APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001244-85.2015.4.04.7215/SC
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | ELZA BENTA VENERA |
ADVOGADO | : | MARLI ANA TRAINOTTI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONTOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. É devida a devolução de valores recebidos em decorrência do pagamento de benefício previdenciário quando ausentes os seus pressupostos e comprovada, pela prova dos autos, a má-fé do réu que recebeu indevidamente a prestação previdenciária.
2. Os descontos que diminuam os proventos do segurado a quantia inferior ao salário mínimo ferem a garantia constitucional de remuneração mínima e atentam contra o princípio da dignidade da pessoa. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de outubro de 2016.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8572812v4 e, se solicitado, do código CRC D1B20D01. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001244-85.2015.4.04.7215/SC
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | ELZA BENTA VENERA |
ADVOGADO | : | MARLI ANA TRAINOTTI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta por Elza Benta Venera buscando a declaração de inexigibilidade de débito referente a benefício previdenciário pago com ausentes os seus pressupostos.
Na contestação, o INSS defendeu a legalidade da cobrança, alegando fraude no recebimento do benefício.
A sentença julgou improcedente o pedido formulado na inicial, resolvendo o mérito nos seguintes termos: Ante o exposto, resolvo o mérito da lide (CPC, art. 487 inc. I), REVOGO a antecipação de tutela e julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos da fundamentação.
Apela a parte autora. Reafirma os argumentos da inicial. Aduz que inexigível a cobrança realizada pela autarquia previdenciária. Aponta a existência de boa-fé no recebimento dos valores. Destaca a impossibilidade de desconto no benefício já que recebido em patamar mínimo.
É o breve relatório.
VOTO
Mérito: necessidade de devolução de valores recebidos de má-fé
Nas ações de ressarcimento promovidas pelo INSS, o elemento central tende a ser a identificação da má-fé do beneficiário, já que a existência do fato lesivo à autarquia previdenciária é facilmente demonstrável através do processo administrativo originário e ou do processo de revisão posterior.
Nessa esteira, reputo indispensável que seja demontrada a má-fé ou, no revés, que seja afastada boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário. Essa é a orientação correta e atual das Turmas Previdenciárias, verbis:
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. DECLARAÇÃO FALSA PARA OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. MÁ-FÉ CONFIGURADA. RESSARCIMENTO DEVIDO. 1. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má fé por parte do recebedor dos valores, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados. 2. A afirmação da autora ao requerer a aposentadoria por idade rural de que não recebia qualquer outro benefício, quando, na verdade, vinha recebendo aposentadoria por invalidez há mais de três anos, evidencia a má-fé da beneficiária. (TRF4, AC 0006008-63.2013.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 20/04/2016).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO DE BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE. PARCELAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. INSCRIÇÃO DO NOME DO AUTOR JUNTO AO CADIN. INCABÍVEL. 1. É indevida a repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em virtude do caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos artigos. 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Precedentes desta Corte. 2. Ausente a comprovação de comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé por parte do recorrente, deve ser deferida a liminar para que o INSS se abstenha de inscrever o nome do autor junto ao CADIN até final julgamento da ação originária. (TRF4, AG 0001792-15.2015.404.0000, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 28/09/2015).
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ. PRESCRIÇÃO. 1. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, §5º, da Constituição Federal, deve ser compreendida restritivamente, uma vez que atentaria contra a segurança jurídica exegese que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento decorrente de qualquer ato ilícito. 2. No que tange à prescrição a jurisprudência assentou entendimento de que em dívida de direito público, o prazo prescricional é qüinqüenal. 3. O pagamento originado de decisão administrativa devidamente motivada à luz das razões de fato e de direito apresentadas quanto do requerimento, tem presunção de legitimidade. 4. Evidenciada a boa-fé, o beneficiário não pode ficar jungido à contingência de devolver valores que já foram consumidos, dada a finalidade de prover os meios de subsistência a que se destina o benefício previdenciário. (TRF4, AC 5003822-52.2014.404.7216, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 30/06/2016).
Pois bem. Cumpre analisar a situação dos autos e tenho que a sentença corretamente fixou as razões para identificar a presença de má-fé na hipótese em exame, verbis:
A autora, em sua exordial, alegou, genericamente, que percebeu de boa-fé, salientando que eventual erro na concessão do benefício deveria ser atribuído tão-somente à autarquia previdenciária.
Contudo, a prova coligida nos autos demonstra exatamente o contrário. O contrato de comodato apresentado pela autora, por ocasião do requerimento administrativo, remonta à data pretérita e anterior à compra do imóvel por Adriana Venera Piazza, a qual confirmou em juízo, que apenas adquiriu as terras no ano 2000. Em 1989, ano em que a autora começou a trabalhar nas terras da Ribanceira do Sul, Adriana Venera Piazza, filha de Elza Bento Venera, sequer possuía maioridade civil, conforme apontado pela equipe do MOB, o que denota a falsidade ideológica do documento apresentado à autarquia. Além disso, resta evidente que este documento teve como finalidade apenas fazer prova no INSS, quando se percebe que ele foi confeccionado (29/04/2003) e assinado (05/05/2003) meses antes de ser apresentado o pedido de aposentadoria (24/09/2003).
Também, é digno de nota a circunstância envolvendo o endereço residencial da autora. Extrai-se do processo administrativo colacionado ao feito, que a autora apresentou comprovante de endereço situado na localidade de Ribanceira do Sul, em nome de João Carlos Lois (ao que consta dos autos seria genro da autora). O mesmo endereço constou ainda da declaração de exercício rural firmado pelo sindicato, do contrato de comodato assinado entre a requerente e a sua filha Adriana e dos recibos de controle de vacinação. Ou seja, toda a documentação trazida pela autora, por ocasião do requerimento administrativo, dava conta do endereço na localidade de Ribanceira do Sul. Saliente-se que apenas na entrevista rural foi informado endereço diverso, situado no centro da cidade de São João Batista.
No curso da instrução processual, as testemunhas arroladas pela autora asseveraram que tanto a requerente quanto o marido viviam no centro da cidade e trabalhavam na Ribanceira do Sul, deslocando-se diariamente, numa distância de 2 Km, a pé ou de bicicleta. Porém, tal situação sequer foi levantada pela autora em sua entrevista rural, passando despercebido o verdadeiro endereço residencial da requerente pelos servidores do INSS, provavelmente em razão da documentação que acompanhou o pedido de aposentadoria rural. Tais elementos demonstram que a intenção era induzir em erro o INSS, a fim de facilitar a concessão de benefício previdenciário.
Em defesa administrativa, a autora anexou novos documentos que comprovariam a atividade rural. Nestes, haviam também documentos que indicavam o endereço situado na Ribanceira do Sul como sendo aquele que a autora morava, notadamente a carteira de associada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São João Batista.
Desse modo, a meu ver, a parte autora não se desincumbiu de seu ônus, surgindo fortes evidências de fraude na obtenção da aposentadoria por idade rural.
Está realmente comprovada a má-fé. Há elementos concretos que evidenciam que o requerimento de aposentadoria por idade rural foi instruído com documentos que não refletiam a verdade dos fatos, de modo que houve nítida tentativa de induzir o INSS a erro por ocasião da análise da concessão. Destaco, no ponto, o contrato de comodato elaborado em data posterior e abrangendo período que seguramente não refletia o momento da atividade laboral e o desencontro nos endereços, tópico já apontado pela sentença.
É imperioso destacar que o dever de ressarcir não é uma decorrência da mera entrega indevida da prestação previdenciária - até porque não houve ampla dilação probatória sobre a presença ou não dos pressupostos para a aposentadoria por idade rural - mas sim da entrega ocorrida através de ardis evidenciadores da falta de boa-fé.
Neste ponto, portanto, entendo que deve ser mantida a sentença.
Mérito: desconto em benefício de valor mínimo
Há também pedido da parte autora para que o INSS se abstenha de efetuar o desconto sobre o benefício que atualmente recebe.
Verifico que o benefício da parte autora é de valor mínimo, isto é, não supera o salário mínimo vigente. Em casos tais, esta Corte tem entendido que eventual desconto realizado representaria violação direta à Constituição Federal, já que o próprio texto constitucional assegura um patrimônio mínimo resguardado para os sujeitos. Não é à toa, aliás, que o benefício previdenciário tem como menor parâmetro o salário mínimo (art. 201, §2º, CF/88). Confira-se, no mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS A MAIOR. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONTO. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. 1. Os descontos que diminuam os proventos do segurado à quantia inferior ao salário mínimo ferem a garantia constitucional de remuneração mínima e atentam contra o princípio do respeito à dignidade da pessoa. 2. Consoante orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal. 3. Em consequência, os valores descontados indevidamente administrativamente pelo INSS no benefício da autora devem ser devolvidos a ela. (TRF4, AC 0010204-47.2011.404.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 07/12/2011)
Nessa linha, a postura da autarquia previdenciária em efetuar desconto sobre benefício que já é entregue em patamar mínimo viola o princípio da dignidade da pessoa humana e, portanto, deve ser afastada. Tenho, pois, que o pedido da parte autora nesse sentido deve ser procedente para que o INSS se abstenha de efetuar os descontos, sem prejuízo de que outros meios legítimos e autorizados pelo ordenamento jurídico possam ser empregados para a cobrança. Neste ponto, portanto, é de se dar provimento ao recurso da parte autora.
Dispositivo
Diante do exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso da parte autora nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/10/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001244-85.2015.4.04.7215/SC
ORIGEM: SC 50012448520154047215
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Cláudio Dutra Fontela |
APELANTE | : | ELZA BENTA VENERA |
ADVOGADO | : | MARLI ANA TRAINOTTI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/10/2016, na seqüência 644, disponibilizada no DE de 03/10/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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