APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004797-85.2015.4.04.7104/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JUSSEMARA ALVES RODRIGUES |
ADVOGADO | : | EDIMARA SACHET RISSO |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO RECLUSÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO POR ERRO ADMINISTRATIVO. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que integram o presente julgado.
Porto Alegre/RS, 31 de maio de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8980847v5 e, se solicitado, do código CRC EA7FEF7B. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004797-85.2015.4.04.7104/RS
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JUSSEMARA ALVES RODRIGUES |
ADVOGADO | : | EDIMARA SACHET RISSO |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença (evento 33 do processo originário) julgou improcedente o pedido do INSS quanto à declaração de exigibilidade da devolução dos valores recebidos a título de auxílio reclusão NB 25/142.990.863-4 no período de 16.05.2007 a 30.09.2008
Nas razões (evento 39 - APELAÇÃO1) a Autarquia Previdenciária, sustenta que o art. 115 da Lei nº 8.213/91 é expresso no sentido de poder o INSS buscar a restituição de verbas não sendo relevante, para a existência dessa obrigação, a boa ou má fé no recebimento. Refere que a regra do art. 115 da Lei de Benefícios não é inconstitucional, de modo que o Poder Judiciário não pode deixar de aplicá-la. Diz que, no caso, a parte ré era dependente do recluso (por isso passou a receber o auxílio-reclusão), sendo evidente que ela tinha ciência de que ele exercia o trabalho, o que impossibilitava a manutenção do benefício. Consigna, nos termos dos artigos 876, 884 e 885 do Código Civil há enriquecimento sem causa do beneficiário, ainda que ele receba valores por erro da administração, não se traduzindo assim a irrepetibilidade. Pede, por fim, a reforma da sentença.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 43). O feito eletrônico alçou a esta Corte, ocasião em que foi autuado e distribuído.
A Procuradoria Regional da República, manifestando-se nos autos (evento 7 -PARECER1) opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Restituição de valores previdenciários pagos indevidamente.
Pois bem. É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de autotutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
A autorização legal para desconto e cobrança de valores indevidamente pagos a título de benefício está prevista no art. 115 da Lei nº 8.213/91 e no art. 154 do Decreto nº 3.048/99:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003) (...)
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa. (...)
A respeito do tema, a jurisprudência deste Regional firma-se no sentido da impossibilidade de repetição de valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em face do caráter alimentar das prestações previdenciárias que implica relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.123/91 e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.
A propósito, os seguintes precedentes:
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO.DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos. (TRF4 5014634-88.2015.404.7000, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 21/10/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas. Precedentes do STJ e desta Corte. 2. No caso em tela, a autora, beneficiária de pensão por morte desde 1969, contraiu novo matrimônio em 1971, ato que levaria à perda da qualidade de dependente pela legislação da época (Decreto 60.501/67, art. 15, VI). Quando requereu a pensão por morte em decorrência do falecimento do novo cônjuge, em 2011, foi informada de que houve pagamento indevido da pensão por morte no período de 40 anos, havendo lançamento do débito. Irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé. (TRF4, APELREEX 0014099-11.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 08/11/2016).
Destaque-se, ainda, a jurisprudência do STJ, no sentido de não ser devida a restituição de valores pagos aos segurados por erro/equívoco administrativo do INSS, observado o princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos, como se vê das ementas a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016).
Sobre o tema colho, ainda, o precedente do STF, que afasta violação ao princípio da reserva de plenário:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso extraordinário. 2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com o fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011; Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição." 4. Agravo regimental desprovido. (AI 849529 AgR/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 15-03-2012) (grifei).
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva.
Assim, ainda que se trate de parcela com nítido caráter alimentar, acaso caracterizada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, não há como se obstar a conduta da Administração de procurar reaver os valores pagos indevidamente. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016).
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. FRAUDE. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS PELO SEGURADO. Nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Contudo, a jurisprudência do STJ e desta Corte já é consolidada no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis, porque alimentares. No entanto, caso comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável, é devido ao INSS proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente. (TRF4, Sexta Turma, AC 0004498-56.2007.404.7208-SC, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, publicado no DE em 22/04/2010).
Do caso concreto
Os contornos da espécie foram bem delineados pelo julgador a quo na decisão recorrida (evento 33 - SENT1 do processo originário), cuja fundamentação, peço vênia para transcrever, adotando seus fundamentos como razões de decidir:
Trata-se, conforme relatado, de ação na qual o INSS postula a cobrança de valores alegadamente recebidos de forma indevida pela ré, a título de auxílio-reclusão, no período de 16.05.2007 a 30.09.2008. O INSS alega ter sido indevida a concessão do benefício de auxílio-reclusão em razão da ausência de comprovação da qualidade de segurado do instituidor e em razão do exercício de atividade remunerada, pelo instituidor, em período concomitante ao recebimento do benefício.
Não merece acolhida o pedido formulado pelo INSS. O INSS considerou que o Sr. José Lovidio Lisboa, instituidor do benefício, não tinha qualidade de segurado quando foi recolhido à prisão tomando por base a data de 20.06.2003, ou seja, data do primeiro recolhimento ao presídio, conforme documento anexado ao evento 12/OUT4. No entanto, restou demonstrado que houve progressão para o regime semiaberto, em 07.06.2006, e que o Sr. José Lovidio Lisboa foi admitido como empregado junto à empresa Incorporadora e Construtora Incoben Ltda. em 27.06.2006, retornando ao regime fechado em 14.05.2007 (evento 01/PROCADM2 e evento 12/OUT4). Nesse sentido, aparentemente o segurado instituidor do benefício tinha, de fato, qualidade de segurado quando do recolhimento à prisão havido em maio/2007. Tanto é assim que foi inicialmente deferido o benefício.
Por outro lado, apesar da probabilidade de ter havido desempenho de atividade laboral pelo segurado enquanto esteve cumprindo pena no regime semiaberto, tal fato não é suficiente, no caso, para ensejar a condenação da parte ré à devolução dos valores recebidos a título de auxílio-reclusão. No caso, o segurado, após o recolhimento ao estabelecimento prisional havido em maio de 2007, obteve progressão de regime para o semiaberto, retornando, em alguns períodos, para o cumprimento da pena em regime fechado. É possível que tenha havido, e aparentemente houve, de fato, em alguns períodos, desempenho de atividade laboral pelo segurado. Pode-se presumir isso em razão de o contrato de trabalho junto à empresa Incorporadora e Construtora Incoben Ltda. ter permanecido em vigor, não tendo havido referência, pela empregadora, aos períodos em que o segurado esteve recluso. Nesse sentido, declarou o empregador que o último dia de trabalho do segurado foi em 01.04.2013 (evento 01/PROCADM2, p. 27). Além disso, houve recolhimento de contribuições previdenciárias em alguns meses concomitantes ao pagamento do auxílio-reclusão (evento 01/PROCADM2, p. 30).
Apesar disso, não se pode desconsiderar, no caso, as peculiaridades envolvidas na concessão e pagamento do benefício de auxílio-reclusão. O beneficiário de tais prestações é pessoa diversa do segurado instituidor. Assim, o fato de o segurado ter eventualmente desempenhado atividade laboral no período concomitante ao pagamento do benefício não comprova, por si só, a má-fé da parte ré, beneficiária da prestação. No caso, não há elementos suficientes para afastar a presunção de boa-fé da parte ré. A boa-fé se presume, sendo ônus da autarquia comprovar a má-fé do segurado, ou , no caso, do beneficiário da prestação tida por indevida. Não há prova de que o segurado instituidor do benefício, nos períodos em que cumpriu a pena em regime semiaberto retornou ao convívio familiar. Tal fato até pode ser presumido, mas não pode ensejar, no caso, o reconhecimento da má-fé da parte ré. Como dito, o benefício de auxílio-reclusão tem peculiaridades, não se podendo atribuir ao benefíciário, no caso, à parte ré, a prática de qualquer ilicitude, não havendo evidência de sua má-fé no recebimento dos valores.
Efetivamente, examinando os autos, constato não ter ficado devidamente comprovado qualquer comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé da parte ré deste feito, descabendo, portanto, a exigibilidade de restituição dos valores recebidos. Aliás, o entendimento monocrático encontra-se alinhado ao posicionamento deste Regional e do STJ para a espécie.
A propósito, cabe colacionar as percucientes palavras do douto Procurador Regional da República Vitor Hugo Gomes da Cunha exaradas no parecer, confira-se:
Não assiste razão ao apelante.
A manutenção do pagamento de auxílio-reclusão em período no qual o instituidor do benefício exerceu atividade laboral ocorreu por erro da autarquia recorrente, e o benefício foi recebido de boa fé pela recorrida, vejamos.
Primeiro, na data de recolhimento ao presídio em regime fechado (14/05/2007) José Lovidio Lisboa, instituidor do benefício, se encontrava na condição de segurado da previdência social, conforme se verifica na sua CTPS (evento 12, CTPS5).
Houve, portanto, legalidade na concessão do auxílio-reclusão para JUSSARA ALVES RODRIGUES, ora recorrida.
Em segundo lugar, a constatação de que José progrediu para o regime
semiaberto, havendo recolhimento de contribuições previdenciárias concomitante ao pagamento de auxílio-reclusão, não afasta a presunção de boa fé da recorrida. O benefício previdenciário de auxílio-reclusão tem como beneficiário pessoa distinta da instituidora do benefício. No presente caso, o que caracteriza o pagamento indevido é, a alegada realização de atividade laboral pelo instituidor do benefício no período em que cumpriu pena no regime semiaberto, assim, a ilegalidade não é caracterizada por ação da recorrida, que figurou apenas como beneficiária. Ademais, conforme fundamentado na sentença recorrida "Não há prova de que o segurado instituidor do benefício, nos períodos em que cumpriu a pena em regime semiaberto retornou ao convívio familiar. Tal fato até pode ser presumido, mas não pode ensejar, no caso, o reconhecimento da má-fé da parte ré"
A fiscalização do pagamento dos benefícios previdenciários cabe ao INSS. Dessa forma, a autarquia, ao constatar o recolhimento de contribuição previdenciária por José Lovidio Lisboa, deveria ter realizado a suspensão do pagamento de auxílio-reclusão, cancelando o benefício.
Portanto, uma vez comprovado o erro da autarquia na manutenção do benefício e a boa-fé do beneficiário, não é devida a restituição dos valores recebidos, devendo ser relativizado o estabelecido nos artigos 1151, inciso II, §3º, da Lei nº 8.213/91 e 1542, § 3º, do Decreto nº 3.048/99, por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Dessa forma, mostra-se indevida a cobrança do segurado dos valores concedidos por força da proteção previdenciária. Tal conclusão assenta-se, ainda, nos Princípios da segurança jurídica e razoabilidade, sem prejuízo da observância do princípio segundo o qual, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Mantém-se, portanto, na íntegra, a sentença.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/05/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004797-85.2015.4.04.7104/RS
ORIGEM: RS 50047978520154047104
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Maurício Pessutto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JUSSEMARA ALVES RODRIGUES |
ADVOGADO | : | EDIMARA SACHET RISSO |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/05/2017, na seqüência 1121, disponibilizada no DE de 15/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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