sem distinguir, todavia, a situação da pessoa com deficiência daquela experimentada pelo beneficiário de aposentadoria por invalidez - situação que pressupõe trabalhador em situação de permanente incapacidade para o exercício de suas atividades laborais, sem possibilidade de reabilitação em outra função.

Destacar este dado fundamental quanto à realidade fática sobre os vínculos de dependência, que são a regra em casos como os do requerente (que pode até se qualificar como fato notório para fins jurídico-processuais), não só reforça o acerto da presunção legalmente estabelecida, com o consequente ônus da prova recaindo sobre o INSS; reclama a leitura da diretriz jurisprudencial noticiada mediante o chamado “overriding”, em que se chega a solução distinta em virtude de nova perspectiva, ausente nos julgamentos pretéritos (nesse sentido, MORGANA HENICKA GALIO, “OVERRULING: A SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE”- Dissertação submetida ao Curso de Pós-Graduação stricto sensu, Programa de Mestrado em Direito, área de concentração em Direito, Estado e Sociedade da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do Grau de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Pedro Miranda de Oliveira, Florianópolis, 2016).

A perspectiva ora adotada, como visto, recoloca a relatividade da presunção legalmente definida em favor do requerente, tendo presente não só a realidade fática presente em casos como o da espécie, como também a intensidade da proteção constitucional devida à pessoa com deficiência. O litígio tem sua resolução, por conseguinte, arrimada tanto em fundamentos de ordem constitucional, que estão além das típicas e apropriadas questões de legalidade infraconstitucional que amoldam o objeto de apreciação do recurso especial, quanto na consideração daquilo que se apresenta de modo regular no mundo dos fatos.

Exame do caso concreto

Busca o autor a concessão de pensão por morte de sua mãe, ocorrida em 02/10/2017 (Evento 12 - ANEXO3 - p.13).

Cinge-se a controvérsia ao fato de que a incapacidade do autor é posterior a sua maioridade, o que afastaria sua condição de dependente da de cujus.

Inicialmente, é de ver-se que o autor recebeu auxílio-doença entre 24/12/2003 e 22/06/2010, o qual foi convertido em aposentadoria por invalidez em 23/06/2010 (Evento 12 - ANEXO3 - p.30), vindo a ser interditado em 12/05/2017 (Evento 12 - ANEXO3 - p.10).

Como já anteriormente referido, em que pese a incapacidade do autor ter sido constatada após a maioridade, deu-se antes do óbito de sua genitora, comprovando sua condição de filho maior inválido e fazendo jus ao benefício.

Diante de todo este quadro, concluo pelo direito ao benefício requerido, uma vez que não afastada pelo demandado a presunção de dependência legalmente estabelecida, inexistindo, ademais, vedação legal à cumulação da pensão por morte com aposentadoria por invalidez.

De manter-se, portanto, a sentença, no ponto.

Do termo inicial do benefício

A formalização tardia da inscrição de dependente absolutamente incapaz não impede a percepção dos valores que lhe são devidos desde a data do óbito, não obstante os termos do inciso II do artigo 74 da Lei nº 8.213/91, instituído pela Lei nº 9.528/97, pois a parte não pode ser prejudicada pela inércia de seu representante legal, até porque contra ela não corre prescrição, a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os artigos 79 e 103, parágrafo único, da Lei de Benefícios. Desse modo, o benefício é devido (DIB) a partir do óbito do instituidor.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE DEPENDENTE - FILHO MAIOR INVÁLIDO. HABILITAÇÃO TARDIA. RETROAÇÃO DA DIB AO ÓBITO DO INSTITUIDOR. NÃO CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A condição de dependente da parte autora em relação à genitora é incontroversa, pois, de acordo com a prova pericial, a autora é absolutamente incapaz devido a comprometimento cerebral desde a infância e interditada. A incapacidade já era existente quando da morte da mãe. 2. O termo inicial da pensão por morte requerida por absolutamente incapaz retroage à data do óbito, não estando sujeito aos efeitos da prescrição, uma vez que a mora do representante legal não pode prejudicá-lo. 3. Inobstante, a pensão por morte passou a ser paga - integralmente - a outro dependente legalmente habilitado. Daí porque o pagamento retroativo desta habilitação tardia, com a retroação da DIB ao óbito do instituidor, implicaria em flagrante bis in idem para a administração pública, e com isso, enriquecimento ilícito do beneficiário. 4. Caso em que o termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo, em relação ao falecido pai, uma vez que a habilitação tardia do absolutamente incapaz não produz efeitos pretéritos quando outro dependente já recebeu a pensão por morte. 5. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015, cuja exigibilidade fica suspensa em face da concessão da justiça gratuita. (TRF4, AC 5006342-65.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 13/08/2021)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO DEVIDO. PRESCRIÇÃO CONTRA INCAPAZ. 1. A vulnerabilidade do indivíduo portador de deficiência psíquica e intelectual, não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, pois não se pode permitir que normas jurídicas que vieram proteger o direito das pessoas com deficiência sirvam para agravar a situação, deixando-as em um estado ainda maior de vulnerabilidade. 2. Não se aplicam as regras da prescrição à autora, tendo em vista que na data do óbito a mesma já era absolutamente incapaz para os atos da vida civil, inclusive como reconhecido pela própria autarquia ao fixar a DIB. (TRF4, AC 5000244-72.2019.4.04.7130, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 02/07/2020)

Dessa forma, considerando que, à época do óbito da instituidora (02/10/2017), o autor já se encontrava interditado desde 12/05/2017, não há como fixar-se a data de início do benefício na DER - 22/02/2019.

De acolher-se o apelo do autor para determinar a DIB da pensão em 02/10/2017.

Consectários legais. Correção monetária e juros de mora.

Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Tema 905 (REsp n.º 1.495.146), interpretando o julgamento do Supremo Tribunal Federal no Tema 810 (RE 870.947), as condenações judiciais previdenciárias sujeitam-se à atualização monetária pelo INPC:

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.

Dessa forma, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme os seguintes índices e respectivos períodos:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).

Por outro lado, quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve ser aplicado o IPCA-E.

Os juros de mora incidem a contar da citação, conforme Súmula 204 do STJ, da seguinte forma:

- 1% ao mês até 29/06/2009;

- a partir de então, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Registre-se que, quanto aos juros de mora, não houve declaração de inconstitucionalidade no julgamento do RE 870.947 pelo STF. Ainda, cabe referir que devem ser calculados sem capitalização.

Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113/2021, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas.

Honorários recursais

Considerando a adequação, de ofício, da sentença apenas quanto a consectários, majoro os honorários fixados na sentença em favor do patrono da parte autora em 20%, observados os limites das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85, tendo em vista o entendimento da Turma para o caso de apelação somente em consectários.

Não se desconhece a afetação pelo STJ do Tema 1059 - (Im) Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação. Todavia, tenho que, em se tratando de questão acessória - e a fim de se evitar o sobrestamento do feito ainda na fase de conhecimento, caso o entendimento do Tribunal Superior venha a ser pela possibilidade de majoração -, resta desde já fixado o percentual a ser utilizado, de forma a ser possível a futura execução do julgado no que diz respeito à majoração da verba honorária, cujo cumprimento fica diferido para o juízo da execução.

Inaplicabilidade do art. 85, § 11, do CPC para a parte autora.

Tutela específica - implantação do benefício

Tendo em vista o disposto no art. 497 do CPC/2015, correspondente ao art. 461 do CPC/1973, e a circunstância de que os recursos excepcionais, em regra, não possuem efeito suspensivo, o julgado deve ser cumprido imediatamente (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), no prazo máximo de trinta dias úteis.

Conclusão

Apelo do INSS desprovido.

Apelo do autor provido para alterar a DIB para a data do óbito da instituidora.

Adequada, de ofício, a sentença quanto aos consectários legais.

Determinada a implantação do benefício.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo do INSS, dar provimento ao apelo da parte autora, adequar, de ofício, a sentença quanto aos consectários e determinar a implantação do benefício.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003092949v10 e do código CRC ee9ccf1c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGER RAUPP RIOS
Data e Hora: 5/4/2022, às 17:38:24


5004964-40.2021.4.04.9999
40003092949.V10


Conferência de autenticidade emitida em 13/04/2022 04:01:29.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5004964-40.2021.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MOACIR MARIO MOROSO

EMENTA

previdenciário. pensão por morte. filho maior inválido. DIB.

1. A concessão do benefício de pensão por morte demanda, nos termos do art. 74 da Lei n.º 8.213/91, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte; (b) a condição de dependente daqueles que postulam o recebimento do benefício; e (c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.

2. Consoante a jurisprudência do STJ, é irrelevante o fato de a invalidez haver se verificado após a maioridade do postulante ao benefício de pensão por morte, bastando a demonstração de que a invalidez é anterior ao óbito do segurado.

3. DIB fixada na data do óbito da instituidora da pensão por morte.

4. Apelo da Autarquia desprovido, apelo da parte autora provido e adequada, de ofício, a sentença, quanto aos consectários legais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INSS, dar provimento ao apelo da parte autora, adequar, de ofício, a sentença quanto aos consectários e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 05 de abril de 2022.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003092950v5 e do código CRC 48b96936.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGER RAUPP RIOS
Data e Hora: 5/4/2022, às 17:38:24


5004964-40.2021.4.04.9999
40003092950 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 13/04/2022 04:01:29.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/03/2022 A 05/04/2022

Apelação Cível Nº 5004964-40.2021.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MOACIR MARIO MOROSO

ADVOGADO: LINO SCHUTKOSKI (OAB RS048495)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/03/2022, às 00:00, a 05/04/2022, às 16:00, na sequência 283, disponibilizada no DE de 18/03/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS, DAR PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA, ADEQUAR, DE OFÍCIO, A SENTENÇA QUANTO AOS CONSECTÁRIOS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Comentário - GAB. 53 (Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO) - Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO.

Existe uma petição no processo que informa a existência de apelação do autor, no evento 59, o que aparentemente não se encontra enfrentado no voto. À consideração do eminente relator, Des. Roger.

Aviso de Alteração - GAB. 51 (Des. Federal ROGER RAUPP RIOS) - Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS.

Em atenção ao comentário feito pelo Des. Osni, a quem agradeço pelo apontamento, informo que a minuta de voto foi ajustada para o fim de incluir a apreciação do apelo da parte autora.



Conferência de autenticidade emitida em 13/04/2022 04:01:29.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora