Apelação Cível Nº 5000579-68.2017.4.04.7128/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARCOS ANTONIO DEROSSI (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Marcos Antonio Derossi interpôs recurso de apelação contra sentença, proferida em 09/07/2018, que julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:
ANTE O EXPOSTO, julgo improcedente o pedido (CPC/2015, art. 487, I, 2ª parte).
Arcará o autor com as custas processuais e com os honorários advocatícios devidos ao patrono do INSS, que fixo em 10% sobre o valor da causa, atualizado pelo IPCA-E, nos termos dos §§ 2º e 3º e § 4º, III, do art. 85 do CPC/2015.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazoar, querendo, no prazo legal.
Vindas, ou decorrido o prazo, remetam-se os autos ao E. TRF 4ª Região.
Em sua apelação, a parte autora requereu a abertura da instrução processual, em razão da ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que foi indeferida a realização de perícia(s) relativamente ao(s) período(s) laborado(s), segundo narra, em condições especiais. Defendeu a conversão do tempo comum em especial, sustentando que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que foi efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Entende, assim, que a vedação instituída pela Lei nº 9.032/1995 não alcança os períodos anteriores à sua vigência. Defendeu a concessão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento da especialidade do trabalho prestado nos períodos de 06/03/1997 a 30/12/2009 e 01/02/2010 a 09/12/2016.
Apresentadas contrarrazões pela parte ré.
VOTO
Cerceamento de defesa
No presente caso, a parte autora requereu a realização de prova técnica, com o objetivo de demonstrar a especialidade dos períodos em que trabalhou como engenheiro agrônomo nas empresas Rubifrut Agroindustrial LTDA (06/03/1997 a 30/12/2009) e Agropecuária Schio LTDA (01/02/2010 a 09/12/2016), os quais, por essa razão, deveriam ser considerados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como tempo qualificado.
A questão foi abordada na decisão do evento 41, consoante excerto que ora se transcreve:
2. Da prova testemunhal
Por não se revelar o meio de prova mais adequado para comprovação dos fatos em questão, o pedido de produção de prova oral, em relação ao tempo de atividade de Engenheiro Agrônomo, não merece acolhida. Com efeito, os depoimentos testemunhais não poderão sobressair em relação à documentação apresentada e provas produzidas. Nesse sentido, indefiro o pedido de produção de prova testemunhal.
3. Da prova pericial
Postula a parte autora a produção de prova pericial para comprovação da especialidade de períodos em que trabalhou nas empresas Rubifrut Agroindustrial Ltda e Agropecuária Schio Ltda (sucessora da empresa Rubifrut).
No que toca ao exercício das atividades especiais, cabe destacar que a prova deve respeitar a legislação da época da atividade, conforme posição uníssona da jurisprudência atual.
Nesta linha, prescreve atualmente o § 1º do artigo 58 da LBS que “a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista”.
Portanto, o formulário – atualmente o PPP –, elaborado com base em laudo técnico contemporâneo à atividade, é o documento escolhido pelo legislador para retratar as efetivas condições da atividade laboral desenvolvida pelo segurado.
No caso dos autos, foi(ram) acostado(s) ao processo o(s) PPP(s) relativo aos períodos questionados, como fica claro do exame dos documentos das empresas Rubifrut Agroindustrial Ltda (de 06.03.1997 a 30.12.2009 – PPP nas fls. 15-18 do PROCADM7, evento 01, e laudos técnicos no doc. LAUDO2, evento 35), e Agropecuária Schio Ltda.(de 01/02/2010 a 09/12/2016 – PPP nas fls. 19-20 e laudos técnicos nas fls. 21-74 do do PROCADM7, todos do evento 01), de modo que é desnecessária a realização de perícia em relação ao(s) lapso(s) indicado(s). Com efeito, a documentação citada não apresenta nenhuma irregularidade formal, tendo sido preenchida de forma minuciosa e exaustiva.
Ante o exposto, INDEFIRO a produção de prova pericial, e faculto ao autor a apresentação de outros documentos que entender úteis ao deslinde da demanda no que tange à atividade especial, no prazo de 15 (quinze) dias.
Na sequência, sobreveio a sentença recorrida, na qual não foi reconhecido o labor qualificado.
Nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil (CPC), caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Para a verificação da especialidade das atividades exercidas com exposição a agentes nocivos, leva-se em consideração, em regra, o conteúdo da documentação técnica lavrada pela empresa (formulários, laudos e perfil profissiográfico previdenciário (PPP), por exemplo). Contudo, em caso de dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência desta documentação, tem lugar a possibilidade de produção de laudo pericial por ordem judicial.
Nesse sentido, transcreve-se recente precedente da 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Regiāo, no sentido da viabilidade da elaboração da prova técnica judicial, não obstante a existência de PPP, inclusive quando guarnecido por laudos lavrados pelo empregadora, acaso a higidez das informações nele(s) contida(s) seja questionada pelo trabalhador. O aresto a seguir reproduzido reflete a síntese da tese resultante da apreciação do IRDR nº 15 desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS. PROVA. PPP. PERÍCIA. 1. O fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta 'S' (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial. 2. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. 3. Quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, não há mais discussão, isso é, há a especialidade do período de atividade. 4. No entanto, quando a situação é inversa, ou seja, a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado, possam questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI. 5. O segurado pode realizar o questionamento probatório para afastar a especialidade da eficácia do EPI de diferentes formas: A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI - estudo técnico-científico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança. Outra possibilidade é a juntada de uma prova judicial emprestada, por exemplo, de processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. 5. Entende-se que essas duas primeiras vias sejam difíceis para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI. 6. Uma terceira possibilidade será a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar elementos probatórios à empresa que comprovem a eficácia do EPI e a efetiva entrega ao segurado. 7. O juízo, se entender necessário, poderá determinar a realização de perícia judicial, a fim de demonstrar a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI. Também poderá se socorrer de eventuais perícias existentes nas bases de dados da Justiça Federal e Justiça do Trabalho. 8. Não se pode olvidar que determinada situações fáticas, nos termos do voto, dispensam a realização de perícia, porque presumida a ineficácia dos EPI´s. (TRF4 5054341-77.2016.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator para Acórdão JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 11/12/2017).
É necessário, igualmente, avaliar a utilidade da prova que se pretende produzir e a possibilidade material de sua produção. Afinal, a referida prova objetiva conferir segurança ao julgamento, propiciando ao seu destinatário suficientes elementos para avaliação quanto aos argumentos que respaldam a pretensão articulada na petição inicial.
No caso sob exame, contudo, os PPPs que serviram de base para a sentença foram preenchidos sem inconsistências, bem como foram devidamente assinados pelos técnicos responsáveis.
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213/91), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, que modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213/1991, a legislação previdenciária estabelece que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, a lei de conversão (Lei nº 9.711/1998) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. A matéria foi decidida em recurso especial repetitivo, firmando-se a seguinte tese no Tema nº 546 do STJ: 'A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço'(REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24-10-2012, DJe 19-12-2012).
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Conversão do tempo comum em especial
Diante do entendimento confirmado pelo STJ no âmbito do EDcl no REsp 1.310.034/PR, julgado em 26/11/2014, em sede de recurso representativo de controvérsia, não é possível a conversão em especial, pelo fator 0,71, dos períodos comuns. Isso porque a Lei nº 9.032/95 extinguiu a possibilidade de conversão do tempo comum em especial, de modo que a aposentadoria especial ficou reservada ao segurado que efetivamente exerce todo o tempo de atividade exigido (15, 20 ou 25 anos) em condições especiais, sem possibilidade de aproveitamento de períodos comuns convertidos. Ressalva-se, apenas, a hipótese do segurado que já houvesse preenchido, quando do advento da Lei nº 9.032/95, os requisitos para a concessão do benefício.
Cuida-se, no particular, de precedente de observância obrigatória pelos tribunais (art. 927, III, CPC), o que dispensa, inclusive, maiores digressões sobre o tema. Anote-se, de qualquer sorte, que a tese do direito adquirido, invocada pelo recorrente, foi repelida pela Corte Superior, que apenas reconhece a existência de direito adquirido à conversão quando os requisitos para a aposentadoria foram preenchidos antes da Lei nº 9.032/95 -- o que, a toda evidência, não constitui a hipótese dos autos.
Ademais, não foi demonstrado que o caso presente se distinguiria daquele submetido à apreciação do STJ, de modo que devem ser observados os fundamentos determinantes daquela decisão.
Caso concreto
A parte autora alega que a atividade de Engenheiro Agrônomo exige a presença "em ambientes com forte presença de agrotóxicos e alto risco de contaminação tóxica e contração de enfermidade". Aduz, ainda, que "é indiferente se o apelante submete-se ao ambiente insalubre em todos os dias da semana ou em apenas alguns dias - ou seja: ainda que esteja exposto de forma intermitente, o contato com agrotóxicos e agroquímicos é altamente nocivo à saúde do trabalhador, e enseja o reconhecimento da especialidade do labor".
Consoante exposto acima, "conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade".
Contudo, a análise das atividades desempenhadas pelo demandante como Engenheiro Agrônomo permite concluir que a exposição aos agentes químicos se dava de forma ocasional:
Rubifrut Agroindustrial LTDA:
Agropecuária Schio LTDA:
Desta forma, utilizo os fundamentos expostos pela MM. Juíza Federal:
Da análise da prova documental acostada aos autos, verifica-se que não restou demonstrada a efetiva exposição a agentes nocivos capazes de caracterizar a especialidade das atividades desempenhadas.
Com efeito, da descrição das atividades desempenhadas pelo demandante, dessume-se que a exposição aos agentes acontecia, no máximo, de forma ocasional/intermitente.
Saliente-se não ser possível o reconhecimento da especialidade do período mediante o enquadramento em razão do exercício da atividade de engenheiro, conforme defendido pelo autor na inicial. Com efeito, o alegado enquadramento era possível apenas até o advento da Lei nº 9.032, em 28-04-1995, conforme alhures explicitado.
A seguir, discriminam-se os períodos de tempo de serviço comum (ou especial) controvertidos:
Período | Agente nocivo com análise qualitativa | Agente nocivo com análise quantitativa | Nível | Limite | EPI eficaz | Reconhecido em sentença |
06/03/1997 a 30/12/2009 | - | - | - | - | não | não |
01/02/2010 a 09/12/2016 | - | - | - | - | não | não |
Período: 06/03/1997 a 30/12/2009 |
Empresa: Rubifrut Agroindustrial LTDA |
Função/atividades: Engenheiro agrônomo |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: Evento 1, PROCADM7, Página 15 |
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Período: 01/02/2010 a 09/12/2016 |
Empresa: Agropecuária Schio LTDA |
Função/atividades: Engenheiro |
Agentes nocivos: Nenhum |
Provas: Evento 1, PROCADM7, Página 19 |
Conclusão: não há especialidade, não havendo reparos a serem feitos na sentença.
Assim, em relação ao(s) período(s) 06/03/1997 a 30/12/2009 e 01/02/2010 a 09/12/2016, não há indicação de que a parte autora estivesse exposta a qualquer agente nocivo em nível superior ao limite de tolerância, nem a agente nocivo que independe de análise quantitativa. A sentença não reconheceu a especialidade do(s) período(s), não havendo reparos a serem feitos neste ponto.
Honorários recursais
Os honorários advocatícios devem ser majorados, por força do disposto no art. 85, §11, do CPC, para 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação da parte autora e, de ofício, majorar os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001357950v8 e do código CRC 16b4c49a.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 2/10/2019, às 23:5:10
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Apelação Cível Nº 5000579-68.2017.4.04.7128/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARCOS ANTONIO DEROSSI (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO COMUM PARA ESPECIAL.
1. Não é cabível a anulação da sentença quando a decisão foi baseada em documentos devidamente assinados pelos técnicos responsáveis, sem inconsistências.
2. Se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
3. A conversão do tempo de serviço comum em especial deve observar a disciplina legal em vigor quando se aperfeiçoaram os requisitos para a concessão do benefício (Tema nº 546 do STJ).
4. A Lei n. 9.032, de 28-04-1995, ao alterar o §3º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, vedou, a partir de então, a possibilidade de conversão de tempo de serviço comum em especial para fins de concessão do benefício de aposentadoria especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora e, de ofício, majorar os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de outubro de 2019.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001357951v6 e do código CRC 6ac7b6b4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 01/10/2019
Apelação Cível Nº 5000579-68.2017.4.04.7128/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: MARCOS ANTONIO DEROSSI (AUTOR)
ADVOGADO: JACSON PAIM DE SOUZA (OAB RS101779)
ADVOGADO: JACSON PAIM DE SOUZA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Ordinária do dia 01/10/2019, na sequência 315, disponibilizada no DE de 19/09/2019.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, MAJORAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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