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PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. PERTUZUMABE. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS. REQUISITOS NÃO PREENC...

Data da publicação: 07/07/2020, 06:40:17

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. PERTUZUMABE. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. 1. A dispensação do medicamento PERTUZUMABE no âmbito do Sistema Único de Saúde é restrita ao tratamento em primeira linha de neoplasia de mama HER2-positivo metastático, nos termos da Portaria nº 57, de 04/12/2017, do Ministério da Saúde. 2. É indevido o fornecimento de medicamento cuja vantagem terapêutica não está evidenciada em pacientes que tenham recebido tratamento anterior com medicamentos anti-HER2 ou quimioterapia para doença metastática. 3. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde. (TRF4, AG 5046742-82.2019.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 14/03/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5046742-82.2019.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: ALESSANDRA TRINDADE CORREIA

RELATÓRIO

A União interpôs agravo de instrumento, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, contra decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência (evento 51 do processo originário), determinando aos réus que forneçam à autora o medicamento PERTUZUMABE, para o tratamento de neoplasia maligna da mama (CID 10 C50.9) metastática.

A agravante salientou, inicialmente, o caráter irreversível da antecipação de tutela concedida na origem, a evidenciar o dano de difícil reparação apto a justificar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Discorreu acerca da doença que acomete a autora e sobre o medicamento por ela postulado. Aduziu que é fármaco de alto custo, não constante das Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas para o tratamento da moléstia, e que há alternativas no âmbito do Sistema Único de Saúde. Dissertou sobre a Política Nacional de Atenção Oncológica, destacando que incumbe aos estabelecimentos habilitados em oncologia (CACONs e UNACONs) o fornecimento dos medicamentos necessários ao tratamento da neoplasia. Tratou do modo de incorporação de novas tecnologias ao SUS e defendeu que se observe a análise feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Asseverou que a eficácia científica do medicamento não está comprovada e que a sua concessão judicial depende da demonstração da insuficiência da política pública. Postulou, assim, a revogação da antecipação de tutela.

Foi deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento.

A autora apresentou contrarrazões e requereu a reconsideração da decisão, sob o argumento de que estão demonstrados a urgência da medida e a adequação do tratamento (evento 13).

VOTO

A Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."

Embora a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais seja imposta já pelo §1º do art. 5º da CF, no caso do direito à saúde, foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d). Desse modo, a Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica integra a Política Nacional de Saúde, tendo como finalidade garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, quer interferindo em preços, quer fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.

Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.

A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).

A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado: esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).

Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se o medicamento solicitado estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do fármaco, cabendo ao Poder Judiciário assegurar-lhe o seu fornecimento.

Todavia, se o medicamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observarem alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.

Atendidas esses requisitos, o medicamento deve ser concedido. Nessa hipótese, não constitui razão suficiente para indeferi-lo a mera invocação, pelo ente público, do princípio da reserva do possível. Nesse sentido, assentou o Min. Celso de Mello:

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)

Demais, o Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente recurso especial repetitivo sobre a matéria (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), arrolando três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:

Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.

Houve modulação dos efeitos desta decisão, de modo a que se observe e exija a presença desses requisitos somente em ações distribuídas a partir da respectiva publicação.

Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame do mérito do recurso.

A controvérsia diz respeito ao fornecimento do medicamento Pertuzumabe 420 mg, com aplicação da primeira dose de 840 mg (dose de indução) endovenosa, e após 420 mg a cada 21 dias, por tempo indeterminado, para tratamento de Neoplasia Maligna da Mama (CID 10 C.50.9), em estadio clínico IV (metastático).

A patologia está descrita no atestado médico anexado à exordial (evento 1, ATESTMED5), firmado por oncologista vinculado ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), entidade cadastrada como UNACON, em cujo âmbito é prestado atendimento pelo SUS.

O relatório médico informa que a autora teve diagnóstico de neoplasia maligna de mama direita em dezembro de 2018, já com metástases ósseas e hepáticas disseminadas, triplo positivo (RE + RP + HER2). Tratou com poliquimioterapia (esquema cisplatina, 5FU e trastuzumabe associado), passando, em seguida, para quimioterapia com paclitaxel e trastuzumabe. Após, foi suspenso o placitaxel e adicionado capecitabina, vindo a ser indicado o pertuzumabe para ser associado ao trastuzumabe.

O medicamento prescrito objetiva prolongar a sobrevida e o tempo livre de progressão da doença, sem, no entanto, modificar o desfecho.

O perito judicial, instado pelo quesito 13 do juízo, apontou (origem, evento 46):

Trata-se de tumor avançado e metastático com desfecho praticamente definido, eis que é pouco provável a irreversibilidade das lesões hepáticas e ósseas a curto prazo. Todavia, a droga pleiteada é efetiva em aumentar significativamente a sobrevida livre de progressão (PFS) em média em 6 meses [4-6], quando comparada ao placebo (mediana de 18.5 vs. 12.4 meses, respectivamente; HR = 0.62CI95% de 0.51-0.75; p<0.001) [5], resultados estes confirmados na revisão de avaliação recente [5,6] e com mediana de 37.6 meses; HR = 0.6695% CI de 0.52-0.84; p=0.0008 [6]. Como a autora está com performance clínica ainda adequada, se é para se usar a droga, o momento é este, sob pena de se perder o “timing” para respostas clínicas efetivas em termos de SLP [sobrevida livre de progressão] e QdV [qualidade de vida] e sendo assim, há que pelo menos se testar resposta ao tratamento pleiteado como referido no quesito 11.

Em resposta ao quesito 4 da União, o especialista asseverou:

A autora mantem ainda uma performance clínica adequada (ECOG PS 2), todavia a QdV [qualidade de vida] doravante deve piorar progressivamente, eis que há comprometimento hepático considerável e não deve reverter com a adição de pertuzumab ao tratamento paliativo.

A Secretaria da Ciência, Tecnologia e Insumos estratégicos do Ministério da Saúde publicou, em 4 de dezembro de 2017, a Portaria nº 57, em que incorporou o medicamento pertuzumabe ao SUS, nos seguintes termos:

PORTARIA Nº 57, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2017
Torna pública a decisão de incorporar o pertuzumabe no tratamento do câncer de mama HER2-positivo metastático em primeira linha de tratamento, conforme estabelecido pelas Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Ministério da Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
O SECRETÁRIO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INSUMOS ESTRATÉGICOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições legais e com base nos termos dos art. 20 e art. 23 do Decreto 7.646, de 21 de dezembro de 2011, resolve:
Art. 1º Fica incorporado o pertuzumabe no tratamento do câncer de mama HER2-positivo metastático em primeira linha de tratamento, conforme estabelecido pelas Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Ministério da Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
Art. 2º Conforme determina o art. 25 do Decreto 7.646/2011, o prazo máximo para efetivar a oferta ao SUS é de cento e oitenta dias.
Art. 3º O relatório de recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) sobre essa tecnologia estará disponível no endereço eletrônico: http://conitec.gov.br/.
Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
MARCO ANTONIO DE ARAUJO FIREMAN

Extrai-se que o medicamento foi incorporado ao SUS especificamente para o tratamento de neoplasia de mama HER2-positivo metastático em primeira linha de tratamento.

Em sua bula, aprovada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o medicamento está indicado, em combinação com Herceptin® (trastuzumabe) e docetaxel, para pacientes com neoplasia de mama HER2-positivo metastático ou localmente recorrente não operável, que não tenham recebido tratamento anterior com medicamentos anti-HER2 ou quimioterapia para doença metastática.

Sobre a quimioterapia paliativa, as atuais Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Carcinoma de Mama1, publicadas em 18 de abril de 2019 (Portaria Conjunta SAS/SCTIE nº 05), revelam:

A associação de pertuzumabe deve ser reservada para a quimioterapia paliativa de 1ª linha, em caso de pacientes elegíveis. Vale a pena notar que em torno de 10% dos pacientes do CLEOPATRA foram previamente expostos ao trastuzumabe, e um estudo recente do PHEREXA relatou benefícios muito menores da adição de pertuzumabe aos pacientes com câncer de mama metastático expostos ao trastuzumabe no tratamento de segunda linha.

Constata-se que o medicamento não representa a 1ª linha de quimioterapia da doença metastática da autora, circunstância que não recomenda seu uso, uma vez que, neste caso, os resultados seriam discretos, em consonância com as conclusões da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – CONITEC.

Em se tratando de quimioterapia paliativa de carcinoma de mama metastático avançado, a CONITEC considerou os dados disponíveis insuficientes para justificar a incorporação do pertuzumabe em linhas ulteriores de tratamento.

Cuida-se, portanto, de hipótese distinta daquela que foi objeto de autorização administrativa.

A prova pericial não se revelou conclusiva no sentido de atestar a eficácia do tratamento requerido. Embora o medicamento postulado possa representar uma alternativa à doença apresentada pela autora, não se pode dizer que tenham sido comprovadas as vantagens da medicação aqui pretendida frente às disponíveis no SUS, ainda que os estudos estejam se consolidando, é verdade, na comunidade médica.

O perito, ao indicar a existência de evidências científicas, menciona o estudo CLEOPATRA, de fase III, que incluiu 808 pacientes com neoplasia de mama HER2 - positivo metástico ou localmente recorrente não ressecável, que não receberam quimioterapia prévia nem foram tratados com medicação anti-HER2, contexto esse que não é compatível com o quadro clínico da autora.

Verifica-se, ainda, que o Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) vinculado ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais registra Nota Técnica (nº 1114), formulada em 08 de abril de 2019, com as seguintes conclusões2:

- A incorporação do pertuzumabe não se mostrou custo-efetiva e com grande impacto orçamentário ao sistema de saúde.

- Trata-se de doença avançada com presença de metástase; quando a sobrevida e qualidade de vida são remotas com qualquer tratamento disponível. Como já descrito existe apenas um ensaio clínico randomizado utilizando o pertuzumabe para o tratamento de pacientes com câncer de mama metastático HER2+, denominado CLEOPATRA e financiado pelo detentor da patente do medicamento (Roche); com várias limitações metodológicas. Baseado neste estudo não é possível afirmar que o medicamento trouxe algum benefício. Utilizar medicamentos “por via das dúvidas“ ou porque “tudo já foi tentado” pode não trazer efeito desejado além trazer efeitos colaterais com maior índice de complicações traduzindo-se por maior sofrimento ao paciente.

Dado o estágio atual da doença e a performance clínica da paciente, não há como afirmar que a medicação seja indispensável, pois a doença é incurável. A medicação pode aumentar o tempo de estabilização das metástases, mas não há aumento significativo da sobrevida global nessas circunstâncias, nem mudança de paradigma de neoplasia de mama avançado.

Diante das circunstâncias e das especificidades do tratamento, em se tratando de medicamento de elevado custo, de finalidade somente paliativa, cuja eficácia carece de consenso científico, como visto, entende-se indevida a sua dispensação.

Apesar da urgência e da aparente concordância do médico perito com a indicação do medicamento pleiteado, não é possível, neste momento processual, determinar a sua imediata concessão, tendo em vista que os elementos carreados aos autos não demonstram a insuficiência da política pública.

A se admitir que o tratamento da enfermidade seja realizado à margem do Sistema Único de Saúde, obrigar o Estado apenas ao fornecimento de determinado fármaco implicaria prejuízo à correta implementação da correspondente política pública desenvolvida.

Sobre o tema, a MM. Juíza Federal Convocada Gisele Lemke observou, com propriedade no julgamento do AI nº 5026045-40.2019.4.04.0000):

Não é demais lembrar que as políticas públicas de saúde são editadas no exercício da competência administrativa dos entes públicos, por meio de atos administrativos abstratos (por oposição aos concretos) e discricionários (por oposição aos vinculados, como é exemplo o ato de aposentadoria de um servidor público). No caso das políticas de saúde se está diante do que Celso Antônio Bandeira de Mello classifica como ato discricionário quanto a seu conteúdo. Daí se infere que as políticas públicas na área da saúde não podem ser desconsideradas pelo Poder Judiciário, a não ser quando contrariem a lei (o que não ocorre na política de saúde em discussão nestes autos), porquanto se está diante do exercício de competência discricionária do Poder Executivo. Por conseguinte, não cabe à parte nem ao perito judicial pretender substituir a política pública existente, mas apenas aferir se ela está sendo devidamente cumprida ou se, esgotados os meios de tratamento nela previstos, seria justificável a utilização de outros meios de tratamento (sejam medicamentos, órteses, próteses, etc., de fora da lista oficial).

Cabe destacar que o tratamento de escolha é livre ao paciente e bastante comum em atendimentos privados. Contudo, não há direito à obtenção judicial de tratamento de escolha. Para que se imponha um ônus ao SUS de um tratamento de elevado custo, como o requerido, com duração indeterminada, é necessária a demonstração cabal de sua adequação, o que não acontece na hipótese dos autos.

A matéria já foi enfrentada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Confira-se:

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. INEFICÁCIA DA POLÍTICA PÚBLICA. EFICÁCIA E ADEQUAÇÃO DO TRATAMENTO. PERTUZUMABE E TRASTUZUMABE. CÂNCER DE MAMA. HER2 POSITIVO METASTÁTICO. DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. PREVISÃO. 1. A jurisprudência é sólida no sentido da responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios nas ações onde se postula fornecimento público de medicamentos ou tratamento médico, sendo que a solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. 2. Não havendo evidências reais e suficientes que demonstrem erro do Poder Público na não inclusão do medicamento/tratamento postulado em juízo para fornecimento geral e universal à população, e não existindo evidência científica suficiente da real superioridade do medicamento em relação ao disponibilizado pelo SUS, não é cabível a dispensação do tratamento demandado judicialmente. 3. Hipótese em que houve incorporação do trastuzumabe e do pertuzumabe para o tratamento do câncer de mama HER-2-positivo metastático em primeira linha de tratamento paliativo, conforme DDT do Ministério da Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Entretando a autora não se enquadra na hipótese de dispensação dos fármacos requeridos. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5042129-05.2018.4.04.7000, Turma Regional suplementar do Paraná, Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06/11/2019)

PREVIDENCIÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PERTUZUMABE. NEOPLASIA MALIGNA DE MAMA. NÃO EVIDENCIADA A VANTAGEM TERAPÊUTICA. 1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Não comprovada a existência de vantagem terapêutica do medicamento postulado, cuja inclusão ao SUS não foi recomendada pelo SUS para o caso da autora, não deve ser dispensada a medicação postulada. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5058319-68.2017.4.04.7100, 5ª Turma, Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/03/2019)

Em face do que foi dito, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o pedido de reconsideração.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001628294v7 e do código CRC 75189636.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 14/3/2020, às 16:20:4


1. http://conitec.gov.br/images/Protocolos/DDT/DDT-Carcinoma-de-mama_PORTARIA-CONJUNTA-N--5.pdf
2. https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/9609/1/NT%201114%202019%20-%20pertazumabe%20para%20c%c3%a2ncer%20de%20mama%20%28CID%20C%2050%29%20-%20NATJUS%20TJMG.pdf

5046742-82.2019.4.04.0000
40001628294.V7


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:40:17.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5046742-82.2019.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: ALESSANDRA TRINDADE CORREIA

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. pertuzumabe. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.

1. A dispensação do medicamento PERTUZUMABE no âmbito do Sistema Único de Saúde é restrita ao tratamento em primeira linha de neoplasia de mama HER2-positivo metastático, nos termos da Portaria nº 57, de 04/12/2017, do Ministério da Saúde.

2. É indevido o fornecimento de medicamento cuja vantagem terapêutica não está evidenciada em pacientes que tenham recebido tratamento anterior com medicamentos anti-HER2 ou quimioterapia para doença metastática.

3. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o pedido de reconsideração, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de março de 2020.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001628295v5 e do código CRC 239612db.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 14/3/2020, às 16:20:4


5046742-82.2019.4.04.0000
40001628295 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:40:17.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 10/03/2020

Agravo de Instrumento Nº 5046742-82.2019.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: ALESSANDRA TRINDADE CORREIA

ADVOGADO: DANIEL MOURGUES COGOY (DPU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 10/03/2020, na sequência 278, disponibilizada no DE de 26/02/2020.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PREJUDICADO O PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA

Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:40:17.

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