Agravo de Instrumento Nº 5000628-85.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: JAIR DOS SANTOS
RELATÓRIO
A União Federal interpôs agravo de instrumento, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, contra decisão (evento 38, origem) que deferiu o pedido de tutela provisória, determinando o fornecimento, em caráter de urgência, de forma gradativa mas sem interrupção, do medicamento ß-agalsidase (Fabrazyme®) 35mg, na dose de 2 ampolas a cada quinze dias, para tratamento de Doença de Fabry (CID10 E75.2).
A agravante salienta, inicialmente, o caráter irreversível da antecipação de tutela concedida na origem, a evidenciar o dano de difícil reparação apto a justificar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Argumenta que o medicamento ainda não foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e que possui alto custo. Alega que há outros tratamentos oferecidos pelo SUS. Sustenta, com base na Nota Técnica nº 2569/2018 do Ministério da Saúde, que há poucas pesquisas para avaliar a eficácia do medicamento. Acrescenta que a incorporação de novas tecnologias em saúde depende de criteriosa avaliação da CONITEC. Postula, assim, a revogação da antecipação de tutela. Em caráter subsidiário, requer sejam fixadas as seguintes contracautelas: a) aquisição, armazenamento e dispensação a serem realizadas por instituição pública ou privada de saúde, vinculada ao SUS; b) dispensação periódica e fracionada, condicionada à apresentação de laudo médico atualizado, a cada período não superior a três meses; c) estabelecimento de obrigação de devolução de medicamentos ao órgão em que foram retirados, em caso de cessação da necessidade, com cominação de penalidade.
Foi deferido em parte o pedido de efeito suspensivo ao recurso, para estabelecer contracautelas.
Sem contrarrazões, vieram os autos.
VOTO
Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.
Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Embora a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais seja imposta já pelo §1º do art. 5º da CF, no caso do direito à saúde, foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d). Desse modo, a Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica integra a Política Nacional de Saúde, tendo como finalidade garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, quer interferindo em preços, quer fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.
Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.
A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).
A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado: esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).
Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se o medicamento solicitado estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do fármaco, cabendo ao Poder Judiciário assegurar-lhe o seu fornecimento.
Todavia, se o medicamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observarem alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.
Atendidos esses requisitos, o medicamento deve ser concedido. Nessa hipótese, não constitui razão suficiente para indeferi-lo a mera invocação, pelo ente público, do princípio da reserva do possível. Nesse sentido, assentou o Min. Celso de Mello:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
Demais, o Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente recurso especial repetitivo sobre a matéria (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), arrolando três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:
Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
Houve modulação dos efeitos desta decisão, de modo a que se observe e exija a presença desses requisitos somente em ações distribuidas a partir da respectiva publicação.
Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame do mérito do recurso.
O autor, atualmente com 40 anos de idade, é portador de Doença de Fabry, mutação genética hereditária que causa a redução ou ausência de atividade da enzima alfa-galactosidase e leva ao acúmulo de glicoesfingolipídios no organismo, especialmente no endotélio vascular, o que provoca disfunções renais, cardíacas e cerebrovasculares, com morbimortalidade significativa (origem, evento 1 - ATESTMED5).
Ou seja, é doença de depósito lisossômico, genética, que conduz paulatinamente à falência de órgãos e sistemas fundamentais à vida (tais como rins, coração, sistema nervoso, etc) e, por conseguinte, à morte. Não menos importante, é causadora de grande dor nesse processo, mesmo em idades mais precoces.
Consta no laudo pericial (origem, evento 36 - PERÍCIA1) que:
Os sintomas começam na infância, mas geralmente não são diagnosticados devido à apresentação muito inespecífica da doença. São típicas a perda da função das glândulas sudoríparas (anidrose), febre recorrente e parâmetros de inflamação no soro aumentados. Transtornos digestivos (flatulência, diarréia) podem ocorrer. Os olhos apresentam quase sempre um embaçamento da córnea. São descritos como manifestações dermatológicas angioqueratomas. Através da lesão dos nervos periféricos surgem dolorosas parestesias. Por volta dos 20 anos de idade começa a surgir proteinúria que demonstra a lesão renal cada vez maior. Mais tarde há o comprometimento dos vasos sanguíneos de diversos órgãos, que podem levar à morte através de infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral. Um outro problema é a ocorrência de insuficiência renal terminal. Sem tratamentos, a expectativa de vida é reduzida pela metade pelas complicações.
Ainda, sobre o tema "Terapia de reposição enzimática na Doença de Fabry", o Núcleo de Avaliação de Tecnologias da Saúde - NAT de Minas Gerais, ligado à UFMG (em estudo que concluiu que "as evidências comprovam que o tratamento de reposição enzimática melhora a dor neuropática e a qualidade de vida") definiu a patologia da seguinte forma1:
A doença de Fabry é uma doença genética, de caráter hereditário, que causa a deficiência ou a ausência da enzima alfa-galactosidase (á-Gal A) no organismo de seus portadores. É uma das 45 doenças de depósito lisossômico. A deficiência enzimática interfere na capacidade de decomposição de uma substância adiposa específica, denominada globotriaosilceramida (Gb3). A doença é crônica, progressiva e atinge vários órgãos e sistemas do organismo.
No Brasil foram identificados até o momento cerca de 220 pacientes. Estima-se que, no mundo, existam mais de 25 mil pessoas atingidas pela doença. A doença de Fabry é um erro inato do metabolismo, sendo possível diagnosticar precocemente, mesmo que os sintomas clínicos, em geral, tendam a aparecer apenas anos depois.
A Gb3 está presente em muitos tipos de células do corpo, particularmente nas membranas dos glóbulos vermelhos. Visto que cerca de 1% dos glóbulos vermelhos em circulação é substituído a cada dia (leda, a concordância nesse caso se faz com a porcentagem), o corpo sempre tem uma quantidade significativa de Gb3 para decompor. Uma das principais enzimas lisossômicas envolvidas nesta decomposição é justamente a α-Gal A, que se encontra deficiente ou ausente nos pacientes portadores da doença de Fabry.
Como resultado, a Gb3 se acumula nos lisossomos de todo o organismo e prejudica a função de diversos órgãos importantes, incluindo os rins e o coração. Isso pode se tornar um problema relevante nas partes do corpo que dependem de pequenos vasos sanguíneos, uma vez que estes podem ser obstruídos pela Gb3 acumulada. As áreas mais afetadas pela oclusão de pequenos vasos sanguíneos são rins, coração, sistema nervoso e pele.
O diagnóstico do autor foi confirmado por meio de testagem do DNA (evento 31 - LAUDO4). O tratamento proposto consiste na reposição da enzima faltante por meio do medicamento ß-agalsidase (Fabrazyme®).
O pedido administrativo foi indeferido sob o fundamento de que o medicamento não consta na lista de fármacos disponibilizados pelo SUS.
Evidentemente, trata-se de assunto de alta complexidade, que demanda, especialmente quando envolvido o dispêndio de elevada quantia para o custeio do tratamento, exame cauteloso dos fatos com base nas provas constantes nos autos.
A perita judicial, ao examinar a adequação e a necessidade do uso do fármaco pleiteado, confirmou o diagnóstico e a adequação do tratamento prescrito pela médica assistente. Além disso, a especialista foi categórica ao assinalar a inexistência de alternativas terapêuticas para a Doença de Fabry (origem, evento 31 - LAUDO1, 2 e 3, e evento 36 - PERÍCIA1).
Aliás, sequer há no SUS padronização referente à Doença de Fabry, tampouco Protocolo Clínico de Diretriz Terapêutica dessa moléstia.
A imprescindibilidade ou necessidade do medicamento está demonstrada no caso concreto. A perita judicial destaca que o paciente já apresenta graves manifestações renais da doença (insuficiência renal), as quais costumam estar presentes nas fases mais adiantadas da moléstia.
No caso, tanto o atestado quanto os laudos periciais (origem, evento 1 - ATESTMED5, evento 31 - LAUDO1, 2 e 3, e evento 36 - PERÍCIA1) sustentam a existência de estudos clínicos com elevado nível de evidência quanto ao tratamento proposto. Defendem ser indispensável o uso da droga ante o risco de vida ou integridade física do paciente, já que a doença é progressiva e sua evolução ameaça rins, coração e sistema nervoso central.
O medicamento pleiteado possui registro na ANVISA2, o que afasta o caráter experimental do tratamento e corrobora o direito subjetivo da parte autora à sua concessão. Extrai-se da bula que o fármaco é especificamente indicado para uso no tratamento de longo prazo da reposição enzimática em pacientes com diagnóstico confirmado de doença de Fabry3.
A Nota Técnica nº 2569/2018-CGJUD/SE/GAB/SE/MS, mencionada pela agravante, comprova que, no âmbito do SUS, o tratamento oferecido atualmente visa apenas ao alívio dos sintomas.
É importante que isso seja referido aqui em termos claros, para que se compreenda o sentido da afirmação de que o tratamento não cura e é "paliativo", conforme consta do estudo acima mencionado: não cura, porque não altera a questão genética, nem a deficiência metabólica em si, e é "paliativo" por isso e porque tem que ser constantemente realizada a operação de reposição enzimática. Isso não significa que a TRE (terapia de reposição enzimática) "apenas amenize" a doença, ou tenha significado menor para a saúde do paciente que sofre desta doença.
Percebe-se que a medicação, ao contrário de qualquer outra, atua na causa e não nas consequências da moléstia. Conforme foi assentado pela perícia, o SUS não possui tratamento específico para a Doença de Fabry, mas tão-somente para paliar os sintomas, tal como dor neuropática, por exemplo. Nesse sentido, a agalsidase é a única modalidade terapêutica específica para a Doença de Fabry já que repõe a enzima que falta nos portadores da doença, evitando que os sintomas se agravem ou existam.
Asim, embora a medicação receitada não tenha o condão de curar a doença (que, até o momento, é incurável, como, aliás, a maioria das doenças conhecidas pela medicina), a melhora da qualidade de vida, aumento da sobrevida, redução de recidivas e de hospitalizações são evidentes, segundo os estudos relacionados pela especialista.
Cumpre destacar que com o uso do medicamento, inicialmente fornecido pela empresa farmacêutica, a perita relata significativa recuperação do paciente, com "melhora muito importante dos sintomas", o que comprova a ação do fármaco.
Nota-se que as dores ou parestesias sentidas nos pés e mãos do autor, regularmente (quotidianamente), bem como as angioqueratomas, lesões de pele e demais sintomas debilitantes relatados nos laudos, seriam efetiva e eficazmente controladas. Assim, tem-se preenchidas, a um só tempo, as condições da imprescindibilidade do tratamento (já que não há outro disponível na medicina atual) e da eficácia do tratamento (porque, quanto a isso, não pode haver dúvidas a respeito do controle de tais sintomas de modo eficaz).
Segundo confirma a perícia e é revelado de modo conclusivo pelo estudo do NAT/MG bem como por relatório da CONITEC adiante referido, há evidências sólidas na literatura médica quanto à eficácia do medicamento postulado para o tratamento da Doença de Fabry.
O uso das enzimas recombinantes resultou em significativa melhora da função cardíaca, estabilização da função renal e diminuição do acúmulo do Gb3 nos diferentes tecidos do corpo, sendo até o momento, a única opção terapêutica aprovada para essa doença no Brasil.
Diversos estudos tem demonstrado o impacto clínico da terapia de reposição enzimática para doença de Fabry:
- Em um ensaio clínico duplo cego e controlado por placebo avaliou eficácia e segurança do tratamento com alfagalsidase em pacientes do sexo masculino >18 anos, observou-se melhora da dor neuropática, da qualidade de vida relacionada à dor, função renal, níveis plasmáticos de glicoesfingolipídios e função cardíaca (Schiffmann R. et al. 2001).
- Em outro ensaio clínico fase 3, randomizado e controlado por placebo em 15 pacientes do sexo masculino observou-se uma redução significativa na massa do ventrículo esquerdo em pacientes tratados com alfagalsidase 0,2 mg/kg em semanas alternadas por 6 meses (Hughes et al. 2008).
- Um estudo de coorte de 5 anos do grupo Fabry Outcome Survey (FOS) comparou o tratamento com alfagalsidase com dados provenientes de 3 estudos de população com doença de Fabry sem tratamento. O grupo tratado com alfagalsidase apresentou menor declínio da função renal e menor progressão da hipertrofia ventricular esquerda, além de sobrevida estimada de mais 17,5 anos (Beck et al. 2015).
- Adicionalmente, uma análise retrospectiva de 10 anos de homens e mulheres com idade >14 anos que receberam tratamento com alfagalsidase demonstraram melhora nas funções cardíacas como sintomas de insuficiência cardíaca e angina (Kampmann et al. 2015).
Como se vê, a eficácia da agalsidase está amplamente provada e documentada em inúmeros estudos clínicos, como o Fabry Outcome Survey (FOS). Além disso, a TRE é utilizada, com resultados comprovados, em vários países da Europa e Canadá.
É pertinente observar que, de modo geral, as doenças raras, justamente por serem raras, exigem tratamentos diferenciados e, em muitos casos, de custo mais elevado, porquanto sua baixa incidência dificulta a viabilidade comercial da indústria farmacêutica e também a formação de grupos de pessoas suficientes para possibilitar pesquisas científicas.
Registre-se que, diante da raridade da enfermidade de Fabry e da conseguinte limitação para produção de ensaios clínicos de larga escala, os estudos acima listados mostraram-se suficientes para prover evidências do impacto do tratamento na evolução dos pacientes.
Disso tudo conclui-se, com base na medicina de evidências e na prova produzida nos autos, que o medicamento, com efeito, é substancialmente benéfico ao autor.
O relatório da CONITEC, de 17 de dezembro de 20184, reconheceu que:
A doença de Fabry, é uma destas condições e a TRE com alfa ou beta-agalsidase, é a única opção de tratamento específico para a DF aprovado pela ANVISA. Os dados existentes na literatura e aqui apresentados neste PTC, indicam que a TRE com alfa ou beta-agalsidase tem efeito relevante na melhora da cardiopatia, traduzida por hipertrofia cardíaca e na redução da dor neuropática destes pacientes — respectivamente a maior causa de mortalidade e a mais frequente causa de comprometimento da qualidade de vida diária destes pacientes.
O RESUMO EXECUTIVO do documento dá conta do seguinte:
Contexto: a doença de Fabry (DF) é uma doença grave, multissistêmica, com morbimortalidade significativa. O único tratamento específico para esta doença disponível no Brasil é a terapia de reposição enzimática (TRE) com as enzimas recombinantes alfa-agalsidase e beta-agalsidase, ambas com registro no país e disponíveis comercialmente.
Pergunta: a TRE com alfa-agalsidase e beta-agalsidase é segura e eficaz no tratamento da DF?
Evidências científicas: os estudos avaliados indicam que a terapia de reposição enzimática (TRE), que vem a ser a primeira opção de tratamento específico (e a única licenciada no Brasil) para pacientes com a doença de Fabry (DF) tem benefícios sobre a cardiomiopatia (maior causa de mortalidade desses pacientes) e no controle da dor neuropática desses (um dos principais problemas na vida diária daqueles com DF).
Discussão: considerando-se que em 30 de janeiro de 2014 foi publicada a Portaria nº 199 que institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, observa-se que entre os princípios dessa política está: a incorporação e uso de tecnologias voltadas para a promoção, prevenção e cuidado integral na Rede de Atenção à Saúde (RAS) incluindo, no âmbito do SUS, a disponibilização de tratamento medicamentoso e fórmulas nutricionais quando indicados. Há que se discutir de forma técnica e objetiva, mas com uma visão abrangente, a incorporação ou não do tratamento específico para estas doenças (genéticas, raras). A doença de Fabry é uma destas condições e seu tratamento específico já está disponível no Brasil há cerca de uma década e há atualmente evidências de sua efetividade, ao menos, na cardiopatia (principal causa de morte) e na dor neuropática (principal causa de redução na qualidade devida).
Impacto orçamentário: Foram projetados três cenários para avaliar o impacto orçamentário de uma possível incorporação da terapia de reposição enzimática para tratamento da doença de Fabry no SUS. Nos três cenários se considera a incorporação somente de uma das duas formas da enzima, cenários 1 e 2 e de ambas as formas disponíveis no mercado, cenário 3. Para o cenário 1 estimou-se impacto que variou entre R$ 252 a R$ 315 milhões para o primeiro ano e de R$ 1,3 a 1,6 bilhões após cinco anos de incorporação de alfa-agalsidase pelo SUS. Para o cenário 2 projetou-se impacto que variou entre R$ 429 a R$ 537 milhões no primeiro ano e de R$ 2,2 a 2,8 bilhões para cinco anos de incorporação da beta-agalsidase. Já para o cenário 3 os custos variaram entre R$ 354 a R$ 427 milhões no primeiro ano e entre R$ 1,8 a R$ 2,2 bilhões após cinco anos de incorporação das duas agalsidases simultaneamente pelo SUS.
Consulta pública: O exame da literatura complementar enviada não alterou as conclusões técnicas sobre TRE na DF expostas no PTC: a evidência em relação à segurança é ALTA (favorável); a evidência em relação à cardiopatia e à dor neuropática é MODERADA (favorável); evidência em relação à nefropatia e à qualidade de vida é BAIXA (favorável). Porém os resultados apresentados nos estudos avaliados na consulta pública, de uma forma geral, também reforçam o provável benefício da TRE na hipertrofia de VE, naqueles com alterações leves ou moderadas (sem evidência para aqueles sem alterações ou com alterações graves) — tendo sido estas evidências, e quase todas sobre TRE, produzidas em sua maioria em indivíduos do sexo masculino. É difícil, no entanto, quantificar o impacto, devido à heterogeneidade dos desfechos e da aferição destes.
Cumpre observar que a CONITEC, ao final, não foi favorável à incorporação de agalsidase recombinante (forma alfa ou beta) no SUS, especificamente porque é difícil, no entanto, quantificar o impacto, devido à heterogeneidade dos desfechos e da aferição destes.
Na RECOMENDAÇÃO FINAL, constou o seguinte:
Os membros presentes na 70ª Reunião da CONITEC no dia 29 de agosto de 2018 deliberaram por unanimidade recomendar a não incorporação da alfa-agalsidase e beta-agalsidase como terapia de reposição enzimática na doença de Fabry. O plenário recomendou que fosse aberta nova demanda, com nova pergunta de pesquisa (PICO), que defina melhor os subgrupos com maior probabilidade de se beneficiar pelo tratamento de reposição enzimática. Foi assinado registro de deliberação n° 366/2018.
A CONITEC admite que a terapia de reposição enzimática encontra respaldo na literatura no que diz respeito a melhora da sobrevida e diminuição da morbidade. Em seu relatório, no entanto, houve dificuldades na adequação de quando começar a terapêutica e quando não indicar, sendo este um dos empecilhos a sua aplicação no SUS.
Está claro que não se trata de medicamento experimental, tanto que testes de segurança nem são mais realizados e apenas se discute, na comunidade médica, o quão cedo se deve iniciar o tratamento e quando não se deve iniciar.
É possível que alguns pacientes respondam melhor que outros à terapia de reposição enzimática, e inclusive que alguns pacientes não sejam responsivos a esta modalidade terapêutica. Contudo, no caso dos autos, conforme foi relatado pela médica perita, houve resposta significativa do autor ao uso da TRE.
Não é possível ignorar que a terapia de reposição enzimática é amplamente aceita com vasta literatura de sua eficácia. Durante o relatório houve uma acentuada referência de sua boa utilização, porém a conclusão não cedeu ao seu uso, o que denota uma preocupação com seu custo, mais do que pelo benefício em si.
É verdade que na maioria das vezes, pareceres técnicos podem representar um forte indicativo sobre a inexistência de evidências científicas para o tratamento que é pleiteado, demonstrando a sua desnecessidade, o que, todavia, não é a hipótese dos autos.
Esses elementos de prova não podem ser considerados isoladamente como uma categórica negativa de eficácia clínica para a parte que ingressa em juízo, situação em que lhe cabe cumprir ônus probatório que afaste a conclusão do órgão técnico, em razão da condição do paciente (Enunciado 103 aprovado na III Jornada da Saúde do Conselho Nacional de Justiça – CNJ).
Deste modo, o Estado pode ser compelido a fornecer fármacos ainda não cobertos pelo SUS, condicionada tal determinação à instrução processual, em que estejam presentes elementos consistentes indicativos da sua necessidade imperiosa no caso concreto.
A partir dessas diretrizes, é reforçada a obediência às políticas públicas e a necessidade de sujeição do indivíduo aos procedimentos próprios do SUS. Somente em caráter excepcional é que será possível o deferimento judicial de direito prestacional, em caráter supletivo às prestações já atendidas pelo Estado.
Sobreleva, nessa ordem de ideias, o valor probatório de documentos e outros elementos que digam respeito casuístico à situação médica daquele que busca em juízo a tutela do direito à saúde.
Na espécie, embora exista relatório técnico contrário à entrega generalizada do medicamento em questão, fato é que a perícia e os atestados fundados na análise concreta e específica do paciente são favoráveis à dispensação.
Há elementos suficientes de prova indicando que o medicamento apresenta eficácia ao caso do paciente, elementos esses que não foram infirmados pela parte contrária.
Em essência, foi demonstrado que se trata de um caso excepcional em que o tratamento de saúde pedido judicialmente é realmente devido por ser imprescindível e eficaz, à luz da medicina de evidências, à concretização dos direitos fundamentais em jogo.
Não existe similar para a droga agalsidase. Porém existem duas agalsidases disponíveis no comércio: a agalsidase alfa (Replagal®) - produzida por cultura de fibroblastos humanos acrescido de promotores ativos para a transcrição do gene α-GAL - e a algasidase beta (Fabrazyme®) - obtida por terapia recombinante de ovários de hamsters. Ambas as proteínas são estrutural e funcionalmente semelhantes, têm atividade específica comparável e são administradas por via intravenosa a cada 15 dias.
A eficácia é similar mas há significativa diferença de preço, como se deduz do relatório da CONITEC e do parecer do Núcleo de Avaliação de Tecnologias da Saúde ligado ao Hospital de Clínicas da UFMG, ambos mencionados acima.
Comparado ao Fabrazyme®, a outra enzima disponível (Replagal®) apresenta menor custo aos cofres públicos e, segundo o relatório mencionado, maior aderência dos pacientes devido ao menor tempo de infusão (40 minutos) e possibilidade de infusão domiciliar.
O autor já iniciou tratamento fornecido pela empresa farmacêutica, embora descontinuado, de modo que se deduz a impossibilidade de substituição da medicação ß-agalsidase pela α-agalsidase, uma vez há "incertezas quanto à intercambialidade entre as formas alfa e beta da enzima", conforme o mesmo relatório.
A despeito do alto custo da reposição enzimática, a concessão do medicamento evitará o acréscimo de outras despesas de saúde (consultas, medicamentos de base, exames, internações prolongadas e recorrentes em unidades de terapia intensiva, hemodiálise, transplante renal, cateter, stent cardíaco, etc), hipóteses também onerosas para o SUS, além do próprio usuário.
Sem contar o impacto orçamentário com gastos previdenciários, decorrentes da própria incapacidade do usuário, ensejando licenças pelo INSS por comprometimento cardíaco, neurológico ou renal (na petição inicial, o autor relatou receber auxílio-doença).
O Supremo Tribunal Federal tem reiterado o entendimento de que o alto custo aos cofres públicos não pode obstar a concessão do medicamento ao paciente. Ao enfrentar a alegação de grave lesão à economia, o STF afastou a alegação ao argumento de que tal risco não existe, uma vez que os pedidos devem ser apreciados caso a caso:
A análise de decisões dessa natureza deve ser feita caso a caso, considerando-se todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida (STA 175. Min. GILMAR MENDES. Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010).
Ainda:
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (SOLIRIS ECULIZUMAD) PARA TRATAMENTO DE DOENÇA RARA: PRECEDENTES EM CASOS ANÁLOGOS. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AMEAÇA DE GRAVE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA NÃO DEMONSTRADA. RISCO DE MORTE DOS PACIENTES. DANO INVERSO. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS OU FATOS NOVOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(SL 558 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 24-08-2017 PUBLIC 25-08-2017)
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região registra vários precedentes, onde decidiu pela concessão da algasidase, uma vez evidenciada a sua vantagem terapêutica, dos quais destacam-se os seguintes acórdãos:
DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. MEDICAMENTOS. 1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de sáude; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). 2. Quanto ao registro na ANVISA, posteriormente foi assentado que devem ser observados "os usos autorizados pela agência", o que afasta a possibilidade de fornecimento para uso "off label", salvo quando autorizado pela ANVISA (EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018). 3. Caso concreto em que se demonstraram presentes os requisitos para a entrega do medicamento pleiteado. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5007574-09.2016.4.04.7104, 6ª Turma, Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE JUNTADO AOS AUTOS EM 24/05/2019)
ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO PRESCRITO. OCORRÊNCIA. Demonstrado, através de perícia médica, a imprescindibilidade do fármaco postulado, a manutenção da decisão impugnada é a medida adequada. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5048237-98.2018.4.04.0000, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, DECIDIU, POR UNANIMIDADE JUNTADO AOS AUTOS EM 10/05/2019)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. REGAPAL (ALGASIDADE ALFA). DOENÇA DE FABRY. LEGITIMIDADE PASSIVA. SOLIDARIEDADE. ATRIBUIÇÃO DO ÔNUS FINANCEIRO. ORÇAMENTO E RESERVA DO POSSÍVEL. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. 1. União, Estados e Municípios detêm legitimidade para figurar no pólo passivo de ação onde postulado o fornecimento público de medicamentos. 2. Solidária a responsabilidade dos entes da Federação quanto ao fornecimento de medicamentos, é direito da parte autora litigar contra qualquer deles, sendo, também, os três entes igualmente responsáveis pelo ônus financeiro advindo da aquisição do tratamento médico postulado. 3. Os estabelecimentos credenciados junto à Rede de Atenção Oncológica não detêm legitimidade para figurar no polo passivo das ações onde postulado a disponibilização de medicamentos pelo Poder Público. 4. O orçamento e a reserva do possível, quando alegados genericamente, não importam em vedação à intervenção do Judiciário em matéria de efetivação de direitos fundamentais. 5. As ações que versem sobre medicamentos e tratamentos experimentais devem observar as normas emitidas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), não se podendo impor aos entes federados provimento e custeio de medicamento e tratamentos experimentais. 6. Foi realizada prova pericial, em cujos laudos constam a confirmação do diagnóstico e a indicação do medicamento postulado, como sendo imprescindível para o tratamento da moléstia que acomete a parte autora. A médica perita referiu que não há protocolo clínico no SUS para tratar a respectiva doença, por outro lado, há estudos conclusivos que afirmam que as evidências comprovam que o tratamento de reposição enzimática melhora a dor neuropática e a qualidade de vida do paciente. Assim, da leitura dos laudos acostados, parece efetivamente evidenciada a adequação e necessidade do medicamento requerido. (TRF4, 3ª Turma, Agravo de Instrumento n.º 5052665-94.2016.4.04.0000, Relatora Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, j. 21-02-2017)
Vê-se que o remédio reivindicado pelo requerente não se destina a trazer uma mera comodidade. Há indicativo médico e científico de ser a forma de tratamento apta a retardar os efeitos progressivos da doença, porquanto inexistentes outros medicamentos fornecidos pelo SUS no caso dos autos.
Desse modo, o quadro processual instaurado traz elementos que evidenciam a probabilidade das alegações contidas na petição inicial. Como foi visto, há significativo conjunto probatório a indicar que o medicamento é adequado e necessário, bem como que não há outras opções no Sistema Único de Saúde que possam substituí-lo.
O requisito atinente ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação também se encontra presente e justifica-se pelo alto risco de morte precoce do autor, de modo que o recomendável é prestigiar-se a decisão proferida pelo MM. Juiz.
No que diz respeito às medidas de contracautelas, assiste razão à União.
Confira-se a decisão agravada, nesse particular:
Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação de tutela para o fim de determinar ao réu que, no prazo de 15 (quinze) dias:
1. Adote todas as medidas administrativas necessárias à aquisição e fornecimento, em caráter de urgência, do medicamento Beta-agalsidase (Fabrazyme) 35mg, na dose de 2 ampolas (70mg) de 15 em 15 dias, devendo providenciar a aquisição do fármaco e contatar a parte autora para que compareça ao estabelecimento médico para dispensação e orientação quanto à forma de sua utilização, ou forneça o equivalente em dinheiro.
Determino que a medida de urgência seja cumprida gradativamente (mas sem interrupção), sendo, de pronto, alcançada à parte autora fármaco suficiente ao tratamento do primeiro ciclo, isto é, mensal, a fim de que sejam realizadas avaliações periódicas do tratamento, para aferição dos efeitos colaterais e necessidade do tratamento.
Em qualquer das hipóteses (fornecimento do remédio ou da quantia necessária para sua aquisição), deverá a Parte Autora comprovar documental a efetiva utilização do medicamento pleiteado, no prazo de 30 (trinta) dias.
Após cada ciclo deverá o autor comprovar a necessidade de manutenção do tratamento, juntando novos laudos. Deverá ainda, providenciar mensalmente, no mínimo três orçamentos a fim de garantir a correta aplicação do dinheiro público.
2. Deverá o réu comprovar nos autos a adoção das providências determinadas, sob pena de multa diária que desde já fixo em R$ 100,00 (cem reais).
3. Optando pelo depósito total, os valores serão liberados através de alvará judicial, devendo a parte autora prestar contas da compra da medicação e da sua utilização, no prazo de 30 (trinta) dias.
4. Cite-se o réu conforme determinado na decisão do evento 3.
5. Intimem-se, sendo que a parte autora para juntar aos autos, no mínimo três orçamentos de farmácias diferentes do medicamento Beta-agalsidase (Fabrazyme) 35mg.
Os efeitos somente serão produzidos ao longo do tempo em que a TRE for levada a termo. Assim, acrescente-se que a parte autora, sob pena de suspensão da ordem judicial, deve:
(a) Comprovar, com antecedência de 10 (dez) dias, a necessidade da manutenção do fornecimento do fármaco para cada próximo mês, mediante a apresentação de laudo médico próprio atualizado para dispensação na via administrativa;
(b) Registrar, a cada 2 (dois) meses, os dados clínicos e farmacêuticos em sistema nacional informático do SUS, em que fiquem demonstrados os indicadores/marcadores/dados clínicos pelos quais a progressão do tratamento está sendo avaliada;
(c) Informar imediatamente a suspensão ou interrupção do tratamento, e devolver, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, os medicamentos e insumos excedentes ou não utilizados, a contar da suspensão ou interrupção do tratamento.
A aquisição, armazenamento e dispensação a serem realizadas por instituição de saúde vinculada ao SUS estão determinadas na decisão agravada.
Em face do que foi dito, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento, para estabelecer contracautelas, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001360136v4 e do código CRC 2de3977e.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5000628-85.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: JAIR DOS SANTOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. DOENÇA DE FABRY. agalsidase beta (Fabrazyme®). MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS. CABIMENTO. CONTRACAUTELAS.
1. O elevado custo aos cofres públicos não pode obstar a concessão de medicamento que, embora não conste das listas de dispensação do SUS, atenda aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.
2. Pareceres técnicos contrários ao tratamento requerido não podem ser considerados isoladamente como uma categórica negativa de eficácia clínica para a parte que ingressa em juízo. Nesse caso, deve o requerente cumprir ônus probatório que afaste a conclusão do órgão técnico, em razão de sua condição clínica.
4. Demonstrada a imprescindibilidade da agalsidase para a sobrevivência do paciente, cuja eficácia encontra-se amplamente respaldada na medicina baseada em evidências, cabível o deferimento judicial do pedido.
5. A concessão de fármaco de alto custo por tempo indeterminado exige a adoção de medidas de contracautelas, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, inclusive de ofício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, para estabelecer contracautelas, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de outubro de 2019.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001360137v7 e do código CRC 3e1e7d8d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 2/10/2019, às 23:5:12
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 01/10/2019
Agravo de Instrumento Nº 5000628-85.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: JAIR DOS SANTOS
ADVOGADO: ODIMAR EDUARDO IASKIEVICZ (OAB RS045325)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Ordinária do dia 01/10/2019, na sequência 335, disponibilizada no DE de 19/09/2019.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PARA ESTABELECER CONTRACAUTELAS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:34:17.