Agravo de Instrumento Nº 5000737-26.2024.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
AGRAVANTE: LUIZ LEDESMA KILANEZUK
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que determinou o sobrestamento do feito, nos seguintes termos:
A parte autora requer o prosseguimento do feito em relação à análise dos demais períodos não abrangidos pela discussão do Tema 1209 do STF (evento 44).
Pois bem, conforme decisão prolatada no evento 37, o levantamento da suspensão e o prosseguimento do feito em relação aos demais períodos, restringe-se, unicamente, à desistência da parte autora dos pedidos afetados pelo Tema 1209 STF:
Fica ressalvada a possibilidade de a parte autora, em aplicação analógica do artigo 1040, §§ 1º e 3º, do CPC, desistir dos pedidos referentes aos períodos acima referidos, hipótese em que a Secretaria deverá levantar a suspensão do processo e retorná-lo ao andamento normal, na fase em que se encontrar. Tal desistência independe de concordância do réu e isso não significa renúncia ao direito em que se funda a ação.
Diante disso, indefiro o petitório do evento 44.
Intime-se a parte autora.
Assevera o agravante que, de modo a preservar o princípio da duração razoável do processo, é necessário o prosseguimento do feito, quanto aos pedidos que não são afetados pela decisão a ser tomada no âmbito do Tema 1.209 do STF. Refere que o CPC estabelece no artigo 356 a possibilidade do julgamento parcial do mérito para pedidos que se mostrem incontroversos e já aptos a julgamento.
De mais a mais, ainda diz que, nos autos do Tema 1209 do STF, a discussão da possibilidade de reconhecimento da atividade de vigilante como especial, com fundamento na exposição ao perigo, seja em período anterior ou posterior à promulgação da Emenda Constitucional 103/2019, é clara ao discutir o período posterior à edição da Lei nº 9.032/1995, sendo que na hipótese se discute período anterior.
O pedido de efeito suspensivo foi deferido, não tendo sido apresentada contraminuta.
É o relatório.
VOTO
A matéria referente aos vigilantes, foi objeto de afetação, pelo Supremo Tribunal Federal, ao rito de repercussão geral, sendo cadastrada sob o Tema 1.209, com a seguinte tese:
Reconhecimento da atividade de vigilante como especial, com fundamento na exposição ao perigo, seja em período anterior ou posterior à promulgação da emenda Constitucional 103/2019.
A ordem de suspensão foi dada no seguinte sentido, pelo Ministro Relator:
Diante da natureza e da abrangência da questão tratada nos autos, o ministro determinou a suspensão de todos os processos em trâmite no território nacional que tratem dessa matéria, independentemente do estado em que se encontram (artigo 1.037, inciso II, do Código de Processo Civil). A medida, segundo Fux, visa "preservar a segurança jurídica, a estabilização da jurisprudência, a isonomia e a economia processual".
Em que pese a ordem de suspensão nacional, é necessário fazer a análise dos pedidos contidos no litígio, bem como da matéria que está efetivamente em discussão, sob pena de se paralisar, desnecessariamente, o andamento de todos os processos que tenham a atividade de vigilante como parte do pedido, sem considerar que, na grande maioria deles, há outros períodos e provas a serem produzidas.
Acerca da questão da suspensão dos processos, já me manifestei doutrinária e jurisdicionalmente inúmeras vezes. A ideia sempre foi evitar o prejuízo às partes sem comprometer isonomia e a segurança jurídica almejadas pelo microssistema de demandas repetitivas. Reproduzo aqui trechos de recente artigo que publiquei tratando do tema suspensividade no microssistema de demandas repetitivas (A suspensão dos processos e da eficácia da tese fixada no incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR: tentando salvar o IRDR da falácia da vinculação. Site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, página da Emagis. Direito Hoje. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?cao=pagina_visualizar&id_pagina=1863. Acesso em 17 maio 2021).
Em que pese estar a suspensão prevista como regra no microssistema de demandas repetitivas, ela não é imperativa e requer reflexão ponderativa acerca da sua necessidade. Tanto é assim que alguns tribunais têm relativizado a regra da suspensão da tramitação de todos os processos relacionados ao tema que será julgado como paradigma. Casos há em que a suspensão pode acarretar graves prejuízos para os processos individuais ou coletivos já em trâmite, violando princípios constitucionais processuais como celeridade, economia processual e, sobretudo, postergando o exercício de direitos fundamentais judicializados, como é o caso dos direitos da seguridade social, que são objeto de mais da metade dos processos que tramitam na Justiça Federal.
O STF, na Questão de Ordem no Recurso Extraordinário com Agravo 966.177, da relatoria do Min. Luiz Fux, entendeu, por maioria, que a suspensão nos processos afetados em repercussão geral não é automática nem obrigatória. “A suspensão não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la”.
De fato, a suspensão dos processos, como a vejo, constitui um mecanismo de harmonização das eventuais colidências entre os princípios da segurança jurídica e da isonomia e os princípios da efetividade e do prazo razoável do processo, que se traduzem em correlatos direitos fundamentais do litigante com envergadura constitucional. Como tal, não se trata de uma regra absoluta, que, a pretexto de garantir segurança e isonomia, possa aniquilar a efetividade e o direito constitucional fundamental ao prazo razoável para a solução do processo, princípios também estruturantes do novo processo civil.
A suspensão não é de todo o processo, mas apenas da parte que diga respeito à matéria de direito afetada. É bom lembrar que o novo processo civil expressamente rompeu com o princípio da unidade do julgamento de mérito (art. 356), além de ter-se filiado à teoria dos capítulos da sentença, o que permite o julgamento parcial de mérito e o cumprimento imediato da parte autônoma transitada em julgado. Assim, sempre que for possível identificar um pedido autônomo que não fique prejudicado pelo eventual julgamento de outro pedido, como ocorre nos casos de cumulação simples (ou mesmo alternativa) do pedido, impõe-se explicitar essa circunstância na decisão que determina a suspensão dos processos ou, se ausente tal advertência, compete ao juiz da causa suspender apenas o que precisa ser suspenso.
Nesse sentido o Enunciado nº 205 do FPPC:
Havendo cumulação de pedidos simples, a aplicação do art. 982, I e § 3º, poderá provocar apenas a suspensão parcial do processo, não impedindo o prosseguimento em relação ao pedido não abrangido pela tese a ser firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas. (Grupo: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Assunção de Competência).
Assim, medidas simples como possibilitar que o processo tenha curso normal até o momento da sentença, como adotou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região após a admissão do IRDR nº 15 (AG nº 5019431-53.2018.4.04.0000, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, relator Desembargador Federal Celso Kipper, juntado aos autos em 21.03.2019), ou mesmo a suspensão apenas dos processos com recurso no tribunal, a exemplo do que determinou a Terceira Seção do TRF4 por ocasião da admissão do IRDR nº 24 (IRDR nº 5046607-70.2019.4.04.0000, Terceira Seção, relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 29.05.2020), hipótese em que se pode aplicar o precedente vinculante sem risco de tratamento não igualitário, são salutares e contribuem para que o incidente seja menos traumático. Em casos extremos, a própria suspensão dos processos, é dizer, a prevenção do risco de decisões conflitantes e anti-isonômicas, pode revelar-se mais prejudicial do que permitir que os processos tenham curso normal, já que haverá posteriormente a possibilidade de aplicação do precedente vinculante.
Trago à colação um julgado recente do TRF4, em que se discutiu a modulação da suspensão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO. POSSIBILIDADE. MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS NO STJ. MODULAÇÃO DA SUSPENSIVIDADE. 1. Embora pendente de julgamento no STJ o Tema 1.005 (“Fixação do termo inicial da prescrição quinquenal, para recebimento de parcelas de benefício previdenciário reconhecidas judicialmente, em ação individual ajuizada para adequação da renda mensal aos tetos fixados pelas Emendas Constitucionais 20/98 e 41/2003, cujo pedido coincide com aquele anteriormente formulado em ação civil pública”), considerando tratar-se de questão acessória e a fim de garantir a razoável duração do processo, a celeridade, a efetividade e, sobretudo, a prioridade de tramitação dos feitos, é cabível determinar-se o regular prosseguimento do feito, cabendo ao juízo de origem, na fase de cumprimento e à vista e nos limites do que vier a ser decidido pela Corte Superior, autorizar o pagamento dos valores atrasados. 2. Técnica de modulação da suspensividade inerente ao julgamento dos recursos repetitivos, que visa a evitar prejuízo às partes, sem ensejar o risco de decisões conflitantes e tratamento anti-isonômico a situações idênticas, conforme julgados deste Tribunal. (TRF4, Agravo de Instrumento nº 5014569-68.2020.4.04.0000, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, por unanimidade, juntado aos autos em 21.07.2020)
Ao que tudo indica, existe no STJ uma tendência de análise casuística da questão da suspensividade, cujo pano de fundo é assegurar a isonomia de tratamento aos jurisdicionados em situações idênticas. Essa tendência procura levar em consideração as variáveis específicas presentes na matéria afetada, como são o risco de decisões conflitantes e a possibilidade de reversão dessas decisões, ponderando também o eventual sacrifício de direitos materiais e processuais, além das garantias fundamentais constitucionais dos litigantes e da própria eficiência do Poder Judiciário.
Concluindo, sem colocar em risco a regra geral da suspensividade, propõe-se: 1) atenção para o que precisa ser suspenso, a fim de que não se suspenda mais do que o necessário para o cumprimento do desiderato do sobrestamento; 2) ampla aplicação de medidas modulatórias de suspensividade, ao lado das hipóteses legais que visam a proteger situações de urgência (tutelas provisórias); e 3) não suspensividade nos casos em que: a) haja risco fundado de perecimento de direito, sobretudo os direitos fundamentais sociais, individuais e coletivos; b) o custo-benefício da suspensão seja negativo, diante do diminuto risco de decisões conflitantes.
A paralisação, portanto, deve se dar apenas no que envolva a temática afetada, para se prevenir decisões conflitantes, mas não o andamento do processo no que não dependa direta ou indiretamente da futura tese a ser firmada. O regular prosseguimento da ação, na medida que delineada, atende aos princípios da eficiência, celeridade e efetividade da prestação jurisdicional.
A decisão do STF referiu à suspensão independentemente do estado em que se encontrem os processos. Também a natureza da matéria não recomenda o prosseguimento com realização de perícia que possa ser inútil ao deslinde da questão.
Quanto às demais questões controvertidas, não são prejudicadas pela análise da temática afetada (especialidade do trabalho do vigilante depois da EC 103/19), é possível o normal prosseguimento do processo, inclusive com o eventual julgamento antecipado parcial de mérito.
No caso concreto, conforme se verifica da inicial, foram formulados pedidos que refogem da incidência do reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, não havendo motivo para o integral sobrestamento do feito.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, nos moldes acima estipulados.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004436386v2 e do código CRC c149713b.Informações adicionais da assinatura:
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Agravo de Instrumento Nº 5000737-26.2024.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
AGRAVANTE: LUIZ LEDESMA KILANEZUK
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
processo previdenciário. aposentadoria especial. AGRAVO DE INSTRUMENTO. regular prosseguimento da demanda. VIGILANTE. tema n. 1209 DO STF. afetação. suspensão dos processos até onde se faz necessário. condicionamento indevido à desistência da especialidade em todo o período para o prosseguimento da ação.
A suspensão dos processos demanda atenção para o que precisa ser suspenso, a fim de que não se suspenda mais do que o necessário para o cumprimento do desiderato do sobrestamento (evitar decisões conflitantes e garantir a isonomia), devendo-se, sempre que possível, lançar mão de medidas modulatórias de suspensividade.
Mesmo quando a suspensão é determinada de modo geral, não fica obstado o andamento do processo até a fase decisória. Quanto às demais questões controvertidas que não estejam prejudicadas pela análise das que ficarão sobrestadas, é possível o normal prosseguimento do processo, inclusive com o eventual julgamento antecipado parcial de mérito.
Caso em que foram formulados pedidos que refogem da incidência do reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante (Tema STF 1.209), em relação aos quais é possível o normal prosseguimento do processo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos moldes acima estipulados, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004436387v3 e do código CRC 8a8a6934.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/06/2024 A 20/06/2024
Agravo de Instrumento Nº 5000737-26.2024.4.04.0000/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER
AGRAVANTE: LUIZ LEDESMA KILANEZUK
ADVOGADO(A): GEORGIA ANDREA DOS SANTOS CARVALHO (OAB SC015085)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/06/2024, às 00:00, a 20/06/2024, às 16:00, na sequência 329, disponibilizada no DE de 04/06/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, NOS MOLDES ACIMA ESTIPULADOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 03/07/2024 08:01:06.