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PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. ATEZOLIZUMABE. TRATAMENTO ONCOLÓGICO PELA REDE PÚBLICA. ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA....

Data da publicação: 13/10/2022, 19:34:03

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. ATEZOLIZUMABE. TRATAMENTO ONCOLÓGICO PELA REDE PÚBLICA. ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA. 1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. É possível o fornecimento de medicação prescrita por médico vinculado a unidade de assistência oncológica, em cujo âmbito é prestado atendimento pelo SUS, uma vez que seja evidenciada a sua vantagem terapêutica, e desde que demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde. 3. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde. (TRF4, AG 5023197-75.2022.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 18/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5023197-75.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

AGRAVANTE: MICHELE WILLRICH CARUCCIO

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE PELOTAS/RS

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento, com requerimento de antecipação de tutela recursal, interposto contra decisão (evento 26, DESPADEC1, do processo originário) que indeferiu o pedido de tutela provisória para que lhe seja fornecido o medicamento atezolizumabe, conforme nota técnica produzida nos autos.

A agravante relatou que foi diagnosticada com neoplasia de mama (CID C50) e que seu estado de saúde vem se agravando progressivamente, de tal sorte que corre risco de morte precoce. Argumentou, em síntese, que o tratamento requerido proporciona melhores condições de vida, com aumento de sobrevida global e de sobrevida livre de progressão. Postulou, assim, a imediata concessão, já em tutela provisória, do medicamento solicitado.

Foi indeferida a antecipação de tutela recursal.

A agravante opôs embargos de declaração, sob a alegação de omissão quanto a argumentos apresentados.

Com contrarrazões, vieram os autos.

VOTO

Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:

A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.

Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."

Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:

A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.

Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."

Embora a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais seja imposta já pelo §1º do art. 5º da CF, no caso do direito à saúde, foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d). Desse modo, a Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica integra a Política Nacional de Saúde, tendo como finalidade garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, quer interferindo em preços, quer fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.

Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.

A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).

A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado: esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).

Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se o medicamento solicitado estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do fármaco, cabendo ao Poder Judiciário assegurar-lhe o seu fornecimento.

Todavia, se o medicamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observarem alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.

Atendidas esses requisitos, o medicamento deve ser concedido. Nessa hipótese, não constitui razão suficiente para indeferi-lo a mera invocação, pelo ente público, do princípio da reserva do possível. Nesse sentido, assentou o Min. Celso de Mello:

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)

Demais, o Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente recurso especial repetitivo sobre a matéria (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), arrolando três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:

Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.

Houve modulação dos efeitos desta decisão, de modo a que se observe e exija a presença desses requisitos somente em ações distribuídas a partir da respectiva publicação.

Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame da probabilidade do direito alegado, sob o enfoque da tutela de urgência.

O pedido administrativo foi indeferido sob o fundamento de que o medicamento atezolizumabe não consta na lista de fármacos disponibilizados pelo SUS.

Conforme relata a médica oncologista que a assiste junto ao Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas - entidade qualificada como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) -, a paciente é portadora de neoplasia maligna de mama (CID C50), metastática e HER-2 positivo (origem, evento 1, LAUDO5).

O relatório médico informa que a biópsia demonstrava um carcinoma ductal invasor de grau 3 com imunohistoquímica compatível com tumor triplo negativo, PD-L1 positivo. Nesse contexto, indicou terapia sistêmica com atezolizumabe em combinação com paclitaxel.

O medicamento prescrito, em associação a paclitaxel, objetiva prolongar a sobrevida e o tempo livre de progressão da doença, sem, no entanto, modificar o desfecho.

Em consulta à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), verifica-se que o órgão não analisou a tecnologia pleiteada.

Colhe-se do parecer produzido pelo Núcleo de Apoio Técnico ao Poder Judiciário Federal do Rio Grande do Sul (evento 22, PARECER1), pertinente ao caso concreto:

6 Parecer do Consultor/Perito

6.1 Efetividade, eficácia e segurança:

O atezolizumabe é um anticorpo monoclonal que se liga à proteína ligante 1 de morte programada (PD-L1), expressa no tumor, ativando linfócitos T citotóxicos e promovendo a morte celular programada (4).

O atezolizumabe foi avaliado no tratamento do câncer de mama triplo-negativo metastático em estudo de fase 3 financiado pelo fabricante, que comparou nab-paclitaxel associado a atezolizumabe (451 pacientes) com nab-paclitaxel associado com placebo (451 pacientes) (5). O estudo foi estratificado para exposição prévia a taxano em adjuvância ou neoadjuvância e expressão de PD-L1 no início do estudo (positivo versus negativo). Em pacientes com tumores PD-L1-positivos, expostos ao atezolizumabe, a mediana da sobrevida livre de progressão apresentou diferença estatisticamente significativa, sendo de 7,5 meses em relação a 5 meses do grupo exposto ao placebo. Já em relação a sobrevida global não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos atezolizumabe apresentando e grupo placebo (hazard ratio para morte de 0,84; IC95% 0,69 a 1,02; P=0,08). Essa diferença em sobrevida global foi maior na estratificação em pacientes com tumores PD-L1 positivos (25 meses contra 15 meses), atingindo nessa subanálise significância estatística. Em uma segunda análise após maior tempo de seguimento, publicada em 2020, tampouco atingiu-se diferença significativa na análise por intenção de tratar: sobrevida global mediana de 21 meses (IC95% 19,0 a 23,4) no grupo intervenção e de 18,7 meses (IC95% 16,9 a 20,8) no grupo placebo (6). A análise exploratória na população com tumores com expressão de PD-L1 mostrou uma sobrevida global mediano de 25,4 meses (IC95%, 19,6 a 30,7 meses) no grupo atezolizumabe e de 17,9 meses (IC95%, 13,6 a 20,3 meses) no grupo placebo (HR estratificado de 0,67; IC95%, 0,53 a 0,86) (6)

Outro estudo muito semelhante comparou paclitaxel associado a atezolizumabe com paclitaxel associado com placebo (7). Neste estudo as taxas de sobrevida livre de progressão não apresentaram diferença significativa nem mesmo quando avaliada apenas a população com tumores que positivos para PD-L1, sendo de 6 meses para o grupo exposto ao atezolizumabe e 5,7 meses para o grupo placebo. O estudo também não encontrou diferença de sobrevida global igualmente.

(...)

6.4 Conclusão técnica: desfavorável

6.5 Justificativa:

Há evidência advinda de ensaio clínico randomizado que demonstra benefício em sobrevida livre de progressão do uso de atezolizumabe associado a quimioterapia com nab-paclitaxel, quando comparado à quimioterapia isolada, em pacientes com câncer de mama triplo-negativo com expressão de PD-L1 acima de 1%, porém não estão bem demonstrados efeitos na sobrevida global. Também é importante notar que o estudo que comparou atezolizumabe em associação com paclitaxel (medicação esta que a paciente está em uso) não apresentou desfechos significativos em relação ao uso de paclitaxel isolado. Ainda, trata-se de fármaco de alto custo, com avaliação econômica de agência de avaliação de tecnologias indicando sua incorporação apenas mediante desconto do preço do fármaco. É razoável estimar que na realidade brasileira tampouco o fármaco possa ser considerado custo-efetivo, e pode-se afirmar que apresenta alto impacto orçamentário mesmo em decisão isolada.

Na ausência de avaliações de custo-efetividade para o cenário nacional, sem avaliação da tecnologia pela agência nacional responsável por incorporações de tecnologia ao SUS (Conitec), e considerando o potencial alto impacto orçamentário do uso da tecnologia, entendemos que fica limitado o uso de recursos públicos escassos na intervenção proposta.

Como foi acima delineado, o fornecimento de fármacos excepcionalmente no âmbito judicial pressupõe a inexistência de tratamento oferecido pelo SUS.

No caso concreto, conforme expõe a própria Nota Técnica, a rede pública de saúde oferece tratamento com antineoplásicos para tratamento da neoplasia de mama avançada, inclusive o tratamento com paclitaxel, que foi indicado no caso concreto para uso em associação com atezolizumabe. Não é possível afirmar, portanto, que não há tratamento eficaz para a doença em questão.

Tampouco é possível sustentar que o medicamento pleiteado acarreta, ainda que potencialmente, diferença de eficácia significativa a ponto de caracterizar o insucesso da terapia fornecida pelo SUS.

Os resultados indicados pelo estudo IMpassion130, que embasa a indicação do medicamento pleiteado, são relativamente modestos, apontando para potencial ganho de sobrevida global de poucos meses comparativamente a placebo, a um custo elevado, isso sem considerar o uso de paclitaxel pela paciente.

Além disso, em síntese comparativa, a medicação pleiteada não tem respaldo na literatura para custo-efetividade, conquanto de eficácia ligeiramente superior às opções aprovadas pelo SUS.

A Nota Técnica tem, assim, conclusão desfavorável à dispensação do medicamento requerido.

Tratando-se de tentar obter efeitos paliativos de curto prazo, com base nas diretrizes vigentes, tem-se que há alternativas terapêuticas com resultados similares para paliação, a par dos esquemas antineoplásicos incorporados.

Também não é possível ignorar considerações de custo-efetividade, expressamente prevista pela legislação brasileira desde o ano de 2011, quando a Lei nº 8.080 passou a ter a seguinte redação:

Art. 19-O. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas deverão estabelecer os medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas pelo medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

Parágrafo único. Em qualquer caso, os medicamentos ou produtos de que trata o caput deste artigo serão aqueles avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que trata o protocolo. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011) [...]

Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 1o A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.

Portanto, tendo em vista a existência de tratamento oferecido para a doença pelo SUS, bem como as atuais regras constantes da Lei 8.080, que definem os critérios para fornecimento de medicamentos e produtos de interesse para a saúde (art. 19-M) e de incorporação de novas tecnologias (art. 19-Q), não cabe ao Judiciário determinar seu fornecimento, sob pena de violação às referidas normas e indevida ingerência na política de saúde pública vigente.

Embora seja possível que o Ministério da Saúde, futuramente, conclua pela possibilidade de incorporação do tratamento pleiteado ao SUS, inafastável que é ao referido órgão, e não ao Poder Judiciário, que incumbe analisar a conveniência e possibilidade dessa incorporação, não apenas do ponto de vista da segurança e maior eficácia do novo tratamento, mas especialmente do ponto de vista da viabilidade de sua adequação à política pública de saúde.

Os documentos médicos não se revelaram conclusivos no sentido de atestar a superioridade terapêutica do tratamento requerido. Embora o medicamento postulado possa representar uma alternativa à doença apresentada pela autora, não se pode dizer que tenham sido comprovadas as vantagens da medicação aqui pretendida frente às disponíveis no SUS, ainda que os estudos estejam se consolidando, é verdade, na comunidade médica.

Não se ignora que a parte autora é portadora de neoplasia maligna metastática. O prognóstico, nesse caso, é reservado e a expectativa de resultado com a medicação postulada é modesta.

Dado o estágio atual da doença e a performance clínica da paciente, não há como afirmar que a medicação seja indispensável, pois a doença é incurável. A medicação pode aumentar o tempo de estabilização das metástases, mas não há aumento significativo da sobrevida global nessas circunstâncias, nem mudança de paradigma da neoplasia de mama avançada.

Diante das circunstâncias e das especificidades do tratamento, em se tratando de medicamento de elevado custo, de finalidade somente paliativa, cuja eficácia carece de consenso científico, como visto, entende-se indevida a sua dispensação.

Apesar da urgência com a indicação do medicamento pleiteado, não é possível, neste momento processual, determinar a sua imediata concessão, tendo em vista que os elementos carreados aos autos não demonstram a insuficiência da política pública.

A se admitir que o tratamento da enfermidade seja realizado à margem do Sistema Único de Saúde, obrigar o Estado apenas ao fornecimento de determinado fármaco implicaria prejuízo à correta implementação da correspondente política pública desenvolvida.

Cuida-se, inclusive, de entendimento sedimentado no Enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que afirma:

Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.

Sobre o tema, a MM. Juíza Federal Convocada Gisele Lemke observou, com propriedade, no julgamento do AI nº 5026045-40.2019.4.04.0000:

Não é demais lembrar que as políticas públicas de saúde são editadas no exercício da competência administrativa dos entes públicos, por meio de atos administrativos abstratos (por oposição aos concretos) e discricionários (por oposição aos vinculados, como é exemplo o ato de aposentadoria de um servidor público). No caso das políticas de saúde se está diante do que Celso Antônio Bandeira de Mello classifica como ato discricionário quanto a seu conteúdo. Daí se infere que as políticas públicas na área da saúde não podem ser desconsideradas pelo Poder Judiciário, a não ser quando contrariem a lei (o que não ocorre na política de saúde em discussão nestes autos), porquanto se está diante do exercício de competência discricionária do Poder Executivo. Por conseguinte, não cabe à parte nem ao perito judicial pretender substituir a política pública existente, mas apenas aferir se ela está sendo devidamente cumprida ou se, esgotados os meios de tratamento nela previstos, seria justificável a utilização de outros meios de tratamento (sejam medicamentos, órteses, próteses, etc., de fora da lista oficial).

Cabe destacar que o tratamento de escolha é livre ao paciente e bastante comum em atendimentos privados. Contudo, não há direito à obtenção judicial de tratamento de escolha. Para que se imponha um ônus ao SUS de um tratamento de elevado custo, como o requerido, com duração indeterminada, é necessária a demonstração cabal de sua adequação, o que não acontece na hipótese dos autos.

Não está evidenciada, desse modo, a probabilidade do direito alegado.

PREQUESTIONAMENTO

O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixa-se de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.

No que tange à expressa emissão de juízo de valor sobre cada um dos dispositivos a que se pede prequestionamento, o juiz não está obrigado a se pronunciar sobre cada um deles isoladamente, desde que já tenha encontrado motivos suficientes para fundar o seu convencimento, nem mesmo está obrigado a se ater aos fundamentos indicados pelas partes e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos.

Em face do que foi dito, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, prejudicados os embargos de declaração.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003407831v2 e do código CRC 86c004c8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 18/8/2022, às 11:3:36


5023197-75.2022.4.04.0000
40003407831.V2


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:34:02.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5023197-75.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

AGRAVANTE: MICHELE WILLRICH CARUCCIO

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE PELOTAS/RS

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. ATEZOLIZUMABE. TRATAMENTO ONCOLÓGICO PELA REDE PÚBLICA. ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA.

1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.

2. É possível o fornecimento de medicação prescrita por médico vinculado a unidade de assistência oncológica, em cujo âmbito é prestado atendimento pelo SUS, uma vez que seja evidenciada a sua vantagem terapêutica, e desde que demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde.

3. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, prejudicados os embargos de declaração, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003407832v3 e do código CRC a8d0ffac.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 18/8/2022, às 11:3:36


5023197-75.2022.4.04.0000
40003407832 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:34:02.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/08/2022 A 16/08/2022

Agravo de Instrumento Nº 5023197-75.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

AGRAVANTE: MICHELE WILLRICH CARUCCIO

ADVOGADO: VINICIUS DUARTE FERNANDES (OAB RS120154)

ADVOGADO: FELIPE PILTCHER DA SILVA (OAB RS120397)

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE PELOTAS/RS

AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/08/2022, às 00:00, a 16/08/2022, às 16:00, na sequência 545, disponibilizada no DE de 28/07/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PREJUDICADOS OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:34:02.

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