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PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR INVÁLIDO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. TRF4. 5003851-96.2018.4.04.7108...

Data da publicação: 24/09/2021, 23:01:07

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR INVÁLIDO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. 1. A concessão do benefício de pensão por morte demanda, nos termos do art. 74 da Lei n.º 8.213/91, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte; (b) a condição de dependente daqueles que postulam o recebimento do benefício; e (c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. 2. Consoante a jurisprudência do STJ, é irrelevante o fato de a invalidez haver se verificado após a maioridade do postulante ao benefício de pensão por morte, bastando a demonstração de que a invalidez é anterior ao óbito do segurado. 3. Inexiste vedação legal à cumulação da pensão por morte com aposentadoria por invalidez. 4. A formalização tardia da inscrição de dependente absolutamente incapaz não impede a percepção dos valores que lhe são devidos desde a data do óbito. 5. Apelo do INSS desprovido. (TRF4, AC 5003851-96.2018.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 16/09/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5003851-96.2018.4.04.7108/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ELIZETE TEREZINHA FARIAS SCHONARTH (AUTOR)

RELATÓRIO

ELIZETE TEREZINHA FARIAS SCHONARTH ajuizou ação de procedimento comum contra o INSS, postulando a concessão de pensão por morte de seu genitor, Valinho Osvaldo Schonarth, ocorrida em 08/09/2014.

Processado o feito, sobreveio sentença (Evento 89) com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/2015, para o fim de:

a) determinar ao réu que conceda o benefício de pensão por morte, na forma da fundamentação, desde o óbito do de cujus (08/09/2014) à parte autora;

b) condenar o INSS a pagar as parcelas vencidas corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, conforme delimitado na fundamentação.

Condeno o INSS a pagar os honorários advocatícios, em percentual a ser fixado por ocasião da liquidação de sentença (art. 85, §3º, II, do CPC/2015), sobre o valor condenação, excluídas as parcelas que se vencerem após a prolação da sentença (Súmula nº 111 do STJ). Deverá também ressarcir os honorários periciais já adiantados pela Seção Judiciária do RS.

Sem custas, a teor do art. 4º, da Lei nº 9.289/96.

Ainda que ilíquida, a condenação não alcançará o patamar previsto no art. 496, § 3º, do CPC/2015; portanto, inaplicável a remessa necessária.

Apela o INSS (Evento 100).

Alega a ausência de dependência da autora em face de seu genitor, uma vez que a incapacidade somente restou verificada após os seus 21 anos; Aduz que a parte autora possui paraplegia, estando em gozo de benefício de aposentadoria por invalidez desde 01/12/1994, tendo completado 21 anos em 14/04/1984. Diz que, tanto a autora, como seu pai, ao tempo do óbito, recebiam cada um benefício no valor de um salário mínimo, estando, pois, desconfigurada a dependência econômica. Menciona que o termo inicial deve ser fixado na data do requerimento.

Com contrarrazões.

Intimado, o MPF requereu:

a) a retificação da autuação processual, passando a constar o INSS como apelante e Elizete Terezinha Farias Schonarth como apelada;

b) em caso de confirmação da sentença, a intimação da apelada, para que promova a Ação de Tomada de Decisão Apoiada ou Ação de Curatela perante o Juízo Estadual competente, informando ao Juízo a quo da adoção desta providência, conforme determinação da sentença.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo.

Mérito

Pontos controvertidos

Nesta instância, são controvertidos os seguintes pontos:

- A dependência econômica da autora em relação ao seu genitor;

- O termo inicial do benefício.

Pensão por morte em favor de filho maior – Lei n.º 8.213/91, art. 16, I (“filho inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave”)

Refiro, de início, que, conforme reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a concessão do benefício de pensão por morte regula-se pela legislação vigente na data do óbito do instituidor do benefício (STJ, REsp 1699663/RN, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021; STJ, RMS 60.635/BA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 14/04/2021; entre outros).

A concessão do benefício de pensão por morte demanda, nos termos do art. 74 da Lei n.º 8.213/91, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte; (b) a condição de dependente daqueles que postulam o recebimento do benefício; e (c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.

No que diz respeito à condição de dependente, dispõe o art. 16 da Lei n.º 8.213/91:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

Discute-se o direito à percepção de pensão por morte em favor de “filho inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave”, conforme dicção legal constante no artigo 16, I, da Lei n.º 8.213/1991, sendo indiferente que tal condição tenha se verificado antes ou depois dos 21 anos.

De início, desvela-se afronta ao sistema de direitos humanos e fundamentais pela dicção legal “filho inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave”. Tal expressão carrega forte viés capacitista: seja pelo emprego da expressão pejorativa e equivocada “filho inválido”, seja pela distinção hierarquizante das deficiências em “intelectual”, “mental” e “grave”. A atenção à terminologia, desde já, não se apega a rigorismo conceitual meramente teórico, nem a qualquer espécie de controle linguístico; decorre do artigo 8 da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com estatura constitucional (Decreto n.º 6.949, de 2009), que ordena o combate a estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência (art. 8, item 1, “b), o que inclui tomar consciência da necessidade da acessibilidade atitudinal (art. 8, item 2, da Convenção, combinado com art. 3, IV, “c”, da Lei n. 13.146, de 2015 – Lei Brasileira de Inclusão, conhecido como Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Com efeito, a adjetivação “inválido” implica afastar-se da compreensão da pessoa como protagonista de sua trajetória, comprometendo a adequada constituição de relações intersubjetivas e sociais respeitosas, com evidente malefício à sua dignidade humana. Mais ainda, do ponto de vista normativo, mostra-se incompatível com o direito internacional dos direitos humanos e o direito constitucional nacional, por contradizer a compreensão normativamente adotada da deficiência como resultante da interação entre o indivíduo e as barreiras, obstáculos e limitações decorrente do meio social (artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência): a concepção social de deficiência, e não biomédica (Debora Diniz, “O que é deficiência?”. São Paulo: Brasiliense, 2007; TRF4, AC 0000533-87.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 22/06/2017).

Ademais, a aludida distinção hierarquizante das deficiências em “intelectual”, “mental” e “grave” em nada contribui para a aferição das necessidades que a proteção previdenciária busca prover, podendo aumentar estigmas desencadeadores de discriminação contra pessoas com deficiência, produzindo o efeito contrário ao almejado pela convenção, qual seja, por ensejar “... diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável” (eis o conceito jurídico de discriminação por motivo de deficiência, previsto no artigo 2 da Convenção) (RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação e discriminação por deficiência. In: DINIZ, Debora; SANTOS, Wederson. (Org.). Deficiência e Discriminação. 1ed. Brasília: Letras Livres e EdUnB, 2010. p. 73-96).

De fato, na história da deficiência intelectual, a esta condição foram associados sentidos diversos, cuja persistência é indicativa de um processo social estigmatizante. É o que se infere do estudo de Francine Cristine Garghetti, José Gonçalves Medeiros e Adriano Henrique Nuernberg, ao listar a diversidade de termos e expressões marcadores da deficiência intelectual (“...idiota, imbecil, débil mental, oligofrênico, excepcional, retardado, deficiente mental, entre outros.” - (BREVE HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL – disponível em http://www.revistare, acesso em 02jul2021), bem como da pesquisa de Sueli de Souza Dias e Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira (XXX), que relatam a identificação da deficiência intelectual à “...debilidade mental, subnormalidade mental, oligofrenia, deficiência mental, retardo mental, capacidades diferentes, barreiras na aprendizagem; ou as pessoas: idiotas, imbecis, tontos, cretinos, dementes, retardados mentais, inválidos, com necessidades educativas especiais, deficientes intelectuais, estúpidos, amentes... (Deficiência intelectual na perspectiva histórico-cultural: contribuições ao estudo do desenvolvimento adulto, Rev. bras. educ. espec. 19(2), Jun 2013 (https://doi.org/10.1590/S1413-65382013000200003).

Posto isso, a regulação do direito à pensão por morte, na previsão do artigo 16, I, da Lei n.º 8.213/1991, estabelece presunção relativa de dependência econômica em favor dos beneficiários listados (conforme parágrafo 4), vale dizer, “...nada mais faz do que colocar alguma das partes em situação de privilégio, atribuindo ao seu adversário a demonstração de que o fato presumido não se operou” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. III. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 77/78 e 125; no mesmo sentido: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 662; Rita Lynce de Faria, Inversão do ónus da Prova no Direito Civil Português. Lisboa: Editora Lex, 2001, p.34). Deste modo, nos termos da legislação, presume-se a dependência do demandante posicionado no inciso I do artigo 16 da LBPS, admitida ao INSS a prova em sentido contrário, ônus de que deve se desincumbir.

Dadas essas premissas, coloca-se a pergunta sobre o direito ao benefício por quem, nessa condição, seja titular de benefício previdenciário decorrente sua qualidade de segurado: fica afastada a presunção e exigida, pelo demandante, a prova da dependência?

Sem desconhecer a respeitável posição pela natureza absoluta da presunção ora discutida (AC nº 5012721-27.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do Paraná, julg. em 12/03/2019), vai-se consolidando na jurisprudência seu caráter relativo (STJ, AgRg EDcl RESP 1250619/RS. DJe 17.12.2012; Ag Int ARESP1064422/SP, DJe 23.08.2017), ao que se juntam precedentes para os quais a existência de um benefício já titularizado pelo demandante da pensão vai de encontro à presunção legal de dependência (STJ, AgRg RESP 1241558/PR, DJe 06.06.2011; AgRg. RESP 1369296/RS, DJe 23.04.2013), pelo que, sem que este demonstre sua efetiva dependência, não há direito a ser reconhecido.

Não obstante a inferência de que a percepção de benefício próprio pelo demandante descaracterizaria a dependência econômica, tenho que razões de ordem material e processual militam contra a conclusão preconizada pela autarquia previdenciária.

Como acima dito, no regime legal processual a presunção relativa de dependência impõe ao INSS o ônus de demonstrar eventual desnecessidade econômica do requerente, e não o inverso – ou seja, como se houvesse por parte do requerente o ônus de demonstrar a dependência, o que seria precisamente o contrário da determinação legal.

Materialmente, seja pela invocação das regras ordinárias de experiência e, mais ainda, pela notoriedade dos fatos como se verificam na vida em sociedade, evidencia-se situação em que a única presunção cabível é pela necessidade econômica do requerente. De fato, o que a pesquisa social e econômica revela é o incremento de gastos pessoais e familiares na realidade social de indivíduos e grupos familiares onde presentes necessidades adicionais decorrentes da presença de pessoa com deficiência, em reforço à razoabilidade da presunção relativa, mormente no que diz respeito à distribuição da carga probatória; nessa linha, importa observar o artigo 28 da Convenção, respeitante ao padrão de vida e proteção social adequados às pessoas com deficiência, o que inclui a melhoria contínua de suas condições de vida, sem discriminação.

De fato, a literatura especializada, ao debruçar-se sobre gastos adicionais enfrentados por pessoas com deficiência e suas famílias, é conclusiva por sua efetiva e considerável elevação (“Custos adicionais da pessoa com deficiência física – São Paulo e Brasil”; Paula Yuri Sugishita Kanikadan, Tania Yuka Yuba, Izabel de Loureiro Maior, Fernanda Gabriela Borger, Antonio Carlos Coelho Campino; J Bras Econ Saúde 2019;11(1):26-33, disponível em https://docs.bvsalud.org/biblioref/2019/07/1005626/jbes-111-art-04.pdf, acesso em 06jul2021; Maulik PA, Darmstadt GL. Childhood Disability in Low- and Middle-Income Countries: Overview of Screening, Prevention, Services, Legislation, and Epidemiology. Pediatrics 2007; 120(1):1–57; Mercadante MT, Evans-Lacko S, Paula CS. Perspectives of intellectual disability in Latin American countries: epidemiology, policy, and services for children and adults. Curr Opin Psychiatry 2009; 22(5):469–474; Aragão AEA, Ponte KMA, Pagliuca LMF, Silva MAM, Ferreira AGN, Sousa PCP. Perfil das pessoas com deficiência de uma paróquia da Diocese de Sobral - Ceará: um estudo quantitativo. Online Brazilian Journal of Nursing 2010; 9(1); Cavalcante FG, Goldson E. Situational analysis of poverty and violence among children and youth with disabilities in the Americas—an agenda proposal. Cien Saude Colet 2009; 14(1):7–20), tudo fortalecendo a presunção relativa de dependência econômica, mesmo para quem já titularize um benefício previdenciário anterior ao pedido de pensionamento.

A deficiência, como visto, importa, via de regra, incremento de gastos, cujo enfrentamento clama por contribuição familiar, como demonstram os achados das pesquisas referidas, das quais transcrevo, a título exemplificativo, nota técnica do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA):

“A presença do envelhecimento, da deficiência ou da dependência constrangem a autonomia e a vida ativa, com consequências diversas para o indivíduo e para sua família. No âmbito da renda, o impacto direto sobre o orçamento familiar - gerando o que a literatura especializada denomina “gasto catastrófico" - amplia ou aprofunda o risco de pobreza para todo o grupo familiar. Impactos indiretos são igualmente relevantes, como os percebidos na redução da oferta de trabalho notadamente das mães de PcD. Ou seja, famílias que contam, entre seus membros, com pessoas com deficiência ou idosos que necessitem de acompanhamento e cuidados, sofrem efeitos nos seus rendimentos tanto pela ampliação de seus gastos, cuja magnitude depende do tipo de deficiência e da oferta pública de serviços a essa população, como na diminuição da capacidade de participar do mercado de trabalho. O gasto catastrófico é calculado, em geral, a partir da avaliação de quanto representa o gasto com saúde na capacidade de pagamento da família. Este, por sua vez, é estimado como sendo o gasto total, descontados os recursos mínimos necessários para alimentação. Depois de deduzidos os valores mínimos necessários para alimentação (ou seu equivalente, que poderia ser uma linha relativa à extrema pobreza), se os gastos das famílias com saúde ultrapassam um determinando valor – em geral 40% da capacidade de pagamento – diz-se que elas incorreram em gasto catastrófico com saúde (Xu et al, 2003; Wagstaff e Van Doorslaer, 2003; Bos e Water, 2008; Diniz et al, 2007; Kanul, 2011). Nota-se que esta situação é agravada quando combinada com uma situação de pobreza. Nestes casos, a queda da renda disponível reprime o consumo de bens vitais (inclusive itens de saúde), agravando a situação de vulnerabilidade do público-alvo do BPC e de suas famílias. Ainda não há no Brasil estudos sobre gasto catastrófico de famílias que acolham pessoa com deficiência. Todavia, estudos para outros países sobre gastos com saúde e gastos catastróficos com saúde mostram um elevado comprometimento da renda familiar para estas famílias. Os gastos com saúde podem dobrar quando há uma criança com necessidades especiais na família (Newacheck; Kim, 2005). O comprometimento de sua renda com gastos adicionais (alimentares, com transporte e deslocamento) e a perda de renda monetária relacionada ao trabalho aumentam ainda mais a probabilidade de que qualquer gasto relacionado à saúde e aos cuidados requeridos seja um gasto catastrófico para essas famílias. Convém sublinhar que os níveis de dependência comparecem também de forma basilar nesse debate, dado que em muitos casos é necessária a mobilização de um adulto economicamente ativo para prover os cuidados demandados. É bastante numerosa a literatura que conclui que mães com crianças portadoras de problemas crônicos de saúde estão mais sujeitas a não participar da força de trabalho ou, quando o fazem, são maiores as probabilidades de o emprego ser de tempo-parcial e/ou precário. Chamam a atenção os estudos que mostram haver efeitos prejudiciais também sobre a condição laboral dos pais sobretudo envolvendo maiores chances de ser um emprego informal (Spencer, 2014). (Fernando Gaiger Silveira, Luciana Jaccoud, Ana Cleusa Mesquit, Luana Passos e Marco Antonio Natalino, “DEFICIÊNCIA E DEPENDÊNCIA NO DEBATE SOBRE A ELEGIBILIDADE AO BPC”- Nota Técnica 31, Brasília, novembro de 2016).

A realidade fática apanhada pela literatura especializada é de relevância patente para o deslinde deste litígio. Com efeito, contrastada a abstração e generalidade da diretriz jurisprudencial com o estampado nas pesquisas, conclui-se que o raciocínio ancorou-se em argumento formal (se o requerente é titular de benefício de aposentadoria, logicamente não pode ser tido como dependente de terceiros), sem distinguir, todavia, a situação da pessoa com deficiência daquela experimentada pelo beneficiário de aposentadoria por invalidez - situação que pressupõe trabalhador em situação de permanente incapacidade para o exercício de suas atividades laborais, sem possibilidade de reabilitação em outra função.

Destacar este dado fundamental quanto à realidade fática sobre os vínculos de dependência, que são a regra em casos como os do requerente (que pode até se qualificar como fato notório para fins jurídico-processuais), não só reforça o acerto da presunção legalmente estabelecida, com o consequente ônus da prova recaindo sobre o INSS; reclama a leitura da diretriz jurisprudencial noticiada mediante o chamado “overriding”, em que se chega a solução distinta em virtude de nova perspectiva, ausente nos julgamentos pretéritos (nesse sentido, MORGANA HENICKA GALIO, “OVERRULING: A SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE”- Dissertação submetida ao Curso de Pós-Graduação stricto sensu, Programa de Mestrado em Direito, área de concentração em Direito, Estado e Sociedade da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do Grau de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Pedro Miranda de Oliveira, Florianópolis, 2016).

A perspectiva ora adotada, como visto, recoloca a relatividade da presunção legalmente definida em favor do requerente, tendo presente não só a realidade fática presente em casos como o da espécie, como também a intensidade da proteção constitucional devida à pessoa com deficiência. O litígio tem sua resolução, por conseguinte, arrimada tanto em fundamentos de ordem constitucional, que estão além das típicas e apropriadas questões de legalidade infraconstitucional que amoldam o objeto de apreciação do recurso especial, quanto na consideração daquilo que se apresenta de modo regular no mundo dos fatos.

Diante de todo este quadro, concluo pelo direito ao benefício requerido, uma vez que não afastada pelo demandado a presunção de dependência legalmente estabelecida, inexistindo, ademais, vedação legal à cumulação da pensão por morte com aposentadoria por invalidez.

Exame do caso concreto

A autora, na condição de filha maior inválida do instituidor do benefício, postula a concessão de pensão por morte, alegando sua dependência econômica em relação ao de cujus.

A sentença, ao analisar a postulação, assim decidiu:

Tendo em vista que a invalidez, para fins de pensão por morte, deve ser anterior ao óbito de seu genitor (ocorrido em 08/09/2014), foi determinada a realização de perícia judicial cujo laudos foram acostados nos eventos 38 e 54.

Restou comprovada a incapacidade da parte autora, diagnosticada com esquizofrenia grave (CID F20.9) com DID em 12/1982, estando com seus processos psíquicos abalados pela doença e sem condições de exercer atos da vida civil, conforme quesito complementar respondido pelo expert no evento 54.

Sobre o tema, a jurisprudência nos diz que:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. ÓBITO. QUALIDADE DE SEGURADO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. FILHO INVÁLIDO. INVALIDEZ ANTERIOR AO ÓBITO. COMPROVAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do falecido e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. É considerada presumida a dependência econômica do cônjuge, companheiro(a) e do filho menor de 21 anos ou inválido. 3. O filho inválido preenche os requisitos de dependência econômica mesmo que a invalidez seja posterior ao advento da maioridade, desde que a condição seja preexistente ao óbito do instituidor da pensão. Precedentes. 4. Preenchidos os requisitos e comprovado que a invalidez precede ao falecimento do instituidor da pensão por morte, o demandante faz jus ao benefício desde a data do óbito do instituidor. 5. A Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que teve por finalidade a ampla inclusão dos deficientes, não pode ser interpretada de forma restritiva, levando à maior vulnerabilidade justamente dos indivíduos que visa a proteger. Verificado que o autor, com esquizofrenia grave, não possui discernimento para os atos da vida civil, ele não pode ser penalizado pela fluência do prazo prescricional, sobretudo, quando a deficiência iniciou antes da alteração legislativa. Princípio da irretroatividade. 6. Correção monetária desde cada vencimento pela OTN até janeiro de 1989, pela BTN até fevereiro de 1991, pelo INPC até dezembro de 1992, pelo IRSM até fevereiro de 1994, pela URV até junho de 1994, pelo IPC-r até junho de 1995, pelo INPC até abril de 1996, pelo IGP-DI até março de 2006 e pelo INPC a partir de abril de 2006. 7. Juros de mora simples de um por cento (1%) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009, e, a partir de tal data, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art.1º-F da Lei 9.494/1997. 8. Ordem para implantação do benefício. Precedente. (TRF4 5001776-31.2011.4.04.7011, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 28/09/2018)

Quanto à audiência realizada, as testemunhas contaram que o de cujus morava junto com a autora e o filho desta, que ele recebia a renda de um salário de beneficio previdenciário, não tendo outra fonte de renda. Era o de cujus (pai) quem cuidava da autora e de seu neto (filho da autora), o qual tem deficiência física.

Não obstante a autora já perceba uma aposentadoria, havia dependência em relação ao "de cujus", ainda que não exclusiva.

Sendo assim, é devida a concessão do benefício de pensão por morte à parte autora desde o óbito de seu genitor, em 08/09/2014, pois, ainda que a autora tenha uma aposentadoria, havia dependência, mesmo que nao exclusiva, do falecido pai.

Acrescente-se, ainda, que a autora restou interditada em razão de seu quadro de esquizofrenia, conforme se vê da sentença juntada aos autos (Evento 5 - TCURATELA2), o que vem a somar às demais provas trazidas aos autos.

Feitas tais considerações, é de manter-se a sentença, no ponto.

Do termo inicial do benefício

O INSS requer que o termo inicial do benefício seja fixado na data do requerimento administrativo, e não do óbito do genitor da autora.

A incapacidade registrada afeta não apenas a condição laboral, mas também os próprios atos da vida civil. Como é corrente, a formalização tardia da inscrição de dependente absolutamente incapaz não impede a percepção dos valores que lhe são devidos desde a data do óbito, não obstante os termos do inciso II do artigo 74 da Lei nº 8.213/91, instituído pela Lei nº 9.528/97, pois a parte não pode ser prejudicada pela inércia de seu representante legal, até porque contra ela não corre prescrição, a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os artigos 79 e 103, parágrafo único, da Lei de Benefícios. Desse modo, o benefício é devido (DIB) a partir do óbito do instituidor.

No caso em apreço, deve, portanto, ser fixado o termo inicial da pensão na data do óbito do pai, em 08/09/2014.

Honorários recursais

Considerando o disposto no art. 85, § 11, NCPC, e que está sendo negado provimento ao recurso, majoro os honorários fixados na sentença em 20%, respeitados os limites máximos das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85.

Tutela específica - implantação do benefício

Tendo em vista o disposto no art. 497 do CPC/2015, correspondente ao art. 461 do CPC/1973, e a circunstância de que os recursos excepcionais, em regra, não possuem efeito suspensivo, o julgado deve ser cumprido imediatamente (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), no prazo máximo de trinta dias úteis.

Conclusão

Apelo do INSS desprovido. Determinada a imediata implantação do benefício.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo do INSS e determinar a imediata implantação do benefício.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002761329v11 e do código CRC 3ac95592.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGER RAUPP RIOS
Data e Hora: 16/9/2021, às 18:35:25


5003851-96.2018.4.04.7108
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Conferência de autenticidade emitida em 24/09/2021 20:01:07.

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

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Apelação Cível Nº 5003851-96.2018.4.04.7108/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ELIZETE TEREZINHA FARIAS SCHONARTH (AUTOR)

EMENTA

previdenciário. pensão por morte. filho maior inválido. dependência econômica. termo inicial do benefício.

1. A concessão do benefício de pensão por morte demanda, nos termos do art. 74 da Lei n.º 8.213/91, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte; (b) a condição de dependente daqueles que postulam o recebimento do benefício; e (c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.

2. Consoante a jurisprudência do STJ, é irrelevante o fato de a invalidez haver se verificado após a maioridade do postulante ao benefício de pensão por morte, bastando a demonstração de que a invalidez é anterior ao óbito do segurado.

3. Inexiste vedação legal à cumulação da pensão por morte com aposentadoria por invalidez.

4. A formalização tardia da inscrição de dependente absolutamente incapaz não impede a percepção dos valores que lhe são devidos desde a data do óbito.

5. Apelo do INSS desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de setembro de 2021.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002761330v4 e do código CRC 75b46cab.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGER RAUPP RIOS
Data e Hora: 16/9/2021, às 18:35:25


5003851-96.2018.4.04.7108
40002761330 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 24/09/2021 20:01:07.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 09/09/2021 A 16/09/2021

Apelação Cível Nº 5003851-96.2018.4.04.7108/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ELIZETE TEREZINHA FARIAS SCHONARTH (AUTOR)

ADVOGADO: EDUARDO ALVES KONRATH (OAB RS076505)

ADVOGADO: ROBERTO AUGUSTO KLIPPEL (OAB RS076497)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 09/09/2021, às 00:00, a 16/09/2021, às 16:00, na sequência 99, disponibilizada no DE de 30/08/2021.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 24/09/2021 20:01:07.

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