APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005543-20.2015.4.04.7114/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MAICO BATISTEL MARCON |
ADVOGADO | : | Adriano Marques de Farias |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. COMPROVAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CONCERNENTE A VALORES RECEBIDOS. BOA-FÉ. CARÁTER ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE. VERBA HONORÁRIA. MAJORAÇÃO.
1. Sendo o débito de valor certo e líquido em quantia muito inferior a 1.000 salários mínimos, não se conhece da remessa necessária, conforme preconiza o art. 496 e § 3º do Código de Processo Civil. 2. Segundo entendimento desta Corte são irrepetíveis os valores recebidos de boa-fé pelo segurado a título de benefício previdenciário/assistencial quando decorrentes de erro administrativo. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. No caso concreto, o pagamento indevido deu-se exclusivamente por erro administrativo, uma vez que cabia ao INSS conceder o benefício atentando para as revisões periódicas, conforme disposto no art. 21 da Lei nº 8.742 /93. Afora isso, não se trata de hipótese em que o beneficiário altera a verdade dos fatos levados à consideração da autarquia ou forja documentos para que lhe seja concedida a benesse. 3. Em que pese a possibilidade de ser cancelado o benefício quando constatado que não estão mais presentes as condições que lhe deram origem, diante da falta de comprovação da má-fé, não há que se falar em restituição e/ou desconto de valores pagos. 4. Os honorários advocatícios seguem a sistemática prevista no art. 85 do CPC. Considerando a interposição de recurso, aplica-se o comando do §11º do aludido dispositivo legal para majorar a verba honorária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que integram o presente julgado.
Porto Alegre/RS, 19 de abril de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005543-20.2015.4.04.7114/RS
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MAICO BATISTEL MARCON |
ADVOGADO | : | Adriano Marques de Farias |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença (evento 22 do eProc originário) que julgou parcialmente a ação movida por Maico Batistel Marcon objetivando a declaração de inexigibilidade da cobrança dos débitos (R$ 55.155,38 - atualizado até 10/2013) relativos à percepção do benefício nº 87/110.283.135-0, no período de 06-04-2005 a 31-03-2013.
O magistrado singular sujeitou a sentença ao reexame necessário
Em suas razões (ev. 27 - APELAÇÃO) a Autarquia Previdenciária sustenta que Maico Batistel teve concedido administrativamente o benefício assistencial. Entretanto, lançando mão da prerrogativa de revisão de seus atos administrativos, com fulcro no art. 53 da Lei nº. 9.784/1999 e no art. 11 da Lei 10.666/2003, o INSS verificou que a manutenção do benefício a partir de 06/04/2005 foi indevida, visto que, em 2005, quando concedida a aposentadoria por idade aos pais do segurado, a renda familiar passou a ser superior a ¼ do salário mínimo, afastando, com isso, requisito essencial para deferimento do benefício em seu favor. Após discorrer sobre a possibilidade de revisão do ato administrativo autorizado pelo art. 53 da Lei 9.784/99, Súmulas 346 e 473 do STF, bem como do art. 11 da Lei 10.666/2003, consigna que é dever do INSS buscar o ressarcimento de valores pagos indevidamente, sob pena de haver enriquecimento sem causa. Alude que o art. 115 da Lei 8.213/91 e o art. 154, § 2º do Decreto nº 3.049/99 é expresso no sentido de poder o INSS buscar a restituição de verbas não sendo relevante para a existência dessa obrigação a boa ou má-fé no recebimento. Pede a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido da parte recorrida, condenando-a ainda no pagamento da verba se sucumbência. Postula, por fim, o prequestionamento dos dispositivos legais e constitucionais atinentes à matéria, em especial, o art. 186 do Código Civil e art. 5º LIV e LV da Constituição Federal.
Embora devidamente intimada a parte recorrida não apresentou contrarrazões (eventos 28 e 31). O feito eletrônico alçou a esta Corte, ocasião em que foi autuado e distribuído.
Com vista à Procuradoria Regional da República, sobreveio parecer pelo desprovimento do recurso (evento 7 - PROMOÇÃO1).
É o relatório.
VOTO
Remessa necessária
Inicialmente, sinalizo não ser hipótese de remessa necessária porquanto, conforme se vê da sentença publicada em 27-06-2016, o débito declarado inexigível remonta em valor certo e líquido de R$ 55.155,38, quantia essa que, conforme previsto no § 3º do art. 496 do CPC, não supera 1.000 salários mínimos.
Desse modo, não conheço da remessa necessária.
Restituição de valores previdenciários/assistenciais pagos indevidamente.
É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de autotutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
A autorização legal para desconto e cobrança de valores indevidamente pagos a título de benefício está prevista no art. 115 da Lei nº 8.213/91 e no art. 154 do Decreto nº 3.048/99:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
(...)
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito. (grifei)
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa. (...)
A respeito do tema, a jurisprudência deste Regional firma-se no sentido da impossibilidade de repetição de valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em face do caráter alimentar das prestações previdenciárias que implica relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.123/91 e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.
A propósito, os seguintes precedentes:
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO.DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos. (TRF4 5014634-88.2015.404.7000, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 21/10/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas. Precedentes do STJ e desta Corte. 2. No caso em tela, a autora, beneficiária de pensão por morte desde 1969, contraiu novo matrimônio em 1971, ato que levaria à perda da qualidade de dependente pela legislação da época (Decreto 60.501/67, art. 15, VI). Quando requereu a pensão por morte em decorrência do falecimento do novo cônjuge, em 2011, foi informada de que houve pagamento indevido da pensão por morte no período de 40 anos, havendo lançamento do débito. Irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé. (TRF4, APELREEX 0014099-11.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 08/11/2016)
Destaque-se, ainda, a jurisprudência do STJ, no sentido de não ser devida a restituição de valores pagos aos segurados por erro/equívoco administrativo do INSS, observado o princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos, como se vê da ementa a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016)
Sobre o tema colho, ainda, o precedente do STF, que afasta violação ao princípio da reserva de plenário:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso extraordinário. 2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com a fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011; Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição." 4. Agravo regimental desprovido. (AI 849529 AgR/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 15-03-2012) (grifei)
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
Pois bem. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva.
Assim, ainda que se trate de parcela com nítido caráter alimentar, acaso caracterizada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, não há como se obstar a conduta da Administração de procurar reaver os valores pagos indevidamente. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016)
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. FRAUDE. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS PELO SEGURADO. Nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Contudo, a jurisprudência do STJ e desta Corte já é consolidada no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis, porque alimentares. No entanto, caso comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável, é devido ao INSS proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente. (AC 0004498-56.2007.404.7208-SC, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Sexta Turma, D.E. 22/04/2010)
Do caso concreto
Na hipótese em tela, os argumentos do INSS não são capazes de elidir os sólidos fundamentos de fato e de direito constante da sentença (evento 22 - SENT1 do processo eletrônico originário), a qual para evitar tautologia, adoto como razões de decidir:
A parte autora postula o cancelamento de débito cobrado em face de recebimento supostamente indevido de benefício de amparo assistêncial à pessoa portadora de deficiência (87.110.283.135-0).
Ao que se infere dos autos, em 25/08/1998, o autor teve deferido em seu favor benefício assistencial, eis que preenchidos à época os requisitos legais para tanto: renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo e por ser pessoa portadora de deficiência.
Nada obstante, em sede de revisão, o INSS entendeu por cessar o benefício, ao argumento de que teria sido constatada irregularidade referente à alteração da renda mensal do grupo familiar, tendo efetuado o levantamento dos valores recebidos indevidamente no período de 06/04/2005 a 31/03/2013.
Extrai-se do processo administrativo, que a alteração da renda familiar ocorreu em razão da concessão da aposentadoria por idade ao pai do autor em 2005 e à mãe em 2008, ambos agricultores, elevando, assim, o valor da renda per capita familiar.
Apresentado recurso administrativo, verificou-se a necessidade de reanálise da situação sócioeconômica de fato da família do autor, em razão dos pais serem pessoas idosas e os benefícios previdenciários não serem suficientes para o atendimento das suas necessidades básicas.
O parecer social concluiu que muito embora as condições do grupo familiar fossem modestas, no momento não apresentava despesas significativas para sua manutenção. Com isso, a 18º Junta de Recursos, do Conselho de Recursos da Previdência Social, concluiu que o autor não atendia ao disposto no art. 20, § 3º da Lei 8.742/93, restando mantida a decisão de cancelamento do benefício e cobrança dos valores.
Da inexigibilidade de devolução dos valores recebidos em razão do benefício de amparo assistêncial a pessoa portadora de deficiência (87.110.283.135-0)
De acordo com a jurisprudência pátria, ainda que recebidos valores não devidos a título de benefício previdenciário, o segurado não precisa devolver as importâncias quando recebidas de boa-fé.
O mais consistente argumento favorável à inexistência do dever de devolução do valor recebido é o referente à natureza jurídica do benefício: considera-se como de caráter alimentar. Aplica-se, analogicamente, o princípio atinente aos valores de natureza alimentícia, qual seja, o da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos.
É em razão da relevância do caráter alimentar das verbas percebidas de boa-fé que se invocam os princípios de direito pautados na razoabilidade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana que remetem à irrepetibilidade dos alimentos.
Assim, no caso de recebimento de boa-fé pelo segurado, não há como se exigir a repetição dos valores percebidos em razão de erro atribuído à Administração.
A boa fé subjetiva, necessária para afastar a condenação do segurado na repetição dos valores, consiste numa situação psicológica, estado de espírito ou ânimo do sujeito que realiza algo ou vivencia um momento, sem ter a noção do vício que a inquina. Geralmente este estado subjetivo, deriva da ignorância do sujeito a respeito de determinada situação.
Podemos concluir então que a boa fé subjetiva se refere ao estado psicológico da pessoa, consistente na justiça ou na licitude de seus atos, ou na ignorância de sua antijuridicidade.
A única possibilidade de devolução reside na manifesta má-fé do segurado: "...nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável, é devido ao INSS proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente" (TRF4 5000427-27.2010.404.7011, D.E. 14/04/2011 - Grifei).
Além disso, entendo que, para aplicação do art. 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 é necessário que o beneficiário tenha concorrido para o pagamento a maior e/ou indevido feito pela Autarquia Previdenciária, sob pena de restar prejudicado o segurado sem ter dado causa ao evento.
Vale acrescentar que o benefício assistencial deve ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem nos termos do art. 21 da Lei nº 8.742 /93.
Transpondo tais conclusões para o presente caso, não vejo como concluir que o benefício pago se deu em razão da má-fé do autor.
Pelo contrário.
À luz da documentação apresentada, não se verifica erro ou má-fé por parte do autoro na percepção do benefício, sendo incabível a obrigação restituitória deflagrada pela autarquia.
O caso dos autos evidencia que, na ocasião do deferimento do benefício, a autarquia previdenciária entendeu atendidos os requisitos para a concessão, fato que não é negado. E o autor não foi orientado a informar eventual mudança na renda familiar, tão pouco a autarquia procedeu às revisões bienais do benefício.
Veja-se que o pai do autor teve deferida a aposentadoria por idade em 2005 e a mãe em 2008, mas somente em 2013 a autarquia procedeu à revisão das condições que lhe deram origem ao benefício assistencial.
Portanto, o pagamento indevido deu-se exclusivamente por erro administrativo, uma vez que cabia ao INSS conceder o benefício atentando para as revisões períódicas, conforme disposto no art. 21 da Lei nº 8.742 /93. Afora isso, não se trata de hipótese em que o beneficiário altera a verdade dos fatos levados à consideração da autarquia ou forja documentos para que lhe seja concedida a benesse.
Veja-se que o próprio Relatório Final de Averiguação de Indício de Irregularidade (E1, PROCADM10, pág. 2-3) concluiu pela inexistência de má-fé do autor. Destaco, por relevantes, trecho do referido relatório:
"6. Da análise dos autos, não foram apontados elementos que possam caracterizar a existência de má-fé por parte do interessado no processo, uma vez que ouve alteração da renda, passando a ser superior a 1/4 do salário-mínimo quando da concessão das aposentadorias. Sendo assim, deixamos de encaminhar os autos à Procuradoria Federal Especializada para análise quanto a emissão de Notícia Crime ao Ministério Público Federal em conformidade com o disposto no art. 454, §2º da IN 45/2010." (Destaquei)
A revisão administrativa efetuada pela Autarquia Previdenciária depõe a favor da parte autora, reforçando a tese de que não foi comprovada a má-fé do autor no recebimento do benefício.
Não é demais lembrar que a boa-fé se presume e a má-fé tem que ser provada e, no caso, o INSS não se desincumbiu do ônus de comprovar a má-fé do autor.
Assim, em que pese a possibilidade de ser cancelado o benefício quando constatado que não estão mais presentes as condições que lhe deram origem, tenho que não foi comprovada a má-fé no recebimento dos valores.
Sendo assim, deve ser acolhido o pleito da parte autora, para declarar inexigível o valor do débito apurado pelo INSS.
Ressalto que não se trata propriamente de "anulação do ato de ressarcimento do valor recebido", como requerido à inicial, pois a atuação do réu, ainda que tardia, deu-se de acordo com o previsto na legislação que dispõe sobre a organização da Assistência Social - Lei 8.742/1993.
Por fim, registro que de acordo com o §3º do art. 21, da Lei 8.742/1993, "A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento".
Nessa quadra, descabe a exigibilidade de restituição dos valores recebidos pelo beneficiário, não merecendo reparos a decisão recorrida, porquanto o que se observou é que o benefício era devido no período, ao contrário do defendido pelo Instituto.
Prequestionamento
Com efeito, "prequestionamento" corresponde ao efetivo julgamento de determinada tese jurídica apresentada pelas partes, de razoável compreensão ao consulente do acórdão proferido pelo tribunal respectivo, apto, dessa forma, à impugnação recursal excepcional. Significa bem apreciar as questões controvertidas à luz do ordenamento jurídico, sem que, no entanto, haja a necessidade de que se faça indicação numérica, ou mesmo cópia integral dos teores normativos que embasam a presente decisão.
De qualquer sorte, a matéria ventilada foi discutida e fundamentada, ficando, portanto, prequestionada, nos termos da legislação processual vigente.
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios seguem a sistemática prevista no art. 85 do NCPC. Considerando a interposição de recurso pelo INSS, nos termos do § 11 do mesmo artigo 85, majoro a verba honorária para 15% sobre o valor atualizado da causa.
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária e negar provimento à apelação.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5005543-20.2015.4.04.7114/RS
ORIGEM: RS 50055432020154047114
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MAICO BATISTEL MARCON |
ADVOGADO | : | Adriano Marques de Farias |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 950, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8947150v1 e, se solicitado, do código CRC 7BFE98DC. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
| Data e Hora: | 20/04/2017 12:42 |
