
Apelação Cível Nº 5004103-48.2022.4.04.7209/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 14-04-2023 (
), que julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade.Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários a sua concessão, em razão de ser portador de graves patologias cardíacas desde o ano de 1992. Pede, pois, a reforma da sentença, para que seja concedida a aposentadoria por incapacidade permanente desde 25-03-2008 (DER do NB 529.553.641-2) ou desde 17-07-2019 (DER do NB 628.807.266-8) ou, ainda, o auxílio por incapacidade temporária, com encaminhamento à reabilitação profissional. Pede, por fim, a anulação da sentença, primeiramente devido à ausência de fundamentação e, também, devido à decisão surpresa, para que sejam produzidas prova testemunhal e perícia com especialista em cardiologia ou reumatologia (
).Embora intimado, o INSS não apresentou contrarrazões.
Vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A parte autora (operador de fábrica/metalúrgico e 45 anos de idade atualmente) objetiva a concessão de benefício por incapacidade desde 25-03-2008 (DER do NB 529.553.641-2) ou desde 17-07-2019 (DER do NB 628.807.266-8), decorrente de patologias cardíacas, comprovada pela seguinte documentação:
a)
:
b)
:
c)
:
Processado o feito, foi elaborado laudo pericial em 28-02-2023, por Roberto Tussi, especialista em cirurgia plástica, medicina legal e perícia médica (
):
Motivo alegado da incapacidade: CARDIOPATIA VALVULAR REUMÁTICA
Histórico/anamnese: REFERE SER PORTADOR DE CARDIOPATIA COM VÁLVULA METÁLICA CARDIACA
FAZ USO DE ANTICOAGULANTE.
NA ATUALIDADE ESTÁ TRABALHANDO EM ATIVIDADE COMPATÍVEL COM SUA CARDIOPATIA.
Documentos médicos analisados: EXAMES DE IMAGEM
ATESTADOS MÉDICOS
Exame físico/do estado mental: EXAME FÍSICO DA PARTE AUTORA
LÚCIDA, ORIENTADA E COERENTE.
EQUILIBRADA EMOCIONALMENTE.
MARCHA E POSTURA NORMAL
AUSCULTA CARDIOPULMONAR DENTRO DA NORMALIDADE.
NORMOTENSA.
MOVIMENTOS DA CINTURA ESCAPULAR E MMSS DENTRO DA NORMALIDADE. (OMBRO/COTOVELOS E PUNHOS)
MOVIMENTOS DA CINTURA PÉLVICA E MMII DENTRO DA NORMALIDADE. (QUADRIL/JOELHOS E TORNOZELOS)
AUSÊNCIA DE SINAIS DE PATOLOGIA RADICULAR DE COLUNA.
AUSÊNCIA DE SINAIS CLÍNICOS DE BAIXA VISÃO
AUSÊNCIA DE SINAIS CLÍNICOS DE PERDA DE AUDIÇÃO.
MÃOS COM SINAIS LABORATIVOS.
EXAME FÍSICO DENTRO DA NORMALIDADE FUNCIONAL.
Diagnóstico/CID:
- I09.1 - Doenças reumáticas do endocárdio, valva não especificada
Causa provável do diagnóstico (congênita, degenerativa, hereditária, adquirida, inerente à faixa etária, idiopática, acidentária, etc.): REUMÁTICA
A doença, moléstia ou lesão decorre do trabalho exercido ou de acidente de trabalho? NÃO
O(a) autor(a) é acometido(a) de alguma das seguintes doenças ou afecções: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (oesteíte deformante), S.I.D.A., contaminação por radiação ou hepatopatia grave? NÃO
DID - Data provável de Início da Doença: 2015 SIC
O(a) autor(a) realiza e coopera com a efetivação do tratamento adequado ou fornecido pelo SUS para sua patologia? SIM
Em caso de recebimento prévio de benefício por incapacidade, o tratamento foi mantido durante a vigência do benefício? SIM
Observações sobre o tratamento: NIHIL.
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: A DESPEITO DAS QUEIXAS REFERIDAS E ALTERAÇÃO EM EXAMES COMPLEMENTARES APRESENTADOS, A SITUAÇÃO ATUAL NÃO CARACTERIZA INCAPACIDADE PARA ATIVIDADE DECLARADA. NÃO HÁ SINAIS DE RADICULOPATIA AGUDA, E O EXAME FÍSICO E COMPLEMENTAR NÃO INDICAM INCAPACIDADE FÍSICA E OU LABORAL.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
- Foram avaliadas outras moléstias indicadas nos autos, mas que não são incapacitantes? NÃO
- Havendo laudo judicial anterior, neste ou em outro processo, pelas mesmas patologias descritas nestes autos, indique, em caso de resultado diverso, os motivos que levaram a tal conclusão, inclusive considerando eventuais tratamentos realizados no período, exames conhecidos posteriormente, fatos ensejadores de agravamento da condição, etc.: NIHIL.
- Pode o perito afirmar se os sintomas relatados são incompatíveis ou desproporcionais ao quadro clínico? NÃO
- Outras considerações que o(a) perito(a) considere relevantes para a solução da causa: NIHIL.
Com base nas conclusões do perito, o magistrado a quo julgou improcedente a ação, pelos seguintes fundamentos:
"(...)
Pois bem, fixados esses pressupostos normativos acerca da matéria, verifica-se que, no caso concreto, a perícia judicial constatou que, embora seja portadora de I09.1 - Doenças reumáticas do endocárdio, valva não especificada, a parte autora não está incapacitada para a mais recente atividade laboral (operador de fábrica - metalurgico.), nem apresenta sequelas que impliquem na redução da capacidade laboral. Destacam-se como dados do laudo pericial:
(...)
Não acolho a impugnação ao laudo apresentada no evento 33. A prova pericial constante dos autos foi realizada por profissional habilitado, especialista em Medicina do Trabalho, equidistante das partes, de confiança do juízo e que demonstrou qualificação e capacidade em todas as perícias realizadas até o momento. Ademais, o laudo é claro e coerente quanto aos motivos que levaram à conclusão ali exposta. A existência de divergência em relação aos atestados dos médicos assistentes não invalida o laudo e é corriqueira em processos envolvendo incapacidade, já que a medicina não é ciência exata. Se por um lado a conclusão da perícia diverge do médico assistente, por outro ela é consentânea com a conclusão da perícia do INSS. Cabe ressaltar e esclarecer, ainda, que o fator preponderante para a avaliação da incapacidade é o exame e situação atual constatados no ato pericial, e que, ser portador de uma doença não significa necessariamente ter incapacidade.
Em sendo assim, a conclusão deste juízo é que não existe direito à concessão de benefício por incapacidade."
Inconformado o autor apela.
Primeiramente, não conheço do pedido de concessão de benefício desde a DER de 25-03-2008, uma vez que se trata de inovação em grau recursal.
Os documentos anexados aos autos, pelo demandante, não são conclusivos a respeito da existência da incapacidade laboral alegada e, portanto, não autorizam, de pronto, a concessão do benefício postulado. De outro lado, os mesmos documentos não afastam a possibilidade de que exista incapacidade para o labor, pois referem que o autor é portador de patologia cardíaca grave com necessidade de acompanhamento por toda a vida.
Some-se a isso que o perito judicial, que não é especialista em cardiologia, mas em cirurgia plástica, medicina legal e perícia médica, apresentou laudo contraditório, a meu sentir, pois, apesar de ter registrado que o motivo alegado da incapacidade era cardiopatia valvular reumática e, na anamnese, ter descrito que o autor "refere ser portador de cardiopatia com válvula metálica cardíaca; faz uso de anticoagulante; na atualizade está trabalhando em atividade compatível com sua cardiopatia", concluiu pela inexistência de incapacidade, sob a justificativa de que as queixas referidas e as alterações nos exames apresentados não caracterizam incapacidade para a atividade declarada, e que "não há sinais de radiculopatia aguda", ou seja, referindo patologia na coluna, a qual nunca foi aventada pelo apelante.
Diante de tais circunstâncias, entendo deve ser anulada a sentença e reaberta a instrução, com a realização de perícia judicial por especialista em cardiologia, para avaliar, exaustivamente, a alegada incapacidade de natureza cardíaca da parte autora, devendo emitir um laudo em consonância com os Enunciado da I Jornada de Direito da Seguridade Social do Conselho da Justiça Federal (CJF) aplicáveis às perícias nos benefícios por incapacidade:
ENUNCIADO 21: Quando demonstrada a presença de várias patologias, a circunstância de individualmente não serem consideradas incapacitantes não afasta a possibilidade de, numa visão sistêmica, conduzirem à impossibilidade, temporária ou definitiva, do desempenho de atividade laborativa.
ENUNCIADO 27: Com base no princípio da precaução, entendendo o perito que há riscos ocupacionais suscetíveis de agravar a condição clínica do segurado e riscos potenciais para este e para terceiros, caso seja mantido o labor, deve considerá-lo incapaz para fins previdenciários.
ENUNCIADO 28: A incapacidade para fins previdenciários é aquela em relação à atividade habitual do periciado, devendo o perito fazer o registro das informações declaradas pelo segurado de forma a caracterizar adequadamente a rotina de trabalho, suas tarefas e exigências profissionais inerentes.
ENUNCIADO 29: Na análise judicial acerca da eficácia do programa de reabilitação profissional concluído na via administrativa pelo INSS, além da realização da perícia médica para verificar a compatibilidade da atividade para a qual o segurado foi reabilitado com as limitações físicas existentes, as condições pessoais e sociais deverão ser avaliadas para que se verifique se o segurado tem efetivas condições de reingresso no mercado de trabalho.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por conhecer em parte da apelação da parte autora e dar-lhe provimento, para anular o processo a partir da prova pericial, que deverá ser refeita por especialista.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004818320v16 e do código CRC f8b3b2cd.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5004103-48.2022.4.04.7209/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
EMENTA
PROCESSO PREVIDENCÍARIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. doença cardiológica grave. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALIZADO.
1. A medicina atual encontra-se superespecializada. Se para um simples diagnóstico ninguém mais abre mão da consulta ao especialista, sendo a perícia um plus, porquanto além do diagnóstico precisa projetar ao futuro a eventual incapacidade, não se pode admitir que seja feita de modo precário e por profissional não especialista na patologia do segurado.
2. Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão.
3. Hipótese em que deve ser anulada a sentença e reaberta a instrução com a realização de perícia judicial por médico especialista em cardiologia, para avaliar, exaustivamente, a alegada incapacidade da parte autora, acometida de cardite reumática grave.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer em parte da apelação da parte autora e dar-lhe provimento, para anular o processo a partir da prova pericial, que deverá ser refeita por especialista, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de dezembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004818321v3 e do código CRC f5edfee5.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/12/2024 A 10/12/2024
Apelação Cível Nº 5004103-48.2022.4.04.7209/SC
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/12/2024, às 00:00, a 10/12/2024, às 16:00, na sequência 385, disponibilizada no DE de 22/11/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER EM PARTE DA APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DAR-LHE PROVIMENTO, PARA ANULAR O PROCESSO A PARTIR DA PROVA PERICIAL, QUE DEVERÁ SER REFEITA POR ESPECIALISTA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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