Agravo de Instrumento Nº 5047391-76.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: JANAINA POL
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO/RS
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
RELATÓRIO
Janaina Pol interpôs agravo de instrumento contra decisão (
, do processo originário) que indeferiu o pedido de tutela provisória, sob o fundamento de que não fora demonstrada a probabilidade do direito alegado.A agravante destacou possuir fibromialgia (CID M79.7), enfermidade que tem agravado a sua condição de saúde. Afirmou que o medicamento FITO CBD FULL SPECTRUM (canabidiol) eficaz para amenização da dor crônica, conforme informado pelo seu médico. Alegou que esgotou as possibilidades de tratamento fornecidos pelo SUS. Invocou o direito à saúde (art. 196, Constituição Federal) e defendeu, assim, que estão preenchidos os requisitos para a antecipação de tutela.
Foi indeferido o pedido de antecipação de tutela recursal.
Com contrarrazões, vieram os autos.
VOTO
Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.
Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a Constituição Federal (CF) consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Embora a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais seja imposta já pelo §1º do art. 5º da CF, no caso do direito à saúde, foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d). Desse modo, a Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica integra a Política Nacional de Saúde, tendo como finalidade garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, quer interferindo em preços, quer fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.
Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.
A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).
A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado que “esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).
Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se o medicamento solicitado estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do fármaco, cabendo ao Poder Judiciário assegurar o seu fornecimento.
Todavia, se o medicamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observar alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.
Atendidos esses requisitos, o medicamento deve ser concedido. Nessa hipótese, não constitui razão suficiente para indeferi-lo a mera invocação, pelo ente público, do princípio da reserva do possível. Nesse sentido, assentou o Min. Celso de Mello:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
Demais, o Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente recurso especial repetitivo sobre a matéria (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), arrolando três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:
Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
Houve modulação dos efeitos desta decisão, de modo a que se observe e exija a presença desses requisitos somente em ações distribuidas a partir da respectiva publicação.
Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame da probabilidade do direito alegado, sob o enfoque da tutela de urgência.
O pedido administrativo foi indeferido sob o fundamento de que o canabidiol, princípio ativo do medicamento solicitado nos autos, não consta na lista de fármacos disponibilizados pelo SUS para a moléstia que acomete a autora (
, do processo originário).O medicamento está registrado na Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA. Não foi analisado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.
Embora o médico assistente tenha indicado a medicação como opção de tratamento da dor crônica apresentada pela paciente, diante do aparente esgotamento das alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS (
, pg. 31, do processo originário), a avaliação técnica realizada nos autos originários aponta em uma direção diferente.A Nota Técnica elaborada pelo TELESSAÚDE/RS, na condição de Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário - NATJUS, confirmou o diagnóstico e o histórico médico da autora. Contudo, tem conclusão desfavorável ao fornecimento da medicação. O parecer fornecido mostra o seguinte quadro (
, dos autos originários):5.2 Indicação em conformidade com a aprovada no registro? De acordo com o registro sanitário, o uso deste produto é admitido quando há uma condição clínica definida em que outras opções de tratamento tiverem sido esgotadas e que dados científicos sugerem que a Cannabis pode ser eficaz.
(...)
5.6 Alternativa disponível no SUS: sim, para o tratamento da fibromialgia encontram-se disponíveis antidepressivos tricíclicos, antiepilépticos e opioides conforme PCDT. Ainda, intervenções não farmacológicas (4).
(...)
6 Parecer do Consultor/Perito
6.1 Efetividade, eficácia e segurança:
O canabidiol (CBD) é um dos canabinoides mais abundantes presentes nas plantas do gênero cannabis e atua como antagonista dos receptores e CB2, bem como inibidor da recaptação e metabolismo da anandamida, com efeito na modulação da dor através de propriedades anti-inflamatórias (5).
Com relação ao uso de CBD para alívio da dor crônica, parte importante da Fibromialgia, encontrou-se revisão sistemática conduzida com o objetivo de estimar a eficácia e a segurança de medicamentos à base de Cannabis em comparação com placebo ou medicamentos convencionais para tratamento da dor neuropática crônica. Foram selecionados ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, comparando tratamento de Cannabis medicinal (medicamentos derivados de plantas e sintéticos à base de Cannabis) contra placebo ou outros tratamentos para dor neuropática crônica em adultos, com uma duração de tratamento de, pelo menos, duas semanas e, pelo menos, 10 participantes por grupo de tratamento. De um total de 1.881 estudos, apenas 16 apresentaram os critérios de inclusão e foram utilizados para a análise de eficácia e de segurança. O percentual de pacientes que relataram alívio da dor de 50% ou mais foi maior nos pacientes em tratamento com medicamentos à base de Cannabis (20,9% vs. 17,3%; diferença de risco de 0,05; intervalo de confiança de 95% entre 0,00 a 0,09 e P=0,04; I2=29%). Em paralelo, mais participantes saíram dos estudos devido a eventos adversos com medicamentos à base de Cannabis do que com placebo, ou medicamentos convencionais para tratamento da dor (10% vs. 5%; diferença de risco de 0,04; intervalo de confiança de 95% entre 0,02 a 0,07; P=0,0009; I2=25%). Não houve diferença entre os grupos na melhora da qualidade de vida relacionada com a saúde, no abandono dos medicamentos por falta de efeito, e na frequência de efeitos adversos graves. Alguns efeitos adversos, particularmente sonolência, sedação, confusão e psicose, podem limitar a utilidade clínica dos medicamentos à base de Cannabis (6). Cabe ressaltar, que os estudos incluídos foram de baixa qualidade metodológica e também não foram usadas escalas validadas para avaliação da dor, o que exige cuidado na interpretação dos resultados.
Em outra revisão sistemática, foram incluídos 79 estudos e 6.462 pacientes foram randomizados para o uso de canabinóides ou placebo para tratamento da dor crônica, não mostrando diferença significativa na redução da dor entre os grupos (37% vs. 31%; odds ratio 1,41; intervalo de confiança de 95% entre 0,99 a 2,00 e P=0,64;I2=47). Entretanto, os pacientes tratados com canabinóides apresentaram risco aumentado para eventos adversos graves a curto prazo (7).
6.2 Benefício/efeito/resultado esperado da tecnologia: indeterminado. A ação da Cannabis no alívio da dor é controversa (6,7).
(...)
6.4 Conclusão técnica: desfavorável.
6.5 Justificativa:
Revisões sistemáticas e metanálises de estudos, incluindo variadas populações e formulações de canabinóides, relataram benefícios modestos ou inexistentes para o tratamento da dor crônica. A partir desses dados, pode-se esperar ainda que os possíveis benefícios dos medicamentos e produtos à base de Cannabis para o tratamento da dor neuropática crônica podem não ser superados pelos seus potenciais danos. (...)
Não obstante a parte autora tenha obtido autorização para a importação do fármaco postulado (
, pg. 34, do processo originário), não há estudos conclusivos acerca de sua segurança e eficácia, e, de acordo com a medicina baseada em evidências, não se pode dizer que se trata de medicação indispensável para o tratamento de sintomas da fibromialgia.Percebe-se que a moléstia, por si só, é de difícil tratamento e que o controle da dor fibromiálgica deve ser dar com a segurança de terapias cujos estudos já tenham sido conclusivos para a segurança do paciente.
Extrai-se do parecer técnico que não foram esgotadas as possibilidades terapêuticas fornecidas pelo SUS e que o medicamento não é imprescindível, diante da inexistência de comprovação da superioridade da droga requerida frente a outros medicamentos dispensados no âmbito da política pública.
Em consulta efetuada ao Sistema Nacional de Pareceres e Notas Técnicas (e-NatJus)1, constata-se a existência de ampla produção de subsídios técnicos igualmente desfavoráveis à proposição de canabidiol para o tratamento de fibromialgia em circunstâncias similares aos autos.
Há indicação de que este medicamento não possui credibilidade terapêutica, a partir de reduzido nível de evidência científica. Nesse sentido, destacam-se as Notas Técnicas nº 53112 (de 08/11/2021)2, nº 44759 (de 09/09/2021)3, nº 52436 (de 01/11/2021)4 e nº 52117 (de 28/10/2021)5, da qual colhe-se o seguinte trecho:
O uso da cannabis medicinal na fibromialgia é uma área ativa de investigação e os potenciais benefícios são a redução da dor e a melhora da qualidade de vida, porém as evidências científicas são limitadas a estudos pequenos, de curta duração e cuja metodologia torna a generalização dos resultados questionável. Segundo recente revisão publicada pela Agência Canadense para Drogas e Tecnologias em Saúde (CADTH), “as descobertas são inconsistentes para o efeito de medicamentos à base de cannabis em pacientes com fibromialgia” (3). A literatura é uniforme em considerar que mais estudos são necessários para avaliar a eficácia e segurança da cannabis medicinal neste cenário e que não há informações suficientes para recomendar o uso da cannabis no tratamento da dor associada à fibromialgia.
Conquanto a autora tenha sido submetida a diversos medicamentos sem o sucesso desejado, ainda não esgotou a ampla gama de tratamentos previstos no âmbito do SUS - que já passaram por todas as fases de ensaios clínicos e já estão com a sua eficácia comprovada e efeitos colaterais e adversos conhecidos.
Verifica-se que não há consenso do uso do canabidiol para os sintomas da fibromialgia, a par de publicações científicas isoladas. O canabidiol carece de estudos controlados e randomizados para ser considerado integrante de guidelines (manuais médicos de tratamento).
Apesar da tendência a se recomendar a inclusão de pacientes com a condição da autora em protocolos de pesquisa investigativa dos efeitos da medicação, os derivados de canabidiol ainda estão sob estudos quanto a sua aplicabilidade em quadros de dor crônica refratária.
A substância postulada ainda é controversa devido ao baixo impacto no controle da doença. A evidência apontada é frágil para corroborar a afirmação de que a medicação, de fato, trará algum proveito efetivo à parte autora ou, mesmo, se é vantajosa comparativamente às fornecidas pelo SUS. Faltam estudos com qualidade metodológica que possam dar suporte à pretensão da autora.
Cumpre notar que a expectativa de resultado com o fármaco postulado é modesta. Neste contexto, não é possível avançar na concessão de um medicamento sem divisar dados seguros que atestem a sua efetividade.
É imprescindível que a prescrição médica seja tecnicamente respaldada pela medicina baseada em evidências, bem como devem ser demonstrados os benefícios do uso do medicamento ao caso concreto.
Em suma, a despeito de autorização excepcional de importação de fármaco à base de canabidiol para uso pessoal e específico, observa-se, na espécie vertente, a ausência de estudos suficientes a comprovar a segurança e eficácia do medicamento, dado o caráter experimental de sua utilização.
Assim, especificamente no caso da enfermidade que acomete a parte autora, não há comprovação da imprescindibilidade e adequação do manejo do remédio postulado.
Embora o medicamento possa representar uma alternativa à doença apresentada pela parte autora, não se pode dizer que tenham sido comprovadas as vantagens da medicação aqui pretendida frente às disponíveis no SUS, ainda que os estudos estejam se consolidando, é verdade, na comunidade médica.
Talvez, em um futuro, com a falência documentada das drogas rotineiramente prescritas, os canabinóides possam ser avaliados novamente.
Cabe destacar que o tratamento de escolha é livre ao paciente e bastante comum para o direcionamento a entidades particulares. Contudo, não há direito à obtenção judicial de tratamento de escolha. Para que se imponha ônus ao SUS de dispensação de medicamento de elevado custo, com duração indeterminada, é necessária a demonstração cabal de sua adequação, o que não acontece na hipótese dos autos.
Ao enfrentar caso semelhante (AI nº 5026045-40.2019.4.04.0000), a MMª. Juíza Federal Convocada Gisele Lemke observou, com propriedade:
Não é demais lembrar que as políticas públicas de saúde são editadas no exercício da competência administrativa dos entes públicos, por meio de atos administrativos abstratos (por oposição aos concretos) e discricionários (por oposição aos vinculados, como é exemplo o ato de aposentadoria de um servidor público). No caso das políticas de saúde se está diante do que Celso Antônio Bandeira de Mello classifica como ato discricionário quanto a seu conteúdo. Daí se infere que as políticas públicas na área da saúde não podem ser desconsideradas pelo Poder Judiciário, a não ser quando contrariem a lei (o que não ocorre na política de saúde em discussão nestes autos), porquanto se está diante do exercício de competência discricionária do Poder Executivo. Por conseguinte, não cabe à parte nem ao perito judicial pretender substituir a política pública existente, mas apenas aferir se ela está sendo devidamente cumprida ou se, esgotados os meios de tratamento nela previstos, seria justificável a utilização de outros meios de tratamento (sejam medicamentos, órteses, próteses, etc., de fora da lista oficial).
Repare-se que não se trata aqui de negar acesso da parte autora à assistência pública de saúde, mas, sim, de reconhecer que, para a obtenção do medicamento, deve ser demonstrado o esgotamento das alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde, assim como evidenciada a vantagem terapêutica do fármaco requerido.
Apesar da urgência com a indicação do medicamento pleiteado, não é possível, neste momento processual, determinar a sua imediata concessão, tendo em vista que os elementos carreados aos autos não demonstram a insuficiência da política pública.
Cuida-se, inclusive, de entendimento sedimentado no Enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que afirma:
Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.
Em face do que foi dito, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003025110v2 e do código CRC 7910f4fb.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5047391-76.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: JANAINA POL
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO/RS
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. CANABIDIOL. FIBROMIALGIA. MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA.
1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.
2. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde.
3. É indevido o fornecimento de medicamento cuja vantagem terapêutica não está comprovada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003025111v4 e do código CRC f52e886f.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/02/2022 A 15/02/2022
Agravo de Instrumento Nº 5047391-76.2021.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH
AGRAVANTE: JANAINA POL
ADVOGADO: JULIANA APARECIDA BROCH (OAB RS103679)
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO/RS
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/02/2022, às 00:00, a 15/02/2022, às 16:00, na sequência 528, disponibilizada no DE de 27/01/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juíza Federal ANDRÉIA CASTRO DIAS MOREIRA
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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