APELAÇÃO CÍVEL Nº 5030347-93.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | INES APARECIDA DOS SANTOS GARCIA |
ADVOGADO | : | MIGUEL DE NICOLLELLI NETO |
: | RAUL BARBI | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RESTABELECIMENTO. QUALIDADE DE SEGURADO DO "DE CUJUS". TRABALHADOR RURAL.
1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão.
2. Não será concedida a pensão aos dependentes do instituidor que falecer após a perda da qualidade de segurado, salvo se preenchidos, à época do falecimento, os requisitos para obtenção da aposentadoria segundo as normas então em vigor.
3. O exercício de atividade rural ou de pescador artesanal deve ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e da Súmula 149 do Eg. STJ. Não é necessário provar que o segurado trabalhou nas lides rurais por toda a vida, bastando que o labor fosse exercido contemporaneamente à época do óbito ou que essa atividade tenha cessado em decorrência do acometimento de alguma enfermidade.
4. As normas que versam sobre correção monetária e juros possuem natureza eminentemente processual, e, portanto, as alterações legislativas referentes à forma de atualização monetária e de aplicação de juros, devem ser observadas de forma imediata a todas as ações em curso, incluindo aquelas que se encontram na fase de execução.
5. Visando não impedir o regular trâmite dos processos de conhecimento, firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público, a forma como será apurada a atualização do débito deve ser diferida (postergada) para a fase de execução, observada a norma legal em vigor.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de outubro de 2016.
Juíza Federal Convocada ANA PAULA DE BORTOLI
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Convocada ANA PAULA DE BORTOLI, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8581401v3 e, se solicitado, do código CRC 746E0D5F. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Ana Paula de Bortoli |
| Data e Hora: | 17/10/2016 17:10 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5030347-93.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | INES APARECIDA DOS SANTOS GARCIA |
ADVOGADO | : | MIGUEL DE NICOLLELLI NETO |
: | RAUL BARBI | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Processamento e julgamento em conjunto da presente ação com a ação n. 5023280-77.2016.4.04.9999, em face da conexão entre elas.
Trata-se de medida cautelar inominada (n. 17/2007) e ação ordinária previdenciária (n. 129/2007) ajuizada por Inês Aparecida dos Santos Garcia onde pretende o restabelecimento de pensão por morte, bem como o pagamento das parcelas vencidas desde a cessação do benefício. Relatou, em síntese, que recebeu o benefício desde 28/09/2002, sendo posteriormente cancelado em 01/11/2006, sob alegação de irregularidade, uma vez que não comprovada a atividade rural do finado no período anterior ao óbito.
Pelo despacho proferido no processo cautelar n. 17/2007, foi determinado o apensamento e o julgamento conjunto das duas ações, em face da conexão entre elas.
A autora Inês através das alegações finais requereu a inclusão da filha Letícia Aparecida no pólo ativo da presente demanda (Despacho 10).
Para melhor instruir a ação n. 129/207, foi solicitada a cópia do Inquérito Policial n. 678/2008, onde é apurado suposto crime praticado pela servidora do INSS Miriam Stinglin e pelo advogado Raul Barbi (despacho 8/evento 1 - out18).
Sentenciando, o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos de restabelecimento do benefício de pensão por morte formulado nas ações n. 129/2007 (ação principal) e 17/2007 (cautelar); e CONDENOU a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem com honorários advocatícios que arbitrou em R$ 700,00 reais, cuja exigibilidade ficou suspensa em face do benefício da assistência judiciária.
Apela a parte autora alegando restar comprovada a condição de dependentes, eis que viúva e filha do falecido; bem como a qualidade de segurado do de cujus através de início de prova material corroborada pela prova testemunhal que comprovam o trabalho rural exercido como boia-fria. Aduz a parte autora não pode ser penalizada por suposta fraude não confirmada em juízo, sobretudo porque jamais teve conhecimento de qualquer ato ilegal na concessão do seu benefício. Requer o restabelecimento do benefício de pensão por morte desde a data da cessação indevida (01/11/2006), devidamente corrigido (evento 1 - OUT14).
Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Novo CPC (Lei 13.105/2015):
Direito intertemporal e disposições transitórias
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesses termos, para fins de remessa necessária e demais atos recursais, bem como quanto aos ônus sucumbenciais, aplica-se a lei vigente na data em que proferida a decisão recorrida.
Inicialmente saliento que a Lei n. 8.213/91 sofreu alterações com o advento da conversão da Medida Provisória nº 664, de 30/12/2014, na Lei nº 13.135, de 17/06/2015. Entretanto, no caso concreto, atenho-me à legislação pretérita, já que a norma citada aplica-se aos óbitos ocorridos após a sua publicação.
Da Pensão por Morte
A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a ocorrência do evento morte, a condição de dependente de quem objetiva a pensão e a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.
Além disso, conforme o disposto no art. 26, I, da Lei nº 8.213/1991, referido benefício independe de carência, regendo-se pela legislação vigente à época do falecimento.
Sobre a condição de dependência para fins previdenciários, dispõe o artigo 16 da Lei 8.213/91:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]
IV - REVOGADO pela Lei nº 9.032/95.
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. [redação alterada pela MP nº 1.523/96, reeditada até a conversão na Lei nº 9.528/97]
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
O dependente, assim considerado na legislação previdenciária, pode valer-se de amplo espectro probatório de sua condição, seja para comprovar a relação de parentesco, seja para, nos casos em que não presumível por lei, demonstrar a dependência. Esta pode ser parcial, devendo, contudo, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente (En. 13 do CRPS).
Já a manutenção da qualidade de segurado tem previsão no artigo 15 da Lei nº 8.213/91, in verbis:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
(...)
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Assim, o período de graça de 12/24 meses, estabelecido no artigo 15, II e § 1º, da Lei nº 8.213/91, consoante as disposições do § 2º, pode ser ampliado em mais doze meses, na eventualidade de o segurado estar desempregado, desde que comprovada essa condição.
Saliente-se que não será concedida a pensão aos dependentes do instituidor que falecer após a perda da qualidade de segurado, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria segundo as normas em vigor à época do falecimento.
O reconhecimento da qualidade de segurado especial do finado depende, in casu, da comprovação do exercício de atividade de rural no período imediatamente anterior ao seu falecimento.
O segurado especial, condição prevista no art. 11, VII, da Lei n° 8.213/91, inclui-se entre os segurados obrigatórios da Previdência Social, sendo-lhe dispensado o recolhimento das contribuições para fazer jus ao benefício previdenciário.
O exercício de atividade rural ou de pescador artesanal deve ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e da Súmula 149 do Eg. STJ, à exceção dos trabalhadores rurais boias-frias. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Não se exige prova plena da atividade rural ou pesqueira de toda a vida do "de cujus", mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro de que o labor fosse exercido contemporaneamente à época do óbito ou que essa atividade tenha cessado em decorrência do acometimento de alguma enfermidade.
Do caso concreto
No caso dos autos, foi apenso aos autos o Inquérito Policial n. 678/08 onde se apura a fraude na concessão do benefício previdenciário ora pleiteado, cujo benefício havia sido indeferido em 17/01/2003, e que posteriormente teria sido implantado em 05/2005 com a matrícula da servidora do INSS Mirian Stinglin na fase recursal. Há investigação de suposta participação também do advogado Raul Barbi, cuja concessão culminou no pagamento retroativo do benefício em favor da parte autora (evento 1 - out18).
Ocorre que suposta fraude à Previdência ocorreu sem a participação das recorrentes, não podendo elas serem penalizadas for fato totalmente estranho à sua alçada.
Cabe analisar se por ocasião do requerimento administrativo em 17/01/2003, se as autoras preenchiam os requisitos para a concessão do benefício de pensão por morte.
O óbito de Aparecido Garcia ocorreu em 28/09/2002 (Evento 1 - INIC1).
A qualidade de dependente das autoras é incontroversa, eis que viúva e filha do finado, conforme comprovam a certidão de casamento e de nascimento (Evento 1 - INIC1). Certidão de nascimento da filha Letícia Aparecida Garcia, nascida em 15/07/1999 (evento 1 - INIC1).
No caso dos autos, levada a efeito a instrução pode ser confirmada a qualidade de segurado especial do de cujus.
No presente feito, verifico a existência de início de prova material, no sentido de demonstrar o exercício do labor rural pelo finado nas condições alegadas. Neste sentido, cito os seguintes documentos:
- Certidão de óbito onde o finado foi qualificado como trabalhador rural (evento 1 - INIC1);
- Certidão de casamento, constando que o finado era lavrador (evento 1 - INIC1);
- Ficha geral de atendimento emitida pelo posto de saúde de Nova Bárbara - PR onde consta que o de cujus era boia-fria, em 1997 (evento 1 - INIC1);
- Declaração emitida pela empregadora Carmem Cortes confirmando que o de cujus exerceu atividade rural em sua propriedade rural no período de 01/01/2000 até 28/09/2002, como trabalhador rural diarista (evento 1 - INIC1);
- Declaração emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Santa Barbara-PR, onde consta que o falecido exerceu atividade rural como diarista/boia-fria junto à propriedade de Carmem Cortez, no período de 01/01/2000 até 09/2002 (evento 1 - INIC1);
- Escritura pública de declaração que fazem Davi Vicente e Ozeias Pinto de Godoy, confirmando que o "de cujus" trabalhou como "lavrador ou boia-fria" na propriedade rural de Carmem Cortez no período compreendido entre os anos de 2000 até o mês de 09/2002 (evento 1 - INIC1)
Realizada audiência de instrução e julgamento, foi tomado o depoimento pessoal da autora Inês e ouvidas as testemunhas Davi Vicente e Ozéias Pinto de Godoy (medida cautelar inominada) e David Francisco Bispo (ação principal), as quais ratificaram a tese apresentada pela demandante, confirmando que o finado trabalhava nas lides rurais em regime de economia familiar, inclusive no período imediatamente anterior ao seu passamento.
Em seu depoimento pessoal a autora Inês esclareceu que:
"foi casada com o falecido, sendo que ela própria chegou a trabalhar na lavoura com o seu marido falecido. Informa que trabalha até hoje na lavoura. Que o finado trabalhava como boia-fria e chegou a trabalhar no sítio da Dona Carmem até falecer; que ganhava de 5 ou 4 reais por dia para trabalhar neste sítio, que os pagamentos eram feitos semanalmente."
A testemunha Davi Vicente afirmou que:
"conhecia o de cujus desde 1978 e que ele era agricultor, que trabalhava como diarista, boia-fria. Que antes de falecer Aparecido estava trabalhando na fazenda da Carmem. Que o finado trabalhava em todo o tipo de lavoura, isso até ele morrer. Que tem certeza que o finado trabalhou de 2000 a 2002 para a Carmem, pois o depoente passava todos os dias pela citada fazenda para ir a sua propriedade e via Aparecido trabalhando, que a fazenda tinha mais de 100 alqueires."
A testemunha Ozéias Pinto de Godoy referiu que:
"conhece o finado há mais de 16 anos, que Aparecido sempre trabalhou na lavoura, como diarista, boia-fria; que o depoente chegou a ver Aparecido trabalhando como lavrador no sítio da Carmem, que o finado continuou trabalhando na lavoura até falecer. Que o depoente já foi várias vezes no sítio da dona Carmem e via o finado trabalhando, que ele trabalhou no sítio da Carmem de 2000 até 2002, pouco antes de falecer."
A testemunha David Francisco Bispo asseverou que:
"conheceu o finado em 1980. Que seu pai tinha um armazém e ele sempre comprava no nosso armazém, que nesse época o falecido morava na fazenda do Sr. Antônio Silvano e que depois o finado se mudou par Santa Bárbara. Que o finado sempre trabalhou na roça, uma hora pra "um" outra hora para "outros", pois ele era trabalhador volante. Que teve um período que o falecido trabalhou para a sra. Carmem, nas lavouras de soja, milho, algodão, isso até 2002, sempre como volante e nunca como empregado. Que Aparecido sempre esteve ligado à atividade rural até próximo ao óbito."
Considerando-se que as demandantes objetivam comprovar labor rural exercido pelo de cujus na condição de boia-fria, é assente que a prova testemunhal não pode ser desprezada. Saliente-se que no caso dos trabalhadores rurais conhecidos como boias-frias, diaristas ou volantes especificamente, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, que dificulta a comprovação documental da atividade, o entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada.
Por outro lado, registro recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo, em que restou definido que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, sendo indispensável que ela venha corroborada por razoável início de prova material, inclusive para os trabalhadores do tipo boia-fria:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(Superior Tribunal de Justiça. REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012)
Em suma, os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material. A prova testemunhal, por sua vez, é precisa e convincente quanto ao labor rural do falecido no período anterior ao óbito.
Assim, pelo conjunto probatório apresentado, tenho que restou devidamente comprovado o exercício de atividades rurícolas pelo falecido, de modo que deve ser reconhecida a sua qualidade de segurado à época do óbito.
Ora, preenchidos todos os requisitos legais para concessão do benefício, deve o INSS ser condenado a restabelecer a pensão por morte em favor da parte autora em seus valores originais, bem como a pagar os valores devidos desde o cancelamento indevido (01/11/2006), com incidência de juros de mora e correção monetária.
Rateio do benefício
Com relação aos quinhões de cada beneficiário, concorrendo ao benefício mais de um dependente da mesma classe, deve ser rateado o valor da pensão entre todos os dependentes em partes iguais, e revertido em favor dos demais a parte daquele cujo direito cessou, em observância aos preceitos do artigo 77 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.032/95.
Logo, conclui-se que cada um dos autores receberá 50% do valor do benefício, sendo que quando a filha Letícia completar 21 anos (15/07/2020) sua quota reverterá em favor da autora, que passará a receber a pensão na sua integralidade.
Consectários
Juros Moratórios e Correção Monetária.
De início, esclareço que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014 - grifei).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01/06/2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de correção, não prevalecendo os índices eventualmente fixados na fase de conhecimento, ocasião em que provavelmente já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, restando prejudicada a remessa necessária no ponto.
Honorários advocatícios:
Honorários advocatícios devidos pelo INSS no percentual de 10% das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF, dando-se provimento à apelação da parte autora.
Custas processuais:
O INSS é isento do pagamento de custas processuais quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul (art. 11 da Lei nº 8.121/85, com a redação dada pela Lei nº 13.471/2010). Quando demandado perante a Justiça Estadual de Santa Catarina, a autarquia responde pela metade do valor (art. 33, p. único, da Lei Complementar Estadual nº. 156/97). Contudo, esta isenção não se aplica quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4).
Tutela específica - implantação do benefício
Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a Terceira Seção deste Tribunal, buscando dar efetividade ao disposto no art. 461, que dispunha acerca da tutela específica, firmou o entendimento de que, confirmada a sentença de procedência ou reformada para julgar procedente, o acórdão que concedesse benefício previdenciário e sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, portanto sem efeito suspensivo, ensejava o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, independentemente do trânsito em julgado ou de requerimento específico da parte (TRF4, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7, 3ª SEÇÃO, Des. Federal Celso Kipper, por maioria, D.E. 01/10/2007, publicação em 02/10/2007). Nesses termos, entendeu o Órgão Julgador que a parte correspondente ao cumprimento de obrigação de fazer ensejava o cumprimento desde logo, enquanto a obrigação de pagar ficaria postergada para a fase executória.
O art. 497 do novo CPC, buscando dar efetividade ao processo dispôs de forma similar à prevista no Código/1973, razão pela qual o entendimento firmado pela Terceira Seção deste Tribunal, no julgamento da Questão de Ordem acima referida, mantém-se íntegro e atual.
Nesses termos, com fulcro no art. 497 do CPC, determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à restabelecimento do benefício da parte autora (NB 21/127.174.065-3), a ser efetivada em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais, bem como por se tratar de prazo razoável para que a autarquia previdenciária adote as providências necessárias tendentes a efetivar a medida.
Conclusão:
Reforma-se a sentença para que seja determinado o restabelecimento da pensão por morte a contar do indevido cancelamento em 01/11/2006
Dispositivo:
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos da fundamentação.
Juíza Federal Convocada ANA PAULA DE BORTOLI
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 11/10/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5030347-93.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00004491620078160155
RELATOR | : | Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | DrA. Adriana Zawada Melo |
APELANTE | : | INES APARECIDA DOS SANTOS GARCIA |
ADVOGADO | : | MIGUEL DE NICOLLELLI NETO |
: | RAUL BARBI | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 11/10/2016, na seqüência 457, disponibilizada no DE de 21/09/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI |
: | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS | |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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