APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007089-94.2016.4.04.7108/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOSE EGON BLUME |
ADVOGADO | : | SANDRA INES KUHN GIEHL |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OBTENÇÃO IRREGULAR DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DOLO E MÁ-FÉ DO SEGURADO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. COBRANÇA DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE.
1. Segundo entendimento desta Corte, a regra inserta no art. 115 da Lei 8.213/91 não autoriza, por si só, a cobrança/desconto de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis. 2. Diante da ausência de provas, não há como concluir que o recorrido tenha agido com fraude ou má-fé na obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição. Desta forma, mostra-se incabível a cobrança, pelo INSS, dos valores pagos a título de benefício previdenciário, ainda que indevidamente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 19 de abril de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8911124v5 e, se solicitado, do código CRC E3229AFF. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007089-94.2016.4.04.7108/RS
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOSE EGON BLUME |
ADVOGADO | : | SANDRA INES KUHN GIEHL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença (evento 18 do eProc originário) que julgou improcedente o pedido de ressarcimento de valores pagos indevidamente a título de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42.101.287.223-5), no período compreendido entre 20-06-1996 a 30-11-2003.
Em suas razões (evento 22 - APELAÇÃO1 do eProc originário) a Autarquia Previdenciária, consigna que a ausência de demonstração de má-fé não afasta a necessidade de cessação do pagamento indevido, pelo exercício do poder-dever de a Administração rever seus atos (cf. enunciados nº 346 e 373 do STF. Abordando a possibilidade de restituição de valores recebidos indevidamente, registra que a regra do art. 115 da Lei 8.213/91 autoriza o desconto e a cobrança das parcelas ainda que recebidas de boa fé. Assevera que o art. 154 do Decreto 3.048/99 dispõe que o INSS tem o dever de buscar ressarcimento. Diz que é vedado o enriquecimento sem causa, devendo incidir também, o disposto nos artigos 884 a 886 do Código Civil. Pede, por fim, o provimento do recurso para que seja reformada a sentença no sentido de condenar o demandado a devolver ao INSS os valores recebidos indevidamente a título de aposentadoria.
Embora devidamente intimada, a parte recorrida não apresentou contrarrazões. (ev. 25 e 27). O feito eletrônico alçou a esta Corte, ocasião em que foi autuado e distribuído.
É o relatório.
VOTO
Cobrança de valores previdenciários pagos indevidamente.
É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de autotutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
A autorização legal para desconto e cobrança de valores indevidamente pagos a título de benefício está prevista no art. 115 da Lei nº 8.213/91 e no art. 154 do Decreto nº 3.048/99:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
(...)
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa. (...)
A respeito do tema, a jurisprudência deste Regional firma-se no sentido da impossibilidade de repetição de valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em face do caráter alimentar das prestações previdenciárias que implica relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.123/91 e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.
A propósito, os seguintes precedentes:
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO.DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos. (TRF4 5014634-88.2015.404.7000, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 21/10/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas. Precedentes do STJ e desta Corte. 2. No caso em tela, a autora, beneficiária de pensão por morte desde 1969, contraiu novo matrimônio em 1971, ato que levaria à perda da qualidade de dependente pela legislação da época (Decreto 60.501/67, art. 15, VI). Quando requereu a pensão por morte em decorrência do falecimento do novo cônjuge, em 2011, foi informada de que houve pagamento indevido da pensão por morte no período de 40 anos, havendo lançamento do débito. Irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé. (TRF4, APELREEX 0014099-11.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 08/11/2016)
Destaque-se, ainda, a jurisprudência do STJ, no sentido de não ser devida a restituição de valores pagos aos segurados por erro/equívoco administrativo do INSS, observado o princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos, como se vê das ementas a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016)
Sobre o tema colho, ainda, o precedente do STF, que afasta violação ao princípio da reserva de plenário:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso extraordinário. 2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com o fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011; Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição." 4. Agravo regimental desprovido. (AI 849529 AgR/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 15-03-2012) (grifei).
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
Pois bem. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva. (grifei)
Assim, ainda que se trate de parcela com nítido caráter alimentar, acaso caracterizada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, não há como se obstar a conduta da Administração de procurar reaver os valores pagos indevidamente. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016).
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. FRAUDE. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS PELO SEGURADO. Nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Contudo, a jurisprudência do STJ e desta Corte já é consolidada no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis, porque alimentares. No entanto, caso comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável, é devido ao INSS proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente. (AC 0004498-56.2007.404.7208-SC, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Sexta Turma, D.E. 22/04/2010).
Do caso concreto
Na hipótese sub judice, os argumentos do INSS não são capazes de elidir os sólidos fundamentos de fato e de direito constante da sentença (evento 18 - SENT1 do processo eletrônico originário) que para evitar tautologia, adoto como razões de decidir os bem lançados fundamentos:
(...)
O INSS, em exercício de autotutela, reputou irregular o reconhecimento do labor rural nos períodos de 01/01/1973 a 18/11/1975 e de 01/09/1978 a 31/05/1982, que havia ensejado a concessão do benefício E/NB 21/086.478.767-7 desde 20/06/1996. As discussões sobre a existência do labor rural foram exauridas no processo n. 2004.71.08.00493-67, que, de fato, deixou de reconhecer a atividade rurícola no período de 18/04/1980 a 31/05/1982, daí resultando a conclusão que houve recebimento irregular do benefício.
Assim, cinge-se a discussão à existência de má-fé no percebimento do benefício.
Compulsando os autos, verifico que a própria autarquia atesta a inexistência de má-fé, ao proceder ao relatório final que precedeu o ajuizamento do presente feito (evento 1, PROCADM5, p. 40/45). Confira-se:
21.Em 18.06.2014, diante o disposto no processo, fora encaminhado consulta ao MOB GEX NHb (fl.151):
"6 - Durante as contrarrazões, diante o recurso interposto, observa-se que no despacho contido nas lis. 113/115, mais especificamente ao item 8, 12 e 15 faz-se menção a cobrança dos créditos na integralidade e opinando-se por emissão de notícia crime.
7- Motivação do exposto no item 6, faz-se mediante omissão do próprio segurado referente ao período exercido em regime de economia familiar, diante o que dispõe o despacho contido nas fls. 97/98.
8- Do acima exposto resta a duvida quanto ao correto período em que a cobrança deve ser ater, se observado o período prescricional de 5 (cinco) anos (08.1998 a 30.11.2003) ou se deverá se ater na integra dos créditos recebidos diante do exposto no item 6, devendo ocorrer nova emissão de ofício de cobrança, com período diverso do anterior."
Em 02.07.2014, em retorno a consulta formulada (fls. 152/153), ao qual se remete, que, entre outros:
"4. Em 24/11/2011 fica consolidado entendimento judicial de que o período de 01/01/1973 a 18/11/1975 e de 01/09/1978 a 17/04/1980 eram regulares, restando irregular apenas o cômputo de 18/04/1980 a 31/05/1982, o que por si só não regulariza a concessão do benefício, mantendo-se portanto o recebimento indevido desde a DER até a suspensão, devendo o tempo averbado ser utilizado apenas para novos pedidos.
5.Isto posto, vemos que a sentença judicial (em cujos autos constam todos os atos administrativos perpetrados neste processo e de todas as alegações do segurado, suas contradições e as provas contrárias ao seu próprio pedido) não considera expressamente que tenha havido concurso de má-fé na conduta do segurado.
6.Além disso, não encontramos ação criminal contra o segurado, a qual, em caso do MPF entender que tivesse havido má-fé do segurado, seria corolário necessário se considerarmos que são decorridos 11 anos desde o início da auditoria.
7.Assim, reiteramos entendimento anterior, tácito mas não expresso, de que devamos seguir adiante na cobrança desconsiderando a má-fé do segurado (que de fato omitiu documentos à sua vontade, induzindo o INSS ao erro), vez que o judiciário e a ministério público tenham aceito essa conduta como honesta, uma vez que se a considerassem de outra forma teriam necessariamente de não reconhecer o período para averbação futura e também teriam de promover ação criminal contra o segurado.
8.E de se ressaltar que da simples omissão dos documentos em si e das declarações erráticas e contraditórias não se infere necessariamente que o segurado soubesse a consequência vantajosa que teria, sendo que para seja apregoada a incidência de má-fé far-se-ia necessário um salto do "muito provável" (que é nítido no decorrer do processo) para o "comprovado de fato", o que demandaria neste caso investigação, questionamento, etc, o que pressupõe-se ter sido feito pelo Judiciário e pelo Ministério Público, competentes para tal a partir do momento em que foram interpelados."
É de se acrescentar que o traço de má-fé apontado pelo INSS no item 7, ao firmar que o segurado "omitiu documentos à sua vontade, induzindo o INSS em erro", nem de longe se demonstra como omissão dolosa, a ponto de caracterizar má-fé. O ponto fulcral que ensejou o não reconhecimento do labor rural a partir de 18/04/1980 a 31/05/1982 foi a certidão de casamento do segurado, que o qualifica como pedreiro, como bem registrado na sentença proferida nos autos do processo n. 2004.71.08.00493-67 (evento 1, PROCADM4, p. 108/110):
Improcede o pedido de reconhecimento do tempo de serviço rural do período de 18/04/80 a 31/05/82, visto que o documento da fl. 16 comprova que o autor exercia a atividade de pedreiro na data de 18/04/80. Além disso, as testemunhas ouvidas em audiência (fls. 112/113) prestaram informações contraditórias com relação à época em que o autor deixou de exercer atividade rurícola.
Tal documento esteve à disposição da autarquia desde o requerimento administrativo (evento 1, PROCADM2, p. 7), não se podendo imputar ao segurado a falha da autarquia ao analisá-lo.
Mesmo a apontada incongruência entre as entrevistas rurais de 1996 (EVENTO 1, PROCADM4, p. 12) e de 2002 (idem, p. 45) é aparente e, ao fim e ao cabo, acaba por depor a favor da existência de boa-fé. Isso porque a afirmação, em 1996, de que laborou com os pais até 1972 e depois produziu em nome próprio, não confronta diametralmente a afirmação feita em 2002, de que laborou com os pais até 1975, casou-se e foi morar na cidade. Há no processo administrativo notas de produtor que confirmam a veracidade da alegada produção e comercialiação em nome próprio (evento 1, PROCADM3, PROCADM4, p. 1/8), e a data em que ele deixou o convívio familiar em nada influencia na resolução da demanda (diga-se de passagem, a divergência pode ser tida por razoável em razão do longo tempo transcorrido). O fato de ele informar em 2002 um termo final para a atividade rurícola, algo que não tinha feito em 1996, nada faz senão revelar a ausência de qualquer intenção fraudatória, já que tal dado não fora questionado na primeira oportunidade e de pronto foi esclarecido na segunda. Aliás, cabia ao INSS delimitar o período final do labor em cotejo com a prova produzida. De igual sorte, não se pode inquinar de má-fé a apresentação de notas de produtor posteriores ao casamento, visto que a circunstância de fato - produção rural - efetivamente existiu, e caracterizar ou não a relação jurídica de segurado especial é atribuição exclusiva da autarquia.
Isso dito, tenho por não comprovada pelo INSS a má-fé do réu no percebimento do benefício, que autorizaria o ressarcimento dos valores auferidos.
Além de tais fundamentos, agrego que em conclusão do relatório de apuração de irregularidade (evento 1 - PROCADM5, página virtual 45 do processo originário) a própria Autarquia Previdenciária, no item 30, consignou o seguinte:
Assim, do exposto, especialmente do contido nos itens 11,12,21, e 22, se mostrando ausente no processo apuratório a má-fé, ou fraude, do segurado ou de servidor, resta também a afastada a responsabilidade do servidor, no presente caso, que procedeu ao ato de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
Nessa quadra, diante da ausência de elementos capazes de confirmar o agir malicioso do segurado, não há como concluir que José Egon Blume tenha agido com fraude ou má-fé na obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição. Desta forma, mostra-se incabível a cobrança, pelo INSS, dos valores pagos a título de benefício previdenciário, ainda que indevidamente.
Nesse sentido:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OBTENÇÃO IRREGULAR DE APOSENTADORIA. COBRANÇA PELO INSS DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. ART. 115 DA LEI 8.213/91. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DOLO E MÁ-FÉ DO SEGURADO. PROVAS INSUFICIENTES. 1. É remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis. 2. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido. 3. De acordo Vladimir Novaes Martinez, A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva. 4. No processo cível instaurado pelo INSS para reaver valores pagos indevidamente, também perquire-se que o autor não tinha consciência de estar descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, especificamente, quanto ao fornecimento de sua CTPS e outros documentos para que um ex-colega (despachante) encaminhasse o pedido de aposentadoria. 5. Diante da ausência de outros elementos capazes de confirmar o agir malicioso do segurado, não há como concluir neste juízo cível que o recorrido tenha agido com fraude ou má-fé na obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição. Desta forma, mostra-se incabível a cobrança, pelo INSS, dos valores pagos a título de benefício previdenciário, ainda que indevidamente. 8. Apelação desprovida. (TRF4, 6ª Turma, AC 5007684-67.2014.4.04.7204/SC, Relatora Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 26-10-2016).
Não comprovado, portanto, qualquer comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé do recorrido, descabe a exigibilidade de restituição dos valores recebidos, não merecendo reparos a decisão recorrida, que deve ser mantida, uma vez alinhada ao entendimento deste Regional e do STJ para a espécie.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8911123v4 e, se solicitado, do código CRC A3F46882. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007089-94.2016.4.04.7108/RS
ORIGEM: RS 50070899420164047108
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOSE EGON BLUME |
ADVOGADO | : | SANDRA INES KUHN GIEHL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 948, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8947148v1 e, se solicitado, do código CRC CE23AC80. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
| Data e Hora: | 20/04/2017 12:42 |
