Apelação Cível Nº 5003538-86.2019.4.04.7113/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: NERI CAMARGO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Neri Camargo interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-acidente, condenando-o ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, arbitrados sobre o valor atualizado da causa, a ser definidos em cumprimento de sentença, suspendendo a exigibilidade de todas as verbas por ser beneficiário da justiça gratuita (Evento 51).
Sustentou, em preliminar, que houve cerceamento de defesa, uma vez que necessária a prova testemunhal, a fim de comprovar-se a ocorrência de acidente de trânsito do qual resultaram as supostas sequelas e a alegada redução da capacidade laborativa. Além disso, argumentou que o laudo é é incompleto e foi elaborado de modo superficial, razão pela qual postulou a anulação da sentença para a realização de novo exame médico por especialista em ortopedia. No mérito, registrou que os documentos anexados aos autos comprovam a limitação em sua capacidade de trabalho. Destacou que a perícia realizada durante a instrução do processo nº 005/1.12.0001642-0, originário da 1ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves/RS, constatou a existência da redução. Por fim, protestou pela procedência do pedido (Evento 58).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Auxílio-acidente
A norma que disciplina o benefício de auxílio-acidente está prevista no art. 86 da Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Restabelecido com nova redação pela Lei nº 9.528, de 1997)
O auxílio-acidente é benefício concedido como forma de indenização aos segurados indicados no art. 18, § 1º, da Lei nº 8.213/91 que, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
A lei não faz referência ao grau de lesão, uma vez que essa circunstância não consta entre os requisitos para a concessão do auxílio-acidente. É devido o referido benefício ainda que a lesão e a incapacidade laborativa sejam mínimas, sendo necessário verificar apenas se existe lesão decorrente de acidente de qualquer natureza e se, após a consolidação da referida lesão, houve sequela que acarretou a redução da capacidade para o trabalho habitualmente exercido. No mesmo sentido, verbis:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. LESÃO MÍNIMA. DIREITO AO BENEFÍCIO. 1. Conforme o disposto no art. 86, caput, da Lei 8.213/91, exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido. 2. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão. 3. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1109591 / SC, rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), S3 - TERCEIRA SEÇÃO, DJe 08/09/2010)
Quanto aos pressupostos legais para a concessão do auxílio-acidente, extrai-se do art. 86 da Lei nº 8.213/91 quatro requisitos: (a) a qualidade de segurado; (b) a superveniência de acidente de qualquer natureza; (c) a redução parcial da capacidade para o trabalho habitual e (d) o nexo causal entre o acidente e a redução da capacidade.
Quanto à data de início do benefício, ressalta-se que, nos termos do art. 104, § 2º, do Decreto nº 3.048/99, o auxílio-acidente será devido a contar do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença.
Preliminar de cerceamento de defesa
O apelante requereu em preliminar seja anulada a sentença para a realização de novo exame médico em face de cerceamento de defesa, bem como defende a realização de prova testemunhal.
Sem razão, todavia. O conjunto probatório constante dos autos é suficiente para a formação da convicção deste órgão julgador. Demais disso, o laudo foi elaborado por médico especialista em medicina do trabalho, está completo, detalhado e apto a embasar o desfecho do caso ora em análise, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, conforme adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
Deve-se ressaltar que a realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC, o que não é a hipótese dos autos.
Saliente-se, outrossim, que a prova testemunhal requerida não se presta à comprovação de redução da capacidade laborativa, cuja prova advém da análise pericial, por médico competente, imparcial e equidistante das partes.
Por fim, registre-se que o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
Rejeita-se, portanto, a preliminar.
Caso concreto
A sentença ora em debate foi no sentido da improcedência do pedido porque, segundo o magistrado, não demonstrada redução da capacidade laboral, requisito essencial à concessão do auxílio-acidente.
Segundo consta do laudo médico (Evento 34), o autor, atualmente com 51 anos de idade (nascido em 22/10/1968), operador de máquinas, relatou à perita ter sofrido acidente de trânsito no dia 08/12/2010, do qual resultou lesão no joelho esquerdo; refere ter sido submetido a tratamento cirúrgico em 01/2011; refere que realizou sessões de fisioterapia. Desde então, sente dor no joelho esquerdo. O diagnóstico é de Entorse e distensão envolvendo ligamento cruzado (anterior) (posterior) do joelho (CID S83.5). Registrou a expert, por fim, que não há lesão ou sequela que limite sua atividade de trabalho. Confira-se (negrito no original):
Exame físico/do estado mental: Ao exame, o paciente apresenta-se em bom estado geral, respondendo às perguntas de forma lúcida, orientada e coerente. Cooperativo ao exame. É destro. A inspeção das mãos não revelou a presença de calosidades palmares. Refere: Altura: 1,70 m Peso: 89 kg
JOELHO ESQUERDO
Inspeção estática – Cicatriz de incisão cirúrgica em joelho esquerdo.
Inspeção dinâmica – Amplitude de movimentos preservada. Discreta crepitação fêmoro-patelar à flexoextensão. Marcha normal.
Palpação – Indolor à palpação.
Muscular – Sem hipotrofia aparente.
Neurológico – Reflexos presentes e simétricos.
Diagnóstico/CID:
- S83.5 - Entorse e distensão envolvendo ligamento cruzado (anterior) (posterior) do joelho
[...]
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: Não há incapacidade laborativa para a atividade habitual. Não houve enquadramento no Anexo III, descrito no artigo nº 104 do Decreto n° 3048/99 ou no Parecer n° 17- /2013/CONJURMPS/CGU/AGU.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) autor(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) autor(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
Em resposta a Outros quesitos do Juízo, registrou que não há redução da capacidade laborativa (quesito 2). Conquanto o autor refira, nas razões de apelação, o resultado que obteve por ocasião de perícia médica realizada nos autos do processo nº 005/1.12.0001642-0 no sentido de que porta sequelas, o juiz, quando se funda em prova técnica para firmar sua convicção, habitualmente se vale da prova pericial realizada em juízo, que, no presente caso, é clara ao referir que a capacidade de trabalho remanesce íntegra.
Dito isso, a sentença deve ser mantida, pois, não havendo a necessária limitação ou sequela que comprometa sua capacidade de trabalho, incabível a concessão de auxílio-acidente. Segundo foi esclarecido no laudo pericial, apesar de ter sido vítima de acidente de trânsito, o autor não apresenta sequelas que causem redução da capacidade laborativa. Os documentos anexados aos autos, por sua vez, em confronto com o laudo pericial oficial, não comprovam as limitações alegadas.
Por fim, cabe destacar que o laudo foi elaborado por profissional da confiança do juízo e especialista em medicina do trabalho, detalhando, fundamentadamente, as razões por que o autor encontra-se apto a trabalhar, sendo que a atividade exercida por ele anteriormente e suas condições pessoais foram levadas em consideração pelo médico perito para fins de expedição do referido documento. O laudo é válido e suficiente, portanto, a embasar a presente decisão.
Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito, do que aqui não se trata.
Conclui-se, assim, que o autor se encontra em condições para o trabalho, o qual não foi afetado, ainda que de forma mínima, em razão de lesão resultante de acidente, motivo pelo qual não faz jus à concessão do benefício postulado, o que leva à improcedência do pedido, e, portanto, ao desprovimento da apelação.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo autor da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), arbitra-se a verba honorária total no valor correspondente a 12% (doze por cento) sobre o valor corrigido da causa, percentual que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC). Fica mantida, todavia, a suspensão da exigibilidade da verba por ser beneficiária da justiça gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001957920v9 e do código CRC fe58e33e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 6/10/2020, às 21:39:8
Conferência de autenticidade emitida em 14/10/2020 04:00:58.
Apelação Cível Nº 5003538-86.2019.4.04.7113/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: NERI CAMARGO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. DESNECESSIDADE DE NOVO EXAME PERICIAL e de prova testemunhal. AUXÍLIO-ACIDENTE. LAUDO PERICIAL. Entorse e distensão envolvendo ligamento cruzado do joelho SEM SEQUELAS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. HONORÁRIOS.
1. A realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC. O resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
2. A prova testemunhal é desnecessária quando os fatos já foram provados por documento ou só podem ser atestados por prova pericial (art. 443, I e II do CPC). Não há cerceamento de defesa quando é rejeitada a produção de prova testemunhal para comprovar ocorrência de acidente já documentado nos autos, redução da capacidade laboral ou relação do acidente com as lesões.
3. O auxílio-acidente é benefício concedido como forma de indenização aos segurados indicados no art. 18, § 1º, da Lei nº 8.213/91 que, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
4. A desconsideração da conclusão de laudo pericial, em exame de requisito para a concessão de benefício previdenciário, pode ocorrer apenas quando o contexto probatório em que se inclui, indicar maior relevo às provas contrapostas, a partir de documentos a respeito da incapacidade ou de limitação para o exercício de atividade laborativa.
5. O auxílio-acidente não é devido se não for comprovada a redução funcional do segurado para o desempenho de atividade profissional.
6. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001957921v6 e do código CRC 5381ed40.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 6/10/2020, às 21:39:8
Conferência de autenticidade emitida em 14/10/2020 04:00:58.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/09/2020 A 22/09/2020
Apelação Cível Nº 5003538-86.2019.4.04.7113/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: NERI CAMARGO (AUTOR)
ADVOGADO: FELIPE FORMAGINI (OAB RS096883)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/09/2020, às 00:00, a 22/09/2020, às 14:00, na sequência 58, disponibilizada no DE de 02/09/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 14/10/2020 04:00:58.