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PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTITUIÇÃO DE VALORES. TRF4. 5002366-05.2016.4.04.7117...

Data da publicação: 07/07/2020, 09:33:15

EMENTA: PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTITUIÇÃO DE VALORES. 1. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica (no caso, saques de benefício cujo titular já tinha falecido, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido. 2. Não evidenciada a má-fé da parte demandada, o INSS não pode proceder à cobrança dos valores pagos a título de benefício assistencial. 4. Recurso a que se nega provimento. (TRF4, AC 5002366-05.2016.4.04.7117, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 29/08/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002366-05.2016.4.04.7117/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: DIONES JOSE DE GOES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (RÉU)

ADVOGADO: JANE ELISABETE RIEDE (OAB RS089741)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

INTERESSADO: ALESSANDRA DE GOES (INTERESSADO)

ADVOGADO: JANE ELISABETE RIEDE

RELATÓRIO

Trata-se de apelação do INSS em face de sentença prolatada em 08/03/2019 na vigência do NCPC que julgou improcedente o pedido, cujo dispositivo reproduzo a seguir:

Ante o exposto, acolho parcialmente a preliminar da prescrição e, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão ressarcitória veiculada pelo INSS, por incomprovada má-fé do demandado na percepção do Amparo Social à Pessoa Portadora de Deficiência Física (NB 87/517.404.130-7), no período compreendido entre 25/07/2006 e 30/04/2014, o que faço nos termos art. 487, I, do CPC. Sucumbente, condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do procurador da parte ex adversa, os quais fixo no percentual de 10% sobre o pleito ressarcitório veiculado na inicial, com fulcro no art. 85, §3º, I, do CPC, atualizáveis desde o ajuizamento da ação pelo IPCAE/IBGE (nos termos da Súmula 14 STJ), com juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença, atualizados em percentual idêntico ao da poupança, de forma simples, sem capitalização. O INSS é isento de custas. Tendo em conta que a condenação em desfavor do INSS representa valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, não está sujeita a decisão a reexame necessário (ex vi art. 496, §3º, I, do CPC). Deixo de arbitrar honorários em favor da procuradora dativa, pois contemplada com os honorários resultantes da sucumbência, nos termos do artigo 25 da Resolução n º. 305/2014, do Conselho da Justiça Federal.

O INSS pugnou pela reforma da sentença, afirmando se tratar de ressarcimento ao erário de vantagem obtida mediante fraude, de modo que o crédito do INSS é imprescritível.

Alegou que, em síntese, que o fato de os benefícios previdenciários e assistenciais se enquadrarem no conceito de verba de caráter alimentar não impede a devolução, coercitiva se necessário, das parcelas recebidas indevidamente, ou nas hipóteses de erro administrativo e concessão indevida.

Asseverou sobre a legalidade da cobrança, afirmando que a restituição de valores recebidos indevidamente é medida perfeitamente legal, nos termos das disposições constantes no artigo 115, inciso II e § 1º, da Lei 8.213/1991, regulamentado pelo artigo 154, inciso II e §§2º ao 5º, do Decreto nº 3.048/1999.

Requereu, a reforma da sentença julgando totalmente procedentes os pedidos da inicial.

Apresentada as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Objeto da ação

Trata-se de ação de cobrança intentado pelo Instituto Nacional Do Seguro Social - INSS em face de Diones José De Goes, representado por sua curadora/irmã, Alessandra De Goes, visando à devolução dos valores recebidos a título de benefício de amparo à pessoa portadora de deficiência (NB 87/517.404.130-7), no período compreendido entre 25/07/2006 e 30/04/2014. Para fins de clareza, transcrevo excerto do relatório da sentença (evento 78, SENT1, p.1):

O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS ajuizou a presente ação de cobrança em face de DIONES JOSÉ DE GOES, representado por sua curadora, ALESSANDRA DE GOES, visando à devolução dos valores recebidos a título de benefício de amparo à pessoa portadora de deficiência (NB 87/517.404.130-7), no período compreendido entre 25/07/2006 e 30/04/2014, o que resultou em um prejuízo ao erário de R$ 72.170,61 (setenta e dois mil, cento e setenta reais e sessenta e um centavos), atualizado até 05/2016.

Discorre que a apuração levada a cabo pela Autarquia concluiu que o recebimento do benefício foi indevido, porquanto a renda per capita familiar era superior a 1/4 do salário mínimo nacional. Suscitou a ocorrência de má-fé por parte do réu na omissão de componentes do grupo familiar.

O réu foi citado na pessoa de sua curadora (evento 52) e apresentou contestação nos eventos 55 e 56, através de defensora dativa. As alegações tecidas pela defesa foram no sentido de que o réu sempre residiu com a irmã Alessandra, passando apenas algumas horas do dia na casa de sua mãe, em horários que coincidiam com trabalhos de faxina realizados pela curadora. Foi invocada a prescrição parcial do débito no período de 2006 a 2013 e reafirmada a boa-fé por parte do requerido e sua curadora. Nesses termos, pugnou-se pela improcedência da demanda e concessão de AJG (evento 56).

Em decisão de saneamento do feito, foi deferida a benesse da gratuidade judiciária e determinada a conclusão do feito para julgamento do mérito (evento 62).

Parecer do Ministério Público Federal, com manifestação pela improcedência (evento 76).

Mérito

Há que se enfatizar que os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, aplicados à hipótese, conduziriam à impossibilidade de repetição das verbas previdenciárias. Entretanto, deve-se ter por inaplicável o art. 115 da Lei 8.213/91 na hipótese de inexistência de má-fé do segurado.

Do exame dos documentos apresentados, colhe-se que o réu auferiu pensão por morte em decorrência do óbito de Sirlei Teresinha Souza, de quem ele, ao que refere o INSS, estava separado de fato há muitos anos.

Com efeito, decidiu o julgador a quo pela improcedência do pedido inicial. Nesse diapasão, nenhum reparo há a considerar na sentença recorrida. Para evitar tautologia, transcrevo excerto dos fundamentos, fazendo-os parte integrante de minhas razões de decidir, in verbis (evento 78, SENT1, p.1):

(...)

Da prescrição Sobre o instituto, dispõe o art. 37, § 5º, da Constituição Federal: § 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. Baseado na parte final do § 5º do art. 37 da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal (MS nº 26.210 e AI 819.135) chegou a manifestar entendimento no sentido de que as ações que buscam a recomposição do patrimônio público são imprescritíveis, trate-se de agente público ou não. Contudo, mais recentemente, em agosto de 2013, o STF reconheceu a repercussão geral sobre o tema, nos seguintes termos: ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA RESSALVA FINAL PREVISTA NO ARTIGO 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário no qual se discute o alcance da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário prevista no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal. (RE 669069 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 02/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG 23-08-2013 PUBLIC 26-08-2013) A matéria, tratada no Tema 666 da Repercussão Geral, foi apreciada pelo Pleno daquela Corte em 03/02/2016, que, por maioria de votos, fixou a tese de que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”. Decidiu-se, na ocasião, que, diante do caso concreto, poder-se-ia concluir que não há falar em imprescritibilidade quando se estiver diante de ilícito civil. A questão envolvendo danos decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa, no entanto, embora debatida, não foi objeto de tese em sede de repercussão geral. O Ministro Teori Zavascki bem acenou que "o Tribunal tomou uma opção clara: decidiu o caso, negando provimento, vencido o Ministro Fachin, mas resolveu ficar numa tese restrita, analisando apenas a questão do ilícito civil, que é o caso". A decisão, que transitou em julgado em 31/08/2016, retrata a orientação do Tribunal sobre a matéria e enseja a reconsideração do entendimento deste Juízo, que passa a alinhá-lo ao do STF. Sobre o tema, a propósito, colhe-se recente decisão de nosso Regional: PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. ATO NÃO DECORRENTE DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Conforme orientação do STF no recurso extraordinário nº 669.069 RG/MG, o § 5º do art. 37 da CF deve ser interpretado em conjunto com o seu §4º, de modo que as pretensões de ressarcimento ao erário oriundas de ato ilícito que não importe em improbidade administrativa seriam prescritíveis. 2. Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício assistencial de prestação continuada, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (prescrição quinquenal). 3. Como não houve recurso da parte ré, em observância à proibição da reformatio in pejus, mantenho a sentença nos seus exatos termos. Recurso do INSS improvido. (TRF4, AC 5001352- 53.2015.404.7009, TERCEIRA TURMA, Relatora p/ Acórdão MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 07/04/2016) A prescrição quinquenal aplicável, contudo, não encontra previsão no Código Civil ou na Lei nº 9.873/99, mas no Decreto nº 20.910/32: Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Conquanto o dispositivo alcance os débitos - e não os créditos - da Fazenda Pública, assentou o STJ que, em decorrência da necessária simetria a guiar a questão e diante da ausência de regramento que regule especificamente o lapso prescricional em testilha, o prazo também deve se aplicar à União e autarquias federais quando busca a satisfação de dívida pendente. Neste sentido: PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - TERRENOS DE MARINHA - COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO - PRAZO PRESCRICIONAL - APLICAÇÃO DO DECRETOLEI 20.910/32. 1. Os terrenos de marinha são bens públicos que se destinarem historicamente à defesa territorial e atualmente à proteção do meio ambiente costeiro. 2. Permite-se a ocupação por particulares, mediante o pagamento de taxa de ocupação e de laudêmio quando da transferência, em relação eminentemente pública, regida pelas regras do direito administrativo. 2. Fixada a natureza jurídica da relação, prazos para cobrança das obrigações dela oriundas seguem as regras da decadência e da prescrição previstos no Direito Público 4. Inexistindo regra própria até o advento da Lei n. 9.363/98, aplica-se a regra geral do art. 1º do Decreto-lei n. 20.910/32, ou seja, o prazo quinquenal, em interpretação analógica, sendo inaplicável o Código Civil. 5. Recurso especial provido em parte. (REsp 1044105/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)

Da mesma forma é o REsp 1315298/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 24/02/2014 e a posição do TRF4 na AC 5024542-76.2014.404.7107, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão José Antônio Savaris. Por sinal, o prazo prescricional da Lei nº 9.873/99 - aplicável para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal - é também de cinco anos. O mesmo entendimento, ademais, é compartilhado pela nossa Corte Regional: ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO CONCESSÓRIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO EM SITUAÇÃO QUE NÃO SE ENQUADRA COMO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INCIDÊNCIA. SISTEMÁTICA PARA VERIFICAÇÃO. LEI 8.429/1992. DECRETO 20.910/1932. LEI 8.213/1091.- [...] A jurisprudência deste Tribunal tem entendimento no sentido de que ante a inexistência de prazo geral expressamente fixado para as ações movidas pela Fazenda Pública contra o particular, há que se aplicar por simetria o Decreto nº 20.910/32, que em seu art. 1º prevê prazo de cinco anos. No caso específico de benefício previdenciário, aplicável por simetria também o parágrafo único do artigo 103 da Lei 8.213/91.- Nos termos do artigo 4º do Decreto 20.910/32 não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.- Em caso de pagamento indevido feito pela Administração a particular, ocorrendo a notificação do interessado em relação à instauração do processo revisional, não se pode cogitar de curso do prazo prescricional, pois deve ser aplicado também, por isonomia, o artigo 4º do Decreto 20.910/1932- O prazo prescricional, desta forma, se inicia com o pagamento indevido, mas não tem curso durante a tramitação do processo administrativo instaurado para apuração da ilegalidade cogitada.- O prazo prescricional não se confunde com o prazo decadencial previsto no artigo 103-A da Lei 8.213/91 para a Administração desconstituir os atos administrativos dos quais resultem efeitos favoráveis para os segurados.- No caso de benefício previdenciário concedido indevidamente, a Administração tem 10 anos para desconstituir o ato concessório indevido. E havendo má-fé comprovada, a desconstituição pode ocorrer a qualquer tempo. Isso não impede, porém, o curso do prazo prescricional, que diz respeito à pretensão ressarcitória, distinta da anulatória.- Na situação em apreciação, ajuizada a ação em 12/09/2014, e acrescido ao lustro prescricional o prazo de tramitação do processo administrativo (01 ano e 08 meses), não se cogita de prescrição em relação às prestações que foram pagas ao segurado depois de 12/01/2008, merecendo provimento parcial a apelação do INSS. (TRF4, AC 5019513- 72.2014.404.7001, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 30/05/2016, sem grifos no original)

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. RECEBIMENTO DE VALORES PREVIDENCIÁRIOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. FRAUDE NA CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS. ATO ILÍCITO. 1. Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, pagos em virtude de ato fraudulento que não configure improbidade administrativa, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (prescrição quinquenal). 2. Ainda que se considere a suspensão do prazo prescricional no período de apuração administrativa, tendo em vista que entre a conclusão do processo administrativo e o ajuizamento da ação transcorreu-se mais de cinco anos, a pretensão de ressarcimento de todas as parcelas objeto desta ação está obstada pela ocorrência da prescrição. (TRF4, AC 5000862-31.2015.404.7203, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 27/07/2016, sem grifos no original) Noutro vértice, cumpre enfatizar que o prazo prescricional não se confunde com o prazo decadencial previsto no artigo 103-A da Lei 8.213/91 para a Administração desconstituir os atos administrativos dos quais resultem efeitos favoráveis para os segurados. Demais disso, o entendimento manifestado pelo TRF da 4ª Região é no sentido de que a ocorrência ou não da boa-fé do segurado no recebimento do benefício, não afasta a incidência da prescrição quinquenal. PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. COBRANÇA DE PARCELAS RECEBIDAS A TÍTULO DE AUXÍLIO-DOENÇA NO PERÍODO DE 01-12-2006 A 16- 05-2007 EM RAZÃO DO EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE REMUNERADA. COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ DO IMPETRANTE. DESCABIMENTO EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE COBRANÇA DO INSS. 1. A eventual existência de má-fé pelo impetrante, no que tange ao recebimento dos valores os quais o INSS pretende restituir ao erário, não pode ser analisada por meio de mandado de segurança, pois exigiria dilação probatória. Porém, ainda que demonstrada a má-fé do impetrante, isso afastaria o prazo decadencial para o INSS anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, mas não o prazo prescricional. Precedentes da Corte. 2. In casu, como o INSS pretende cobrar as parcelas abarcadas entre 01-12-2006 e 16-05-2007, mas somente iniciou o processo de cobrança, na via administrativa, no ano de 2014, todas as parcelas foram abarcadas pela prescrição quinquenal, o que configura o direito líquido e certo do impetrante de obstar qualquer procedimento tendente à satisfação do alegado crédito. - APELREEX nº 5004928-88.2014.404.7009, Rel. Marcelo Malucelli, j. em 06/05/2015, sem grifos no original) No caso concreto, a suposta fraude envolve o recebimento de Benefício Assistencial n o período compreendido entre 25/07/2006 e 30/04/2014 (NB 87/517.404.130-7), diante de apurações administrativas levadas a efeito em 19/08/2006 e 17/07/2013, através das quais se concluiu que o réu morava com os pais, ambos aposentados (evento 1, PROCADM2, fl. 18). Pois bem. A apuração inicial dos fatos deu-se em 19/08/2006, tendo o processo ficado inerte até 13/02/2013, quando, então, sobreveio decisão determinando nova apresentação de declaração sobre a composição do grupo e renda familiar, o que foi realizado pela curadora Alessandra de Goes em 21/02/2013 (evento 1, PROCADM2, fl. 26). Na nova declaração, Alessandra informou conviver sob o mesmo teto com DIONES, seu irmão e NICOLI FATIMA LORENSSETTI, sua sobrinha, todos na rua Lido Giacomoni, 445, em Estação/RS. Também declarou exercer a profissão de dona de casa e serem dependentes da renda do benefício de DIONES (fl. 28). Diante das informações, o INSS procedeu à nova pesquisain loco, da qual sobreveio novamente a conclusão de que o segurado residia, de fato, com seus pais (fls. 29/31).

O prazo de defesa concedido à parte transcorreuin albis, de modo que, em 23/06/2015 foram emitidos dois ofícios de cobrança para os endereços cadastrados, os quais retornaram com a informação de "número inexistente". Publicado edital de cobrança em 14/07/2015 (evento 1, PROCADM2, fl. 61), com decisão final em 12/08/2015 (fl. 64). Pois bem. É certo que, durante o período de tramitação de processo administrativo no qual se discute sobre o direito do dependente ou segurado.

Porém, no caso dos autos, o processo administrativo permaneceu por quase 07 (sete) anos sem qualquer movimentação, em flagrante desrespeito ao princípio da razoável duração do processo, inserido pela EC 45/2004 dentro das garantias fundamentais asseguradas a cada indivíduo, insculpido no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal. Note-se que a presente ação foi ajuizada pelo INSS em 31/05/2016, quer dizer, quase 10 anos após a concessão do benefício. Há de se considerar, ainda, que o INSS o deferiu ao autor em 25/07/2006 e no mesmo dia identificou que seus pais, aposentados, residiam na mesma rua, motivo pelo qual realizou a verificação do endereço em 28/08/2006, concluindo que o benefício era indevido (evento 1, PROCADM2, fls. 13 e ss.). No entanto, o pagamento continuou sendo feito regularmente e o processo só foi retomado em 2013, oportunidade em que se deu início à nova averiguação. Diante de tal panorama e restando evidente a inércia imotivada da administração - que, aliás, concedeu um benefício antes de averiguar a veracidade das informações prestadas pela requerente, mesmo sendo elas controversas, conforme se apurou do simples batimento de informações constantes do sistema - é de concluir pela prescrição das parcelas anteriores a 31/05/2011 (5 anos anteriores ao ajuizamento da ação), porque, ainda que àquela época não houvesse decisão em caráter definitivo, o INSS tinha plenas condições de demandar judicialmente (e também cessar o pagamento do benefício, observado o contraditório) a partir do momento em que verificou que o réu não preenchia os requisitos necessários para a concessão do benefício. Desse modo, portanto, acolho a preliminar de prescrição, para o fim de limitar o pedido ressarcitório às parcelas posteriores a 31/05/2011.

II - Do Mérito

É assente na jurisprudência que a Administração Pública pode rever seus próprios atos. Neste sentido, a Súmula n. 473 do Supremo Tribunal Federal: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. A pretensão do INSS encontra respaldo na Lei nº. 8.213/91, como segue: Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social; II - pagamento de benefício além do devido; III - Imposto de Renda retido na fonte;

IV - pensão de alimentos decretada em sentença judicial; V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados. Demais disso, o dever de restituição encontra assento nos artigos 876 e 884 do Código Civil: Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição. Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. A jurisprudência entende que, não demonstrada a má-fé do segurado, são irrepetíveis os valores recebidos em decorrência no benefício previdenciário indevido, consoante decidiu o STJ na sistemática de representativo de controvérsia:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS. (...) 2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada. 3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005. 4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu. 5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a 'legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio' (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011. 6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: 'quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.' (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).(REsp 1384418/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe 30/08/2013)

O TRF4, por sua vez, possui entendimento uníssono em relação à irrepetibilidade das verbas alimentares percebidas em boa-fé:

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA -FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE. É indevida a devolução dos valores recebidos de boa -fé pelo segurado, notadamente em razão da natureza alimentar dos benefícios previdenciários. (TRF4 5001150-73.2015.4.04.7204, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relatora GABRIELA PIETSCH SERAFIN, juntado aos autos em 19/12/2017) "Trata-se de agravo de instrumento movido pelo INSS contra decisão em cumprimento de sentença, na qual foi indeferido o abatimento dos valores recebidos a maior por força de antecipação de tutela. Defende a autarquia, em síntese, que é devida a reparação ao erário quando os valores foram indevidamente pagos ao segurado. Diz que a devolução em pauta está albergada nos artigos 302, I e parágrafo único do CPC e 115 da Lei de Benefícios. Diz que a constatação de boa fé não obsta a restituição ao erário quando se trata de valores indevidos, conforme literal disposição do artigo 46 da Lei 8.112/90. Cita precedentes do STF e STJ. Requer a antecipação da tutela recursal. Decido. No caso, a exequente teve o benefício previdenciário postulado em juízo implantado por força de antecipação de tutela, cuja RMI foi calculada computando o tempo total postulado. Em grau recursal houve redução do tempo de serviço reconhecido, resultando parcial provimento ao recurso autárquico, sendo reduzida a RMI do benefício deferido. Não obstante a redução da RMI, é incabível a restituição dos valores recebidos a título de antecipação de tutela. Está consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que em se tratando de valores percebidos de boa-fé pelo segurado, seja por erro da Administração, seja em razão de antecipação de tutela, não é cabível a repetição das parcelas pagas. Os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, aplicados à hipótese, conduzem à impossibilidade de repetição das verbas previdenciárias. Trata-se de benefício de caráter alimentar, recebido pelo beneficiário de boa-fé. Deve-se ter por inaplicável o art. 115 da Lei 8.213/91 e demais legislação invocada na hipótese de inexistência de má-fé do segurado. Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto, não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Neste sentido vem decidindo o STF, em diversos julgados (RE 734.199/RS, Rel. Min. Rosa Weber; AI 820.685- AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia). Não desconheço a existência dos precedentes do STJ, no julgamento dos Recursos Especiais 1.384.418/SC e 1.401.560/MT, este último originário do sistema de recursos repetitivos. No entanto, o próprio STJ, por sua Corte Especial, no julgamento do EResp 1.086.154/RS, já relativizou o entendimento adotado, mantendo a inexigibilidade da restituição em caso em que a antecipação da tutela originou-se de cognição exauriente, com confirmação em segundo grau. Ao fazê-lo, a Corte adotou como ratio a presença da boa-fé objetiva, advinda das decisões, ainda que provisórias, daquele que recebe verba de caráter alimentar. Evidente que este entendimento, adotado pela maioria dos julgadores do órgão especial enfraquece o entendimento da primeira seção, reduzindo a força vinculante de seu precedente. Repiso, ademais, que o STF em diversas decisões manteve entendimento quanto à prevalência da boa-fé, em casos tais, como fator suficiente para afastar a necessidade do ressarcimento, sem necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade do art.115 da Lei 8.213/91: Em um dos acórdãos, da Primeira Turma do STF, afirma-se inclusive que a jurisprudência da Corte se teria firmado no sentido de serem irrepetíveis as parcelas pagas por decisão judicial: EMENTA DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 15.4.2009. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito a repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido.(AI 829661 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 18/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe152 DIVULG 06-08-2013 PUBLIC 07-08-2013) Na mesma linha vão outras decisões recentes do STF, podendo-se citar o ARE 734242 AgR, Relator Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, ARE 658.950/DF AgR, Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux e decisão do ano de 2016, do próprio do Plenário da Suprema Corte, neste caso, envolvendo servidores públicos: MS 26.125 Agr, Relator, Ministro Edson Fachin: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. URP. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO PLENÁRIO PARA SITUAÇÃO IDÊNTICA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Quando do julgamento do MS 25.430, o Supremo Tribunal Federal assentou, por 10 votos a 1, que as verbas recebidas em virtude de liminar deferida por este Tribunal não terão que ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica e tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada de parcela vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS 26125 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 02/09/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 23-09-2016 PUBLIC 26- 09-2016). Pelo exposto, indefiro o efeito suspensivo requerido. Intimem-se, sendo a parte agravada para responder. (TRF4, AG 5000764- 19.2018.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 12/01/2018)

Nessa perspectiva, cumpre analisar se a percepção das verbas pelo réu realmente ocorreu em má-fé. Para tanto, inicialmente, ressalto que o ônus da prova relativo a tal fato pertence ao INSS, conforme a abalizada doutrina dos autores Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior, da qual se extrai:

Em caso de má-fé, o desconto é integral (RPS, art. 154, § 2º), ainda que em decorrência disto o beneficiário nada receba, por meses a fio, até que o total seja descontado. Evidentemente, o beneficiário poderá questionar judicialmente o entendimento administrativo no sentido da existência de máfé, sendo do Instituto o ônus de prová-la, uma vez que a má-fé não se presume. (in Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, quinta edição, p. 359)

O TRF4 também atribui ao INSS o ônus de provar a existência de fraude ou má-fé por parte do beneficiário, como segue:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. SUPRESSÃO DA PARCELA. CABIMENTO. DESCONTO NOS VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. Não se exige o esgotamento do processo na via administrativa para que o interessado ingresse com a ação correspondente. No seu sistema de autocontrole, a administração pública tem o poder-dever de suprimir o pagamento de parcela cujo pagamento foi considerado ilegal. Hipótese em que se constata a observância dos princípios da segurança jurídica e boa-fé, bem como do devido processo legal na atuação da Administração, que culminou com a redução nos proventos de aposentadoria. O recebimento da parcela com a alegada boa-fé, por si só, não obsta a supressão de parcela ilegal pela Administração. Não é cabível a repetição dos valores ao Erário quando o pagamento se tiver dado por erro da Administração Pública e o servidor estiver de boa-fé, máxime em se tratando de verba de natureza alimentar. É princípio geral do direito que a boa-fé se presume e a má-fé depende de prova, sendo que os elementos de convicção constantes dos autos não autorizam um juízo de certeza sobre a má-fé do autor, indispensável à determinação de restituição dos valores percebidos. (TRF4, AC 5000865-55.2012.404.7214, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, D.E. 19/12/2012) (grifei) PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO ADMINISTRATIVA. PERCEPÇÃO CUMULATIVA DE DUAS APOSENTADORIAS. DECADÊNCIA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INOCORRÊNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA OBSERVADOS NO CURSO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. AUSÊNCIA DE FRAUDE OU MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. (...) 7. Nos termos do art. 115 da Lei n.° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Contudo, a jurisprudência do STJ e desta Corte já está consolidada no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis devido ao caráter alimentar do benefício. 8. Não havendo nos autos elementos capazes de evidenciar a má-fé do segurado ao receber o benefício, não é possível presumi-la. Em se tratando de verba de natureza alimentar, recebida de boa-fé, não há falar em restituição dos valores recebidos. (TRF4, APELREEX 2008.71.17.001099-8, Sexta Turma, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 07/12/2011) (grifei)

No caso dos autos, porém, não vislumbro ter restado suficientemente comprovada a má-fé do requerido. A um, porque ainda que o requerido residisse efetivamente com os pais, tendo o INSS sido induzido a erro quanto à renda per capita da família, as verificações in loco foram concluídas com depoimentos de pessoas vizinhas, não identificadas, quando poderia a Autarquia ter diligenciado junto à própria residência do demandado, especialmente no segundo endereço, onde aparentemente não possuía mais de uma casa no mesmo terreno e, portanto, a ausência da curadora ou a presença dos pais no local evidenciaria a alegada má-fé no requerimento do benefício (já que consignado por Alessandra que residia apenas ela, o irmão e uma sobrinha e que exercia a profissão de dona de casa). A dois, porque, tendo sido o requerido interditado e o benefício requerido por sua irmã e curadora, Alessandra, se houve má-fé, essa não se originou de qualquer ato seu, eis que todas as informações prestadas ao INSS o foram por liberalidade de outra pessoa.

Isto posto, incomprovada a má-fé do réu, ônus que cabia ao requerente, incabível a obrigação restituitória deflagrada pela Autarquia.

(...)

Nesta senda, agrego fundamentos. Quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.

Pois bem, a boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte.

Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido. Com efeito. Examinando os elementos probantes do feito, tenho que a hipótese não encontra guarida.

A Autarquia Previdenciária suspendeu o benefício NB 517.404.130-7 em 30/04/2014 (evento 1, PROCADM2, p.67) fundado em duas diligências realizadas com o objetivo de verificar se o autor residia só com a sua irmã curadora ou com os pais.

Na primeira diligência realizada pela autarquia foi confirmada que haviam duas casas no mesmo terreno. E, a partir dessa constatação, e de depoimentos de vizinhos que afirmaram que o autor morava com os pais, que titulavam aposentaria superior ao mínimo, o requisito vulnerabilidade socioeconômica estaria afastada.

Pois bem, das declarações dos vizinhos a única conclusão factível é que o filho em alguns momentos estava em companhia dos pais. A hipótese ganha força diante da confirmação que a irmã/curadora residia na casa dos fundos, e eventualmente saia para efetuar "faxinas" e o irmão ficava sob a atenção dos pais.

Ademais, o INSS desconsiderou que a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas:

"Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto."

Não há elementos que se possa concluir que o réu não residisse com sua curadora na casa dos fundos.

No ano de 2013 nova diligência foi efetuada pelo INSS, desta feita em novo endereço indicado pela curadora do autor.

Desta visita imperioso trazer a baila parecer do Ministério Público Federal em Erechim/RS (evento 76, PARECER1, p.1):

Assim, nova diligência foi realizada pelo INSS, concluindo que quem morava no endereço indicado pela curadora Alessandra eram: o segurado e seus pais (evento 1, doc. 2, ps. 29-39). Entretanto, impende registrar que existe uma conta de luz em nome da curadora do réu neste endereço (evento 1, doc. 2, p. 27), o que enseja a conclusão de que ela, realmente, tinha este local como domicílio. Por segundo, a conclusão do INSS baseia-se, exclusivamente, em um entrevista em que se ouviram dois vizinhos (evento 1, doc. 2, ps. 29/30). Todavia, estes vizinhos sequer foram identificados. Portanto, essa entrevista sem identificação das pessoas não pode ser hábil para certificar que, naquele local, moravam os pais do réu e, muito menos, configurar sua má-fé. Sobretudo quando existe uma curadora legal com endereço confirmado no local indicado para o INSS, por meio da supracitada conta de energia elétrica (evento 1, doc. 2, ps. 5-6, 26 e 28). Assim sendo, salvo melhor juízo, infere-se dos autos que a representante do segurado não omitiu dolosamente informações sobre a quantidade de componentes do grupo familiar a fim de que seu irmão pudesse receber o benefício previdenciário.

Nessa quadra, não se pode concluir que o benefício era indevido, tampouco que o autor não viva com a irmã/curadora e de imediato afastar hipótese de má-fé do requerente, como sugere o INSS, alegando omissão na informação de que os genitores titulavam aposentadoria, quando a própria autarquia tem ao seu dispor esta informação, bastando acessar o sistema Plenus.

Diante do exposto, tenho que deve ser mantida hígida a sentença vergastada.

Honorários advocatícios

Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, este regramento é aplicável quanto à sucumbência.

No tocante ao cabimento da majoração da verba honorária, conforme previsão do §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):

É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:

a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;

b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;

c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.

No caso concreto, estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.

Assim, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios em 50% sobre o percentual anteriormente fixado.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001260511v10 e do código CRC 295f27df.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 29/8/2019, às 15:37:48


5002366-05.2016.4.04.7117
40001260511.V10


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 06:33:15.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002366-05.2016.4.04.7117/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: DIONES JOSE DE GOES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (RÉU)

ADVOGADO: JANE ELISABETE RIEDE (OAB RS089741)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

INTERESSADO: ALESSANDRA DE GOES (INTERESSADO)

ADVOGADO: JANE ELISABETE RIEDE

EMENTA

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTITUIÇÃO DE VALORES.

1. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica (no caso, saques de benefício cujo titular já tinha falecido, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.

2. Não evidenciada a má-fé da parte demandada, o INSS não pode proceder à cobrança dos valores pagos a título de benefício assistencial.

4. Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de agosto de 2019.



Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001260512v3 e do código CRC 5bee4ce2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Data e Hora: 29/8/2019, às 15:37:48


5002366-05.2016.4.04.7117
40001260512 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 06:33:15.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 27/08/2019

Apelação Cível Nº 5002366-05.2016.4.04.7117/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

PROCURADOR(A): VITOR HUGO GOMES DA CUNHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: DIONES JOSE DE GOES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (RÉU)

ADVOGADO: JANE ELISABETE RIEDE (OAB RS089741)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 27/08/2019, na sequência 517, disponibilizada no DE de 09/08/2019.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 06:33:15.

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