APELAÇÃO CÍVEL Nº 5051830-29.2014.4.04.7000/PR
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | JANDIRA TRINDADE DA ROCHA COLPI |
ADVOGADO | : | VIVIAN APARECIDA MENESES JANERI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INOCORRÊNCIA. PRELIMINAR AFASTADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL CONSTANTE DA LEI 8.742/93. LOAS. ERRO ADMINISTRATIVO. IRREPETIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA PARA AFASTAR A EXIGIBILIDADE DA COBRANÇA E A CONDENAÇÃO DE MULTA POR SUPOSTO ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. INVERSÃO. ART. 85 DO CPC.
1. Não há falar em qualquer vício a gerar nulidade no procedimento administrativo do INSS, porquanto dos elementos dos autos, constata-se que o INSS em respeito à legislação de regência cientificou e intimou a demandada para contrapor os fatos dando conta da irregularidade no recebimento de benefício indevido. O exercício do contraditório e da ampla defesa foi devidamente oportunizado à segurada na esfera administrativa, de modo que fica afastada a preliminar de nulidade da sentença. 2. Em que pese a posterior constatação de ser indevida a concessão, bem como a manutenção do pagamento do benefício assistencial, resulta induvidoso que o caso trata de evidente erro da administração. 3. Isso porque, ao tempo da concessão, era plenamente possível à Autarquia Previdenciária confirmar por meio dos sistemas previdenciários CNIS, PLENUS e outros, a veracidade das informações prestadas no requerimento, notadamente, sobre a renda familiar composta também pelo benefício de aposentadoria do esposo da requerente. No entanto, sem análise mais detida dos requisitos, concedeu-se o benefício da LOAS. 4. No caso, pelos elementos probatórios dos autos, não se constata conduta dotada de inequívoca má-fé, dolo ou fraude. Percebe-se, sim, ocorrência de erro administrativo na aludida concessão, de modo que descabe falar em restituição dos valores indevidamente alcançados à segurada. 5. A confusão relativa à alegação da autora, em audiência, de que o oficial de justiça teria ditado o que ela deveria escrever em sua declaração de próprio punho (E31.2) tampouco traduz intenção maliciosa de parte da demandada, sendo plausível, ao revés, imaginar que o servidor público tenha simplesmente auxiliado cortesmente a autora, em razão de esta ter enfrentado dificuldade para reduzir à forma escrita sua vontade de não permitir o ingresso na residência. 6. Embora seja dever das partes não criar embaraços à efetivação das ordens judiciais, as circunstâncias do presente caso não se revestem de gravidade que permita enquadrá-las como ato atentatório à dignidade da justiça, de modo a ensejar a condenação à multa respectiva, na forma do § 2.º do citado art. 77 do CPC, penalidade que deve ser reservada para o sancionamento de condutas verdadeiramente reveladoras de descaso para com a administração da justiça. 7. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido do INSS de restituição de valores pagos a título de benefício assistencial em claro erro da administração, bem como para afastar a condenação por ato atentatório à dignidade da justiça. 8. Considerando-se que neste ato judicial está sendo provido recurso da parte ré da demanda, é automática a inversão da sucumbência, de modo que nos termos do §§ 2º, 3 e 11 do artigo 85 do CPC, a verba honorária fica estabelecida em 15% sobre o valor atualizado da causa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que integram o presente julgado.
Porto Alegre/RS, 19 de abril de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5051830-29.2014.4.04.7000/PR
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Jandira Trindade da Rocha Colpi em face de sentença (evento 68 - SENT1 do eProc originário) que julgou procedente o pedido do INSS de exigibilidade dos valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial da LOAS (NB 88/549.040.073-7) durante o período de 28/11/2011 a 30/04/2013. A demandada foi ainda condenada em multa de 10% sobre o valor de condenação por ato atentatório à dignidade da justiça e em honorários advocatícios.
Nas suas razões recursais (evento 72 do eProc originário) preliminarmente alude cerceamento de defesa e nulidade do processo administrativo ao argumento de que não foi pessoalmente intimada para apresentar defesa na via administrativa. Refere que foi o seu esposo quem recebeu a notificação, mas não lhe deu o recado, com o que restou impedida para apresentar a defesa. Da mesma forma, consigna que todas as outras intimações foram entregues a terceiros, inviabilizando resposta na seara administrativa. Por entender ocorrentes vícios no processo administrativo, pede que seja extinta a ação, com julgamento do mérito, declarando inexistente o débito cobrado.
No mérito, sustenta que não omitiu documentos dolosamente no processo administrativo e segundo a obtenção indevida de benefício assistencial não denota, por si, má-fé do segurado. Menciona que conforme comprova o próprio processo administrativo, a Recorrente não fez nenhuma afirmação falsa e nem juntou documento inverídico ao pedido administrativo: no pedido inicial do BAI informou que seu estado civil era casada e quando intimada a apresentar certidão de casamento, juntou certidão de casamento válida e verídica, eis que referente ao seu casamento com o marido, Sr. Dante José Colpi. Ainda quando o INSS foi até sua residência questionar sobre os moradores do local, seu marido declarou que ambos são casados e residem juntos há mais de 18 anos no imóvel.
Alega que o INSS deferiu o pedido da Recorrente imediatamente após o protocolo, antes de realizar sindicância e até mesmo solicitar documentação complementar. Tanto que antes de a Recorrente ser intimada a apresentar certidão de casamento, o INSS já tinha identificado o deferimento errôneo do benefício (fl. 34 do processo administrativo). Reforça que o deferimento irregular do benefício ocorreu por erro do INSS, que por negligência ou imprudência deferiu benefício sem antes constatar se o cônjuge desta auferia renda superior ao limite legal para o deferimento do benefício. Salienta que o benefício foi efetuado por intermédio de terceira pessoa, o que foi, inclusive confessado na audiência. Arremata dizendo que é analfabeta e que não agiu com má-fé, já que desconhecia totalmente os requisitos para concessão e, menos ainda, que a aposentadoria de seu marido obstava o deferimento de benefício assistencial em seu favor.
Pede, por fim, seja deferido o benefício da gratuidade da justiça e dado provimento ao recurso para fim de julgar improcedente o pedido do INSS.
Embora devidamente intimado, o INSS não apresentou contrarrazões (eventos 76 e 78 do processo originário). O feito eletrônico alçou a esta Corte, ocasião em que foi autuado e distribuído.
Com vista à Procuradoria Regional da República, sobreveio parecer pelo provimento do recurso (evento 5 - PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, defiro o benefício da gratuidade da justiça requerido no apelo.
Preliminar - Cerceamento de Defesa no processo administrativo.
Consigno que deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa na esfera administrativa, uma vez que as intimações e notificações foram direcionadas ao endereço em que reside Jandira, não se mostrando crível a versão de que não teve conhecimento daqueles aludidos atos.
A propósito, consoante se vê do AR, constante do evento 1 - PROCADM2, pág. virtual 12) a primeira intimação foi entregue pelos correios em 08-12-2011, tendo Jandira assinado o aviso de recebimento da comunicação do INSS em que foi expressamente solicitada a certidão de casamento sob pena de suspensão do benefício. Posteriormente, na data de 02-01-2013 o esposo da Jandira, Sr. Dante Colpi recebeu a carta do INSS de 21-12-2012, informando da irregularidade no pagamento do benefício e possibilitando a apresentação de defesa, sob pena de suspensão definitiva do benefício (PROCADM2, pág.virtual 26).
De outro lado, a versão de que o esposo não passou o recado, mostra-se incoerente e inadmissível, porquanto, à evidência, o INSS cumpriu as formalidades legais, cientificando-a e oportunizando a defesa na esfera administrativa. E o respeito ao contraditório na seara administrativa também resta verificado pelo recebimento de ofício de recurso e ofício com guiar DARF, em que constam as assinaturas de habitantes da mesma casa, em dois avisos de recebimentos, ou seja; enviados para o mesmo endereço de Jandira (PROCADM2, páginas virtuais, 30 e 35).
Anoto ainda que na pág. virtual 58 do evento 1 - PROCADM2 do feito originário, consta uma resenha das comunicações e intimações da apelante, sendo que não houve insurgência contra a suspensão/cancelamento do benefício.
Não há, pois qualquer vício no procedimento administrativo do INSS impossibilitando o exercício do contraditório e de defesa Jandira naquela esfera administrativa.
Logo, afasto a preliminar.
Restituição de valores pagos indevidamente.
É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de auto-tutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
Logo, para a manutenção do equilíbrio financeiro do regime geral, tão caro à sociedade brasileira, o princípio da supremacia do interesse público deve ser invocado pela Autarquia Previdenciária para fazer retornar ao sistema da seguridade social valores que foram indevidamente pagos.
De outro lado, não se desconhece a remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis.
A jurisprudência do STJ posiciona-se no sentido de não ser devida a restituição de valores pagos aos segurados por erro/equívoco administrativo do INSS, observado o princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos:
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016).
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
Nessa direção, cabe mencionar os seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. OCORRÊNCIA DE FRAUDE. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA APÓS PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. DESCONTO DOS VALORES. REGULARIDADE. I - (...) V - Entendendo-se pela caracterização da má-fé do requerente no recebimento dos valores, não há como se obstar a conduta da Administração de procurar reaver os valores pagos indevidamente. VI - Apelação improvida. Extinção do processo com resolução do mérito. (TRF5, AC 000066558.2012.405.8200, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Ivan Lira de Carvalho, publicado no DJE de 30-06-2016).
Com efeito. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva.
No caso concreto, examinando detidamente os documentos anexados ao feito, em especial aqueles do evento 01 do processo eletrônico originário (PROCADM2), constata-se que Jandira Trindade, por conta de pensar possuir direito ao BPC conferiu instrumento de mandato à advogada para que requeresse ao INSS o benefício assistencial de idoso previsto na LOAS. O requerimento administrativo foi instruído com alguns documentos pessoais e informado que o estado civil de Jandira era casada (ev. 1 - PROCADM2, págs. virtuais 2- 10). O benefício NB 88/549.040.073-7 foi deferido pelo INSS em 28-11-2011.
Ocorre que alguns dias após o ato de concessão (02-12-2011) foram iniciados os procedimentos administrativos para revisar a higidez do deferimento do benefício. De plano, foi solicitado que Jandira que apresentasse a certidão de casamento, o que não havia sido feito com o requerimento e verificado por ocasião do deferimento do pedido.
Pois bem. Em que pese a posterior constatação de ser indevida a concessão, bem como a manutenção do pagamento do benefício assistencial, resulta induvidoso que o caso trata de evidente erro da administração.
Vale anotar que ao tempo da concessão, era plenamente possível à Autarquia Previdenciária confirmar por meio dos sistemas previdenciários CNIS, PLENUS e outros, a veracidade das informações prestadas no requerimento, notadamente, sobre a renda familiar composta também pelo benefício de aposentadoria do esposo da requerente. No entanto, sem análise mais detida dos requisitos, concedeu-se o benefício da LOAS a Jandira Trindade.
No caso, pelos elementos probatórios dos autos, não se constata conduta dotada de inequívoca má-fé, dolo ou fraude. Percebe-se, sim, ocorrência de erro administrativo na aludida concessão, de modo que descabe falar em restituição dos valores indevidamente alcançados à segurada.
No ponto e, em relação ao suposto ato atentatório à dignidade da justiça, para evitar tautologia adoto na íntegra como razões de decidir a laboriosa análise feita pela douta Procuradora Regional da República em seu parecer (evento 5 deste feito), in verbis:
Ao que se extrai do teor do processo administrativo de concessão do benefício assistencial (E1.2), a ré encaminhou o requerimento de benefício por interposta pessoa, mediante procuração outorgada a Débora Pimentel Oliveira. Mostra-se plausível, portanto, a alegação da autora, em audiência, de que sequer compareceu à agência do INSS.
Além disso, o formulário relativo à composição do grupo familiar - no qual foi inserida a falsa informação de que a ré vivia sozinha e, sendo do lar, não dispunha de quaisquer rendimentos - foi preenchido com letra cursiva nitidamente distinta da escrita da ré (E31.2), o que não permite que se tenha certeza de que a demandada tinha conhecimento da fraude cometida em seu nome, sendo que a má-fé não se presume.
De outro lado, verifica-se que, como alegado nas razões recursais, a Autarquia Previdenciária concedeu o benefício após o protocolo do requerimento sem maiores averiguações. Com efeito, mostra-se claro que o INSS, no mínimo, concorreu para a concessão indevida do benefício, pois houve flagrante erro administrativo no deferimento do pleito sem prévia averiguação da renda do esposo da ré, considerando que a procuradora da demandada, ainda que tenha omitido o marido e seus rendimentos da composição do grupo familiar, declarou de forma expressa, por ocasião do requerimento, que ela era casada. Essa informação, por si só, deveria ter sido o suficiente para recomendar o aprofundamento do exame administrativo do requerimento da ré.
Por isso mesmo, a fraude, se houve, era inapta à obtenção do resultado almejado, pois era fácil à Autarquia, se diligenciasse nesse sentido como deveria, descobrir a verdade quanto à composição do grupo familiar e respectiva renda. Desse modo, o erro administrativo foi determinante para o pagamento indevido.
Ademais, diversamente do que concluiu o Juízo a quo, e sem embargo do dever processual insculpido no art. 77, inciso IV, do CPC, não se visualiza grave sinal de má-fé por parte da demandada, ao ponto de ensejar a aplicação de multa processual, no ato de impedir o acesso do oficial de justiça ao interior de sua residência para a lavratura do auto de constatação (E31).
A confusão relativa à alegação da autora, em audiência, de que o oficial de justiça teria ditado o que ela deveria escrever em sua declaração de próprio punho (E31.2) tampouco traduz intenção maliciosa de parte da demandada, sendo plausível, ao revés, imaginar que o servidor público tenha simplesmente auxiliado cortesmente a autora, em razão de esta ter enfrentado dificuldade para reduzir à forma escrita sua vontade de não permitir o ingresso na residência.
Embora seja dever das partes não criar embaraços à efetivação das ordens judiciais, as circunstâncias do presente caso não se revestem de gravidade que permita enquadrá-las como ato atentatório à dignidade da justiça, de modo a ensejar a condenação à multa respectiva, na forma do § 2.º do citado art. 77 do CPC, penalidade que deve ser reservada para o sancionamento de condutas verdadeiramente reveladoras de descaso para com a administração da justiça.
Cumpre ter presente que a ré é pessoa simples, que recebeu pouca educação formal (segundo o estudo social, ela cursou somente o primeiro ano do ensino fundamental), como faz ver sua já referida declaração de próprio punho ao oficial de justiça, nitidamente redigida com esforço (E31.2).
Veja-se, ainda, que o depoimento pessoal prestado pela ré em juízo demonstra que ela não sabia dizer com clareza qual o benefício que percebia; aparentemente, cria tratar-se de uma modalidade de aposentadoria por idade. Tampouco demonstrou compreender a natureza da ação judicial a que responde, tendo confundido a presente ação de repetição do indébito com ação de averiguação dos requisitos para fruição do benefício. Foi possivelmente por essa razão que a ré declarou por escrito que não tinha interesse no feito, como a desistir de eventuais direitos que ainda cria poder pleitear, tendo, pelo mesmo motivo, vedado o acesso do oficial de justiça a sua residência.
Nesse contexto, a toda evidência, não se pode exigir da ré que tenha pleno discernimento acerca de questões jurídicas que tantas vezes confundem os próprios profissionais do Direito, tais como a identificação correta dos requisitos dos diversos benefícios previdenciários e assistenciais e as exigências probatórias de sua implementação. É verosssímil, por conseguinte, a assertiva da autora, em audiência, de que chegou a mencionar à procuradora que seu marido auferia benefício previdenciário da ordem de dois mil e quinhentos reais, mas que esta reafirmou que ela poderia receber o benefício mesmo assim, em razão de sua idade.
Na verdade, tudo indica que, como alegado nas razões recursais, a ré "foi informada por terceiro, no caso a procuradora que formalizou o pedido junto ao INSS, que o benefício era devido a todo idoso sem renda própria, desconhecendo totalmente os requisitos para concessão e, menos ainda, que a aposentadoria de seu marido obstava o deferimento de benefício assistencial em seu favor".
Destarte, em suma, tem-se que não ficou suficiente demonstrada a má-fé da demandada na obtenção do benefício assistencial e na percepção dos respectivos proventos, especialmente considerando que se trata de pessoa simples, sem o discernimento de questões jurídicas complexas; que o benefício foi requerido com a intermediação de procuradora, a qual é presumivelmente a responsável direta pela inserção da informação errônea nos formulários da Autarquia; e que o INSS, quando menos, concorreu de forma determinante para a percepção indevida dos valores objeto de repetição, pois laborou em erro administrativo ao deixar de averiguar a renda do marido da demandante, muito embora fosse de seu conhecimento desde o início que ela era casada. (grifei)
Desse modo, a concessão do benefício decorreu de erro da Autarquia Previdenciária, de modo que, na linha da jurisprudência desta Corte e do STJ, não há falar em restituição dos valores recebidos em boa fé e por ser de caráter alimentar.
Nessa quadra, é imperativa a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido veiculado pelo INSS, bem como para afastar a condenação por ato atentatório à dignidade da justiça.
Honorários advocatícios
Considerando-se que neste ato judicial está sendo provido recurso do Jandira Trindade da Rocha Colpi, é automática a inversão da sucumbência, de modo que nos termos do §§ 2º, 3 e 11 do artigo 85 do CPC, estabeleço a verba honorária em 15% sobre o valor atualizado da causa.
Ante o exposto, voto por dar parcialmente provimento ao recurso, consoante explicitado.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5051830-29.2014.4.04.7000/PR
ORIGEM: PR 50518302920144047000
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | JANDIRA TRINDADE DA ROCHA COLPI |
ADVOGADO | : | VIVIAN APARECIDA MENESES JANERI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 946, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIALMENTE PROVIMENTO AO RECURSO, CONSOANTE EXPLICITADO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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