APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006073-45.2015.4.04.7107/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | VERGINIA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | NICOLE MENEGOTTO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PARCELAS PAGAS AO SEGURADO/BENEFICIÁRIO POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF.
Consoante entendimento desta Corte e do Supremo Tribunal Federal é incabível a devolução dos valores recebidos por força de decisão judicial antecipatória de tutela posteriormente revogada, dado o caráter alimentar da verba, da boa-fé do beneficiário e da observância do princípio da segurança jurídica.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 19 de abril de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8571409v6 e, se solicitado, do código CRC 5D77521. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006073-45.2015.4.04.7107/RS
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | VERGINIA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | NICOLE MENEGOTTO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Vergínia de Oliveira interpôs apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido do INSS para condená-la a ressarcir ao INSS os valores percebidos a título de aposentadoria por invalidez no período de 01/07/2011 a 31/10/2011 (NB 32/547.128.148-5), em razão de decisão antecipatória da tutela proferida no Recurso Cível 5007474.21.2011.404.7107, posteriormente revogada, com juros e correção monetária.
A apelante foi ainda condenada ao pagamento de honorários advocatícios, tendo em conta o estabelecido no art. 85 do NCPC, em 10% sobre o valor da condenação, compreendidas as parcelas vencidas (Súmula 76/TRF4), encontrando-se suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, § 3º, face à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita concedida à demandada.
Em suas razões (evento 38 do eproc originário) pede a reforma da sentença, sustentando, em síntese, ser vedada a cobrança de valores recebidos, salvo comprovada má-fé, o que não se deu no caso concreto, uma vez que os valores foram recebidos por força de decisão judicial.
Foram apresentadas contrarrazões pelo INSS (evento 41). O feito alçou a esta Corte sendo devidamente autuado e distribuído.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, em observância às regras do atual CPC quanto ao juízo de admissibilidade, consigno que a apelação deve ser conhecida em face do preenchimento dos requisitos legais.
Na ação previdenciária nº 2011.71.57.000503-8, posteriormente autuada na forma eletrônica sob o nº 5007474-21.2011.404.7107, a apelante buscou provimento judicial no sentido de obtenção de aposentadoria por invalidez, a qual foi concedida em sentença, entretanto, em grau de recurso, restou revogada.
Não obstante tenha sido revogada a antecipação dos efeitos da tutela, tenho que é incabível a restituição dos valores recebidos a esse título.
Com efeito. Está consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que, em se tratando de valores percebidos de boa-fé pelo segurado, seja por erro da Administração, seja em razão de antecipação de tutela, não é cabível a repetição das parcelas pagas.
Os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, aplicados à hipótese, conduzem à impossibilidade de repetição das verbas previdenciárias. Trata-se de benefício de caráter alimentar, recebido pelo beneficiário de boa-fé.
Deve-se ter por inaplicável o art. 115 da Lei 8.213/91 na hipótese de inexistência de má-fé do segurado.
Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Nesse sentido vem decidindo o STF, v.g.: AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia.
Um dos precedentes, da relatoria da Ministra Rosa Weber, embora não vinculante, bem sinaliza para a orientação do STF quanto ao tema:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 22.9.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito à repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, ARE 734199 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014)."
Não se desconhece a existência dos precedentes do STJ, no julgamento dos Recursos Especiais 1.384.418/SC e 1.401.560/MT, este último originário do sistema de recursos repetitivos, com a seguinte ementa:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, Primeira Seção, REsp 1401560/MT, rel. Ari Pargendler, j. 12fev.2014, p. 13out.2015)
Entretanto, cabe registrar que a decisão proferida no referido acórdão, publicado em 13-10-2015, não foi unânime, bem como há decisão da Corte Especial no mesmo Tribunal em sentido contrário:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA QUE DETERMINA O RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. CONFIRMAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO REFORMADA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1. A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância. 2. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia - e, de fato, deve confiar - no acerto do duplo julgamento. 3. Por meio da edição da súm. 34/AGU, a própria União reconhece a irrepetibilidade da verba recebida de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea ou inadequada da Lei pela Administração. Desse modo, e com maior razão, assim também deve ser entendido na hipótese em que o restabelecimento do benefício previdenciário dá-se por ordem judicial posteriormente reformada. 4. Na hipótese, impor ao embargado a obrigação de devolver a verba que por anos recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força definitiva, não se mostra razoável, na medida em que, justamente pela natureza alimentar do benefício então restabelecido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família. Assim, a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais. 5. Embargos de divergência no recurso especial conhecidos e desprovidos." (EREsp 1086154 / RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, CE - CORTE ESPECIAL, 20/11/2013, DJe 19/03/2014)(grifei).
Trata-se de precedente de Corte Especial, em que o próprio STJ relativiza o julgamento anterior, retomando entendimento pela inexigibilidade da restituição nos casos em que a antecipação da tutela se originou de cognição exauriente, com confirmação em segundo grau. Ao fazê-lo, a Corte adotou como ratio a presença da boa-fé objetiva, advinda das decisões, ainda que provisórias, proferidas em favor daquele que recebe verba de caráter alimentar.
Aliás, quanto à repetição de valores, o supremo Tribunal Federal, recentemente assentou que, mesmo as parcelas vencimentais e/ou beneficiárias tenha se dado por força de tutela antecipada judicial, não terão que ser devolvidas em face da boa fé e da segurança jurídica, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. URP. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO PLENÁRIO PARA SITUAÇÃO IDÊNTICA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Quando do julgamento do MS 25.430, o supremo Tribunal Federal assentou, por 10 votos a 1, que as verbas recebidas em virtude de liminar deferida por este Tribunal não terão que ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica e tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada de parcela vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS 26125 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 02/09/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 23-09-2016 PUBLIC 26-09-2016)
E nessa linha, julgados deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ EM DECISÃO JUDICIAL. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Não são restituíveis os valores recebidos a título de benefício previdenciário em virtude de decisão judicial, diante do caráter alimentar da verba e da boa-fé do segurado. (TRF4, AC 0010997-10.2016.404.9999, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 27/10/2016).
VALORES RECEBIDOS DE BOA FÉ POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA. BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Incabível a devolução dos valores recebidos em razão de antecipação de tutela concedida nos presentes autos, conforme iterativa jurisprudência que consagrou o princípio da irrepetibilidade dos valores de benefícios previdenciários recebidos em situações similares, sempre que verificada a boa-fé do beneficiário. (TRF4, APELREEX 0011302-62.2014.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 05/10/2016).
Nessa quadra, é imperativa a reforma da sentença para julgar totalmente improcedente o pedido veiculado pelo INSS.
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios seguem a sistemática prevista no artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015.
Considerando a reforma do julgado, fica invertida a sucumbência do INSS, de modo que, à luz do art. 85, §§ 3º e 11 do CPC, condeno-o ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006073-45.2015.4.04.7107/RS
ORIGEM: RS 50060734520154047107
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | VERGINIA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | NICOLE MENEGOTTO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 949, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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