Apelação Cível Nº 5003008-81.2024.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: ANTONIA LORENI DA SILVA CRUZ
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
ANTONIA LORENI DA SILVA CRUZ ajuizou ação contra o INSS, pleiteando a concessão de pensão por morte em razão do óbito de seu marido, José Darci da Cruz, falecido em 14/01/2020.
Sobreveio sentença (
), que julgou improcede o pedido inicial.A parte autora apela alegando, em síntese (
), que apesar de o "de cujus" ir algumas vezes à cidade pra visitar os filhos, mantinha o trabalho na agricultura, quer perdurou por mais de 30 anos como faz prova os documentos juntados aos autos. Portanto, comprovada a qualidade de segurado rural, requer a concessão da pensão por morte pleiteada na inicial.Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Recurso adequado e tempestivo. Apelante isenta de custas, nos termos do art. 4º, II, da Lei 9.289/1996.
Pensão por Morte
A Lei 8.213/1991, que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social, preceitua em seu art. 74 ser devida pensão por morte aos dependentes do segurado falecido, não sendo exigido o cumprimento de carência (art. 26, I).
Assim, a concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.
Além disso, rege-se o benefício pela legislação vigente à época do falecimento.
Qualidade de Segurado
Conforme o disposto no art. 26, I, da Lei nº 8.213/1991, o benefício em questão independe de carência, regendo-se pela legislação vigente à época do falecimento.
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental - Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Saliente-se que não será concedida a pensão aos dependentes do instituidor que falecer após a perda da qualidade de segurado, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria segundo as normas em vigor à época do falecimento.
Caso Concreto
O óbito de José Darci da Cruz ocorreu em 14/01/2020 (
).A controvérsia dos autos diz respeito à qualidade de segurado rural do "de cujus" ao tempo do óbito.
A sentença, da lavra da MM. Juiza de Direito, Dra. Luciana Rech Slaviero Porath Boniotti, julgou improcedente o pedido, sob os seguintes fundamentos, in verbis (
):Para fazer a prova do exercício de atividade rural do falecido, foram acostados os seguintes documentos:
a) Certidão de casamento – ano de 1982 (
);b) Certidão de óbito em que consta que o de cujus era agricultor – ano de 2020 (
);c) Notas fiscais de comercialização de produtos agrícolas em nome do de cujus, com endereço de Campo Novo – anos de 2000, 2002 2003, 2004, 2005, 2007, 2009, 2010 (
a , e );d) Nota de emolumentos do Registro Civil de Campo Novo - ano de 2016 (
);e) Boletim e atestado de frequência escolar de filho - anos de 1998 a 2006 (
).A prova testemunhal foi no seguinte sentido:
Algemiro de Suza Martins declarou que conhece a autora há 27 ou 28 anos. Referiu que o seu marido era José Darci da Cruz, hoje falecido. Relatou que, no período que conheceu o casal, sempre os viu na agricultura. Narrou que eles tinham uma terra no Sítio Binde, na beira da estrada, e plantavam, com o auxílio de cavalo e boi, mandioca, milho, feijão. Salientou que acredita que a propriedade tinha cerca de sete hectares. Ponderou que tinham quatro filhos que os auxiliavam no trabalho rural. Disse que as crianças estudavam na Vila Turvo, local que ficava cerca de sete quilômetros da propriedade. Sustentou que não possuíam ajuda de empregados nem trabalhavam como empregados para terceiros. Aduziu que o casal vendeu a terra uma época, desconhece quando foi, e foram morar na localidade de Vila Turvo, onde criavam galinha e plantavam hortaliças, coisas para subsistência, não sabendo informar se possuíram outra fonte de renda.
O depoimento das testemunhas Ernesto Silva Maier e Ivete Dresch foi no mesmo sentido. Narraram que o casal trabalhou como agricultores na localidade de Sítio Bindé, em regime de economia familiar, sem o auxílio de empregados, mudando-se, posteriormente, para Vila Turvo.
Veja-se que a prova oral relata o exercício de atividade rural do de cujus e da autora de quando possuíam terras na localidade de Sítio Bindé, cuja prova material apresentada remete aos anos de 1998 a 2010.
Extrai-se do CNIS de José Darci da Cruz que ele desempenhou atividade na condição de empregado doméstico nos anos de 2015 a 2017 e requereu o benefício de auxílio-doença em três oportunidades, os quais foram indeferidos. Em razão do indeferimento, ingressou com ação judicial na Comarca de Caxias do Sul (processo nº 5000568-73.2015.4.04.7107) em 2015, indicando o endereço residencial no Município de Canela (
).A autora, igualmente, ajuizou ação previdenciária nos anos de 2017 e 2018, no juízo federal de Gramado e Canela (processos nº 5000666-91.2017.4.04.7138 e nº 5001385-39.2018.4.04.7138, respectivamente), apontando o endereço residencial no mesmo Município. Ainda, desempenhou labor como empregada no ano de 2018, em empresas com sede em São Leopoldo e Gramado (
pg. 47/49).Dessa forma, em que pese haja documentos indicando o histórico laborativo na área rural entre os anos de 1998 e 2010, sendo o único documento posterior a esta data a certidão de óbito, de 01/2020 (documento declaratório), que indica, inclusive, que José faleceu no município de Caxias do Sul, as testemunhas não lograram confirmar de forma coesa e convincente que o de cujus estivesse de fato laborando como agricultor, em regime de economia familiar, no período que antecedeu o óbito, especialmente porque narraram apenas o labor exercido cerca de dez anos antes.
No mesmo sentido, é o entendimento jurisprudencial:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. BOIA-FRIA. COMPROVAÇÃO. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. A concessão de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) ocorrência do evento morte; b) condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. O benefício independe de carência e é regido pela legislação vigente à época do falecimento. 2. Cônjuge, companheiro e filho não emancipado menor de 21 anos ou inválido ou com deficiência grave ou mental ou intelectual tem dependência econômica presumida, nos termos do § 4º do art. 16 da Lei de Benefícios. 3. A qualidade de segurado especial deve ser comprovada por início de prova material contemporânea ao período a ser analisado, complementada por prova testemunhal idônea. 4. No caso de trabalhador rural boia-fria ou diarista, a exigência de prova material deve ser mitigada, em face da informalidade característica da atividade, desde que haja robusta prova testemunhal. Precedentes do STJ e desta Corte. 5. Hipótese em que não há documentos contemporâneos ao óbito, tampouco a prova testemunhal mostrou-se convincente sobre o exercício de atividade rural pelo de cujus antes do falecimento. Improcedência mantida. 6. Majorados os honorários advocatícios em grau recursal em face do improvimento do recurso. Exigibilidade suspensa em virtude da gratuidade da justiça concedida. (TRF4 5002536-17.2023.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 19/12/2023)
Assim, não comprovada a qualidade de segurado especial previamente ao óbito, não merece prosperar o pedido
A sentença merecer ser mantida pelos seus próprios fundamentos.
Como se vê da sentença, com exceção da certidão de óbito que qualificou o "de cujus" como agricultor, as demais provas são extemporâneas ao óbito, e a prova testemunhas só confirmou a atividade rural exercida pelo casal no Sítio Bindé, interior de Campo Novo/RS, mudando-se, posteriormente, para Vila Turvo, sem especificar se essa atividade perdurou até a data do óbito do instituidor.
Além do mais, consta que nos períodos de 2015, 2017 e 2018, tanto o "de cujus" como autora possuíam vínculos urbanos e apontaram endereço no Município de Canela/RS.
Portanto, o conjunto probatório não é suficiente a comprovação da qualidade de segurado rural do instituidor ao tempo do óbito, em 14/01/2020.
Assim sendo, resta mantida a sentença de improcedência da ação.
Honorários Recursais
Vencida a parte recorrente tanto em primeira como em segunda instância, majora-se o saldo final dos honorários sucumbenciais que se apurar aplicando os critérios fixados pelo Juízo de origem, para a ele acrescer vinte por cento, nos termos do § 11 do art. 85 do CPC, observados os limites previstos no § 3º do referido artigo.
Fica suspensa a exigibilidade em relação à parte autora enquanto perdurarem os requisitos ensejadores do benefício da gratuidade.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal e a análise da legislação aplicável são suficientes para prequestionar, às instâncias superiores, os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade de procrastinação do recurso, passível, inclusive, de cominação de multa, nos termos do art. 1.026, §2º, do CPC.
Conclusão
Sentença de improcedência da ação integralmente mantida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004479121v58 e do código CRC c937ebd8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 28/6/2024, às 19:40:56
Conferência de autenticidade emitida em 06/07/2024 04:01:16.
Apelação Cível Nº 5003008-81.2024.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: ANTONIA LORENI DA SILVA CRUZ
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. pensão por morte. não comprovação da qualidade de segurado rural do instituidor ao tempo do óbito.
1. Os requisitos para a obtenção do benefício de pensão por morte estão elencados na legislação previdenciária vigente à data do óbito, cabendo a parte interessada preenchê-los. No caso, a parte deve comprovar: (a) ocorrência do evento morte; (b) a qualidade de segurado do de cujus e (c) a condição de dependente de quem objetiva a pensão.
2. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea. Caso em que não restou comprovada a condição de segurado especial do "de cujus" em período anterior ao óbito, sendo indevido o benefício de pensão por morte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004479122v3 e do código CRC ca612e0c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 28/6/2024, às 19:40:56
Conferência de autenticidade emitida em 06/07/2024 04:01:16.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/06/2024 A 27/06/2024
Apelação Cível Nº 5003008-81.2024.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: ANTONIA LORENI DA SILVA CRUZ
ADVOGADO(A): ANA CARINE KLEIN CARDOSO (OAB RS120167)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/06/2024, às 00:00, a 27/06/2024, às 16:00, na sequência 523, disponibilizada no DE de 11/06/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 06/07/2024 04:01:16.