AÇÃO RESCISÓRIA (SEÇÃO) Nº 5035043-36.2015.4.04.0000/TRF
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
AUTOR | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RÉU | : | GILSON LUIS CORREA |
ADVOGADO | : | IMILIA DE SOUZA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. RESTRIÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE NOCIVA À SAÚDE APÓS A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 57 § 8º DA LEI 8.213/91. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL. AUSÊNCIA DA HIPÓTESES DO ART. 485, INCISOS V DO CPC/73. AÇÃO PROPOSTA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. INADMISSÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. A ação rescisória, instrumento processual de caráter desconstitutivo destina-se a sanear coisa julgada defeituosa, nas hipóteses contempladas pelo artigo 485 do CPC. Considerada a natureza do instituto, que abala a estabilidade de relações jurídicas cobertas pelo manto da res judicata, cediço que a interpretação do permissivo legal deve fazer-se restritivamente, sem extensões hermenêuticas que comprometam indevidamente a segurança jurídica dos que constituíram vínculos e hauriram expectativas a partir do pronunciamento judicial, a priori, definitivo - porquanto irrecorrível. 2. Não importa violação literal a dispositivo de lei, a solução do acórdão transitado em julgado que, com base no decidido pela Corte Especial desta Corte na Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, apreciando a regra do art. 57, § 8º da Lei 8.213/91 assentou não ser vedado ao trabalhador, após a percepção do benefício de aposentadoria especial, retornar ao desempenho de atividades nocivas à saúde. 3. Não é possível a rescisão do julgado porque não há coisa julgada inconstitucional, uma vez que o Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou sobre a questão aqui versada, além de se tratar de matéria, senão pacificada, ao menos controvertida à época do julgamento do provimento judicial rescindendo. 4. A aposentadoria é especial (implementados os requisitos) em razão do exercício atividade penosa, perigosa ou insalubre, o que não impede, por óbvio, opcionalmente a continuidade do exercício de tais atividades, mesmo com aposentação, que, diga-se, não é compulsória. 5. A ação rescisória não pode e nem deve ser utilizada como sucedâneo recursal em caso de inconformidade da parte com acórdão que decidiu de forma contrária á sua pretensão. O uso da rescisória (em sendo uma exceção à regra geral da imutabilidade da coisa julgada) é reservado para hipóteses restritas, nos casos taxativamente enumerados nos incisos do art. 485 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar improcedente a ação rescisória, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que integram o presente julgado.
Porto Alegre/RS, 15 de dezembro de 2016.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8718151v2 e, se solicitado, do código CRC FD5CB308. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
| Data e Hora: | 16/12/2016 19:18 |
AÇÃO RESCISÓRIA (SEÇÃO) Nº 5035043-36.2015.4.04.0000/TRF
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
AUTOR | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RÉU | : | GILSON LUIS CORREA |
ADVOGADO | : | IMILIA DE SOUZA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ingressou com a presente ação rescisória, com pedido de antecipação de tutela, fundamentada no art. 485, V, do Código de Processo Civil, com o propósito de rescindir acórdão da 5ª Turma, que, ao reconhecer a Gilson Luis Correa o direito ao benefício de aposentadoria especial, entendeu inaplicável o disposto no art. 57, § 8°, da Lei 8.213/91, que determina o afastamento do segurado do exercício da atividade exposta a agentes nocivos para que continue recebendo, ou passe a receber, o benefício de aposentadoria especial.
Alegou que pende decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade do disposto no § 8º do artigo 57 da Lei 8.213/91, com Repercussão Geral nº 709 reconhecida, razão pela qual a propositura da presente ação rescisória, ao fundamento de ofensa a literal disposição de lei, e face à circunstância de a aplicação do dispositivo legal referido depender do enfrentamento de questão constitucional. Sustentou que a determinação legal de afastamento do trabalhador das atividades nocivas à saúde para a concessão de aposentadoria especial, NÃO atenta contra a liberdade de ofício ou profissão, NEM contra o § 1º, art. 201, CF/88, que prevê a adoção de regime diferenciado para atividades exercidas em condições especiais, que prejudiquem a saúde ou integridade física.
Requereu isenção do depósito prévio; antecipação dos efeitos da tutela ao argumento de ocorrência de dano de difícil reparação e ao final a a procedência da ação, para em juízo rescisório, ser rejulgada a ação, com o estabelecimento da condicionante determinada pelo art. 57, § 8º, da Lei n. 8.213/91 para efeitos de recebimento do benefício de aposentadoria especial.
A antecipação dos efeitos da tutela requerida pelo INSS foi indeferida (evento 2).
Citada, a parte ré apresentou contestação, solicitando que a ação seja julgada improcedente (evento 10).
Por ser questão eminentemente de direito, encerrou-se instrução e os autos foram remetidos à Procuradoria Regional da República que, exarando parecer, opinou pela improcedência do pedido (ev. 19 - PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, verifico que a presente demanda foi proposta tempestivamente em 17-09-2015 (ev. 1 - INIC1), considerando o trânsito em julgado em 26.08.2015 (evento 72 do processo 5010556-47.2012.404.7100).
Defiro o benefício da gratuidade judiciária postulado pela parte ré na contestação (evento 10 - PROC2).
Examinando detidamente os elementos jurídicos e probatórios, verifico ser improcedente a pretensão de desconstituição do acórdão proferido na apelação cível nº 5010556-47.2012.404.7100, cujos fundamentos do voto condutor de lavra do eminente Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira foram externados nas seguintes letras:
DA APOSENTADORIA ESPECIAL
Dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 (com a redação dada pela Lei nº 9.032/95):
Art. 57 . A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
(...)
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
(...)
No caso em apreço, o tempo de serviço especial ora reconhecido, somado ao reconhecido administrativamente e ao convertido em especial, perfaz 25 anos, 10 meses e 09 dias.
Assim, na DER, em 28/10/2011, havia o autor laborado mais de 25 anos em condições especiais, possuindo, portanto, o tempo exigido para a concessão da aposentadoria especial. Outrossim, cumpriu a carência prevista na tabela inserta no art. 142, Lei de Benefícios (180).
Dessa forma, verificado pelo julgado que restam cumpridas as exigências do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, deve o INSS conceder o benefício ora pretendido à parte autora, pagando as parcelas em atraso desde a DER.
No tocante a necessidade de afastamento do segurado, após a concessão do benefício, de qualquer atividade sujeita a contagem especial, cabe mencionar que a Corte Especial deste Tribunal, em julgamento realizado em 24/05/2012, afirmou a inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei 8.213/91, em acórdão assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTUCIONALIDADE. § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI Nº 8.213/91. APOSENTADORIA ESPECIAL. VEDAÇÃO DE PERCEPÇÃO POR TRABALHADOR QUE CONTINUA NA ATIVA, DESEMPENHANDO ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS.
1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, o segurado faz jus à concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e § 1º da Lei 8.213, de 24-07-1991, observado, ainda, o disposto no art. 18, I, 'd' c/c 29, II, da LB, a contar da data do requerimento administrativo.
2. O § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 veda a percepção de aposentadoria especial por parte do trabalhador que continuar exercendo atividade especial.
3. A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.
4. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo; como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional.
4. A interpretação conforme a constituição não tem cabimento quando conduz a entendimento que contrarie sentido expresso da lei.
5. Reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91. (Arguição De Inconstitucionalidade 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira Do Valle Pereira).
Não importa, portanto, violação literal a dispositivo de lei, a solução do acórdão transitado em julgado que, com base no decidido pela Corte Especial desta Corte na Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, apreciando a regra do art. 57, § 8º da Lei 8.213/91 assentou não ser vedado ao trabalhador, após a percepção do benefício de aposentadoria especial, retornar ao desempenho de atividades nocivas à saúde. A propósito, trago à colação excerto do voto-condutor do acórdão da aludida Argüição:
(...)
O § 1º do artigo 201 da CF não estabelece qualquer condicionante ao gozo de aposentadoria especial. Sendo a previdência um direito social do trabalhador, e o trabalho e a livre iniciativa fundamentos da República, a restrição imposta pelo legislador está a afrontar a Constituição Federal.
Reforça este sentir o que estabelece o artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
...
(grifei)
A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.
Note-se que a regra sequer tem caráter protetivo. Isso porque não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Não há impedimento, por exemplo, a que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo. Como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. O que se percebe é que a regra não protege o trabalhador, tendo, ao fim e ao cabo, mero caráter fiscal.
A Carta Maior, em seu artigo 7º, é verdade, estabelece que constitui direito dos trabalhadores urbanos e rurais a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (inciso XXII). Mas não veda o trabalho perigoso ou insalubre ao segurado que obteve aposentadoria especial, pois esta é um direito inalienável do trabalhador, direito este, a propósito, novamente ratificado no inciso XXVI do referido artigo 7º da CF. A proibição de trabalho perigoso ou insalubre só existe nos termos do inciso XXXIII do mesmo artigo 7º, ou seja, para os menores de dezoito anos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
...
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
...
XXIV - aposentadoria;
...
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
...
Inconstitucional, assim, a norma em exame, a qual, se adotada, pode implicar cerceamento ao desempenho de atividade, por exemplo, de profissionais de saúde (enfermeiros, técnicos em radiologia, médicos, dentistas, etc.), e trabalhadores especializados, seja de nível superior ou nível médio, de indústrias dos mais diversos ramos. Terão eles que escolher entre se aposentar ou deixar a atividade para a qual se prepararam, muitas vezes por longos anos ou, (burlando com facilidade a norma restritiva, mas perdendo a garantia que a lei e a Constituição asseguram), aguardar para requerer aposentadoria por tempo de contribuição sem se valer do tempo especial.
O fato é que, obtendo o segurado aposentadoria especial, algum trabalhador vai ter que continuar a exercer a atividade que até então ele vinha desempenhando. E a Constituição não veda que ele próprio, depois de aposentado, continue a desempenhar a atividade. Ao Estado incumbe exigir a adoção de medidas que eliminem a insalubridade, de modo que os riscos a que submetidos os segurados se tornem apenas potenciais, não podendo optar simplesmente pelo cerceamento do direito ao trabalho e à previdência social.
Convém lembrar, em reforço ao entendimento acima exposto, que o Supremo Tribunal Federal há muito consolidou entendimento no sentido de que a concessão de aposentadoria não implica extinção do contrato de trabalho. Seguem precedentes:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.596-14/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.528/97, QUE ADICIONOU AO ARTIGO 453 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO UM SEGUNDO PARÁGRAFO PARA EXTINGUIR O VÍNCULO EMPREGATÍCIO QUANDO DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. A conversão da medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional acerca da "relevância e urgência" dessa espécie de ato normativo.
2. Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade.
3.A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente).
4.O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador.
5.O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum.
6. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego.
7. Inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 9.528/97.
(ADI 1721 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 11/10/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
DIREITO DO TRABALHO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 5º, XXXV, LIV E LV, CF/88. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. NÃO-EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. PRECEDENTES. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA STF 283.
1.Na instância de origem foi ofertada à parte agravante a devida prestação jurisdicional, por meio de decisão fundamentada, que, todavia, mostrou-se contrária a seus interesses, não merecendo acolhida a tese de violação aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal.
2. É inadmissível recurso extraordinário no qual, a pretexto de ofensa a princípios constitucionais, pretende-se a análise de legislação infraconstitucional. Hipótese de contrariedade indireta ou reflexa à Constituição Federal.
3. O Supremo Tribunal Federal acolheu o entendimento de que a aposentadoria espontânea, não implica, por si só, extinção do contrato de trabalho. Precedentes.
4. Recurso que encontra óbice na Súmula STF 283, porque permaneceu inatacado o fundamento suficiente da decisão agravada.
5. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 6. Agravo regimental improvido.
(AI 749415 AgR/PA - PARÁ. AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 01/12/2009. Órgão Julgador: Segunda Turma)
Observo não ser possível no caso em apreço simplesmente interpretar a norma para extrair dela conformidade com a Constituição Federal, pois a vedação é expressa. Resta, destarte, o recurso à técnica da declaração da inconstitucionalidade. E nesse caso há necessidade de observância da cláusula da reserva de plenário, prevista no artigo 97 da Constituição Federal:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
A observância da cláusula do "full bench" no caso em apreço, a propósito, impõe-se também em observância à Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal:
Súmula Vinculante nº 10 - Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.
Ante o exposto, voto por afirmar a inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei 8.213/91.
Dessa forma, verificado pelo julgado que restam cumpridas as exigências do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, deve o INSS conceder o benefício ora pretendido à parte autora, independente do afastamento do trabalho.
Com efeito, não há falar em violação à literal disposição de lei (art. 485, V, do CPC/73). Isso porque, a doutrina esclarece que a violação a literal disposição de lei ocorre quando a decisão rescindenda importa afronta expressa e direta a conteúdo explícito da norma, bem como quando tiver sido olvidado o seu sentido ou finalidade, considerando o significado razoável dos seus termos, extraído a partir da interpretação que lhe é conferida pelos jurisconsultos.
Afora isso, é consabido que a atividade jurisdicional, de aplicar a lei ao caso concreto, exige que se abstraia a inteligência da norma, por meio da persecução de sua finalidade, de sua contextualização no ordenamento, histórica e cultural, dos direcionamentos obtidos pelos princípios e da solução de conflitos normativos que podem existir.
No caso, a decisão atacada está alinhada ao entendimento deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, inteiramente respaldado pelo entendimento da aludida argüição de inconstitucionalidade de que não há necessidade de afastamento do segurado, após a concessão do benefício, de qualquer atividade sujeita a contagem especial.
A propósito, assim tem decidido esta Corte. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. USO DE EPI. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. PERMANÊNCIA NA ATIVIDADE ESPECIAL APÓS A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 2. A exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente à matéria sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. Desnecessária a análise quantitativa de da concentração ou intensidade de agentes químicos no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa. 3. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. Possível afastar o enquadramento da atividade especial somente quando comprovada a efetiva utilização de equipamentos de proteção individual que elidam a insalubridade. 4. Demonstrado o tempo de serviço especial por 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade exercida pelo segurado e a carência, é devida à parte autora a aposentadoria especial, nos termos da Lei n.º 8.213/91. 5. Reconhecida a inconstitucionalidade do § 8.º do art. 57 da LBPS pela Corte Especial deste Tribunal, resta assegurada à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas após a implantação do benefício. 6. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 0020284-31.2015.404.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 14/11/2016).
Calha à espécie ainda, os bem lançados argumentos expendidos pela parte ré na contestação (evento10):
(...)
Quando a decisão transitada em julgado não satisfaz o princípio da integridade do direito não é apenas possível como devida a ação rescisória, seja porque à época o tribunal não observou interpretação conforme a Constituição (entendida, à toda evidência, no seu todo principiológico), seja porque a resposta correta-adequada-à-Constituição ocorreu mais tarde, ou seja, sempre que se fizer clara e manifesta a necessidade de esclarecimentos constitucionais acerca da holding ou do dictum da decisão, independentemente de se tratar de matéria pacificada antes ou depois do julgamento rescindendo.
Ocorre que, neste caso, o Tribunal afastou o artigo 57, 8º, da Lei 8.213/91 após, justamente, perquirir sua compatibilidade com a Constituição, lançando mão do controle difuso de inconstitucionalidade. O controle difuso é justamente "o modo democrático de capitalização da Constituição, maneira de instrumentalizar os direitos fundamentais sociais no caso concreto, além da possibilidade de afastar, como questão prejudicial, o ato normativo inconstitucional".
A propósito, ainda que sobrevenha eventual modificação de orientação jurisprudencial, à conta da interpretação que possa a vir se conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao tema, não constitui matriz suficiente para abrir oportunidade a impugnação, por meio de ação autônoma, de acórdão transitado em julgado, pois a superveniência de interpretação judicial diversa, ainda que proveniente da mais elevada Corte do país, não importa considerar existente, no julgado que se pretende rescindir, violação de literal disposição de lei (art. 485, V, CPC/73) ou de norma jurídica (art. 966,V, CPC/2015)
Esgotando o exame da questão, transcrevo trecho do parecer ministerial, de lavra do ilustre Procurador Regional da República Cláudio Dutra Fontella (evento 19):
(...) não é possível a rescisão do julgado porque não há coisa julgada inconstitucional, uma vez que o Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou sobre a questão aqui versada, além de se tratar de matéria, senão pacificada, ao menos controvertida à época do julgamento do provimento judicial rescindendo.
Mesmo que assim não fosse, o reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº. 8.213/1991 se deu com base nos seguintes fundamentos: a) por afronta ao princípio constitucional que garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988; (b) porque a proibição de trabalho perigoso ou insalubre existente no artigo 7.º, inciso XXXIII, da Constituição Federal de 1988, só se destina aos menores de dezoito anos, não havendo vedação ao segurado aposentado; e (c) porque o artigo 201, § 1.º, da Carta Magna de 1988, não estabelece qualquer condição ou restrição ao gozo da aposentadoria especial.
Como se vê, a vedação prevista na Lei nº. 8.213/1991 ofende o disposto no artigo 201, § 1º, que não estabelece qualquer condição ou restrição ao gozo da aposentadoria especial, bem como contraria o princípio constitucional que garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, previsto no artigo 5º, inciso XIII, ambos da Constituição Federal.
Com efeito, a aposentadoria é especial (implementados os requisitos) em razão do exercício atividade penosa, perigosa ou insalubre, o que não impede, por óbvio, opcionalmente a continuidade do exercício de tais atividades, mesmo com aposentação, que, diga-se, não é compulsória. (...).
Em verdade, a ação rescisória não possui o préstimo de adequação de situação jurídica já acobertada pelo instituto da coisa julgada a modo de seguir novel orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, sob pena de afronta à segurança jurídica assegurada pela autoridade da coisa julgada
Todos esses contornos afastam a alegação de violação à lei, porquanto não há uma relação de incompatibilidade das conclusões do julgador que se traduza em infringência direta e literal das normas da Lei de benefícios aplicadas para solucionar a lide originária.
Em verdade, a parte autora se utiliza desta ação rescisória como uma nova via recursal, com clara tentativa de perpetuação da lide até que lhe seja favorável o resultado, o que se mostra inadmissível.
A ação rescisória não pode e nem deve ser utilizada como sucedâneo recursal em caso de inconformidade da parte com acórdão que decidiu de forma contrária á sua pretensão. O uso da rescisória (em sendo uma exceção à regra geral da imutabilidade da coisa julgada) é reservado para hipóteses restritas, nos casos taxativamente enumerados nos incisos do art. 485 do CPC.
Vale frisar que a inobservância das hipóteses previstas de forma rígida no CPC viola o princípio do livre convencimento judicial, bem como transforma a ação rescisória em recurso destinado a reexaminar matéria já julgada, indiretamente atingindo os efeitos da coisa julgada material. (...).
Assim, à míngua de enquadramento legal, é de rigor a rejeição do pedido.
Sucumbente, pagará o INSS à parte ré honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa.
O INSS é isento de custas quando demanda na justiça federal.
Ante o exposto, voto por julgar improcedente a ação rescisória.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8718150v3 e, se solicitado, do código CRC D7EB1ED6. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
| Data e Hora: | 16/12/2016 19:18 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/12/2016
AÇÃO RESCISÓRIA (SEÇÃO) Nº 5035043-36.2015.4.04.0000/TRF
ORIGEM: TRF 50105564720124047100
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz |
PROCURADOR | : | Dra. Márcia Neves Pinto |
AUTOR | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RÉU | : | GILSON LUIS CORREA |
ADVOGADO | : | IMILIA DE SOUZA |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15/12/2016, na seqüência 269, disponibilizada no DE de 25/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 3ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A SEÇÃO, POR UNANIMIDADE, DECIDIU JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
Jaqueline Paiva Nunes Goron
Diretora de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Jaqueline Paiva Nunes Goron, Diretora de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8778302v1 e, se solicitado, do código CRC 3B0FA11B. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Jaqueline Paiva Nunes Goron |
| Data e Hora: | 16/12/2016 18:07 |
