APELAÇÃO CÍVEL Nº 5036602-04.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CLEONICE MARIA DE JESUS SOARES |
ADVOGADO | : | FERNANDA ALINE PEDROSO DE MORAIS |
: | JOÃO LUIZ SPANCERSKI |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL. DIREITO NEGADO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.
1. Reconhecida a existência de coisa julgada material em relação a parcela do período peticionado pela autora, deve ser o feito extinto em parte, sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, V, do CPC.
2. Pela eficácia normativa do devido processo legal em sua dimensão substancial, as disposições do processo civil comum são flexibilizadas quando tocam uma causa previdenciária, de modo que a decisão denegatória de proteção social, por insuficiência de prova material, não pode impedir futura comprovação da existência desse direito fundamental à subsistência digna.
3. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 320 do NCPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção, sem o julgamento do mérito (art. 485, IV, do NCPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 486 do NCPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
4. Precedente do STJ em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16-12-2015).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar extinto o processo sem julgamento de mérito, dando-se parcial provimento ao apelo do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de maio de 2016.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8232034v8 e, se solicitado, do código CRC 8B9D29AD. | |
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| Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
| Data e Hora: | 12/05/2016 19:05 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5036602-04.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CLEONICE MARIA DE JESUS SOARES |
ADVOGADO | : | FERNANDA ALINE PEDROSO DE MORAIS |
: | JOÃO LUIZ SPANCERSKI |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural.
Sustenta, inicialmente, preliminar de coisa julgada, tendo em vista anterior ação na qual a parte autora formulou a mesma pretensão perante o Poder Judiciário. No mérito, aduz que a demandante não preenche os requisitos necessários à prestação previdenciária.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do reexame necessário
Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490).
Contudo, tratando-se de remessa necessária de sentença que concedeu benefício previdenciário a segurado especial, o qual, como é cediço, corresponde ao valor de um salário mínimo, com apenas 9 prestações mensais, devidas entre 02/09/2014 (DER/DCB) e a data da publicação da sentença (23/06/2015), é certo que a condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros, jamais excederá 60 (sessenta) salários-mínimos, montante exigível para a admissibilidade do previsto no § 2° do art. 475 do CPC.
Logo, a sentença prescinde de liquidação e não deve ser submetida ao reexame necessário, nos termos do disposto no art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil, o qual é aplicável ao caso em tela porquanto a r. sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC.
Portanto, não conheço da remessa oficial.
Da alegação de coisa julgada
Sustenta o recorrente que o pedido deduzido no presente feito pela parte autora já foi objeto de coisa julgada em processo anterior.
Pois bem. Da leitura da petição inicial do presente feito (Evento 1, INIC1), constata-se que a parte autora pleiteou o reconhecimento de tempo de labor rural de 1966 a 2014, tendo em vista o indeferimento administrativo do INSS em relação ao requerimento realizado na data de 02/09/2014 (Evento 1, INIC1). Já no processo que tramitou na Justiça Estadual do Paraná, perante a Comarca de Altônia/PR, sob o nº 749/2009, depreende-se, da análise da apelação cível nº 0009376-17.2012.404.9999/PR, julgada pela 6ª Turma deste Tribunal em 08/05/2013, que o pedido consistia no reconhecimento de labor rurícola de agosto/1995 a agosto/2009, e dizia respeito ao benefício administrativamente requerido em 25/08/2009.
Logo, ainda que parte do período a ser provado através de início de prova material seja coincidente em ambos os feitos, trataram-se de pedidos diferentes. De qualquer forma, como foi objeto de cognição, naquele outro feito, parte do período que integra o pedido da parte autora, ao menos quanto a tal interregno seria de se cogitar a incidência do entendimento do Colendo STJ em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP), segundo o qual seria possível a rediscussão judicial de demanda previdenciária que já constituiu objeto de análise judicial e sofreu juízo de rejeição por insuficiência de provas, porquanto, em matéria previdenciária, a coisa julgada deve-se dar secundum eventum probationis.
Porém, da leitura do voto proferido pelo Des. Federal Néfi Cordeiro, então Relator da apelação cível supracitada, constata-se que a discussão quanto ao período de agosto/1995 a agosto/2009 se encontra coberta pelo manto da coisa julgada material, porquanto o Acórdão desta Corte não negou provimento à apelação da autora naquele feito por ausência de provas do labor rural, mas por estar evidenciada a inexistência de trabalho rurícola entre agosto/1995 e agosto/2009.
Observe-se o seguinte excerto do supra mencionado voto:
"(...) Contudo, analisando os autos, verifico que a prova testemunhal se mostrou completamente divergente. As testemunhas Leonildo Toniolo e Maria Raimundi da Silva (CD fl. 197) afirmam que a autora sempre trabalhou na roça, nunca tendo exercido a atividade de merendeira ou de telefonista. Por outro lado, as testemunhas Suzana Maria Betonte da Silva e Francisco Braga Ciuffi (CD acostado à contracapa) afirmaram não terem visto a autora trabalhar na roça, sendo sua atividade a de merendeira, telefonista e autônoma, vendendo roupas de porta em porta.
Além disso, a autora, em seu depoimento pessoal (CD fl. 197), afirmou que nunca exerceu outra atividade que não fosse o serviço de roça. Contudo, em resposta ao solicitado, a Prefeitura do Município de Altônia - PR, informou que a autora pertenceu ao seu quadro de servidores, ocupando o cargo em comissão de Assistente Administrativo, no período de 01/02/1999 a 15/07/1999 e de 01/08/1999 a 04/01/2002, com lotação na Secretaria de Administração - Divisão de Administração (fls. 204-216). Dessa forma, a afirmação da parte autora de nunca ter trabalhado em outra atividade que não fosse a rural se mostra falsa.
Quanto ao mérito, adoto os mesmos argumentos expostos pela sentença da lavra do Juiz de Direito Leonardo Souza, que muito bem analisou a questão:
"(...)
Há início de prova material no processo, relativa a diversos documentos, nos quais consta a profissão de seu esposo como sendo lavrador. Restou claro que ele, o marido da autora, trabalhou como empregado rural na propriedade da Sra. Emília Faria Sanches (escritura pública às fls. 88/93), local em que residiu com a autora por muitos anos. Tanto assim é que lhe foi concedida aposentadoria perante o INSS, que reconheceu administrativamente o seu direito (fl. 166).
Referida prova material não deixa dúvidas do direito de seu marido ao benefício previdenciário. No entanto constitui apenas início de prova do direito da autora à obtenção do benefício da aposentadoria pleiteada. A prova material, no caso, não é suficiente, por si só, a comprovar as alegações trazidas na petição inicial. Para tanto, necessário se faz que essa prova seja corroborada por testemunhas.
E no caso em análise, as testemunhas ouvidas em Juízo apresentam versões diversas entre si. Aquelas arroladas pela autora confirmam o labor rural durante todo o tempo necessário ao período de carência do benefício. Já aquelas confrontantes da propriedade rural em que a autora afirma ter residido por trinta anos, relatam que a autora trabalhou como merendeira em um Colégio localizado no Bairro São José, como telefonista do PS de São José e ainda como autônoma, vendendo roupas. Essas últimas testemunhas confirmaram, em Juízo, a versão apresentada ao agente do INSS que esteve fazendo uma pesquisa no local de moradia da autora com a finalidade de instruir o procedimento administrativo, cujo pedido foi indeferido (fls. 43/44 e depoimentos gracados no CD nº 115-P/2010).
Diante da fragilidade da prova testemunhal, esse Juízo determinou fosse aprofundada a instrução probatória, com a remessa de ofício à Prefeitura de Altônia, para que informasse se a autora trabalhou como servidora daquele Município. E as respostas aos ofícios deixam evidente que ela pertenceu sim ao quadro de servidores, ocupando cargo em comissão de assistente administrativo, no período de 01/02/1999 a 15/07/1999 e de 01/08/1999 a 04/01/2002, com lotação na Secretaria de Administração (fls. 204/218).
Sendo assim, cai por terra a informação prestada pela autora tanto no âmbito administrativo como no Judicial, de que sempre foi trabalhadora rural, nunca tendo se afastado dessa atividade (fls. 37-verso e depoimento pessoal gravado em CD com número de série 45-P/2010).
É importante mencionar que aquelas mesmas testemunhas que foram vizinhas da autora disseram nunca tê-la visto trabalhar em meio rural.
(...)"
Assim, concluo não estarem preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, razão pela qual a sentença deve ser mantida, bem como os ônus sucumbenciais nela fixados, observada a Assistência Judiciária Gratuita (fl. 167)."
Depreende-se, portanto, que na ação anterior o pedido foi julgado improcedente tendo em vista a constatação de que a autora manteve vínculo empregatício com a Prefeitura de Altonia/PR. Ademais, há referência de testemunhas arroladas naquele feito, no sentido de que demandante não trabalhou na roça, mas sim como telefonista, merendeira e autônoma
Assim, constata-se haver coisa julgada material em relação ao período de agosto/1995 a agosto/2009. Dessa forma, tem-se que o feito deve em parte ser extinto, sem julgamento de mérito, em relação a tal interregno, face à coisa julgada, nos termos do art. 267, V, do CPC/1973 (art. 485, V, do NCPC), porquanto mostra-se vedado rediscutir em juízo a comprovada ausência de labor rural em tal interregno.
Passo, assim, à análise dos períodos remanescentes e constantes da petição inicial (janeiro/1966 a julho/1995 e agosto/2009 a setembro/2014), porquanto a parte autora ainda tem a legítima expectativa de que ver averbado, pelo INSS, eventual tempo de labor rurícola realizado nesses interregnos, caso logre ofertar conjunto probatório consistente.
Premissas
No caso dos autos trata-se de demanda previdenciária objetivando a concessão de APOSENTADORIA POR IDADE RURAL, prevista no artigo 48, § 1º e seguintes, da Lei 8.213/91.
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (REsp 1.348.633, Rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 28/08/2013);
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta. Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) a suficiência de apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido (REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012);
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial tem de estar trabalhando no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
Exame do caso concreto:
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 08/08/2009 e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 02/09/2014. Ademais, consoante se depreende, uma vez reconhecida a coisa julgada material relativa ao período de agosto/1995 a agosto/2009, o exame das provas restringe-se apenas aos interregnos remanescentes e constantes da petição inicial (janeiro/1966 a julho/1995 e agosto/2009 a setembro/2014).
Ocorre que, em relação a tais períodos a parte autora colacionou tão somente os seguintes documentos:
a) Certidão de casamento, de outubro/1973, na qual seu cônjuge é qualificado como "lavrador" e a parte autora como "do lar";
b) Certidão de casamento da filha da demandante, em julho/1994, na qual seu marido é qualificado como "lavrador" e a requerente como "do lar";
Outrossim, foram colhidos depoimentos de testemunhas, destinados a comprovar o alegado labor rurícola (Evento 55).
Como se pode observar, é forçoso reconhecer que a alegada atividade rural não restou corroborada por início de prova material razoável.
Sendo assim, impõe-se a rejeição da demanda.
Nada obstante, é cediço que os trabalhadores rurais, que vivem em ambientes informais, enfrentam muitas dificuldades para comprovar documentalmente a atividade agrícola de toda uma vida dedicada ao labor campesino.
De outro lado, as normas do Direito Processual Civil devem ser flexibilizadas, a fim de evitar que justamente aqueles trabalhadores mais necessitados sejam privados de direito à seguridade social intimamente conectado ao mínimo existencial.
Coloca-se em questão, portanto, a possibilidade de rediscussão de demanda previdenciária que já constituiu objeto de análise judicial e sofreu juízo de rejeição por insuficiência de prova material.
A análise dessa questão passa, primeiramente, pelo discernimento das peculiaridades de uma lide previdenciária: a) no caráter fundamental do bem jurídico previdenciário, decorrente de sua natureza alimentar e correspondendo a um direito de relevância social fundamental; b) das circunstâncias presumíveis de hipossuficiência econômica e informacional da pessoa que reivindica uma prestação da previdência social; c) existência de uma suposta contingência que ameaça a sobrevivência digna da pessoa que pretende a prestação previdenciária; e d) e do caráter público do instituto de previdência social.
Os direitos fundamentais vinculam todas as atividades estatais. É inadequado, portanto, perceber o instituto da coisa julgada como óbice intransponível para a satisfação do direito fundamental à previdência social quando, em uma nova demanda, a parte autora, presumivelmente privada de meios de subsistência, comprova que faz jus à proteção social reivindicada e, por consequência, demonstra a injustiça da anterior decisão denegatória.
A ideia de imprescritibilidade ou de não-preclusão dos direitos humanos e fundamentais conforta tal entendimento. Um instituto de natureza formal, como o da coisa julgada, não pode constituir impedimento à cessação da violação estatal do direito humano e fundamental à previdência social, indispensável à subsistência do indivíduo e de sobrelevada importância social.
Desde uma perspectiva constitucional, portanto, é de se compreender a coisa julgada com a limitação que lhe impõe o direito fundamental a um processo justo (CF/88, art. 5, XXXV), de um lado, e o direito fundamental à previdência social, de outro lado.
A coisa julgada não pode ser percebida como uma norma absoluta. Por tal razão, perceba-se, verificam-se normas infraconstitucionais que prevêem, de modo expresso, sua revisão ou rescisão. De outra parte, um tal instituto jurídico não pode prestar-se como álibi legitimante de violação aos direitos fundamentais ligados ao mínimo existencial. É preciso recordar que, desde uma perspectiva da estabilidade social e da segurança jurídica, o reconhecimento de limites à coisa julgada previdenciária não oferece inquietude social alguma, muito ao contrário: permitirá mais aperfeiçoadamente o cumprimento do escopo da jurisdição, qual seja, o de pacificação social (Dinamarco).
Efetivamente, se em uma segunda demanda se reconhece, de modo inequívoco, a injustiça da decisão anterior que denegou a proteção social por insuficiência de prova, os efeitos sociais de outorga da prestação previdenciária não poderiam ser melhores, seja pelo efetivo cumprimento do ideal constitucional de segurança social, seja porque o instituto de seguro social, ao fim e ao cabo, estaria a melhor cumprir o princípio da legalidade e, bem assim, sua finalidade institucional. A Administração Previdenciária estaria, ao final, outorgando uma proteção previdenciária nos estritos termos legais.
Logo, inexiste insegurança em se rediscutir novamente uma pretensão previdenciária à luz de novas e decisivas provas, como inexiste insegurança na possibilidade de ser rever uma sentença criminal, quando a favor do réu.
Observe-se, de outro lado, que "(...) em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que 'não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável'. (RE 363889, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, DJe-15-12-2011). 2. No caso, a improcedência do pedido na ação primeva de investigação de paternidade não decorreu da exclusão do vínculo genético por prova pericial, mas sim por insuficiência de elementos para o reconhecimento ou a exclusão da paternidade, motivo pelo qual a condição de pai não foi cabalmente descartada naquele feito" (AgRg no REsp 1215172/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 11/03/2013).
Em outras palavras, "não implica ofensa à coisa julgada material o ajuizamento de nova ação para investigar a paternidade mediante a utilização de exame de DNA, nas hipóteses em que a ação anterior teve o pedido julgado improcedente por falta ou insuficiência de provas, sem que tenha sido excluída a possibilidade de existência de vínculo genético (...). Precedentes deste Tribunal e do STF (RE 363.889/DF)". (STJ. Quarta Turma. REsp 1223610/RS; Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti; Dje 07/03/2013)
Mutatis mutandis, o que justifica a dispensa desse excepcional tratamento é justamente o valor que se encontra em jogo, isso é, a fundamentalidade do bem da vida para a subsistência do indivíduo em condições dignas e sua elevada relevância para a sociedade.
A coisa julgada, em matéria previdenciária, deve-se dar, assim, secundum eventum probationis, sendo possível nova discussão da matéria ligada à concessão ou revisão de determinado benefício previdenciário quando a pretensão foi originariamente recusada por insuficiência de provas. Isso porque o direito fundamental à previdência social é orientado pelo princípio fundamental de que o indivíduo não pode ser separado de seu direito de sobreviver pela solidariedade social por uma questão formal.
Seria desproporcional impor ao indivíduo agravado com a sentença de não-proteção e que se presume hipossuficiente em termos econômicos e informacionais sofrer perpetuamente os efeitos deletérios da decisão denegatória, cuja injustiça resta manifesta.
Em decorrência, a lógica da preservação da vida nos conduz ao princípio processual da não-preclusão do direito previdenciário que, por sua vez, reclama concretização dos princípios do devido processo legal e do direito a uma ordem jurídica justa na condução do processo como corolário da garantia plena de acesso à justiça, afastando os efeitos plenos da coisa julgada.
Em síntese, a ideia da coisa julgada previdenciária se afigura dentro de uma perspectiva peculiar de segurança jurídica que consubstancia justa aderência do sistema normativo processual à especificidade do direito material e à dinâmica da realidade social.
Sem embargo do que foi exposto, é preciso reconhecer, ao menos, a possibilidade de se extinguir o feito sem o julgamento do mérito quando a pretensão de proteção previdenciária é rejeitada por ausência ou insuficiência de prova material, reabilitando o posicionamento assumido pela 5ª Turma do TRF da 4ª Região, ainda no ano de 2002 (AC 2001.04.01.075054-3- Rel. Antonio Albino Ramos de Oliveira - DJ 18.09.2002; AC 2001.70.01.002343-0, de minha relatoria - DJ 21.05.2003).
Ademais, cumpre ressaltar que esse entendimento foi acolhido, recentemente, pela Colenda Corte Especial do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.352.721/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, em sede de recurso representativo de controvérsia (art. 543-C, CPC). O Acórdão restou assim ementado:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido. (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, pub. no DJ em 28/04/2016, p. 118).
Em síntese, impõe-se a extinção do processo sem julgamento de mérito também em relação aos períodos de janeiro/1966 a julho/1995 e agosto/2009 a setembro/2014, porém com fulcro nos artigos 320 e 485, IV, ambos do NCPC.
Conclusão sobre o direito da parte autora à aposentadoria por idade rural
Dessarte, deve ser dado parcial provimento à apelação do INSS, extinguindo em parte o feito, sem julgamento do mérito, face à coisa julgada material relativa ao período de agosto/1995 a agosto/2009, nos termos do art. 267, V, do CPC, bem como também extinguir o processo, sem julgamento do mérito, em relação aos demais interregnos (janeiro/1966 a julho/1995 e agosto/2009 a setembro/2014) em que a autora pretendeu ver reconhecido o labor rural, com fulcro nos arts. 320 e 485, IV, ambos do NCPC.
Com a reforma da sentença a quo, cumpre inverter os ônus sucumbenciais. Sobre o tema, resta pacificado nesta Corte o entendimento de que o vencido deverá arcar com os honorários advocatícios, que deverão ser fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por julgar extinto o processo sem julgamento de mérito, nos termos dos artigos 320 e 485, IV, ambos do NCPC, dando-se parcial provimento ao apelo do INSS.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10/05/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5036602-04.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00035272820148160040
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Juarez Mercante |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CLEONICE MARIA DE JESUS SOARES |
ADVOGADO | : | FERNANDA ALINE PEDROSO DE MORAIS |
: | JOÃO LUIZ SPANCERSKI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10/05/2016, na seqüência 542, disponibilizada no DE de 22/04/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU JULGAR EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, DANDO-SE PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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