Apelação Cível Nº 5008670-30.2019.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SINARA ANDREIA NUNES MONTEIRO (AUTOR)
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS interpôs recurso de apelação contra sentença proferida em 09/06/2020, que julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido da parte autora, extinguindo o feito com resolução do mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para os fins de:
a) DECLARAR que a parte autora exerceu atividade especial no(s) período(s) de 01/02/1990 a 12/02/1997, 07/10/1997 a 04/03/2003 e 02/05/2003 a 30/01/2018, e condenar o INSS à averbação para fins previdenciários, conforme fundamentação;
b) CONDENAR o INSS a conceder ao autor o benefício de Aposentadoria Especial, desde 30/01/2018, cuja renda mensal deverá ser calculada nos termos expostos na fundamentação;
c) DECLARAR o direito da parte autora de continuar a exercer atividade que a sujeite a agentes nocivos ou perigosos sem prejuízo da aposentadoria ora concedida; e
d) CONDENAR o INSS a pagar à parte autora as parcelas vencidas entre a DER e a data do trânsito em julgado desta sentença, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, nos termos da fundamentação.
Condeno a autarquia previdenciária ao pagamento dos honorários periciais, os quais deverão ser requisitados oportunamente.
Entre a data-base do cálculo e o efetivo depósito da quantia a ser requisitada, a correção monetária dar-se-á em conformidade com os índices legais e regulamentares utilizados pelo e. TRF/4R para a atualização dos precatórios e RPV's.
As parcelas vincendas a partir do trânsito em julgado da sentença, até a implantação do benefício, serão pagas no âmbito administrativo, de uma só vez, dentro de trinta dias a contar da requisição para pagamento do benefício, igualmente corrigidas nos termos acima definidos.
Condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios, os quais serão calculados no percentual mínimo previsto nos respectivos incisos do § 3º do art. 85 do CPC, de acordo com o valor apurado quando da liquidação do julgado. Esclareço que a base de cálculo inclui somente o valor das parcelas vencidas até a data da prolação desta sentença (Súmulas nºs 111 do STJ e 76 do TRF4).
Custas finais com exigibilidade suspensa nos termos do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96.
Sentença não sujeita à remessa necessária (art. 496, §3º, I, CPC).
Havendo interposição de recurso, este terá efeito suspensivo e deverá(ão) a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, nos termos do art. 1010, § 1º, do CPC. Juntada(s) as respectivas contrarrazões e não havendo sido suscitadas as questões referidas no §1º do art. 1009 do CPC, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Caso suscitada alguma das questões referidas no §1º do art. 1009 do CPC, intime-se o recorrente para manifestar-se, no prazo previsto no §2º do mesmo dispositivo.
Sentença publicada e registrada eletronicamente.
Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, intimem-se as partes para que requeiram, no prazo de 15 dias, o que entenderem de direito.
No silêncio, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
O INSS, em suas razões, sustentou que a data de início do benefício deve ser condicionada à comprovação do afastamento da atividade especial, nos termos do §8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Argumentou que, para o reconhecimento da especialidade de período em razão de exposição a agentes biológicos, exige-se que a exposição seja de forma habitual e permanente. Impugnou o reconhecimento de atividade especial como contribuinte individual. Alegou ausência da fonte de custeio. Requereu ainda a correção monetária pelo INPC.
Apresentadas contrarrazões pela parte autora.
VOTO
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 05 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213/91), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a partir de 03/12/1998, data da publicação da MP nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, que modificou a redação dos §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei nº 8.213/1991, a legislação previdenciária estabelece que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema nº 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, a lei de conversão (Lei nº 9.711/1998) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício.
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado. A matéria foi decidida em recurso especial repetitivo, firmando-se a seguinte tese no Tema nº 546 do STJ: 'A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço'(REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24-10-2012, DJe 19-12-2012).
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Contribuinte individual
É possível o reconhecimento de atividade especial do contribuinte individual, sem restrição de período de atividade. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL. SEGURADO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL NÃO COOPERADO. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE ESPECIAL. REVISÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NESSA PARTE NÃO PROVIDO. 1. Não há violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, pois in casu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região analisou integralmente todas as questões levadas à sua apreciação, notadamente, a possibilidade de se reconhecer ao segurado contribuinte individual tempo especial de serviço, bem como conceder o benefício aposentadoria especial. 2. O caput do artigo 57 da Lei 8.213/1991 não traça qualquer diferenciação entre as diversas categorias de segurados, elegendo como requisitos para a concessão do benefício aposentadoria especial tão somente a condição de segurado, o cumprimento da carência legal e a comprovação do exercício de atividade especial pelo período de 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos. 3. O artigo 64 do Decreto 3.048/1999, ao limitar a concessão do benefício aposentadoria especial ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual cooperado, extrapola os limites da Lei de Benefícios que se propôs regulamentar, razão pela qual deve ser reconhecida sua ilegalidade. 4. Tese assentada de que é possível a concessão de aposentadoria especial ao contribuinte individual não cooperado que cumpra a carência e comprove, nos termos da lei vigente no momento da prestação do serviço, o exercício de atividade sob condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou sua integridade física pelo período de 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte cinco) anos. 5. Alterar a conclusão firmada pelo Tribunal de origem quanto à especialidade do trabalho, demandaria o necessário reexame no conjunto fático-probatório, prática que esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte não provido. (REsp 1436794/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2015, DJe 28/09/2015)
Agentes Biológicos
A avaliação da nocividade dos agentes biológicos constantes no Anexo 14 da NR-15, é qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente de trabalho desses agentes faz presumir a nocividade, independente de mensuração.
Ou seja, a caracterização da especialidade, nesses caso, não decorre do tempo de exposição aos agentes biológicos, nem da concentração ou intensidade desses agentes no ambiente de trabalho.
Por sua vez, a permanência e a habitualidade relacionam-se com as tarefas específicas desenvolvidas pelo trabalhador que o exponham, durante a sua rotina laboral, a condições prejudiciais à saúde. Se, no desempenho cotidiano das suas funções, ele tem contato com agentes nocivos, em período razoável da jornada de trabalho, a exposição é habitual e permanente.
Permanência na atividade especial após a aposentadoria
O artigo 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, na redação conferida pela Lei nº 9.732/98, aduz que 'aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei'. Por seu turno, o mencionado artigo 46 refere que 'o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno'.
No julgamento do RE nº 791.961/RS (Tema 709), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o trabalhador não tem direito à continuidade do recebimento de aposentadoria especial quando prossegue ou retorna a trabalhar em atividade nociva à saúde, ainda que diferente da que motivou o requerimento de aposentação em menor tempo. A decisão foi tomada na sessão virtual do Plenário em 05/06/2020, fixando-se a seguinte tese representativa da controvérsia:
i) 'É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não'.
ii) 'Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão'.
Assim, o segurado que retornar voluntariamente ao desempenho de atividade nociva está sujeito ao cancelamento da aposentadoria especial. Todavia, como se observa, foi rejeitada a fixação da data do afastamento da atividade como marco para o início da aposentadoria especial. Logo, nas hipóteses em que o trabalhador solicitar a aposentadoria e continuar a exercer atividade especial, a data de início do benefício será a de entrada do requerimento (DER), inclusive para efeitos de pagamento retroativo.
GFIP e fonte de custeio
Afigura-se irrelevante que a empresa não tenha informado, no campo 'GFIP' do PPP, o caráter especial da atividade exercida pela autora, bem como que não tenha recolhido a respectiva contribuição adicional. Afinal, a forma como a sociedade empresária cumpre uma obrigação tributária não possui relação com o direito de natureza previdenciária de que é titular o empregado.
Tampouco se diga haver violação ao princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º). Isso porque a aposentadoria especial é prevista na própria Constituição Federal, de modo que a sua concessão independe da identificação da fonte de custeio, a qual, não obstante, consta no § 6º do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO DA RMI. POSSIBILIDADE. (...) 5). É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora. Inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). O direito do trabalhador à proteção de sua saúde no ambiente do trabalho emana da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio constitucional da precedência do custeio. Recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, no RESP nº 1.310.034/PR, representativo de controvérsia, consagrou que, após a Lei nº 9.032/95, somente se admite aposentadoria especial para quem exerceu todo o tempo de serviço em condições especiais. Inviável, assim, diante dessa nova orientação jurisprudencial, a conversão do tempo de serviço comum em especial. (TRF4 5010402-28.2014.4.04.7207, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 14/11/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS DO LABOR. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. NOCIVIDADE COMPROVADA. AGENTES QUÍMICOS. MANUTENÇÃO DO ATO JUDICIAL RECORRIDO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 2. A Lei de Benefícios da Previdência Social, ao instituir, nos artigos 57 e 58, a aposentadoria especial e a conversão de tempo especial em comum, não excepcionou o contribuinte individual, apenas exigiu que o segurado, sem qualquer limitação quanto à sua categoria (empregado, trabalhador avulso ou contribuinte individual), trabalhasse sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. 3. O reconhecimento de tempo especial, em hipóteses como a dos autos, não pressupões caso de específica indicação legislativa da fonte de custeio, uma vez que se trata de benefício previdenciário previsto pela própria Constituição Federal (art. 201, § 1º c/c art. 15 da EC n. 20/98), caso em que sua concessão independe de identificação da referida fonte. 4. Com relação à habitualidade e permanência, cabível registrar que a caracterização da especialidade no caso de exposição laboral a agentes químicos (hidrocarbonetos) não exige contatos insalubres durante todos os momentos da prática de trabalho, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de sua jornada, esteja submetido as citados agentes nocivos em período razoável, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). 5. No que concerne à exposição aos agentes químicos, especialmente aos hidrocarbonetos, o entendimento já consolidado neste Tribunal é no sentido de que os riscos ocupacionais gerados por esses agentes não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa. 6. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do artigo 497, caput, do Código de Processo Civil. (TRF4, AC 5002079-18.2015.4.04.7201, QUINTA TURMA, Relator EZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 13/11/2017)
Desse modo, não há óbice, nesse particular, ao reconhecimento da atividade especial.
Caso concreto
Período de 01/02/1990 a 12/02/1997, 07/10/1997 a 04/03/2003 - Oscar Alexandre Lucho Snel
Provas: CTPS (Ev. 1, CTPS4, pág.3), PPPs e laudos técnicos (PPP6 e PPP7), perícia judicial (Ev. 37, LAUDO1).
De acordo com o PPP, a autora trabalhou como auxiliar odontológica, estando exposta a agentes físicos (radiações ionizantes), químicos e biológicos (vírus, bactérias, fungos, etc). A perícia judicial atestou a exposição de forma habitual e permanente a agentes biológicos na execução de suas atividades. Destaca-se que para o agente biológico o EPI não tem o condão de elidir a sua nocividade. Dessa forma, deve ser mantido o reconhecimento da especialidade para o intervalo.
Período de 02/05/2003 a 30/01/2018 - Ortosnel Ortodontia e Ortopedia Facial Ltda. S/S
Provas: CTPS (Ev. 1, CTPS4, pág. 4), PPP e laudo técnico (Ev. 1, PPP8), perícia judicial (Ev. 37, LAUDO1).
Conforme o PPP, a demandante trabalhou no cargo de auxiliar odontológica, sendo exposta a agentes físicos (radiações ionizantes), químicos e biológicos (vírus, bactérias, fungos, etc). A perícia judicial também atestou a exposição de forma habitual e permanente a agentes biológicos na execução de suas atividades. Portanto, deve ser mantido o reconhecimento da especialidade para o período.
Correção monetária e juros
Correção monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu, o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91)
Tratando-se, por fim, da apuração de montante correspondente às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve observar-se a aplicação do IPCA-E.
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS para reconhecer a impossibilidade de o segurado permanecer no exercício de atividade especial ou retornar a este exercício a partir da implantação e durante a manutenção de aposentadoria especial (Tema 709 do STF) e quanto à correção monetária pelo INPC e, de ofício, fixar os demais aspectos da correção monetária aplicáveis.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001996017v27 e do código CRC 911b953c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 2/10/2020, às 22:4:12
Conferência de autenticidade emitida em 10/10/2020 04:01:19.
Apelação Cível Nº 5008670-30.2019.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SINARA ANDREIA NUNES MONTEIRO (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS BIOLÓGICOS. PERMANÊNCIA NA ATIVIDADE ESPECIAL.
1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições especiais são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente foi prestada, passando a constituir direito adquirido do trabalhador.
2. A avaliação da nocividade do trabalho em contato com agentes biológicos é qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente profissional desses agentes faz reconhecer a sua existência que prescinde, pois, de mensuração.
3. O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, julgou o mérito do RE 791.961, no regime de repercussão geral (Tema 709), em que assentou a seguinte tese: É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS para reconhecer a impossibilidade de o segurado permanecer no exercício de atividade especial ou retornar a este exercício a partir da implantação e durante a manutenção de aposentadoria especial (Tema 709 do STF) e quanto à correção monetária pelo INPC e, de ofício, fixar os demais aspectos da correção monetária aplicáveis, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001996018v3 e do código CRC 30d62328.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 2/10/2020, às 22:28:56
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/09/2020 A 22/09/2020
Apelação Cível Nº 5008670-30.2019.4.04.7112/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SINARA ANDREIA NUNES MONTEIRO (AUTOR)
ADVOGADO: SOLANGE BEATRIS PEREIRA (OAB RS031238)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/09/2020, às 00:00, a 22/09/2020, às 14:00, na sequência 308, disponibilizada no DE de 02/09/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS PARA RECONHECER A IMPOSSIBILIDADE DE O SEGURADO PERMANECER NO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL OU RETORNAR A ESTE EXERCÍCIO A PARTIR DA IMPLANTAÇÃO E DURANTE A MANUTENÇÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL (TEMA 709 DO STF) E QUANTO À CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC E, DE OFÍCIO, FIXAR OS DEMAIS ASPECTOS DA CORREÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEIS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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