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PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MÁ-FÉ PLENAMENTE EVIDENCIADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENT...

Data da publicação: 07/07/2020, 14:34:41

EMENTA: PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MÁ-FÉ PLENAMENTE EVIDENCIADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. OBRIGATORIEDADE. 1. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica (no caso, saques de benefício cujo titular já tinha falecido, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido. 2. Examinando os elementos probantes do feito, constata-se não tratar de erro administrativo do INSS. Ao contrário, a apelante, evidentemente, agiu maliciosamente no sentido de receber fraudulentamente benefício assistencial ao idoso. 3. Evidenciada a má-fé da demandada, o INSS pode proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente a título de benefício assistencial. 4. Recurso a que se nega provimento. (TRF4, AC 5000892-58.2018.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 04/04/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000892-58.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

APELANTE: PALMIRA MACHADO (AUTOR)

ADVOGADO: HANIELEN DE SOUZA GELAIN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

Trata-se de apelação da parte autora contra sentença (10/10/2018 NCPC) que julgou improcedente os pedidos veiculados na exordial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na petição inicial, extinguindo o feito na forma do art. 487, inciso I, do CPC. Em consequência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios de sucumbência. Arbitro estes em 10% sobre o valor da causa, atualizado a contar do ajuizamento da ação, na forma do artigo 85, §§ 2º e 3º, do CPC. Suspendo, contudo, a exigibilidade de tais rubricas, tendo em vista a concessão do benefício da gratuidade de justiça. Diante da improcedência, não haverá reexame necessário. Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazoar, querendo, no prazo legal. Cumpridos os procedimentos de estilo, remetam-se os autos ao egrégio TRF da 4ª Região.

Sustentou, em síntese, que não sabia da fraude cometida pela sua procuradora à época do requerimento do benefício e foi levada a erro, acreditando que vinha percebendo uma aposentadoria por idade – portanto, recebia de boa-fé o benefício pago pelo INSS.

Alegou que mesmo diante do erro, ela tinha direito ao recebimento do benefício concedido, uma vez que é pessoa pobre, vivia juntamente com seu esposo e a renda percebida por ele não era suficiente para pagar as despesas do casal, idoso e doente.

Requereu a declaração da inexistência da dívida, ou ainda, seja determinada a desconstituição da sentença, para a realização de prova pericial que comprove a necessidade do benefício assistencial.

Apresentada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Caso concreto

Trata-se de ação ordinária ajuizada por Palmira Machado em face do INSS objetivando que seja declarada a inexigibilidade do débito. Para fins de clareza, transcrevo excerto do relatório da sentença (evento 37, SENT1, p.1):

PALMIRA MACHADO, qualificada nos autos, ajuizou a presente ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, originariamente distribuída perante a 4ª Vara Federal desta Subseção Judiciária, objetivando a declaração de inexigibilidade do débito (R$ 67.059,04) cobrado pelo réu em face do recebimento do benefício assistencial de prestação continuada devido ao idoso (NB 88/536.132.072-9) entre 08/06/2009 e 26/01/2016, bem como a repetição dos valores indevidamente debitados da pensão que percebe. Disse ter requerido a concessão do LOAS sob a orientação “de uma Sra. chamada Clarice (de Gramado) e da outrora procuradora da Autora, a Sra. Cíntia Jardim D’Ávila Dani” (p. 11), acreditando que se tratava, na verdade, de uma aposentadoria por idade. Ato contínuo, registrou ter solicitado a concessão do benefício de pensão por morte em razão do falecimento de seu consorte, ocorrido em 27/08/2015, o que foi igualmente deferido. Entrementes, aduziu ter recebido um comunicado do INSS em 2016 (possivelmente em fevereiro – sic, p. 02) noticiando a irregularidade no recebimento do benefício assistencial, sendo os valores daí decorrentes descontados da pensão deixada por seu esposo, com o que não concorda. Afirmou que é idosa e semianalfabeta, asseverando ter sido induzida por terceira pessoa, cujo fato, aliás, está sendo apurado pela Polícia Federal. Consignou que os valores foram recebidos de boa-fé e tem caráter alimentar, o que igualmente infirma o dever de devolução, pontuando, ainda, que o LOAS seria devido por mais que a renda per capita do núcleo familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo. Ao final, formulou pedido de tutela de urgência e pugnou pela procedência dos pedidos. Por fim, requereu o pagamento dos reflexos pecuniários decorrentes da condenação. Anexou documentos.

Considerando o domicílio da parte autora os autos foram redistribuídos à Unidade Avançada de Atendimento da Justiça Federal de Gramado e Canela (evento 04).

No evento 07 foi concedido o benefício da gratuidade da justiça à postulante e indeferido o pedido de antecipação dos efeitos do provimento final.

Desta decisão a autora agravou por instrumento, cujo pedido está pendente de análise (evento 11). A postulante juntou comprovante dos descontos efetuados pelo INSS e formulou pedido de retratação (evento 12).

Citado, o INSS contestou (evento 13). Inicialmente defendeu a regularidade do procedimento administrativo de revisão, discorrendo, na sequência, sobre os pressupostos para a concessão do benefício de prestação continuada. Disse que não há norma jurídica que obste o ressarcimento a ser realizado pela demandante. Fez menção ao art. 115 da LBS e aos artigos 876 e 884 do CCB, defendendo a necessidade de restituição dos valores recebidos indevidamente, mesmo diante da suposta irrepetibilidade das verbas de natureza alimentar. Colacionou julgados em prol da tese que defende e, por fim, pugnou pela improcedência dos pedidos.

Mérito

Há que se enfatizar que os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, aplicados à hipótese, conduziriam à impossibilidade de repetição das verbas previdenciárias. Entretanto, deve-se ter por inaplicável o art. 115 da Lei 8.213/91 na hipótese de inexistência de má-fé do segurado.

Do exame dos documentos apresentados, colhe-se que autora auferiu benefício assistencial de prestação continuada devido ao idoso NB 88/536.132.072-9 entre 08/06/2009 e 26/01/2016.

Sustentou a requerente ter sido induzida em erro e, por se tratar de verba alimentar recebida de boa-fé, e que não cabem os descontos efetuados pelo INSS em sua pensão por morte.

Com efeito, decidiu o julgador a quo pela improcedência dos pedidos iniciais. Nesse diapasão, nenhum reparo há a considerar na sentença recorrida. Para evitar tautologia, transcrevo excerto dos fundamentos, fazendo-os parte integrante de minhas razões de decidir, in verbis (evento 37, SENT1, p.1):

(...)

Inicialmente, vale registrar que não se perquire o restabelecimento do NB 88/536.132.072-9 - inclusive porque a autora está em gozo de pensão por morte -, mas a necessidade ou não de devolução dos valores cobrados em decorrência de tal prestação, sobretudo em razão das alegações de que tal verba possui natureza alimentar, tendo sido recebida de boa-fé.

Com efeito, de acordo com os elementos acostados ao evento 01, verifico que a autora, mesmo residindo em Gramado/RS (doc. DECLPOBRE3, evento 01), formulou pedido de concessão do benefício assistencial supracitado perante a APS situada no bairro Petrópolis, em Porto Alegre-RS (p. 02, doc. PROCADM10, evento 01). Outrossim, ao preencher os formulários pertinentes, a demandante omitiu seu estado civil, bem como o recebimento, pelo seu consorte, do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, tendo afirmado, ainda, que vivia sozinha e não recebia qualquer rendimento (págs. 03-05 do PROCADM10). Demais disso declarou, de próprio punho, com firma reconhecida, sujeitando-se às penalidades dos artigos 171 e 299 do Código Penal, que estava separada do Sr. Wilson Machado , afirmando, ainda, que não recebia ajuda financeira (p. 09 do PROCADM10), o que levou ao deferimento da prestação em testilha em 22/09/2009 (p. 13 do PROCADM10).

Entrementes, com o falecimento de seu consorte, a demandante, ao contrário do que havia declarado à Previdência Social em 2009, afirmou que estava casada com o Sr. Wilson Machado, requerendo, com isso, a cessação do benefício assistencial e o deferimento da pensão por morte por ele deixada, o que foi deferido a contar de 27/08/2015 (págs. 14 e 19 do PROCADM10).

Diante disso, o INSS promoveu a instauração de procedimento administrativo, regularmente instruído, sendo constatada a ocorrência de fraude, o que levou à apuração do débito no valor de R$ 67.059,04 (docs. PROCADM11 e PROCADM12, evento 01).

Pois bem.

Quanto à natureza alimentar, não há dúvida a ser equacionada, mormente porque a finalidade precípua de qualquer benefício previdenciário e/ou prestação assistencial é garantir o sustento do segurado.

Assim, remanescem à apreciação apenas as demais questões controvertidas nos autos, notadamente a possibilidade de devolução de valores auferidos de boa-fé.

Razão, contudo, não lhe assiste.

Com efeito, no que tange à boa-fé, embora não se tenha um conceito claro sobre o que efetivamente a compõe, é inegável que suas vertentes orbitam sobre a ética e a moralidade. Afigura-se, em verdade, na premissa de se crer naquilo que se diz e se faz, transparecendo um viés de lealdade e probidade. Uma sociedade fraterna exige relações norteadas pela boa-fé, sob pena de se colocar em risco os ideais mais salutares almejados por aqueles que a integram. Exatamente por isso que a boa-fé vem ganhando ares de princípio, muito embora dogmaticamente seja intrincado alocá-la em campo específico de estudo.

Doutrinariamente, a boa-fé pode ser tida como objetiva e subjetiva. Aquela se identifica pelo padrão de conduta a ser tomado pelo cidadão. Já esta emerge do aspecto anímico do agente, suas convicções internas, conhecimentos e desconhecimentos (FIUZA, Cesar. Direito Civil: Curso Completo. 12. Ed - Belo Horizonte: Del Rey, 2008, fl. 410). O caso dos autos envolve a boa-fé subjetiva, referente a um estado psicológico do beneficiário que recebe valores que supostamente não faz jus.

Os pontos imperativos que permeiam os limites da boa-fé subjetiva, impeditiva da restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, situação que, a meu ver, ocorreu na hipótese em testilha, foram bem traçados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos, publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ªRegião, nº 78, p. 111/115.

Chama ele atenção, inicialmente, para circunstância essencial neste tipo de ação, qual seja, a relativa a quem cabe o ônus da prova da boa-fé e da má-fé. Sobre o tema, bem pontua que não se cabe cogitar presunções, uma vez que "a boa-fé e a má-fé se incluem no âmbito das questões de fato e provam-se por indícios e circunstâncias, incumbindo a quem as alegar o ônus da prova". Aduz, neste sentido, que "se o beneficiário alegar que recebeu os valores indevidos de boa-fé, não estando por isso obrigado a restituí-los, caber-lhe-á prová-lo". Em contrapartida, "se o INSS alegar que o beneficiário recebeu os valores indevidos de má-fé, devendo por isso restituir os valores de uma só vez, caber-lhe-á então a prova do que alega". Após, trata o artigo de questão crucial para a configuração do caso concreto, conforme excerto que segue:

(...) Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não.

Portanto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável, extrai-se a ilação de que agira com boa-fé, inviabilizando a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição. Tal distinção fixa-se na premissa que o negligente não pode lograr posição jurídica igual ou melhor que aquele que age com prudência e temperamento.

Embora haja casos nebulosos, há outras situações que não demandam maiores digressões. Por um lado, o caso do segurado que, mediante erro de cálculo promovido pela autarquia em seu benefício, passa a receber valores ligeiramente maiores que os devidos reflete inequívoca ignorância de erro desculpável. Todavia, casos de percepção, por exemplo, do dobro dos valores que seriam devidos, assim como hipóteses de manutenção de gozo de benefício de auxílio-reclusão após conhecimento da soltura do instituidor da benesse, induzem à nítida cognição contrária.

Transpondo tais conclusões para o presente caso, não vejo como concluir que o recebimento do NB nº 88/536.132.072-9, titulado pela autora 08/06/2009 e 26/01/2016, tenha se dado em evidente boa-fé (em seu sentido ético), notadamente em razão dos elementos colacionados ao evento 01.

De fato, a própria demandante não nega que prestou informações falsas ao INSS, o que foi crucial para o deferimento do benefício supracitado. Entrementes, justifica que é semianalfabeta, tendo sido induzida em erro por terceiras pessoas, sem comprovar tais afirmações. Mesmo assim outras questões não passam despercebidas, o que conduz à rejeição do pedido. Grifo meu

Com efeito, por mais que autora desconheça os requisitos para a concessão do benefício assistencial, tampouco saiba diferenciá-lo de uma aposentadoria por idade, o ponto nodal, que levou ao deferimento da benesse, foi uma declaração sua, de próprio punho, de que estava separada do Sr. Wilson Machado (p. 09 do PROCADM10, evento 01). Mais que isso, de que vivia sozinha e também não recebia ajuda financeira (p. 04 e 09 do PROCADM10).

Logo, não se pode afirmar que a autora desconhecia o teor das informações prestadas, tampouco em erro desculpável, quiçá que o benefício foi deferido por erro administrativo ou qualquer outra conduta imputável à Autarquia Previdenciária. Isso porque, a própria autora, na ânsia de obter a prestação previdenciária e certa de que não faria jus a benesse caso seguisse os protocolos legais, agiu com evidente má-fé, declarando uma situação de fato que sabia ser inverídica. Gize-se, que não se trata de simples omissão, mas, reitere-se, de afirmação falsa, dissonante da realidade vivenciada pela postulante, tendo sido chancelada com o fim único de obter uma prestação previdenciária de maneira fraudulenta.

A propósito, se a autora fizesse jus à prestação, tal como afirma em suas razões iniciais (p. 07 da peça portal), não haveria por que se utilizar de tal expediente. Todavia, a própria demandante mencionou que seu esposo percebia, na data do óbito (em 2015), R$ 1.085,73 de aposentadoria. Ainda que o contexto fático a ser observado é aquele vivenciado quando do requerimento, portanto em 2009, sinalo, à guisa de argumentação, que a renda per capita, no ano do passamento, era quase três vezes superior ao mínimo exigido pela legislação de regência (art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93). Grifo meu.

De igual modo, a interessada, ao consignar que recebia auxílio de seus familiar, põe em xeque a situação de miserabilidade social ou de hipossuficiência financeira. Registre-se que a autora tem cinco filhos (cfe. atestado de óbito do instituidor da benesse – p. 21, doc. PROCADM10, evento 01), os quais, segundo se infere das afirmações iniciais, prestavam apoio aos genitores, o que certamente decorre de uma relação de afeto e proteção mútua. Aliás, é justamente este mútuo apoio que surge em primeiro plano quando cotejado com a proteção assistencial, uma vez que o Poder Público deve atuar TÃO SOMENTE quando a família não logra conseguir afastar um dos seus integrantes de uma situação de vulnerabilidade social.

Assim, à míngua de elementos que evidenciem o contrário, não se pode afirmar que a autora faria jus à benesse, já que a renda per capita era mais de duas vezes superior ao limite legal, e o casal também recebia auxílio dos filhos/familiares.

Seguindo a mesma linha, não há qualquer indício, nos autos, de que a postulante tenha sido coagida, induzida em erro ou de que outro vício de consentimento possa ter afetado sua capacidade de entender a realidade fática e de decidir livremente, de acordo com suas convicções, isto é, embasada na sua consciência individual, no seu livre-arbítrio. Nem mesmo os elementos do Inquérito Policial, eventuais peças de informação apresentadas ao MPF, ou quaisquer outros elementos supostamente angariados na esfera investigativa foram colacionados aos autos, o que poderia resplandecer suas afirmações.

Nitidamente, portanto, não há como dar guarida a pretensão autoral.

Neste sentido, embora a má-fé, como já dito, não se presuma, o que colijo dos pontos acima citados é justamente o intento da autora, ainda que instruída por terceiro, de obter uma prestação indevida por intermédio de declaração de próprio punho que sabia ser falsa. Por outras palavras, se a parte, por menor que seja seu grau de instrução, afirma uma situação contrária a vivenciada por um período superior a quarenta e cinco anos, a exemplo, portanto, do casamento mantido pela postulante, certamente o faz ciente da falsidade de sua informação, o que caracteriza sua má-fé.

Aliás, não é o grau de instrução da segurada, por si só, que define padrões éticos de conduta, inerentes às relações sociais. Do mesmo modo, seu grau de instrução não a isenta de agir segundo os mais comezinhos princípios de Direito, os quais impõem aos cidadãos, pouco importando sua classe ou condição social, um agir probo, recaindo a má-fé da postulante justamente na afirmação daquilo que sabia ser inverídico, o que, consoante já mencionado, sedimenta sua má-fé e, consequentemente, o dever de restituir os valores recebidos indevidamente. Nesse sentido.

MÁ-FÉ. COMPROVAÇÃO. Evidenciada a má-fé do segurado, é devida a restituição dos valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário. (TRF4, AC 5004511-31.2016.4.04.7118, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTÔNIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 06/06/2018) PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE PENSÃO POR MORTE. MÁ-FÉ PLENAMENTE EVIDENCIADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. OBRIGATORIEDADE. (...). 2. Examinando os elementos probantes do feito, constata-se não tratar de erro administrativo do INSS. Ao contrário, a apelante, evidentemente, agiu maliciosamente no sentido de receber fraudulentamente benefício de pensão por morte de ex esposa. 3. Evidenciada a má-fé da demandada, o INSS pode proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente a título de pensão por morte. 4. Recurso a que se nega provimento. (TRF4, AC 5028022- 62.2014.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 20/07/2018)

Destarte, não se sustentam os argumentos da parte autora, e a improcedência dos pedidos veiculados nestes autos é medida que se impõe.

(...)

Nesta senda, agrego fundamentos. Quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.

Pois bem, a boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.

Com efeito, examinando os elementos probantes do feito, tenho que não se trata de erro administrativo do INSS, ao revés, verifica-se que a demandada efetivamente tinha consciência da ilicitude do ato praticado, como bem aponta o juiz a quo:

De fato, a própria demandante não nega que prestou informações falsas ao INSS, o que foi crucial para o deferimento do benefício supracitado.

Nesse diapasão, tenho que deve ser mantida hígida a sentença vergastada.

Prequestionamento

O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.

Conclusão

Negado provimento à apelação.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000954417v13 e do código CRC e9683a24.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Data e Hora: 4/4/2019, às 14:8:56


5000892-58.2018.4.04.7107
40000954417.V13


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 11:34:40.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000892-58.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

APELANTE: PALMIRA MACHADO (AUTOR)

ADVOGADO: HANIELEN DE SOUZA GELAIN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MÁ-FÉ PLENAMENTE EVIDENCIADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. OBRIGATORIEDADE.

1. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica (no caso, saques de benefício cujo titular já tinha falecido, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.

2. Examinando os elementos probantes do feito, constata-se não tratar de erro administrativo do INSS. Ao contrário, a apelante, evidentemente, agiu maliciosamente no sentido de receber fraudulentamente benefício assistencial ao idoso.

3. Evidenciada a má-fé da demandada, o INSS pode proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente a título de benefício assistencial.

4. Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de março de 2019.



Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000954418v3 e do código CRC 71ef5dd6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Data e Hora: 4/4/2019, às 14:8:56


5000892-58.2018.4.04.7107
40000954418 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 11:34:40.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIãO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/03/2019

Apelação Cível Nº 5000892-58.2018.4.04.7107/RS

RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

APELANTE: PALMIRA MACHADO (AUTOR)

ADVOGADO: HANIELEN DE SOUZA GELAIN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/03/2019, na sequência 666, disponibilizada no DE de 12/03/2019.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 11:34:40.

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