APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017980-51.2014.4.04.7204/SC
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | CRISTIAN NIRI MARTINS |
ADVOGADO | : | ANTONIO CARLOS NEVES DE SOUZA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DEFERIMENTO EM GRAU DE APELO. VIABILIDADE. LEI Nº 1.060/50. EFEITOS RETROATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. OPERAÇÃO PSICOSE. RECEBIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA MEDIANTE FRAUDE E MÁ-FÉ DEVIDAMENTE COMPROVADAS. COBRANÇA PELO INSS DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO. POSSIBILIDADE. ART. 115 DA LEI 8.213/91 C/C ART. 154 DO DECRETO 3.048/99. TAXA SELIC. DESCABIMENTO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO.
1. O pedido de assistência gratuita pode ser feito em qualquer fase do processo, sendo suficiente para a sua obtenção a simples afirmação do estado de pobreza. 2. No caso em tela, tanto na contestação e em outras peças acostadas nos autos originários não houve pedido de AJG. O pleito de tal benefício, consoante se verificou foi realizado tão somente por ocasião da propositura do recurso de apelação. 3. De acordo com a jurisprudência pátria, embora a gratuidade da justiça possa ser requerida a qualquer tempo, não opera efeitos ex tunc, de sorte que somente passa a valer para os atos ulteriores à data do pedido, não afastando a sucumbência sofrida pela parte na condenação de 1º grau, que somente pode ser revista se, porventura, acatado o mérito da sua apelação, quando do julgamento desta. 4. Pedido de AJG deferido com efeitos futuros e posteriores à data da propositura da apelação. 5. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica (no caso, apresentação de dados inverídicos para obtenção de aposentadoria por tempo de serviço), aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido. 6. Dos elementos probantes do feito, constata-se que não se trata de erro administrativo do INSS. Ao contrário, o segurado, evidentemente, agiu maliciosamente no sentido de obter - com fraude e mediante engano - aposentadoria especial por tempo de contribuição da Autarquia Previdenciária. 7. Dos elementos probantes do feito, constata-se que não se trata de erro administrativo do INSS. Ao contrário, a má-fé é patente, pois há nos autos provas de que houve fraude no ato concessório, mormente o apelante movia-se com a plenitude de suas faculdades mentais e intencionalmente buscava o benefício previdenciário usando de artifícios pouco ilegais. 8. Igualmente, exsurgiu prova da vantagem indevida e que era ela ilícita (percepção de benefício previdenciário por incapacidade por segurado plenamente capaz para a vida laboral). Houve uso de expediente fraudulento (simulação de sintomas de esquizofrenia atestada por documento médico ideologicamente falso), que induziu a autarquia previdenciária em erro. 9. Mostra-se improcedente o pedido de redução do montante do débito, porquanto, consta expressamente que a DIB do benefício ocorreu em 01-06-2011 e o comando de cessação foi realizado em 12-08-2012. Em face desse cancelamento em meados do mês agosto, ainda o sistema computou mais uma competência com término em 12-09-2012, sendo pago ao apelante mais um mês de indevido benefício de incapacidade, conforme se vê correta planilha constante do processo administrativo 10. Comprovou-se, no caso, nítido enriquecimento sem causa à custa do combalido sistema previdenciário pátrio. 8. Evidenciada a má-fé do segurado, à luz do art. 115 da Lei 8.213/91, o INSS pode proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente a título de aposentadoria por tempo de serviço 11. Em face de não possuírem as parcelas a serem restituídas ao INSS natureza de crédito tributário, descabe a incidência da SELIC para atualizar o montante devido. 12. Quando se trata de ressarcimento decorrente de benefício previdenciário recebido com inequívoca comprovação de má-fé da demandada e resultando nítido o caráter ilícito na percepção, os juros de mora têm início a partir do evento danoso e não da citação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, deferir o benefício da gratuidade da justiça com efeitos ex nunc e negar provimento à apelação de Cristian Neri Martins e dar parcial provimento ao recurso do INSS, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que integram o presente julgado.
Porto Alegre/RS, 07 de junho de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8998981v7 e, se solicitado, do código CRC E6A805CD. | |
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| Data e Hora: | 08/06/2017 17:25 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017980-51.2014.4.04.7204/SC
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | CRISTIAN NIRI MARTINS |
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APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas pelo INSS e Cristian Neri Martinsão em face de sentença (evento 97 - SENT1 do processo originário) que julgou procedente o pedido do INSS para restituição por parte do segurado de valores pagos indevidamente a título de auxílio-doença (NB 31/546.267.592-1), no período de 01-06-2011 a 12-09-2012.
Nas razões (evento 101 do eProc originário) O INSS busca a reforma da sentença para que seja considerado o termo inicial da fluência dos juros o momento da prática do ato ilícito e seja utilizada a taxa SELIC como fator de correção do crédito a que faz jus.
Por sua vez, a defesa de Cristian Neri, na sua peça recursal (evento 103 -APELAÇÃO1 dos autos eletrônicos originário), com apoio do disposto no art. 4º da lei 1.060/50, postula, preliminarmente, a concessão do benefício da gratuidade da justiça, tendo em conta a manifesta hipossuficiência do réu recorrente. No mérito, sustenta que o apelante não teve dolo em sua conduta tendo agido tão somente com culpa, vez que fora orientado a tomar devidas medidas, não sabendo exatamente do que se tratava, pois necessitava do auxilio previdenciário a titulo de alimentos, pois estava sem condições físicas para trabalhar, e não tinha de onde retirar seu sustento. Consigna que inexiste provas que tenha agido com má-fé, devendo ser julgada improcedente a ação proposta pelo INSS. Em caso de ser mantida a sentença, pede seja excluído quantia relativa a 04 meses, uma vez que constou da sentença o período de 06-2011 a 09-2011, quando em verdade Cristian recebeu o auxílio-doença entre julho de 2011 a junho de 2012 do montante a ser devolvido. Pede, por fim, a reforma as sentença, com a condenação do INSS no pagamento das custas e honorários advocatícios.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 107 e 110 do processo originário). O feito eletrônico alçou a esta Corte, ocasião que autuado e distribuído.
A Procuradoria Regional da República manifestando-se nos autos, opinou pelo provimento do recurso do INSS e parcial provimento do apelo de Cristian Neri Martins. (evento 5 - PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, em observância às regras do atual CPC quanto ao juízo de admissibilidade, consigno que as apelações devem ser conhecidas em face do preenchimento dos requisitos legais.
Apelo de Cristian Neri Martins
Preliminar. Concessão de AJG.
Dispõe o art. 4º da Lei 1.060/50 que, para obtenção do benefício da gratuidade, é suficiente a simples afirmação do estado de pobreza, que poderá ser elidida por prova em contrário. Nesse sentido:
MANDADO DE SEGURANÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. ÔNUS DA PARTE ADVERSA. 1. Para a obtenção do benefício da assistência judiciária gratuita é suficiente a simples afirmação do interessado de que não está em condições de pagar as custas do processo e, se for o caso, os honorários de advogado, sem prejuízo de sua manutenção ou de sua família. 2. A declaração prestada na forma da lei firma em favor do requerente a presunção juris tantum de pobreza, cabendo à parte adversa o ônus de provar a inexistência ou o desaparecimento do estado de miserabilidade. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no MS 15.282/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 02/09/2010).
Também está consagrado na jurisprudência que a concessão do benefício da gratuidade judiciária, vale dizer, pode ser requerida a qualquer tempo, in verbis:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. INVERSÃO. IMPOSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE POBREZA. EXIGÊNCIA. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O pedido de assistência gratuita pode ser feito em qualquer fase do processo, sendo suficiente para a sua obtenção a simples afirmação do estado de pobreza. 2. Por se tratar de presunção juris tantum, pode o Magistrado, em caso de dúvida acerca da veracidade da declaração de pobreza do requerente, ordenar-lhe a comprovação do estado de miserabilidade a fim de subsidiar o deferimento da assistência judiciária gratuita. Precedente do STJ. 3. Agravo improvido. (AgRg no Ag 1138386/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 03/11/2009)
No caso em tela, cabe registrar que tanto na contestação e em outras peças acostadas nos autos originários não houve pedido de AJG. O pleito de tal benefício, consoante se verifica foi realizado tão somente por ocasião da propositura do presente apelo.
Ocorre que a jurisprudência pátria é firme no sentido de que embora a gratuidade da justiça possa ser requerida a qualquer tempo, uma vez concedida, não tem efeito retroativo, de modo que só se aplica aos atos posteriores ao pedido de AJG deferido.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
PROCESSO CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CPC/2015. UNIÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. REGULAMENTAÇÃO. GRATIFICAÇÃO POR QUALIFICAÇÃO - GQ. IMPOSSIBILIDADE. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. 1. (...) 6. A apelante não demonstrou a alegada hipossuficiência. Recebeu em dezembro/2014 o valor bruto de R$ 8.935,87, e líquido de R$ 6.820,25, acima de três salários mínimos vigentes, R$ 2.640,00, e do teto de isenção do Imposto de Renda, R$ 1.903,98, e não comprovou, mesmo na 1 esfera recursal, a hipossuficiência, podendo arcar com as despesas inerentes ao processo. 7. Fosse pouco, a concessão da gratuidade de justiça nesta oportunidade não teria efeitos retroativos, nem eficácia para afastar a condenação em honorários advocatícios, pois o benefício deferido em segundo grau opera apenas efeitos ex nunc. 9. Visto a data da sentença, 3/5/2016, aplica-se a norma do art. 85, §11º, do CPC/2015, para majorar, inclusive de ofício, os honorários, de 10% para 12% do valor atualizado da causa, em desfavor da sucumbente. 9. Apelação desprovida. (TRF2, 6ª Turma, AC nº 01089395120134025101, Relatora Des. Federal Nizete Lobato Carmo, DJE de 11-01-2017).
PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. JUSTIÇA GRATUITA. IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM AS CUSTAS PROCESSUAIS. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE. A legislação processual, ao determinar ao julgador que decida por equidade, não autoriza sejam os honorários sucumbenciais fixados em valor irrisório. Considerando o tempo de duração do processo, a complexidade da causa e o trabalho desenvolvido pelo patrono da apelante, a verba honorária deve ser fixada em R$1.000,00 (mil reais), corrigido. Quanto ao pleito formulado pela instituição de ensino em sede de contrarrazões, cumpre registrar que, conquanto possa ser postulada e deferida em qualquer fase processual e grau de jurisdição, a concessão da gratuidade de justiça não tem efeitos retroativos, eximindo a parte dos encargos processuais somente a partir da data da concessão do benefício, resguardados os encargos já impostos (Lei n.1.060, arts. 4º, 6º e 12). É ônus da pessoa jurídica comprovar os requisitos para a obtenção do benefício da assistência judiciária gratuita, independentemente da finalidade lucrativa ou não da entidade requerente. Precedentes. Apelação provida. (TRF3, 4ª Turma, APELREEX nº 00250794320104036100, Rel. Juiz Federal Marcelo Guerra, publicado no E-DJF3 de 02-12-2016)
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. SENTENÇA TRÂNSITO EM JULGADO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL: APELAÇÃO. PRECEDENTES. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. ART. 475-J, PARÁGRAFO 5º, DO CPC. EFEITOS NÃO RETROATIVOS DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUÍTA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pelo SEPRO - SERVIÇO FEDERAL DE PROCESSAMENTO DE DADOS contra decisão da lavra do MM Juiz Federal da 3ª Vara Federal de Pernambuco que indeferiu pedido de execução da verba sucumbencial fixada na sentença exequenda, ao argumento de que a matéria estava preclusa. 2. A jurisprudência do c. STJ consagra o entendimento de que a decisão que indefere o requerimento de cumprimento da sentença tem natureza sentencial, devendo ser impugnada, portanto, por meio de apelação. 3. No que concerne à execução dos honorários advocatícios de sucumbência em favor da empresa pública recorrente, não há motivos para afastá-la, pois, embora tenha sido deferido o pedido de justiça gratuita, tal benefício somente fora pleiteado e concedido quando já transitado em julgado a sentença que condenou o executado no pagamento da verba sucumbencial, de sorte que se mostra escorreita a execução imposta no título exequendo, dado os efeitos ex nunc do benefício, não podendo retroagir para alcançar atos processuais anteriormente convalidados, mesmo que possível a concessão da gratuidade da justiça em qualquer fase do processo. 4. Precedente do c. STJ: 1.[...]. 2. Os efeitos do benefício da justiça gratuita devem ser ex nunc, vale dizer, não podem retroagir para alcançar atos processuais anteriormente convalidados, mormente se o pedido da concessão do benefício tiver o propósito de impedir a execução dos honorários advocatícios que foram anteriormente fixados no processo de conhecimento, no qual a parte litigou sem o benefício da Justiça Gratuita. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp: 839168 PA 2006/0082767-5, Quinta Turma, Rel. Ministra LAURITA VAZ, pub. DJ 30/10/2006 p. 406) Apelação provida. (TRF5, 1ª Turma, AC nº 2009.803.00004777-9, Rel. Des. Federal José Maria Lucena, DJE de 20-02-2015).
Na mesma direção, julgado deste Tribunal
PROCESSUAL CIVIL. AJG. REQUISITOS. RETROATIVIDADE. SUSPENSÃO JULGAMENTO. 1. O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser concedido em qualquer fase do processo, em todas as instâncias, até o trânsito em julgado da decisão. 2. Todavia, a concessão do benefício só produzirá efeitos quanto aos atos processuais relacionados ao momento do pedido, ou que lhe sejam posteriores, não sendo admitida, portanto, sua retroatividade. (...) (TRF4, apelação Cível Nº 5002258-07.2010.404.7110, 3ª TURMA, Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/02/2011)
Portanto, a gratuidade da justiça não opera efeitos ex tunc, de sorte que somente passa a valer para os atos ulteriores à data do pedido, não afastando a sucumbência sofrida pela parte na condenação de 1º grau, que somente pode ser revista se, porventura, acatado o mérito da sua apelação, quando do julgamento desta.
Assim, provejo o recurso no ponto e, diante do pedido no recurso concedo o benefício da gratuidade judiciária ao apelante, cujos efeitos somente passam a valer para os atos posteriores à data da propositura da apelação.
Mérito
Restituição de valores pagos indevidamente.
É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de autotutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
A autorização legal para tal desiderato está estampada nos artigos 115 da Lei 8.213/91 e 154 do Decreto 3.048/99, in verbis:
Lei nº 8.213/91
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido; (...)
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
§ 2o Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
Decreto nº 3.048/99
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
I - contribuições devidas pelo segurado à previdência social;
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser feita de uma só vez, atualizada nos moldes do art. 175, independentemente de outras penalidades legais.
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma. (...).
Logo, para a manutenção do equilíbrio financeiro do regime geral, tão caro à sociedade brasileira, o princípio da supremacia do interesse público deve ser invocado pela Autarquia Previdenciária para fazer retornar ao sistema da seguridade social valores que foram indevidamente pagos.
De outro lado, não se desconhece a remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis.
Nesse sentido, os seguintes julgados do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016)
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
Pois bem. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva.
Examinando os elementos probantes do feito, tenho que não se trata de erro administrativo do INSS. Ao contrário, o segurado, evidentemente, agiu maliciosamente no sentido de obter mediante fraude e engano, auxílio-doença da Autarquia previdenciária e recebeu ilegalmente o benefício (NB 31/546.267.592-1) durante o período de 01-06-2011 a 12-09-2012.
Os argumentos defensivos não são capazes de elidir os sólidos fundamentos de fato e de direito constante da sentença (evento 97 - SENT1 do processo eletrônico originário) que merece ser mantida em todos seus termos. Para evitar tautologia, reproduzo seus fundamentos, que adoto como razões de decidir:
(...)
No caso concreto, a má-fé é patente, pois há nos autos provas de que houve fraude no ato concessório. De fato, após as investigações realizadas na denominada Operação Psicose, da Polícia Federal, o INSS detectou irregularidades nos benefícios por incapacidade deferidos ao réu. Na oportunidade, o principal elemento de prova utilizado pela autarquia foi o Termo de Declarações prestadas pelo segurado, ora réu, à Polícia Federal, confirmando nunca que consultou com o médico que atestou a doença psiquiátrica incapacitante (evento 1 - PROCADM2).
O laudo pericial corrobora tal conclusão, pois registra que a autor não é portadora de esquizofrenia (evento 77), única patologia referida pelo corpo médico do INSS como fundamento para concessão do benefício por incapacidade. Aliás, na perícia, o réu confirmou que não padece de nenhuma enfermidade mental e foi "ludibriado" com finalidade de conseguir o benefício.
Destarte, a presente ação de cobrança deve ser julgada procedente, a fim de que o INSS possa reaver os valores indevidamente pagos à segurada.
A propósito, ao caso, é extremamente relevante colacionar a laboriosa sentença prolatada no processo criminal nº 5002876-53.2013.404.7204 - evento 126 desse feito), em que ficou evidentemente demonstrando o agir malicioso de Cristian Neri Martins na obtenção do benefício de incapacidade:
(...)
Segundo a acusação, a fraude consistiria na apresentação de receitas e atestados médicos ideologicamente falsos ao perito do INSS e na simulação, em perícias médicas junto ao INSS, de sintomas de doença psiquiátrica (esquizofrenia), com a finalidade de obter manifestação do perito no sentido da existência de incapacidade para o trabalho.
CRISTIAN MARTINS percebeu vantagem econômica decorrente de benefício previdenciário por incapacidade, no período de julho de 2011 e maio de 2012, na ordem de R$ 26.187,92 (valores nominais). O dado que trata da vantagem econômica está consignado nos relatórios confeccionados pela autarquia e foi juntado ao inquérito policial 50049193120114047204 (evento 19 - DESP4, p. 87). Trata-se de um dos elementos da tipicidade da conduta a respeito do qual não há controvérsia levantada pelos réus.
O réu CRISTIAN MARTINS requereu o benefício de auxílio-doença por incapacidade laborativa junto à agência do INSS em Lauro Müller - SC. Teve sua perícia agendada para o dia 1º-06-2011, conforme apontam os documentos trazidos ao feito no evento 107 (p. 3). Na data aprazada foi submetido à avaliação do médico do INSS, que teceu as seguintes considerações (evento 107 - p. 25):
História:
Acompanhado por terceiro, amigo, que informa que o Cristian reside em Criciúma e veio para casa de parente, ficou doente o ano passado, problema no quadril e este ano apresentou alteração de comportamento, e precisou consultar psiquiatra que sugeriu internação, SIC. Tem AM de 18052011, CRM 15466, Dr. Rafael, informando: portador de CID F20.0, grave, em tratamento, período indeterminado de tempo. Tem receita e envelopes de haloperidol, levomepromazina, biperideno.
Exame Físico
Cabisbaixo, mudo, não responde a qualquer pergunta, permanece com olhar parado, apático, conduzido por terceiro, que prestou as informações.
CID: F20 - Esquizofrenia
Considerações:
Incapaz.
Em 28-9-2011 o réu foi submetido à nova avaliação pericial (p. 27):
História:
Conduzido pelo cunhado, não fala, senta, levanta e quer andar. Tem AM de 180511 e de 190711, CRM 15466, informando: CID F20.0, permanece em tratamento e usando Haldol, Risperidona, Biperideno, Neozine, e incapacitado por tempo indeterminado.
Exame Físico:
Inquieto, olhar parado, pálido, desleixo pessoal, não responde a nenhuma pergunta, movimentos de tronco, balançando, contido pelo cunhado, até na sala de espera.
CID: F20 - Esquizofrenia
Considerações:
Incapaz
Em 13-04-2012 houve nova perícia médica (p. 28):
História:
Exame para concluir perícia de PP, face atraso na conclusão. Tem AM de 190312, CRM 15466. CID F20.0: Sem condições laborativas.
Exame Físico:
Conduzido por um cunhado, alheio ao meio, olhar parado, inquieto e não responde.
CID: F20 - Esquizofrenia
Considerações:
Incapaz para qualquer atividade no momento.
Ocorre que o réu CRISTIAN não era e não é esquizofrênico, conforme reconheceu ele expressamente à autoridade policial (IP 50049193120114047204: evento 43 - DESP2, p. 13)4:
[...] QUE há cerca de um ano, teve o benefício auxílio doença indeferido, como ficou nervoso, uma rapaz entregou o telefone de TEREZINHA e falou que ela trabalhava no INSS e que era para ligar, pois resolveria o problema do declarante; QUE o declarante ligou para TEREZINHA e marcou um encontro. Na ocasião TEREZINHA encaminhou o declaraqnte para se consultar com o médico MADEIRA e, após, marcou perícia para o declarante; QUE na sequência teve o benefício concedido; QUE se consultou com este médico cerca de quatro vezes; QUE indagado se é esquizofrênico, o declarante disse que não; QUE a fim de confrontar a versão apresentada pelo declarante, foram reproduzidas as ligações de índices 1459765, 1465301, 1465317, 1465321, 1617369; QUE o declarante confirmou que é um dos interlocutores e que estes diálogos foram mantidos com TEREZINHA; QUE a partir deste momento, o declarante disse que passaria a falar a verdade; QUE o declarante trabalhava como vendedor na Central de Alimentos, localizada em Criciúma/SC; QUE trabalhou nesta empresa durante dois anos; QUE sua renda mensal era toda composta de comissão e variava de R$ 1.500,00 a R$ 2.000,00; QUE confirma ser o titular do telefone 9973-1490; QUE o telefone 9917-5932 e de um amigo do declarante; QUE enquanto trabalhava como vendedor teve problemas no quadril, vindo a se "encostar"; QUE ficou recebendo auxílio doença durante dois anos; QUE após recebeu alta; QUE quando recebeu alta ficou desesperado; QUE um rapaz, de aproximadamente 35 anos, de pele morena, mas não negro, baixo, cabelos e olhos escuros, que estava na Agência da Previdência Social de Criciúma, viu o declarante desesperado, disse que conhecia uma mulher que trabalhava no INSS e que deveria ligar para ela para se encostar; QUE este rapaz entregou o telefone de TEREZINHA para o declarante; QUE o declarante ligou para TEREZINHA, vindo a marcar um encontro na casa dela, em Içara; QUE na ocasião, o declarante explicou seu caso, vindo TEREZINHA a dizer que ia ajudar o declarante; QUE TEREZINHA falou para o declarante dar R$ 300,00 para pagar uma consulta que seria realizado com o médico; QUE dias após efetuar o pagamento, TEREZINHA disse que o declarante não precisava mais se consultar, pois já tinha resolvido tudo; QUE após, TEREZINHA agendou data para a perícia do declarante, a qual foi realizada na Agência da Previdência Social de Lauro Müller/SC, por orientação de TEREZINHA; QUE confirma que recebeu orientação de TEREZINHA de como se portar durante a perícia no INSS; QUE antes da perícia, TEREZINHA orientou o declarante a ficar calado, mudo, ficar olhando para baixo e deixar que ela responderia as perguntas dos peritos; QUE o declarante sequer pegava os atestados médicos; QUE os atestados eram entregues pela pessoa que acompanhava o declarante durante as perícias; QUE após concedido o benefício do declarante, TEREZINHA cobrou a primeira parcela do benefício como pagamento pelos serviços prestados, aproximadamente R$ 2.200,00; QUE o declarante nega que tenha a doença esquizofrenia; QUE o declarante, na época, estava muito depressivo; QUE o atestado apresentado para concessão do benefício, diagnosticando a doença esquizofrenia, foi emitido por RAFAEL ROSWAG MADEIRA; QUE ele atende no Edifício Mileniun, localizado nesta cidade; [...] QUE a cada perícia, o declarante pagava R$ 300,00 por atestado, para TEREZINHA, e caso o benefício fosse concedido, pagava mais uma parcela do benefício; QUE o declarante estava percebendo benefício incapacitante há um pouco mais de 01 (um) ano; QUE indagado se TEREZINHA tinha algum servidor do INSS que auxiliava na concessão do benefício do declarante, este respondeu que, por uma ocasião, TEREZINHA falou que tinha uma amiga na Agência do INSS que trabalhava junto com TEREZINHA e que auxiliava na concessão dos benefícios e agendava as perícias para ela; QUE não foi dito quem era a servidora; QUE o declarante conheceu LUIZ CARLOS BORGES e LUANA DE OLIVEIRA BORGES; QUE LUIZ CARLOS, esposo de TEREZINHA, acompanhou o declarante durante uma perícia; QUE nas outras ocasiões foi acompanhado por TEREZINHA, e por outros dois homens, desconhecidos, mas estavam na companhia de TEREZINHA; QUE não conhece ANDRÉIA DA SILVA MACHADO [...]
É verdade que CRISTIAN silenciou em Juízo, não confirmando seu relato prestado à autoridade policial. Todavia, o conjunto probatório é suficiente para reforçar as suspeitas extraídas do interrogatório policial, que não é o único elemento a confirmar a prática delitiva pelo réu.
(...) há outros diálogos interceptados confirmando que o réu CRISTIAN fala com naturalidade e ao contrário dos estados catatônicos relatados nos laudos periciais.
Mais: o réu CRISTIAN sequer fez consulta ao psiquiatra RAFAEL MADEIRA e, a bem da verdade, nem mesmo o conhecia. Conforme dito à autoridade policial:
[...] QUE o declarante nunca se consultou com o mencionado médico; QUE todos os atestados apresentados durante as perícias no INSS, foram emitidos por RAFAEL, todavia o declarante sequer o conhece; (destaquei) [...]
É digno de nota, acrescento, que a busca de auxílio-doença pelo réu CRISTIAN foi recorrente em sua vida funcional, conforme retrata a série de perícias médicas a que o réu foi submetido (evento 1 - LAU3). Antes do surgimento da falsa esquizofrenia, o réu CRISTIAN esteve no consultório pericial por uma dezena de vezes, quase sempre suscitando problemas ortopédicos inflamatórias e, por último, em razão de fratura de dedo da mão direita. Esse último auxílio-doença, concedido em julho de 2010, precedeu o surgimento da doença psiquiátrica, quando o réu já contabilizava 37 anos de vida e sem histórico clínico compatível com a moléstia, fatos que contrastavam com um dos elementos característicos da doença, que é o surgimento no início da fase adulta do indivíduo.
Além disso, fato comum aos três eventos periciais é a sistemática participação de terceiros em favor do réu CRISTIAN. Esses agentes, nem sempre devidamente identificados, prestam suposto auxílio físico ao periciando e, principalmente, relatam as circunstâncias e sintomas da doença ao perito do INSS. Em duas perícias, aliás, a condução se dá por um "amigo", algo raro no trato de doentes esquizofrênicos. Ora, é incomum que um simples "amigo" fosse encarregado da tarefa de levar o doente esquizofrênico em estado catatônico ao INSS em busca de auxílio-doença. Tal atitude é feita por parentes muito próximos, tamanha a dificuldade de lidar diariamente com a moléstia ou com os efeitos colaterais causados pelos medicamentos prescritos.
Na verdade, reitero, o réu CRISTIAN não era e nunca foi esquizofrênico ou mesmo sofria de doença próxima.
O diagnóstico de esquizofrenia e a simulação de comportamentos típicos desta doença foram o modo mais fácil de reconhecimento, pelo perito do INSS, de incapacidade para o trabalho, já que se trata de doença grave, sem cura, de difícil controle e altamente incapacitante.
O réu CRISTIAN agia com o objetivo definido de alcançar o benefício previdenciário, o que resta manifesto em um dos diálogos telefônicos já citados (índice 1465301). Questiona, inclusive, a ré MARIA TEREZINHA quanto à habilidade do acompanhante (o marido de MARIA TEREZINHA) em fazer o mesmo trabalho feito nas perícias anteriores por terceiros. O réu CRISTIAN, na ocasião, pergunta se ele (o réu LUIZ CARLOS BORGES) também faria igual ao outro cara lá. O réu, portanto, tinha consciência da ilicitude dos atos, pois contava com o teatro fraudulento arquitetado pela ré MARIA TEREZINHA para alcançar a concessão e a renovação dos benefícios previdenciários. O dolo, por conseguinte, é inquestionável.
(...)
Ocorre que a declaração atestando a doença psiquiátrica do réu CRISTIAN NERI MARTINS é ideologicamente falsa, pois não havia sido o paciente examinado clinicamente pelo médico e réu RAFAEL MADEIRA, conforme dito à autoridade policial pelo primeiro:
[...] QUE o declarante nunca se consultou com o mencionado médico; QUE todos os atestados apresentados durante as perícias no INSS, foram emitidos por RAFAEL, todavia o declarante sequer o conhece; (destaquei) [...]
É o próprio réu CRISTIAN que confirma não sofrer de esquizofrenia:
[...] QUE confirma que recebeu orientação de TEREZINHA de como se portar durante a perícia no INSS; QUE antes da perícia, TEREZINHA orientou o declarante a ficar calado, mudo, ficar olhando para baixo e deixar que ela responderia as perguntas dos peritos; QUE o declarante sequer pegava os atestados médicos; (destaquei) QUE os atestados eram entregues pela pessoa que acompanhava o declarante durante as perícias; QUE após concedido o benefício do declarante, TEREZINHA cobrou a primeira parcela do benefício como pagamento pelos serviços prestados, aproximadamente R$ 2.200,00; QUE o declarante nega que tenha a doença esquizofrenia; (destaquei) QUE o declarante, na época, estava muito depressivo; QUE o atestado apresentado para concessão do benefício, diagnosticando a doença esquizofrenia, foi emitido por RAFAEL.
(...)
Em resumo, há prova da vantagem indevida (R$ 26.187,92: IP evento 19 - DESP4, p. 87) e que era ela ilícita (percepção de benefício previdenciário por incapacidade por segurado plenamente capaz para a vida laboral). O recebimento do benefício seu deu após o emprego de expediente fraudulento (simulação de sintomas de esquizofrenia pelo réu CRISTIAN e expedição de atestado médico ideologicamente falso por RAFAEL MADEIRA), gerando prejuízo ao INSS. A ação deliberada dos réus, em particular de MARIA TEREZINHA, projetava a concessão do benefício previdenciário em favor de CRISTIAN NERI MARTINS, principal interessado no resultado do estelionato.
Percebe-se, portanto, inequívoca a má-fé do apelante, razão pela qual se justifica a imposição de restituir os valores recebidos indevidamente aos cofres da Previdência Social.
Nessa direção, cabe mencionar os seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016)
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. FRAUDE. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS PELO SEGURADO. Nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Contudo, a jurisprudência do STJ e desta Corte já é consolidada no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis, porque alimentares. No entanto, caso comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável, é devido ao INSS proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente. (AC 0004498-56.2007.404.7208-SC, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Sexta Turma, D.E. 22/04/2010)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. OCORRÊNCIA DE FRAUDE. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA APÓS PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. DESCONTO DOS VALORES. REGULARIDADE. I - (...) V - Entendendo-se pela caracterização da má-fé do requerente no recebimento dos valores, não há como se obstar a conduta da Administração de procurar reaver os valores pagos indevidamente. VI - Apelação improvida. Extinção do processo com resolução do mérito. (TRF5, AC 000066558.2012.405.8200, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Ivan Lira de Carvalho, publicado no DJE de 30-06-2016).
No que tange ao período do recebimento indevido, não comporta acolhida a alegação de que foi entre julho de 2011 a junho de 2012. Da leitura do extrato INFBEN do Sistema PLENUS do INSS (evento 1 - PROCADM2, pág. virtual 43 do feito eletrônico originário) consta expressamente que a DIB do benefício ocorreu em 01-06-2011 e o comando de cessação foi realizado em 12-08-2012. Em face desse cancelamento em meados do mês agosto, ainda o sistema computou mais uma competência com término em 12-09-2012, sendo pago ao apelante mais um mês de indevido benefício de incapacidade, conforme se vê correta planilha constante do processo administrativo (Evento 1 - PROCADM2, pág. virtual 113).
Destarte, diante da robusta comprovação da má-fé do segurado, deve ser mantida a sentença de primeiro grau em todos os seus termos.
Apelo INSS
Correção monetária e juros.
Em face de não possuírem as parcelas a serem restituídas ao INSS natureza de crédito tributário, descabe aplicação a incidência da SELIC para atualizar o montante devido, razão pela qual deve ser mantida a sentença neste ponto.
No tocante aos juros, quando se trata de ressarcimento decorrente de benefício previdenciário recebido com inequívoca comprovação de má-fé do demandado e resultando nítido o caráter ilícito na percepção, os juros de mora têm início a partir do evento danoso e não da citação.
Isso porque, com o ilícito, nasce de imediato, em contrapartida, a obrigação ao ressarcimento pelo causador do ato, de sorte que desde o evento danoso surge a mora, pois somente mais tarde é que ele vem a repará-la. No tópico, é de ser provido o recurso da Autarquia Previdenciária.
Ante o exposto, voto por deferir o benefício da gratuidade da justiça com efeitos ex nunc, negar provimento à apelação de Cristian Neri Martins e dar parcial provimento ao recurso do INSS, consoante explicitado.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/06/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017980-51.2014.4.04.7204/SC
ORIGEM: SC 50179805120144047204
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | CRISTIAN NIRI MARTINS |
ADVOGADO | : | ANTONIO CARLOS NEVES DE SOUZA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/06/2017, na seqüência 839, disponibilizada no DE de 23/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DEFERIR O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA COM EFEITOS EX NUNC, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DE CRISTIAN NERI MARTINS E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, CONSOANTE EXPLICITADO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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