Apelação Cível Nº 5014022-04.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: RAYLLA RODRIGUES DE MORAIS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 09-06-2020 (e.
), que julgou improcedente o pedido de auxílio-acidente desde o dia seguinte ao da cessação do NB 31/606.409.502-8 (DCB em 16-12-2014) em face de laudo pericial que concluiu pela inexistência de incapacidade laborativa e/ou redução da capacidade laboral.Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à concessão do auxílio-acidente, pois a documentação clínica juntada demonstra a redução da capacidade laboral, e portanto, requer a reforma da sentença neste sentido (e.
). Sucessivamente, pede a anulação da sentença, com reabertura da instrução processual para realização de nova perícia, desta vez com médico especialista em ortopedia/traumatologia.Embora intimado, o INSS não apresentou contrarrazões.
Vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Como se pode observar do exame dos autos, a controvérsia reside na apuração da alegada redução da capacidade laboral de natureza ortopédica/traumatológica da parte autora (fratura da diáfise do fêmur). Entrementes, o laudo pericial, elaborado pelo Dr. Bruno Silva de Souza (CRMSC 13683), com especialização em Perícias Médicas Judiciais, limitou-se a apresentar ao juízo um laudo absolutamente lacônico (e. 29.1, e. 61.1), eximindo-se de analisar a alegada redução da capacidade laboral da segurada, que anexou documentação clínica em sentido contrário (e. 1.6).
Saliente-se, por oportuno, que o perito que atua com zelo não é aquele que sempre encontra ou nega doenças, mas aquele que explica a efetiva repercussão da enfermidade sobre a aptidão laboral do periciado, observando os critérios preconizados pelo artigo 2º, da Resolução 2.183/2019, do Conselho Federal de Medicina:
Art. 2º Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além da anamnese, do exame clínico (físico e mental), de relatórios e dos exames complementares, é dever do médico considerar:
I - a história clínica e ocupacional atual e pregressa, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;
II - o estudo do local de trabalho;
III - o estudo da organização do trabalho;
IV - os dados epidemiológicos;
V - a literatura científica;
VI - a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhadores expostos a riscos semelhantes;
VII - a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;
VIII - o depoimento e a experiência dos trabalhadores;
IX - os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.
De fato, inexiste liberdade absoluta na elaboração da prova pericial por parte do expert, que deve se empenhar em elucidar ao juízo e às partes todos os elementos necessários à verificação do real estado de saúde do segurado que objetiva a concessão de benefício por incapacidade. A propósito do tema, leciona o eminente Juiz Federal José Antonio Savaris (Curso sobre perícia judicial previdenciária. Curitiba: Alteridade Editora, 2014, p. 32-33):
Com efeito, o médico perito nomeado pelo Juízo, nada obstante - formalmente - atue como perito de confiança em processo judicial, tem o dever inderrogável de prestar todos os esclarecimentos de forma racional, de molde a permitir real debate sobre a prova que é crucial para os processos previdenciários por incapacidade.
O perito não é um senhor absoluto erigido acima de todos os postulados processo-constitucionais. Não pode ser tido tampouco como um ser mítico que acessa o impenetrável e revela a verdade oculta e que somente por ele pode ser obtida. A prova técnica, como qualquer outra etapa processual, não pode ser arbitrária e assim será toda vez que não se mostrar devidamente justificada ou, tanto quanto possível, fundamentada em dados técnicos objetivos ou que possam ser obtidos por sua experiência profissional (não se pretende excluir aqui, evidentemente, o elemento subjetivo do exame pericial).
Não se exigirá do perito, qualquer que seja sua especialidade, que realize diagnóstico para prescrição do tratamento, faça prognóstico da evolução clínica, oriente ou acompanhe o periciando (o que seria ideal numa perspectiva de atendimento não fracionado à pessoa), mas é atribuição do perito determinar, com a necessária fundamentação, a aptidão laboral para fins do benefício por incapacidade.
O laudo técnico pericial, reconhecidamente a mais relevante prova nas ações previdenciárias por incapacidade, deve conter, pelo menos: as queixas do periciando; a história ocupacional do trabalhador; a história clínica e exame clínico (registrando dados observados nos diversos aparelhos, órgãos e segmentos examinados, sinais, sintomas e resultados de testes realizados); os principais resultados e provas diagnósticas (registrar exames realizados com as respectivas datas e resultados); o provável diagnóstico (com referência à natureza e localização da lesão); o significado dos exames complementares em que apoiou suas convicções; as consequências do desempenho de atividade profissional à saúde do periciando.
Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão, porque respostas periciais categóricas, porém sem qualquer fundamentação, revestem um elemento autoritário que contribui para o que se chama decisionismo processual. Em face da ausência de referências fáticas determinadas, a solução judicial se traduziria em uma subjetividade desvinculada aos fatos, resultando mais de valorações e suspeitas subjetivas do que de circunstâncias de fato (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002. p. 36).
Nesse sentido, é firme a jurisprudência deste Colegiado:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERÍCIA JUDICIAL. MÉDICO ESPECIALISTA. NOMEAÇÃO PREFERENCIAL. CASO ESPECÍFICO. PSIQUIATRIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. 1. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. 2. Hipótese em que a nomeação de perito especialista em psiquiatria revela-se indispensável para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática. 3.Sentença anulada para que seja reaberta a instrução processual com a realização de perícia judicial por especialista na área de psiquiatria. (TRF4, AC 5010505-88.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 18/12/2020)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. DOENÇA PSIQUIÁTRICA. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. Embora não seja obrigatória a realização de perícia por especialista, em casos de enfermidade psiquiátrica de difícil diagnóstico como é o caso da moléstia que acomete a demandante, revela-se imprescindível a anulação da sentença para realização de perícia com profissional especializado em psiquiatria, a fim de possibilitar um juízo de aproximada certeza acerca da situação fática controvertida. (TRF4 5030589-81.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator para Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 16/09/2020)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE PERÍCIA POR ESPECIALISTA. SENTENÇA ANULADA. 1. A perícia realizada em juízo não analisou, exaustivamente, a alegada incapacidade da parte autora. 2. Hipótese em que foi anulada a sentença para a realização de prova pericial por médicos especialistas em Oftalmologia e em Psiquiatria. (TRF4, AC 5025821-78.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 21/08/2020)
PREVIDENCIÁRIO. ACRÉSCIMO DE 25% (VINTE E CINCO POR CENTO) DEVIDO SOBRE A APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ARTIGO 45 DA LEI Nº 8.213/91. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. ARTIGO 938, §3º, DO CPC. REABERURA DA INSTRUÇÃO. [...] 2. A elaboração da prova pericial por parte do expert deve possibilitar a elucidação do real estado de saúde do segurado, fornecendo os elementos necessários para se avaliar a necessidade de auxílio de terceiros. 3. Considerando que o laudo pericial apresentou conclusão acerca da desnecessidade de auxílio de terceiros, mas deixou de motivar sua conclusão, não fez qualquer menção aos exames anteriores e laudos produzidos pelo INSS e aos atestados de médicos particulares, bem como omitiu-se quanto aos quesitos formulados pela parte autora, revela-se insuficiente para auxiliar a formação de convicção sobre o estado de saúde do autor. 4. Anulação da sentença com reabertura da intrução processual, nos termos do artigo 938, §3º, do Código de Processo Civil, para realização de nova perícia médica com especialista na área de Ortopedia. (TRF4, AC 5005125-98.2018.4.04.7204, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 16/09/2020)
Por conseguinte, deve ser anulada a sentença e reaberta a instrução com a realização de perícia judicial por médico ortopedista/traumatologista, para avaliar, exaustivamente, a alegada redução da capacidade laboral da parte autora.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular o processo a partir da prova pericial, que deverá ser refeita por médico especialista em ortopedia/traumatologia.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003026570v8 e do código CRC c3b42e9a.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5014022-04.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: RAYLLA RODRIGUES DE MORAIS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PROCESSO PREVIDENCÍARIO. auxílio-acidente. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALISTA em ortopedia/traumatologia.
1. A medicina atual encontra-se superespecializada. Se para um simples diagnóstico ninguém mais abre mão da consulta ao especialista, sendo a perícia um plus, porquanto além do diagnóstico precisa projetar ao futuro a eventual incapacidade, não se pode admitir que seja feita de modo precário e por profissional não especialista na patologia do segurado.
2. Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular o processo a partir da prova pericial, que deverá ser refeita por médico especialista em ortopedia/traumatologia, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003026571v4 e do código CRC 1d9ab5c5.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/02/2022 A 14/02/2022
Apelação Cível Nº 5014022-04.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: RAYLLA RODRIGUES DE MORAIS
ADVOGADO: CARLA LETICIA ERN COELHO (OAB SC024036)
ADVOGADO: CLAUDIA LETICIA GEREMIAS (OAB SC042607)
ADVOGADO: MARCIA ROSANE WITZKE (OAB SC009021)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/02/2022, às 00:00, a 14/02/2022, às 16:00, na sequência 325, disponibilizada no DE de 26/01/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR O PROCESSO A PARTIR DA PROVA PERICIAL, QUE DEVERÁ SER REFEITA POR MÉDICO ESPECIALISTA EM ORTOPEDIA/TRAUMATOLOGIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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