APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5029773-71.2015.4.04.7100/RS
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | CLOVIS ANTONIO TEIXEIRA |
ADVOGADO | : | ANA PAULA PEREIRA DA ROCHA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIARIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERMENTO DE COMPLEMENTAÇÃO DE PROVA PERICIAL. PRELIMINAR AFASTADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO DE DEFICIENTE. TERMO INICIAL. DATA DA INCAPACIDADE. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. DIFERIDOS.
1. Havendo elemento nos autos suficientes para a fundamentação da decisão, mormente por se tratar de fato que enseja avaliação de especialista, não ha que se falar em cerceamento de defesa quando o magistrado indefere a realização da prova testemunhal.
2. Comprovada a condição de deficiente e o risco social, é devido o amparo assistencial desde a data em que se comprova o preenchimento dos requisitos.
3. Termo inicial do benefício que deve retroagir ao primeiro pedido, amparado no histórico do demandante e elementos dos autos.
4. As normas que versam sobre correção monetária e juros possuem natureza eminentemente processual, e, portanto, as alterações legislativas referentes à forma de atualização monetária e de aplicação de juros, devem ser observadas de forma imediata a todas as ações em curso, incluindo aquelas que se encontram na fase de execução.
5. Visando não impedir o regular trâmite dos processos de conhecimento, firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público, a forma como será apurada a atualização do débito deve ser diferida (postergada) para a fase de execução, observada a norma legal em vigor.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do autor, negar provimento à remessa oficial e, de ofício, diferir para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e da correção monetária, restando prejudicada a remessa necessária no ponto, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de setembro de 2016.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8444130v18 e, se solicitado, do código CRC 9458D360. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
| Data e Hora: | 15/09/2016 18:36 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5029773-71.2015.4.04.7100/RS
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | CLOVIS ANTONIO TEIXEIRA |
ADVOGADO | : | ANA PAULA PEREIRA DA ROCHA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária com pedido de tutela antecipada objetivando a concessão de benefício assistencial desde 29/12/2005 (Evento 2-ANEXOSPETINI5 - DER).
Após realização de duas perícias psiquiátricas durante a tramitação do processo, a sentença deferiu a antecipação dos efeitos da tutela e julgou parcialmente procedente a demanda (Evento 2 - Sent 99), condenando o INSS conceder o benefício assistencial, a partir de 01/11/2012, data do início da incapacidade indicada pela segunda perícia judicial. Condenou o réu, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas e ao ressarcimento à Justiça Federal do valor pago a título de honorários periciais. Sem custas.
A parte autora apelou (Evento2 - apelação100), arguindo, preliminarmente, a existência de cerceamento de defesa por indeferimento de realização de audiência de instrução e julgamento para aferir a necessidade de nova perícia invalidando a primeira avaliação psiquiátrica. No mérito, afirmou ter sido comprovada a condição de deficiente e o risco social desde o primeiro requerimento administrativo, realizado em 29/12/2005, conforme documentos trazidos aos autos.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O MPF opinou pelo improvimento do apelo da autora e pelo parcial provimento da remessa necessária no tocante aos consectários legais.
É o breve relatório.
VOTO
Do Direito Intertemporal
Considerando que o presente voto está sendo apreciado por essa Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, referente ao recurso de apelação interposto em face de sentença exarada na vigência da Lei n.º 5.869/73, código processual anterior, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.
Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).
Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatibilidade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.
Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.
Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:
(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Remessa Oficial
Conforme já referido linhas acima, tratando-se de sentença publicada na vigência do CPC/73, inaplicável o disposto no art. 496 do CPC/2015 quanto à remessa necessária.
Consoante decisão da Corte Especial do STJ (EREsp nº 934642/PR), em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o Instituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos.
Não sendo esse o caso, conheço da remessa oficial.
Do Cerceamento de Defesa
Não merece guarida a preliminar suscitada.
É que a incapacidade/impedimento de longo prazo deve ser averiguada a partir de parecer técnico e laudos elaborados por profissionais habilitados na especialidade da patologia e não por prova testemunhal ou por vídeo do autor.
De nada adiantaria o magistrado, que não é formado em medicina, tampouco especializado em psiquiatria, ouvir as testemunhas ou o autor, porquanto não possui capacidade técnica para averiguar o que pode ou não ser enquadrado na patologia mental arguida.
As duas perícias já elaboradas por psiquiatras em (Evento 2 -LAUDPERI23, LAUDPERI31, LAUDPERI76, LAUDPERI89) bem como os demais laudos médicos e fichas de internação são elementos suficientes para amparar a decisão judicial.
Assim, e em atenção ao princípio do livre convencimento motivado do Juiz, afasto a alegação de cerceamento de defesa, pois a matéria já se encontra suficientemente esclarecida.
Ultrapassada a preliminar, passo à análise do mérito.
Do Benefício Assistencial
A Constituição Federal instituiu, no art. 203, caput, e em seu inciso V, "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".
Tal garantia foi regulamentada pelo art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), alterada pela Lei 9.720/98. Posteriormente, a redação do mencionado art. 20 foi novamente alterada pelas Leis nºs 12.435/2011 e 12.470/2011, passando a apresentar a seguinte redação:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de deficiente ou idoso (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Precedentes jurisprudenciais resultaram por conformar o cálculo da renda familiar per capita, da qual deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima. Neste sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO NO STF. SOBRESTAMENTO DO FEITO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA FAMILIAR. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PERCEBIDO POR MAIOR DE 65 ANOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI Nº 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA. LEI Nº 11.960/2009. INCIDÊNCIA IMEDIATA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Esta Corte não está adstrita ao julgamento do Excelso Pretório, por força do art. 543-B da lei processual civil, não possuindo os julgados daquela Corte efeito vinculante para com os desta.
2. A finalidade da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), ao excluir da renda do núcleo familiar o valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, foi protegê-lo, destinando essa verba exclusivamente à sua subsistência.
3. Nessa linha de raciocínio, também o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por maior de 65 anos deve ser afastado para fins de apuração da renda mensal per capita objetivando a concessão de benefício de prestação continuada.
4. O entendimento de que somente o benefício assistencial não é considerado no cômputo da renda mensal per capita desprestigia o segurado que contribuiu para a Previdência Social e, por isso, faz jus a uma aposentadoria de valor mínimo, na medida em que este tem de compartilhar esse valor com seu grupo familiar.
5. Em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.
6. A Lei nº 11.960/2009, segundo compreensão da Corte Especial deste Sodalício na linha do que vem entendendo a Suprema Corte, tem incidência imediata.
7. Agravo regimental parcialmente provido.
(AgRg no REsp 1178377/SP, Relator Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 19/03/2012)
Também deverá ser desconsiderado o benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade.
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTS. 203, V, DA CRFB/88 E 20 DA LEI N.º 8.742/93. MISERABILIDADE. COMPROVAÇÃO.
1. A constitucionalidade do § 3.º do art. 20 da Lei n.º 8.742/93 (STF, ADIN 1.232, Plenário, Rel. p/acórdão Min. Nelson Jobim, DJU 01-6-2001 e RCL 2303-AgR, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01-4-2005) não desautoriza o entendimento de que a comprovação do requisito da renda mínima familiar per capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, necessária à concessão do benefício assistencial, não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a condição de miserabilidade da parte autora e de sua família.
2. Para fins de aferir a renda familiar nos casos de pretensão à concessão de benefício assistencial, os valores de benefícios decorrentes de incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) devem ser considerados distintamente se comparados aos valores referentes aos outros benefícios previdenciários, porquanto aqueles, via de regra, devem fazer frente às necessidades geradas pela incapacidade que ensejou a concessão do benefício, não se podendo dar-lhes a dimensão, à vista do princípio da razoabilidade, de também atender a todas as demais exigências do grupo familiar.
3. Caso em que o único rendimento do grupo familiar (autora, mãe e pai), resume-se ao benefício de aposentadoria por invalidez percebido pelo genitor, de valor mínimo (R$ 300,00), que, se excluído, configura a situação de renda inexistente, expondo a situação de risco social, necessária à concessão do benefício.
(EIAC N.º 2004.04.01.017568-9/PR, Terceira Seção, Relator o Juiz Federal João Batista Lazzari, unânime, DE 20/07/2009)
Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
No que refere à renda mínima, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento representativo de controvérsia (REsp n.º 1.112.557/MG - 3ª Seção - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009), assentou que essa renda não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família. Em síntese, a renda per capita inferior a 1/4 de salário mínimo implica presunção de miserabilidade a ensejar o deferimento do benefício, mas não impede o julgador de, mediante as demais provas dos autos, concluir pela caracterização da condição de miserabilidade da parte e de sua família.
Este o teor da ementa:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido. (grifei)
Do caso concreto
Segundo se extrai dos autos, o demandante afirma que era morador de rua quando requereu o amparo assistencial em 2005. Possuía problemas mentais e, apesar de já ter sido casado e ter tido dez filhos, não possuía contato com esta família, já que sua esposa também tinha problemas mentais e os filhos foram criados por outras pessoas.
Na data do ajuizamento da ação, em 23/09/2009, o pai do autor ainda estava vivo e o endereço indicado foi a sua residência.
O laudo socioeconômico (Evento 2-LAUDPERI22), realizado em 18/01/2010, apontou que o autor, então com 59 anos de idade (DN 22/06/1950), morava com o pai na Rua Ibirapuitã, 190, no Bairro Passo da Areia. O genitor afirmou para a assistente social que o demandante tinha "problema de cabeça" e que por isso não se adaptava à residência, passando grande parte do tempo nas ruas e dormindo em um albergue.
Constou ainda no laudo social que a mãe faleceu quando o autor era criança ainda. O pai do demandante, Sr. Antonio, conviveu maritalmente com outra mulher por 46 anos, já falecida. O autor tem uma irmã, mas como não foram criados juntos após a morte da mãe, não tem contato com ela. Continua o laudo:
Na época o usuário tinha apenas cinco anos de idade e ficou morando em uma fazenda na cidade de Butiá, onde casou com a Sra. Eloisa da Silva Teixeira e teve nove filhos. (siu)
O usuário está separado extrajudicialmente da Sra. Eloisa, a qual não costuma ter contato consigo e está residindo em Arroio dos Ratos - RS, com um irmã da Igreja Deus é Amor. (siu)
A separação da esposa é relatada pelo usuário de forma confusa e contraditória, pois em momentos diz ter separdo há dezesseis anos e em outros momentos diz fazer um ano que está separado.
Da mesma forma confusa fala a respeito dos filhos, dos quais relatou lembrar apenas os nomes (Miguel, Cecília, Márcia, Matias e Paulinho) e ainda somente de alguns.
Já o Sr. Antonio nunca teve contato com os netos, mas relatou saber que alguns o Conselho Tutelar "abrigou".
Segundo o Sr. Antonio, a falta do convívio com o filho faz com que desconheça sua trajetória de vida e assim desconhece o tempo em que ficou casado e há quanto tempo está separado extrajudicialmente, bem como informações a respeito dos netos.
A renda familiar advinha de uma aposentadoria do pai, no valor de um salário mínimo, sendo que este tinha câncer na bexiga. A casa onde morava, após o falecimento de sua companheira, foi herdada pelo genitor e mais três filhos da companheira falecida, sendo que não tinha dinheiro para pagar aos outros três herdeiros para ficar com a casa.
Pelo relato do pai à assistente social, esse não sabia nem quais os remédios que o filho tomava, porque ele pouco parava naquela casa:
"Ele mistura os remédio que a gente nem sabe, toma um poco de um, um poco de outro, ele não para aqui dona, a gente não sabe e ele grita que vai morre, que vai morre, que que leve no médico, mais como é que eu vo, eu não consigo nem comigo." (Sr. Antonio).
A assistente social foi ainda ao Instituto Espírita Dias da Cruz, localizado na Av. João Pessoa, 366, Porto Alegre, que funciona como albergue noturno. Lá conversou com a assistente social Aline de Almeida e com o zelador Gentil Maciel, que informaram que o autor teve sua primeira passagem por lá em 05/06/2007 e no decorrer do período costumava passar algumas noites no local, com freqüência, conforme ficha cadastral.
A perita social ainda apontou que o pai havia comprado uma casa para o autor em área verde, sendo que pouco podia fazer para ajudá-lo mais. A renda financeira do pai era insuficiente para a manutenção de duas pessoas com debilidades de saúde, sendo que o autor sequer costumava utilizá-la, já que passva a maior parte do tempo nas ruas e dormindo em albergue.
Questionado o que faria com a renda do benefício assistencial disse que iria ajudar a ex-esposa no sustento dos filhos, embora tenha afirmado que não tinha contato com ela e não se recordasse de todos os filhos que tem.
O pai do autor faleceu no curso do processo em 16/08/2011 (evento 2, OUT98, p. 2).
Para comprovar o estado incapacitante, o autor juntou aos autos os seguintes documentos:
a) ficha médica de internação na Associação Hospitalar Vila Nova, datada de 15/06/2005, constando como endereço Rua Voluntários da Pátria, 22, sem documento, onde se lê (evento 2, INI5, p. 10-11):
Descrição: ICC, ansiedade
Laudo técnico e justificativa de internação: Paciente muito nervoso c/ dispnéia, tontura, nervoso, "frio" nos MsIs, discreta cianose, extrassistolia, edema +++/4 MsIs.
Condições que justificam a internação: Estado geral comprometido.
b) documentos dessa internação ocorrida entre 15/06/2005 e 21/06/2005, constando no relatório de alta o encaminhamento ao psiquiatra (evento 2, INI5, p. 19);
c) boletim de atendimento do Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, datado 03/08/2008, onde consta que se tratava de morador de rua que vinha mostrar exames realizados em outro posto. Tal boletim encaminha-o para atendimento médico com clínico geral (evento 2, INI5, p. 4);
d) ecografia da bolsa escrotal realizada em 10/03/2009, onde consta cisto com certa de 1,5 cm (evento 2, INI5, p. 28).
O autor foi submetido a algumas avaliações clínicas no âmbito administrativo (evento 2, INI5, p. 29-32):
a) no exame realizado em 29/12/2005 o perito administrativo, apesar de concluir "apto para os atos da vida diária", relata na História Médica:
Tratorista.
Paciente entra na sala de exames cheio de sacolas, com autocuidados diminuídos e os papeis desorganizados. Em acompanhamento no Hostipal Vila Nova com dra. crm 10926 devido a CID 10 F10.2 e F41.1. Comprovou.
b) no exame realizado em 22/09/2008 o perito administrativo afasta o enquadramento como pessoa com deficiência, fazendo constar na história:
Informa que trabalha como tratorista, mas não comprova. Relata "problemas de nervos", esquecimento e "encontra-se muito ruim". Não faz acompanhamento médico. Não tem exames ou laudos. Mostra cartelas de doxiciclina 100 mg que usou para "problema no testículo" (sic) mas não usa no momento. Não tem receitas médicas. Não tem queixas de dores. Nega DM HAS ou outras patologias.
c) no exame de 04/02/2009, também concluindo pela ausência de incapacidade para as atividades da vida diária e risco social, foi apontado na história:
Informa que trabalha como tratorista. Consta que quer se aposentadr porque "não se sente bem e tem muito esquecimento". Foi encaminhado para acompanhamento com urologista por hiperplasia prostática e atualmente em tratamento. AM crm: 18143 informa acompaanhamento e PSA de 0,92 em 27/05/2008 e próstata de 40 a 45 g ao toque. Não solicita afastamento do trabalho ou descreve complicações.
d) no exame de 27/03/2009, também concluindo pela ausência de incapacidade laborativa:
História. Recurso. Refere esquecimento, tontura. Refere dor nas pernas. Tem sensação que vai cair. Diz que tem o polegar D destroncado. Refere dor no 1º dedo do pé E. Casado, mora com a esposa. Refer que tem uma filha. Diz que faz tratamento em CAchoeirinha. Não traz nenhuma documentação médica, atestados médicos. Diz que não deu tempo de conseguir novo atestado médico.
Em 03/03/2010 foi realizado o primeiro exame judicial por psiquiatra (LAUDPERI23). Naquela avaliação o autor compareceu com o pai, Sr. Antonio. Constou no laudo:
(...)
5- História Psiquiátrica Atual
O autor informou durante o exame que desde aproximadamente 10 anos vem apresntando esquecimentos, ansiedade e inquietude. Informa que em seu último emprego trabalhou durante um ano em uma fazenda (Butiá) onde cuidava das máquinas, maneja os tratores, lidava com gado e plantava milho. Refere que há um mês deixou de trabalhar pois apresentou tonturas. Refere que fazia uso abusivo de álcool, porém encontra-se abstinente há mais de 10 anos. Não apresentou comprovantes de tratamento psiquiátrico ou de patologia incapacitante nesta área. Atualmente não faz uso de medicamentos psiquiátricos.
(...)
9- Exame do Estado Mental
9.1 Aspecto Geral do Examinado
O autor é um homem que aparenta sua idade real, que se veste de forma simples e adequada. Durante o exame participou e colaborou com o entrevistador. Conversa normalmente, com coerência e adequação. Apresenta leve ansiedade e desânimo.
9.2 Exame das funções mentais (e atitiude frente ao examinador)
* Descrição geral
Comportamento e atividade psicomotora - sem alterações.
Atitude frente ao examinador - colaborativo e ansioso ao relatar os fatos.
*Manifestações da linguagem oral - sem afasias e sem agramatismo (falta de palavras de ligações gramaticais)
* Manifestações da linguagem escrita - não foi testada.
* Disposição de Animo, Sentimentos e Afeto
Disposição de ânimo predominante - leve depressão e ansiedade
Manifestação do Afeto - sem explosões do humor na entrevista. Ansiedade.
*Percepção
Não foram constatadas, no decorrer da entrevista, alucinações, ilusões nem desrealizaçõs
* Processo do pensamento
Curso do pensamento - curso normal
Conteúdo do pensamento - auto-estima diminuída, preocupações exageradas e desvalia
Inteligência - parecer ter uma inteligência dentro da normalidade
Pensamento abstrato - normal
Concentração e cognição - normal
Consciência - alerta, sem alterações do sensório
* Consciência - Lúcida
* Atenção - sem alterações
*Orientação
Temporal - orientado
Espacial - orientado
Pessoas - orientado quanto a si mesmo, orientado quanto ao entrevistador
*Memória
Remota - normal
Evocação - normal
Imediata - normal
*Juízo
Juízo crítico - preservado
*Controle de impulsos
Durante a entrevista não ocorreu descontrole dos impulsos
*Grau de autopercepção (insight)
Tem noção do presente processo onde requer o benefício de auxílio-doença e imediata aposentadoria por invalidez
*Credibilidade
Dá ao entrevistador a impressão de veracidade em seu relato.
10 - Compreensão do Funcionamento Psicológico (quando necessário)
Nada a acrescentar
11 - Exames Complementares
O autor não apresentou atestados, receitas e exames atuais.
12 - Diagnóstico
De acordo com os critérios da Classificação dos Trantornos Mentais e de Comportamento do CID 10 (Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão), da Organização Mundial de Saúde (OMS), o exame psiquiátrico do autor, associado aos demais dados coletados indica no momento:
F41.9 - Transtorno de Ansiedade não especificado
(...) Os sintomas podem surgir em diversas situações, mas não necessariamente impdem a pessoa de executar suas funções.
13 - Comentários Médico-Legais
O diagnóstico diferencial poderia ser feio com o Transtorno Afetivo Bipolar, mas não há relato de episódios de mania, nem os sintomas depressivos são graves suficientemente que justifique esse diagnóstico
O autor informou que não bebe há mais de 10 anos.
O quadro de ansiedade, no momento, é leve e os sintomas podem ser tratados com psicoterapia e psicofármacos com bons resultados.
14- Conclusão
O autor, no momento, do ponto de vista psiquiátrico, não apresenta patologia incapacitante.
Alguns fatos trazidos aos autos ficaram confusos.
Na perícia social o autor afirmara que estava separado da esposa há anos e depois que fazia só um ano. Disse que ela morava em Arroio dos Ratos com uma irmã da igreja. Já no email da assistente social de Porto Alegre, juntado pela advogada do autor, datado de 27/08/2012, consta que a ex-esposa morava na verdade em Porto Alegre no bairro Restinga Velha, com uma irmã da igreja, tendo a assistente social realizado visita domiciliar (evento 2, PET58, p. 3). A ex-esposa, segundo informação do email, recebe BPC deficiente porque possui deficiência visual. Heloísa informou que a casa onde o sr. Clóvis está morando pertence ao seu falecido pai e possui uma irmã de nome Odila que reside em Arroio dos Ratos, que é responsável pela casa. Não conseguiu contato com esta irmã.
Requisitado prontuário médico à Prefeitura Municipal de Porto Alegre, foram juntados apenas documentos atuais, do ano de 2012, onde constava como endereço o mesmo do falecido pai, na Rua Ibirapuitan, embora aassistente social apontasse que ele é "morador de rua". Da Ficha Médica extrai-se que o autor compareceu em 10/10/2012 trazido pelo filho solicitando atestado médico para "fins jurídicos". Também constava "dificuldade cognitiva" e "estado de higiene muito ruim" (evento 2, OFICIO/C63, p. 8).
O magistrado de origem então, considerando o longo tempo decorrido desde a anterior avaliação judicial e os novos documentos trazidos, determinou a realização de nova perícia com psiquiatra. O autor foi intimado por oficial de justiça no endereço apontado na inicial, ou seja, naquela casa onde o pai morava antes de falecer, na Rua Ibirapuitan, 190, Porto Alegre (evento 2, MAND74, p. 3).
Realizada nova perícia em 25/07/2013, o expert, também psiquiatra, relata (evento 2, LAUDPERI76, p. 2):
(...)
b) Histórico da doença e Histórico profissional do paciente.
O examinado relata que exerceu atividade laboral como agricultor, auxiliar de produção e em minas de carvão. O filho que acompanha o paciente conta que a assistente social fez contato relatando que o paciente estava vivendo como morador de rua, em condições precárias e vivendo como mendigo. O paciente nega uso de álcool e drogas e refere problemas de prástata, dificuldades para caminhar e tremores. Com a ajuda do filho contatado pela assistente social, iniciou tratamento psiquiátrico em novembro de 2012 devido aos esquecimentos, diz que parece que vai perder os sentidos, queixando-se de desânimo, perda de energia e períodos de agitação. Está atualmente em uso de anti-depressivos e está aguardando atendimento psiquiátrico pelo Caps na cidade de Estância Velha.
c) Exames complementares
Apresenta atestados de avaliação psiquiátrica declarando diagnóstico, tratamento e sintomatologia que ocasiona redução da capacidade laboral em março de 2013 e novembro de 2012.
Ao exame do estado mental atual e de documentos médicos, o examinado apresenta evidências clínicas de patologia psiquiátrica ativa e de sintomas que ocasionam redução da capacidade laboral.
No exame do estado mental observa-se: aparência descuidada, linguagem falada reduzida e empobrecida, queixas sintomáticas, curso do pensamento lento, ideias de desvalia, afeto hipomodulado, atitutde evitativa, estado ansioso e comprometimento das funções cognitivas.
O segundo psiquiatra, assim, concluiu pela incapacidade total e temporária do autor, indicando um tratamento contínuo e habitual com psicoterapia e farmacoterapia de seis meses a um ano ou no mínimo seis meses. Destacou que o tempo pode ser variável e depende da acessibilidade ao sistema de saúde, da motivação pessoal, da adesão e da tolerância ao tratamento e da adequação da terapêutica instituída. Afastou a incapacidade para os atos da vida civil. Com base nos documentos médicos juntados, apontou o início da incapacidade em 2012, com evidências desde novembro de 2012 (quesito 6 do juízo).
Por fim, a parte autora juntou atestado médico de psiquiatra, datado de 03/08/2013, onde consta que o autor possui transtorno esquizoafetivo, com atitude de fuga do lar, incapacitado pra atividade laborativas de forma permanente.
Não tenho dúvidas de que o requisito econômico restou preenchido. Pelos relatos trazidos, aparentemente, parece que o autor não possui nenhuma fonte de subsistência permanente desde que requereu o amparo assistencial em 2005. Da mesma forma, não possui família que possa ampará-lo adequadamente.
Também quanto ao impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, o segundo perito que avaliou o autor em 25/07/2013 trouxe conclusão segura no sentido da sua patologia incapacitante. Quanto ao prazo de dois anos a que se refere o § 10 do artigo 20 da Lei 8.742/93, tenho que, no caso do autor, também resta comprovado, uma vez que se trata de pessoa sem amparo familiar, com histórico constante de fuga domiciliar, e que não consegue, por isso, manter o tratamento médico recomendado.
Resta analisar o recurso da parte autora quanto à data de início da incapacidade.
A esse respeito, argumenta que a ficha de internação hospitalar de 2005 e o boletim de atendimento do Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, onde consta que o autor era morador de rua, datado 03/08/2008, demonstram que a patologia incapacitante persiste desde o primeiro requerimento administrativo, em 29/12/2005, fazendo jus, portanto, ao benefício desde esta data.
Com efeito, todo o histórico colhido nos autos aponta neste sentido.
Desde o primeiro laudo administrativo, realizado em 29/12/2005, o demandante já entrara na sala do perito cheio de sacolas, com autocuidados diminuídos e papéis desorganizados, mesma conduta relatada pelo segundo perito judicial que concluiu pela incapacidade do autor.
As constantes fugas são relatadas pelos familiares em diversos momentos, primeiro pelo pai, depois pelas assistentes sociais que passaram a auxiliar o demandante em Porto Alegre. Essa situação parece condizente com a histórica ausência de maiores documentos médicos e com o fato de que o autor já ter requerido benefício previdenciário em 2008 na cidade de Cachoeirinha (evento 2, ANEXOS PET INI5, p. 36) e, depois, em 04/02/2009, em Alvorada (evento 2, ANEXOS PET INI5, p. 37), demonstrando não ter ele endereço fixo há anos.
Dessa maneira, entendo que, apesar das perícias administrativas e da primeira avaliação judicial, é possível concluir que o autor já se encontra sem capacidade de prover o próprio sustento nem de tê-lo provido por sua família há anos.
Veja-se que o último laudo judicial não chega a apontar em sentido contrário à esta conclusão. O expert apenas não conseguiu retroagir o início da incapacidade justamente pela ausência de elementos que apontassem por um tratamento psiquiátrico anterior. Mesmo fundamento que aparecem nas perícias administrativas e na primeira judicial.
Ocorre que o autor era andarilho, com problemas psiquiátricos, sem amparo familiar que lhe conduzisse para eventual tratamento médico necessário, o que justifica a ausência de elementos médicos mais consistentes.
Por tais motivos, entendo que o autor faz jus à concessão do amparo assistencial desde 29/12/2005, data do primeiro exame administrativo, exatamente como requerido na inicial e no recurso de apelação.
Consectários
Juros Moratórios e Correção Monetária.
De início, esclareço que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014 - grifei).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de correção, não prevalecendo os índices eventualmente fixados na fase de conhecimento, ocasião em que provavelmente já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e da correção monetária, restando prejudicado a remessa necessária no ponto.
Honorários Advocatícios
Considerando que a sentença recorrida foi publicada antes de 18/03/2016, data da entrada em vigor do CPC/2015, e tendo em conta as explanações tecidas quando da análise do direito intertemporal, esclareço que as novas disposições acerca da verba honorária são inaplicáveis ao caso em tela, de forma que não se determinará a graduação conforme o valor da condenação (art. 85, §3º, I ao V, do CPC/2015), tampouco se estabelecerá a majoração em razão da interposição de recurso (art. 85, §11º, do CPC/2015).
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre as parcelas vencidas até a decisão judicial concessória do benefício previdenciário pleiteado, conforme definidos nas Súmulas nº 76 do TRF4 e nº 111 do STJ.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p.único, da Lei Complementar Estadual nº156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Tutela Antecipada
No tocante à antecipação dos efeitos da tutela, entendo que deve ser mantida a sentença no ponto, uma vez que presentes os pressupostos legais para o seu deferimento.
Dispostivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo do autor, negar provimento à remessa oficial e, de ofício, diferir para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e da correção monetária, restando prejudicada a remessa necessária no ponto.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8444129v62 e, se solicitado, do código CRC 72DE07. | |
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| Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
| Data e Hora: | 15/09/2016 18:36 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/09/2016
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5029773-71.2015.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50297737120154047100
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Juarez Mercante |
APELANTE | : | CLOVIS ANTONIO TEIXEIRA |
ADVOGADO | : | ANA PAULA PEREIRA DA ROCHA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/09/2016, na seqüência 582, disponibilizada no DE de 30/08/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E, DE OFÍCIO, DIFERIR PARA A FASE DE EXECUÇÃO A FORMA DE CÁLCULO DOS JUROS E DA CORREÇÃO MONETÁRIA, RESTANDO PREJUDICADA A REMESSA NECESSÁRIA NO PONTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8591867v1 e, se solicitado, do código CRC FE544703. | |
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