| D.E. Publicado em 09/03/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014196-40.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | MARIA DO CARMO DIAS |
ADVOGADO | : | Joana Librelotto Mari e outros |
: | Marcia Zuffo | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INSUFICIÊNCIA DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DIREITO NEGADO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.
1. Pela eficácia normativa do devido processo legal em sua dimensão substancial, as disposições do processo civil comum são flexibilizadas quando tocam uma causa previdenciária, de modo que a decisão denegatória de proteção social, por insuficiência de prova material, não pode impedir futura comprovação da existência desse direito fundamental à subsistência digna.
2. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 320 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção, sem o julgamento do mérito (art. 485, IV, do NCPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 486, § 1º, do NCPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
3. Precedente do STJ em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16-12-2015).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar extinto o processo sem julgamento de mérito, nos termos dos artigos 320 e 485, IV, ambos do NCPC, dando-se parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2017.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8756545v3 e, se solicitado, do código CRC 5D6A946C. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014196-40.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
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RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, prolatada em 01/09/2016, que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural.
Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à concessão do benefício.
Embora intimado, o INSS não apresentou contrarrazões.
Vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de demanda previdenciária objetivando a concessão de APOSENTADORIA POR IDADE RURAL, prevista no artigo 48, § 1º e seguintes, da Lei 8.213/91.
Premissas
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (REsp 1.348.633, Rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 28/08/2013);
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta. Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) A ampliação da abrangência do início de prova material pertinente ao período de carência a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal, uma vez que "não há exigência de que o início de prova material se refira a todo o período de carência, para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural" (AgRg no AREsp 194.962/MT), bem como que "basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória" (AgRg no AREsp 286.515/MG), entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide recentes julgados da Terceira Seção do STJ: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial tem de estar trabalhando no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
Exame do caso concreto:
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 03/09/2001 e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 15/09/2011. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 120 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima (de 03/09/1991 a 03/09/2001) ou à entrada do requerimento administrativo (de 15/09/2001 a 15/09/2011) ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Em sede administrativa, foi reconhecido pela Autarquia como período de labor rural apenas o intervalo de 01/01/2009 a 14/09/2011 (fl. 47).
A título de início de prova material, a parte autora colacionou aos autos a seguinte documentação, relativa aos períodos de carência supracitados:
a) Declaração de exercício de atividade rural, emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Salto do Jacuí/RS, onde consta que a autora trabalhou em regime de economia familiar, nas terras do Sr. Selmiro José Dona, como parceira agrícola, no período de 1994 a 2008 (fls. 22/24);
b) Declaração da empresa Bernardy, Terras e Cia Ltda, sem data, informando que a demandante, cliente desde o ano de 2001, exerce a profissão de agricultora (fl. 28);
c) Ficha de cadastro da demandante em estabelecimento do comércio local, datada de 11/01/2001, constando sua profissão como sendo a de agricultora (fl. 33);
d) Notas e contranotas fiscais de produtor, em nome da autora, relativas à comercialização de feijão, milho, mandioca e batata doce, nos anos de 2009, 2010 e 2011(fls. 36/42).
Outrossim, foram colhidos depoimentos de testemunhas, destinados a comprovar o alegado labor rurícola, os quais afirmaram o trabalho rural da autora, em regime de economia familiar (mídia na fl. 89).
Da análise da prova material que consta dos autos, verifica-se que a parte autora não logrou evidenciar sua condição de trabalhadora rural em parte significativa do período de carência. Com efeito, restou consolidado no âmbito do STJ que declarações e cadastros oriundos de sindicato de trabalhadores rurais, sem a devida homologação do INSS (art. 106, III, da Lei n.º 8.213/91), não constituem início de prova material do exercício de atividade rurícola, equivalendo apenas a meros testemunhos reduzidos a termo (AgRg no Resp nº 416.971, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6ª Turma, DJ 27/03/2006, e AR nº 2.454, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Terceira Seção, DJ 03/11/2004).
Por outro lado, consoante já registrado retro, o STJ, em regime de recurso especial repetitivo, estabeleceu que a prova exclusivamente testemunhal revela-se insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, sendo indispensável que ela venha corroborada por razoável início de prova material, inclusive para os trabalhadores do tipo boia-fria (REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012).
Como se pode observar, embora a prova oral demonstre que a parte autora trabalhava no campo é forçoso reconhecer que a alegada atividade rural não restou corroborada por início de prova material razoável, especialmente porque não foi juntada aos autos prova referente à comercialização da produção no período anterior a 2009. Outrossim, verifica-se que a demandante é beneficiária de pensão por morte de comerciário desde 07/08/2003 (extrato do Plenus à fl. 34). Em se considerando, hipoteticamente, que a autora seja segurada especial em regime de economia familiar, só terá direito à aposentadoria se houver significância econômica em seu trabalho, e, para tanto, deveria comercializar parte da produção. No entanto, não há notas fiscais de produtor relativas ao período anterior a 2009 nos autos que comprovem a repercussão econômica de seu trabalho. Se, por outro lado, a repercussão econômica existe, tendo a autora vendido o excedente da produção, certamente deve ter emitido notas fiscais de produtor com fim contributivo, pois, se não o fez, também não teria direito a aposentar-se.
Sendo assim, impõe-se a rejeição da demanda.
Nada obstante, é cediço que os trabalhadores rurais, que vivem em ambientes informais, enfrentam muitas dificuldades para comprovar documentalmente a atividade agrícola de toda uma vida dedicada ao labor campesino.
De outro lado, as normas do Direito Processual Civil devem ser flexibilizadas, a fim de evitar que justamente aqueles trabalhadores mais necessitados sejam privados de direito à seguridade social intimamente conectado ao mínimo existencial.
Coloca-se em questão, portanto, a possibilidade de rediscussão de demanda previdenciária que já constituiu objeto de análise judicial e sofreu juízo de rejeição por insuficiência de prova material.
A análise dessa questão passa, primeiramente, pelo discernimento das peculiaridades de uma lide previdenciária: a) no caráter fundamental do bem jurídico previdenciário, decorrente de sua natureza alimentar e correspondendo a um direito de relevância social fundamental; b) das circunstâncias presumíveis de hipossuficiência econômica e informacional da pessoa que reivindica uma prestação da previdência social; c) existência de uma suposta contingência que ameaça a sobrevivência digna da pessoa que pretende a prestação previdenciária; e d) e do caráter público do instituto de previdência social.
Os direitos fundamentais vinculam todas as atividades estatais. É inadequado, portanto, perceber o instituto da coisa julgada como óbice intransponível para a satisfação do direito fundamental à previdência social quando, em uma nova demanda, a parte autora, presumivelmente privada de meios de subsistência, comprova que faz jus à proteção social reivindicada e, por consequência, demonstra a injustiça da anterior decisão denegatória.
A ideia de imprescritibilidade ou de não-preclusão dos direitos humanos e fundamentais conforta tal entendimento. Um instituto de natureza formal, como o da coisa julgada, não pode constituir impedimento à cessação da violação estatal do direito humano e fundamental à previdência social, indispensável à subsistência do indivíduo e de sobrelevada importância social.
Desde uma perspectiva constitucional, portanto, é de se compreender a coisa julgada com a limitação que lhe impõe o direito fundamental a um processo justo (CF/88, art. 5, XXXV), de um lado, e o direito fundamental à previdência social, de outro lado.
A coisa julgada não pode ser percebida como uma norma absoluta. Por tal razão, perceba-se, verificam-se normas infraconstitucionais que prevêem, de modo expresso, sua revisão ou rescisão. De outra parte, um tal instituto jurídico não pode prestar-se como álibi legitimante de violação aos direitos fundamentais ligados ao mínimo existencial. É preciso recordar que, desde uma perspectiva da estabilidade social e da segurança jurídica, o reconhecimento de limites à coisa julgada previdenciária não oferece inquietude social alguma, muito ao contrário: permitirá mais aperfeiçoadamente o cumprimento do escopo da jurisdição, qual seja, o de pacificação social (Dinamarco).
Efetivamente, se em uma segunda demanda se reconhece, de modo inequívoco, a injustiça da decisão anterior que denegou a proteção social por insuficiência de prova, os efeitos sociais de outorga da prestação previdenciária não poderiam ser melhores, seja pelo efetivo cumprimento do ideal constitucional de segurança social, seja porque o instituto de seguro social, ao fim e ao cabo, estaria a melhor cumprir o princípio da legalidade e, bem assim, sua finalidade institucional. A Administração Previdenciária estaria, ao final, outorgando uma proteção previdenciária nos estritos termos legais.
Logo, inexiste insegurança em se rediscutir novamente uma pretensão previdenciária à luz de novas e decisivas provas, como inexiste insegurança na possibilidade de ser rever uma sentença criminal, quando a favor do réu.
Observe-se, de outro lado, que "(...) em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que 'não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável'. (RE 363889, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, DJe-15-12-2011). 2. No caso, a improcedência do pedido na ação primeva de investigação de paternidade não decorreu da exclusão do vínculo genético por prova pericial, mas sim por insuficiência de elementos para o reconhecimento ou a exclusão da paternidade, motivo pelo qual a condição de pai não foi cabalmente descartada naquele feito" (AgRg no REsp 1215172/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 11/03/2013).
Em outras palavras, "não implica ofensa à coisa julgada material o ajuizamento de nova ação para investigar a paternidade mediante a utilização de exame de DNA, nas hipóteses em que a ação anterior teve o pedido julgado improcedente por falta ou insuficiência de provas, sem que tenha sido excluída a possibilidade de existência de vínculo genético (...). Precedentes deste Tribunal e do STF (RE 363.889/DF)". (STJ. Quarta Turma. REsp 1223610/RS; Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti; Dje 07/03/2013)
Mutatis mutandis, o que justifica a dispensa desse excepcional tratamento é justamente o valor que se encontra em jogo, isso é, a fundamentalidade do bem da vida para a subsistência do indivíduo em condições dignas e sua elevada relevância para a sociedade.
A coisa julgada, em matéria previdenciária, deve-se dar, assim, secundum eventum probationis, sendo possível nova discussão da matéria ligada à concessão ou revisão de determinado benefício previdenciário quando a pretensão foi originariamente recusada por insuficiência de provas. Isso porque o direito fundamental à previdência social é orientado pelo princípio fundamental de que o indivíduo não pode ser separado de seu direito de sobreviver pela solidariedade social por uma questão formal.
Seria desproporcional impor ao indivíduo agravado com a sentença de não-proteção e que se presume hipossuficiente em termos econômicos e informacionais sofrer perpetuamente os efeitos deletérios da decisão denegatória, cuja injustiça resta manifesta.
Em decorrência, a lógica da preservação da vida nos conduz ao princípio processual da não-preclusão do direito previdenciário que, por sua vez, reclama concretização dos princípios do devido processo legal e do direito a uma ordem jurídica justa na condução do processo como corolário da garantia plena de acesso à justiça, afastando os efeitos plenos da coisa julgada.
Em síntese, a ideia da coisa julgada previdenciária se afigura dentro de uma perspectiva peculiar de segurança jurídica que consubstancia justa aderência do sistema normativo processual à especificidade do direito material e à dinâmica da realidade social.
Sem embargo do que foi exposto, é preciso reconhecer, ao menos, a possibilidade de se extinguir o feito sem o julgamento do mérito quando a pretensão de proteção previdenciária é rejeitada por ausência ou insuficiência de prova material, reabilitando o posicionamento assumido pela 5ª Turma do TRF da 4ª Região, ainda no ano de 2002 (AC 2001.04.01.075054-3- Rel. Antonio Albino Ramos de Oliveira - DJ 18/09/2002; AC 2001.70.01.002343-0, de minha relatoria - DJ 21/05/2003).
Assim, diante da hiposuficiência da parte autora, seria desarrazoado reconhecer a improcedência do pleito, formando a coisa julgada material, haja vista que recente precedente da Corte Especial do STJ, em sede de recurso representativo de controvérsia, mudou o encaminhamento das demandas previdenciárias com ausência ou insuficiência de provas:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido. (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, pub. no DJ em 28/04/2016, p. 118).
Em síntese, impõe-se a extinção do processo sem julgamento de mérito, nos termos dos artigos 320 e 485, IV, ambos do NCPC.
Conclusão sobre o direito da parte autora à aposentadoria por idade rural
Dessarte, sendo insuficiente o início de prova material do labor agrícola, deve ser dado parcial provimento à apelação da parte autora, apenas a fim de extinguir o processo sem julgamento de mérito, nos termos dos artigos 320 e 485, IV, ambos do NCPC.
Em face do mínimo proveito da parte autora no presente feito, mantêm-se as verbas de sucumbência na forma disposta pela sentença recorrida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por julgar extinto o processo sem julgamento de mérito, nos termos dos artigos 320 e 485, IV, ambos do NCPC, dando-se parcial provimento à apelação da parte autora.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/02/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014196-40.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00014717220158210161
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Domingos Sávio Dresch da Silveira |
APELANTE | : | MARIA DO CARMO DIAS |
ADVOGADO | : | Joana Librelotto Mari e outros |
: | Marcia Zuffo | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/02/2017, na seqüência 129, disponibilizada no DE de 03/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU JULGAR EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 320 E 485, IV, AMBOS DO NCPC, DANDO-SE PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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