Apelação Cível Nº 5007790-48.2013.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ARANI WAGNER PIETRO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Arani Wagner Pietro interpôs recurso de apelação contra sentença, proferida em 27/09/2016, que julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, I do CPC.
Com base no artigo 98, § 2º, do CPC (Lei nº 13.105/2015), condeno a Autora ao pagamento das custas processuais e em honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no artigo 85, § 2º, do CPC (Lei nº 13.105/2015).
Considerando que a Autora é beneficiária da assistência judiciária gratuita, a execução da condenação às custas processuais e honorários advocatícios fica, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC (Lei nº 13.105/2015), condicionada à demonstração pelo credor de que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, nos cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão.
Sentença não sujeita ao reexame necessário.
Em sua apelação, a parte autora requereu, preliminarmente, o conhecimento do agravo retido e a anulação da sentença proferida, em razão da ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que foi indeferido pedido para realização de nova perícia técnica, relativamente ao trabalho prestado nos períodos de 01.09.1998 a 11.12.2003 e 01.06.2004 a 29.09.2010, o qual, segundo narra, se deu em condições especiais. Aduziu, também, a ocorrência de cerceamento de defesa em virtude do indeferimento da realização de audiência para a oitiva de testemunhas com o objetivo de comprovar o exercício de atividade rural em regime de econima familiar. No mérito, reiterou pedido para o acolhimento da pretensão deduzida na petição inicial
Sem contrarrazões.
Vieram os autos a este Tribunal Regional Federal da 4a. Região.
VOTO
Cerceamento de defesa
Analisa-se, incialmente, a alegação de cerceamento de defesa contida no agravo retido interposto pela parte autora, no que tange ao indeferimento da realização de nova perícia técnica.
No presente caso, a parte autora sustentou a necessidade de renovar a prova pericial realizada nos autos. Sustentou que o laudo confeccionado pelo expert não retratou com fidelidade a realidade do ambiente de trabalho da autora.
A questão foi abordada na decisão do evento 45, consoante excerto que ora se transcreve:
Intimada do conteúdo do laudo pericial apresentado, alegou a parte autora que a medição de ruído efetuada pelo perito, ao contrário do referido no laudo, foi realizada no intervalo da empresa, quando todas as demais máquinas de costura do local estavam desligadas (Evento 47).
O perito designado foi intimado a esclarecer as circunstâncias da medição do ruído. Na oportunidade, confirmou as informações do laudo de que a medição se deu durante o horário de expediente, quando havia outras costureiras operando (Evento 52). Referiu, ainda, que houve duas medições, uma primeira numa máquina aleatoriamente selecionada e uma segunda na máquina indicada pela autora como sendo aquela na qual trabalhou.
Diante dos esclarecimentos prestados pelo perito designado, informando que a perícia ocorreu no horário normal de labor da parte autora, indefiro o pedido de realização de nova perícia.
Na sequência, sobreveio a sentença recorrida, na qual não foi reconhecido o tempo qualificado.
Nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil (CPC), caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Para a verificação da especialidade das atividades exercidas com exposição a agentes nocivos, leva-se em consideração, em regra, o conteúdo da documentação técnica lavrada pela empresa (formulários, laudos e perfil profissiográfico previdenciário (PPP), por exemplo). Contudo, em caso de dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência desta documentação, tem lugar a possibilidade de produção de laudo pericial por ordem judicial.
Nesse sentido, transcreve-se recente precedente da 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Regiāo, no sentido da viabilidade da elaboração da prova técnica judicial, não obstante a existência de PPP, inclusive quando guarnecido por laudos lavrados pelo empregadora, acaso a higidez das informações nele(s) contida(s) seja questionada pelo trabalhador. O aresto a seguir reproduzido reflete a síntese da tese resultante da apreciação do IRDR nº 15 desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS. PROVA. PPP. PERÍCIA. 1. O fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta 'S' (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial. 2. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. 3. Quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, não há mais discussão, isso é, há a especialidade do período de atividade. 4. No entanto, quando a situação é inversa, ou seja, a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado, possam questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI. 5. O segurado pode realizar o questionamento probatório para afastar a especialidade da eficácia do EPI de diferentes formas: A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI - estudo técnico-científico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança. Outra possibilidade é a juntada de uma prova judicial emprestada, por exemplo, de processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. 5. Entende-se que essas duas primeiras vias sejam difíceis para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI. 6. Uma terceira possibilidade será a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar elementos probatórios à empresa que comprovem a eficácia do EPI e a efetiva entrega ao segurado. 7. O juízo, se entender necessário, poderá determinar a realização de perícia judicial, a fim de demonstrar a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI. Também poderá se socorrer de eventuais perícias existentes nas bases de dados da Justiça Federal e Justiça do Trabalho. 8. Não se pode olvidar que determinada situações fáticas, nos termos do voto, dispensam a realização de perícia, porque presumida a ineficácia dos EPI´s. (TRF4 5054341-77.2016.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator para Acórdão JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 11/12/2017).
É necessário, igualmente, avaliar a utilidade da prova que se pretende produzir e a possibilidade material de sua produção. Afinal, a referida prova objetiva conferir segurança ao julgamento, propiciando ao seu destinatário suficientes elementos para avaliação quanto aos argumentos que respaldam a pretensão articulada na petição inicial.
No caso sob exame, contudo, o laudo pericial realizado é suficiente ao deslinde da controvérsia, sendo desnecessária a renovação da prova. Em verdade, sob o pretexto de que teve o seu direito cerceado, a parte autora postula a realização de nova perícia em função do resultado desfavorável à sua pretensão. Com efeito, o expert esclareceu que a medição do nível de ruído se deu durante o horário de expediente, quando havia outras costureiras operando (evento 52). Assim, não prospera a alegação de que a perícia foi realizada no intervalo dos demais trabalhadores.
Portanto, deve ser negado provimento ao agravo retido.
Justificação administrativa
Segundo o art 108 da Lei nº 8.213/91, a justificação administrativa tem como objetivo suprir a falta de documento ou provado ato do interesse de beneficiário. Também é nesse sentido o art. 142 do Decreto nº 3.048/99 e o art. 574 da IN nº 77/2015 do INSS.
Nos moldes do art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91, a justificação só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal. Da mesma forma dispõe o art. 142, § 1º, do Decreto nº 3.048/99.
Relevante, ainda, o que dispõe o art. 151, do Dec. nº 3.048/99:
Art. 151. Somente será admitido o processamento de justificação administrativa na hipótese de ficar evidenciada a inexistência de outro meio capaz de configurar a verdade do fato alegado, e o início de prova material apresentado levar à convicção do que se pretende comprovar. (negritei)
Promovida a ação judicial, devem as provas serem produzidas perante o juízo, nos expressos termos do art. 453 do Código de Processo Civil, a saber:
Art. 453. As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto:
I - as que prestam depoimento antecipadamente;
II - as que são inquiridas por carta.
Por conta da necessidade de dirigir o processo com equilíbrio entre as partes e, sobretudo, assegurar que a convicção que possua seja fundada na imediatidade das provas produzidas em sua presença, quando tiverem de ser produzidas por testemunhas, deve o magistrado designar audiência de instrução e julgamento.
Não tem a justificação perante o INSS, o mesmo valor e, seguramente, os mesmos efeitos, como se sabe a partir da reiterada jurisprudência quanto à matéria, sendo inclusive seguidamente objeto de impugnação em juizo as provas obtidas a partir de testemunhas não ouvidas diretamente pelo magistrado que conduz o processo.
Não é por outro motivo que a matéria, a propósito, converteu-se até em objeto de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR nº 17 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região) na qual se firmou a seguinte tese:
Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
Portanto, se a produção de provas foi requerida (eventos 23, PET1 e 81, MEMORIAIS1), podendo influeciar no direito a ser reconhecido, o ato que deve ser praticado pelo magistrado.
Além disso, é evidente o prejuízo à autora, ao ter violado o seu direito à produção da prova testemunhal perante o juiz.
Com efeito, tendo em conta toda a fundamentação acima e a configuração da hipótese prevista na tese firmada para o IRDR nº 17, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (acima transcrita), impõe-se a anulação da sentença, devendo o processo retornar ao juízo de origem, para que se proceda, novamente, em data oportuna, a retomada da instrução processual, em audiência de instrução e julgamento, com depoimento, perante o MM. Juiz de Direito, das testemunhas arroladas pela autora.
Em razão do acolhimento da preliminar suscitada, fica prejudicada a análise das demais questões meritórias.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento ao agravo retido, dar parcial provimento à apelação apenas para anular a sentença e determinar a realização de audiência para a oitiva de testemunhas, com o retorno dos autos à origem, e julgar prejudicadas as demais questões da apelação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002095687v4 e do código CRC dcb10b3c.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5007790-48.2013.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ARANI WAGNER PIETRO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Nº 17, DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Promovida a ação judicial, as provas devem ser produzidas perante o juízo da causa, sendo descabido delegar à autoridade administrativa o ato que deve ser praticado pelo magistrado, nos termos do art. 456 do Código de Processo Civil, ressalvadas as exceções expressamente previstas.
2. Nos termos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 17, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, se a prova oral é produzida em justificação administrativa e o conjunto probatório não permite o reconhecimento do exercício de atividade rural ou a concessão da aposentadoria por idade rural, não é possível a dispensa da ouvida de depoimentos testemunhais em juízo.
3. Sentença anulada e determinado o retorno do processo à origem, para a produção de prova testemunhal perante o juiz.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido, dar parcial provimento à apelação apenas para anular a sentença e determinar a realização de audiência para a oitiva de testemunhas, com o retorno dos autos à origem, e julgar prejudicadas as demais questões da apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002095688v4 e do código CRC efc90dba.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 10/11/2020
Apelação Cível Nº 5007790-48.2013.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: ARANI WAGNER PIETRO (AUTOR)
ADVOGADO: ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)
ADVOGADO: JULIA CAROLINA LONGHI KOSCIUK (OAB RS076632)
ADVOGADO: ELISANGELA LEITE AGUIAR (OAB RS080438)
ADVOGADO: ANILDO IVO DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 10/11/2020, na sequência 15, disponibilizada no DE de 28/10/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO APENAS PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA A OITIVA DE TESTEMUNHAS, COM O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM, E JULGAR PREJUDICADAS AS DEMAIS QUESTÕES DA APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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