Apelação Cível Nº 5000827-56.2020.4.04.7119/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: PAULO ROBERTO DA SILVA PANTALEAO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Paulo Roberto da Silva Pantaleão interpôs recurso de apelação contra sentença, proferida em 11/12/2020, que julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido da parte autora, resolvendo o mérito com fulcro no art. 487, I do CPC, tão somente para condenar o INSS a computar o período laborado pela parte autora em condições especiais, de 12/03/2007 a 13/11/2009, convertendo-o em comum mediante multiplicação pelo fator de conversão 1,4 e adicionando o acréscimo resultante ao restante do tempo reconhecido na esfera administrativa
Diante da sucumbência mínima da parte ré, condeno o autor, embora isento das custas processuais (artigo 4º, incisos II, da Lei n.º 9.289/1996), ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados estes em 10% do valor da causa (art. 85, §4º, III, CPC), suspensa a exigibilidade de pagamento, porque beneficiário da gratuidade judiciária.
Espécie não sujeita a reexame necessário, nos termos do art. 496, §3º, I, do CPC.
Aguarde-se o prazo recursal. Havendo recurso e intimada a parte recorrida para contrarrazões, remetam-se os autos à Superior Instância; caso contrário, certifique-se o trânsito em julgado da presente e remetam-se ao arquivo, com as baixas necessárias.
Em sua apelação, a parte autora defendeu a transformação de aposentadoria por invalidez em aposentadoria especial, mediante o reconhecimento da especialidade do trabalho prestado também nos períodos de 01/12/1989 a 20/08/1992, 01/03/1993 a 13/11/2009 e 20/04/2010 a 02/03/2016. Requereu, ainda, concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento e a conversão do tempo de serviço especial em comum, sustentando que esteve, durante todo os intervalos requeridos, exposta a agentes nocivos. Por fim, pediu a concessão de aposentadoria mediante o cômputo do período trabalhado após a data de entrada do requerimento administrativo (reafirmação da DER).
Apresentadas contrarrazões pela parte ré.
Vieram os autos a este Tribunal Regional Federal da 4a. Região.
VOTO
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, que modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213, a legislação previdenciária estabelece que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213, a lei de conversão (Lei nº 9.711) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. A matéria foi decidida em recurso especial repetitivo, firmando-se a seguinte tese no Tema nº 546 do STJ: 'A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço'(REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24-10-2012, DJe 19-12-2012).
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Caso concreto: atividade especial
A seguir, discriminam-se os períodos de tempo de serviço comum (ou especial) controvertidos:
Período | Agente nocivo com análise qualitativa | EPI eficaz | Reconhecido em sentença |
01/12/1989 a 20/08/1992 | - | não | não |
01/03/1993 a 11/03/2007 | - | não | não |
20/04/2010 a 02/03/2016 | radiação ionizante (raio-x) | não | não |
Período: 01/12/1989 a 20/08/1992 |
Empresa: Hospital de Caridade e Beneficência |
Função/atividades: Atendente de Câmara Escura |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: PPP (evento 1, PPP9, p.1) |
A sentença, dando adequada solução à controvérsia, não reconheceu a especialidade, merecendo transcrição o seguinte excerto:
Embora o autor tenha alegado que laborava com exposição a raio-x, a qual ensejaria até mesmo o enquadramento por categoria profissional, vislumbra-se que as atribuições do cargo que ocupava não parecem sujeitas a esse agente nocivo:
Outrossim, embora o PPP aponte exposição a "produtos químicos utilizados no processador", o laudo técnico que corresponde ao cargo do autor é claro no sentido de que não havia contato com tais produtos (evento 1, PPP9):
Ademais, conclui o laudo que as atividades do autor não podem ser consideradas especiais:
Portanto, incabível o enquadramento do referido interregno.
Com efeito, a documentação trazida aos autos não autoriza o reconhecimento da atividade como exercida em condições especiais.
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Período: 01/03/1993 a 11/03/2007 |
Empresa: Hospital de Caridade e Beneficência |
Função/atividades: Atendente de RX |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: PPP (evento 1, PPP9) |
Em relação ao intervalo questionado, a sentença não reconheceu o tempo especial, cuja fundamentação ora se transcreve:
No tocante ao primeiro lapso, as atividades restringem-se ao encaminhamento de pacientas aos procedimentos radiológicos e o próprio PPP informa que haveria exposição apenas a "produtos químicos utilizados no processador", em intensidade não informada.
Não houve a juntada de laudo técnico que disponha sobre esse cargo, pois o documento de 2020 abrange apenas o cargo de técnico em radiologia (evento 1, PPP9, p. 7-13) e o documento de 2011 apenas o cargo de atendente de câmara escura (analisado no tópico anterior, para o qual não havia exposição a agentes nocivos).
Portanto, tendo em vista o ônus da prova, julgo improcedente o pleito no tocante ao lapso de 01/03/1993 a 11/03/2007.
Desse modo, considerando que o PPP não aponta quais produtos químicos (e em que intensidade) o autor esteve exposto, é inviável o reconhecimento da especialidade, uma vez que não se revela possível aferir se tais agentes seriam ou não prejudiciais à saúde do segurado.
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Período: 20/04/2010 a 02/03/2016 |
Empresa: Clínica Radiológica Dr. José Alberto Schuch & Filho Ltda. |
Função/atividades: Técnico em Radiologia |
Agentes nocivos: radiação ionizante (raio-x) |
Provas: PPP (evento 1, PPP8) |
O PPP acostado aos autos informa que o autor, na condição de técnico em radiologia, realizava exames de raio-x, estando exposto à radiação ionizante (Código 2.0.3, do Anexo IV, do Decreto n° 3.048/99). O formulário, portanto, se mostra suficiente ao reconhecimento da especialidade, presumindo-se, diante da ausência de informação em contrário, que a exposição se deu de modo habitual e permanente.
No entanto, conforme dados extraídos do CNIS, verifica-se que o autor, após a DER (09/12/2013), exerceu suas atividades até 24/02/2014, a partir de quando passou a perceber auxílio-doença, não mais retornando ao trabalho. O benefício por incapacidade foi convertido em aposentadoria por invalidez em 02/03/2016.
Desse modo, tendo em vista que somente os períodos de auxílio-doença intercalados com atividade laborativa podem ser computados para efeitos de tempo de contribuição (art. 55, inciso II, da Lei n° 8.213), deve ser admitido o cômputo qualificado do tempo de serviço apenas em relação ao intervalo de 20/04/2010 a 24/02/2014.
Conclusão: ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período de 20/04/2010 a 24/02/2014, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição a radiação ionizante (raio-x).
Portanto, em relação aos períodos 01/12/1989 a 20/08/1992, 01/03/1993 a 11/03/2007 e 25/02/2014 a 02/03/2016, não há indicação de que a parte autora estivesse exposta a qualquer agente nocivo em nível superior ao limite de tolerância ou que independa de análise quantitativa. A sentença não reconheceu a especialidade dos período, não havendo reparos a serem feitos à decisão neste ponto.
Quanto ao intervalo de 20/04/2010 a 24/02/2014, a parte autora esteve exposta a agentes nocivos que independem de análise quantitativa. A sentença não reconheceu a especialidade do período, motivo pelo qual deve ser acolhida a apelação do autor para reconhecê-la.
Concessão de aposentadoria especial
Para fazer jus à aposentadoria especial, a parte autora deve preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213, quais sejam: a carência prevista no art. 142 da referida lei e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada. Cumpre observar que, a partir da Lei nº 9.032, não é possível a conversão de tempo comum em especial, de modo que, para a concessão de aposentadoria especial, a atividade deve ser exercida, durante todo o período (15, 20 ou 25 anos), sob condições nocivas.
No caso dos autos, a contagem de tempos de atividade especial segue a tabela abaixo:
Nº | ATIVIDADE ESPECIAL | |||||
Data inicial | Data final | Dias | Anos | Meses | Dias | |
1 | 12/03/2007 | 13/11/2009 | 972 | 02 | 08 | 02 |
2 | 20/04/2010 | 24/02/2014 | 1400 | 03 | 10 | 05 |
Total | 2372 | 06 | 06 | 02 |
Diante de tais considerações, verifica-se, portanto, que o autor trabalhou em condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física por menos de 25 anos, não fazendo jus à concessão de aposentadoria especial.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
Em que pese a parte autora não tenha preenchido os requisitos para concessão da aposentadoria especial, examina-se a possibilidade de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
Conversão do tempo especial em comum
É possível a conversão do tempo especial em comum, sendo irrelevante, nesse particular, o advento da MP nº 1.663, convertida na Lei nº 9.711/1998. Isso porque, após a última reedição dessa medida provisória, a norma se tornou definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213 - o qual autoriza a referida conversão.
Nessa linha, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1151363, em 23/03/2011, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/05/1998, nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO.
1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213.
2. Precedentes do STF e do STJ.
Destarte, considerando que o §5º do art. 57 da Lei nº 8.213 não foi revogado expressa ou tacitamente pela Lei nº 9.711/98 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Por outro lado, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é aquele previsto na legislação vigente na data concessão do benefício - e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. A propósito, a questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1310034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24/10/2012, DJe 19/12/2012), vindo-se a editar a seguinte tese:
A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço.
Desse modo, cumpre observar as normas atualmente vigentes. Frise-se, nessa linha, que, desde o advento do Decreto nº 357/91 (art. 64) -- sucedido por diversos atos infralegais que não modificaram a regra --, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Requisitos para concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
Por força da promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, em 16/12/1998, foram alteradas as regras inicialmente consagradas na Constituição Federal e na Lei nº 8.213 para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço. Assim, a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, sendo instituídas novas regras para a concessão da agora chamada aposentadoria por tempo de contribuição.
Assinale-se, entretanto, que a referida emenda constitucional, em seu art. 3º, ressalvou o direito adquirido dos segurados que até a data de sua publicação haviam preenchidos os requisitos legais para a concessão de benefício previdenciário. Além disso, introduziu uma regra de transição (art. 9º), a qual assegura a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional ou integral ao segurado filiado ao RGPS até a data de publicação dessa emenda.
Note-se que, para valer-se do tempo de serviço/contribuição ulterior, é necessária a submissão do segurado à nova legislação (regras de transição, no caso de aposentadoria proporcional; regras permanentes, no caso da aposentadoria integral, já que as regras de transição não são aplicáveis em relação a ela, como se verá alhures).
Em síntese, se o segurado se filiou à Previdência Social antes da vigência da EC nº 20/98 e conta tempo de serviço posterior àquela data, poderá trazer ao caso examinado a incidência de três hipóteses:
A) Das Regras Antigas, com limitação do tempo de serviço e carência em 16-12-98, para verificar o preenchimento das condições legais para a Aposentadoria por Tempo de Serviço, seja proporcional ou integral, cujo salário de benefício deverá ser calculado nos termos da redação original do art. 29 da Lei n. 8.213: exige-se o implemento da carência e do tempo de serviço mínimo de 25 anos para a segurada e 30 anos para o segurado, que corresponderá a 70% do salário de benefício, acrescido de 6% (seis por cento) para cada ano de trabalho que superar aquela soma, até o máximo de 100%, que dará ensejo à inativação integral (conforme previsto nos arts. 142, 52 e 53, I e II, todos da Lei n.º 8213/91);
B) Das Regras Permanentes (EC nº 20/98), sem qualquer restrição temporal pela legislação previdenciária, apenas com limitação na DER. A Aposentadoria por Tempo de Contribuição é devida ao segurado que, cumprindo a carência exigida, prevista no art. 142 da Lei nº 8.213, completar 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher;
C) Das Regras de Transição - Aposentadoria por Tempo de Contribuição proporcional ou integral, com o cômputo do tempo trabalhado até 28/11/1999, dia anterior à edição da lei do fator previdenciário (Lei nº 9876/99), cujo salário de benefício deverá ser calculado nos termos da redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213. Para a inativação proporcional, é preciso o implemento da carência (art. 142 da Lei n.º 8213/91) e do tempo de contribuição mínimo de 25 anos, se mulher e 30 anos, se homem e, respectivamente, a idade mínima de 48 anos e 53 anos e, se for o caso, do pedágio de 20% para a aposentadoria integral ou 40% para a proporcional que, em 16/12/1998, faltava para atingir aquele mínimo necessário à outorga da inativação (art. 9.º, § 1.º, I, 'a' e 'b', da EC n.º 20/98), que corresponderá a 70% do salário de benefício, acrescido de 5% (cinco por cento) para cada ano de trabalho que superar aquela soma, até o máximo de 100%, que corresponderá à inativação integral (inciso II da norma legal antes citada). Ressalte-se, porém, que não se aplica a exigência da idade e do pedágio para a aposentadoria integral, porquanto mais gravosa ao segurado, entendimento, inclusive, do próprio INSS (Instrução Normativa INSS/DC n.º 57/2001), mantido nos regramentos subsequentes.
Importante lembrar que, independentemente do tempo encontrado, impõe-se a realização das simulações possíveis, uma vez que os salários de contribuição poderão variar nos períodos apurados e não necessariamente de um tempo de serviço mais reduzido advirá uma RMI menor.
Reconhece-se, portanto, o direito do segurado ao cálculo da RMI que lhe for mais vantajosa. Assim, caso o segurado preencha os requisitos para a concessão do benefício à luz das regras antigas, das regras permanentes e das regras de transição, a RMI do benefício deve ser calculada conforme as regras que lhe forem mais vantajosas. Não obstante, só há de se falar em direito adquirido ao melhor benefício se o segurado efetivamente preencher os requisitos para a aposentadoria em mais de um momento.
Direito à aposentadoria por tempo de contribuição
Considerando-se o tempo de serviço já contabilizado pelo INSS e os períodos de atividade especial reconhecidos nesta demanda, chega-se ao seguinte quadro:
Tempo já reconhecido pelo INSS | Anos | Meses | Dias | Carência |
Até a DER (09/12/2013) | 26 | 06 | 08 | 317 |
Período | Tempo | Fator | Tempo com fator | |
20/04/2010 a 24/02/2014 | 3 anos, 10 meses e 4 dias | 0,4 | 1 ano, 6 meses e 14 dias | |
Total | 1 ano, 6 meses e 14 dias |
Marco temporal | Tempo total | Carência | Idade | Pontos |
Até a DER (09/12/2013) | 27 anos, 11 meses e 23 dias | 317 | 45 anos e 10 meses | inaplicável |
Pedágio (Lei nº 9.876/99) | 12 anos, 0 mês e 0 dia |
Tempo mínimo para aposentação | 35 anos, 0 mês e 0 dia |
Em 16/12/1998 o autor não tinha direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não preenchia o tempo mínimo de serviço (30 anos) e a carência (102 contribuições).
Posteriormente, em 28/11/1999, o autor não tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição porque não preenchia o tempo mínimo de contribuição (35 anos) e a carência (108 contribuições).
Por fim, em 09/12/2013 (DER), o autor não tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição porque não preenchia o tempo mínimo de contribuição (35 anos).
Reafirmação da DER
O Tribunal pode exercer a atividade jurisdicional de forma plena, inclusive considerar, de ofício ou a pedido da parte, fato superveniente que possa influir na solução do litígio, a fim de decidir sobre as consequências advindas da substituição do acórdão. Torna-se possível, assim, examinar eventual pedido de reafirmação da data da entrada do requerimento (DER), para que seja completado o tempo exigido para a aposentadoria especial.
A reafirmação da DER, consoante o parágrafo único do art. 690 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015, é aplicável a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado. Logo, pode ser reafirmada a DER não somente no caso em que o segurado preenche os requisitos para a concessão do benefício após o requerimento administrativo, mas também na hipótese em que, considerado o tempo de contribuição posterior à DER, a renda mensal inicial é mais benéfica ao segurado.
Cabe salientar que o Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema 995, fixando a tese de que 'É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir'.
No caso sob análise, conforme dados extraídos do CNIS (evento 2), o autor, após a DER (09/12/2013), continuou trabalhando em condições especiais na empresa Clínica Radiológica Dr. José Alberto Schuch & Filho Ltda. até 24/02/2014, a partir de quando passou a perceber auxílio-doença, não mais retornando ao trabalho. Portanto, não há óbice ao cômputo desse período para o fim pretendido.
Dessa forma, considerando o tempo já reconhecido, chega-se ao seguinte quadro:
Tempo já reconhecido pelo INSS | Anos | Meses | Dias | Carência |
Até a DER (09/12/2013) | 27 | 11 | 23 | 317 |
Período | Tempo | Fator | Tempo com fator | |
10/12/2013 a 24/02/2014 | 0 ano, 2 meses e 15 dias | 1,4 | 0 ano, 3 meses e 15 dias | |
Total | 0 ano, 3 meses e 15 dias |
Marco temporal | Tempo total | Carência | Idade | Pontos |
Até 24/02/2014 | 28 anos, 3 meses e 9 dias | 285 | 46 anos e 1 mês | inaplicável |
Portanto, o autor não preencheu os requisitos legais para a concessão do benefício, uma vez que soma tempo insuficiente para a obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição.
Honorários advocatícios
Em que pese a modificação parcial da sentença, remanesce a sucumbência mínima do INSS, razão pela qual impõe-se a manutenção dos honorários advocatícios, fixados em desfavor do autor, em 10% sobre o valor da causa. Entretanto, a exigibilidade dessa obrigação fica suspensa por força da Gratuidade da Justiça, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC.
Tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente quanto à averbação do tempo especial reconhecido, no prazo de até trinta dias úteis. Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer a especialidade do período de 20/04/2010 a 24/02/2014, porém insuficiente para a concessão de aposentadoria especial/por tempo de contribuição, e, de ofício, determinar a averbação imediata.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002645395v9 e do código CRC 27ebadf8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 5/8/2021, às 15:25:10
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Apelação Cível Nº 5000827-56.2020.4.04.7119/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: PAULO ROBERTO DA SILVA PANTALEAO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. REAFIRMAÇÃO DA DER. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
1. A reafirmação da data de entrada do requerimento administrativo (DER), antes inclusive admitida pela administração previdenciária (IN 77/2015), tem lugar também no processo judicial, uma vez verificado o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, como fato superveniente, após o ajuizamento da ação ou da própria decisão recorrida, de ofício ou mediante petição da parte.
2. Para ter direito à aposentadoria especial, a parte autora deve preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8.213, quais sejam: a carência prevista no art. 142 da referida lei e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada.
3. Se o segurado se filiou à Previdência Social antes da vigência da Emenda Complementar nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e conta tempo de serviço posterior a esta data, deve-se examinar, para o fim de conceder-lhe o benefício mais vantajoso, o preenchimento dos requisitos para a aposentadoria por tempo de serviço, consideradas as regras anteriores à sua promulgação, para a aposentadoria por tempo de contribuição, pelas regras permanentes do novo regime então instituído, e, ainda, para a aposentadoria por tempo de contribuição, proporcional ou integral, pelas regras de transição.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer a especialidade do período de 20/04/2010 a 24/02/2014, porém insuficiente para a concessão de aposentadoria especial/por tempo de contribuição, e, de ofício, determinar a averbação imediata, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de julho de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002645396v3 e do código CRC 45fd037a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2021 A 20/07/2021
Apelação Cível Nº 5000827-56.2020.4.04.7119/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: PAULO ROBERTO DA SILVA PANTALEAO (AUTOR)
ADVOGADO: FILIPE RIBEIRO SANTOS (OAB RS049842)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2021, às 00:00, a 20/07/2021, às 14:00, na sequência 138, disponibilizada no DE de 02/07/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA RECONHECER A ESPECIALIDADE DO PERÍODO DE 20/04/2010 A 24/02/2014, PORÉM INSUFICIENTE PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL/POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A AVERBAÇÃO IMEDIATA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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