APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000379-48.2013.4.04.7113/RS
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | IRCEU TREMEA |
ADVOGADO | : | LAURINDO JOSÉ DAGNESE |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO FORJADO PARA PERMITIR ENQUADRAMENTO DO SEGURADO AUTÔNOMO EM UMA CLASSE DE SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO MAIS ELEVADO SEM PASSAR PELO TEMPO DE PERMANÊNCIA NAS CLASSES INFERIORES, UTILIZANDO PERMISSIVO DA REDAÇÃO ORIGINAL DO § 3º DO ART. 29 DA LEI 8.212/91. MÁ-FÉ DO SEGURADO DEMONSTRADA. DECADÊNCIA DO DIREITO DA AUTARQUIA DE REVISAR A RMI DO BENEFÍCIO. INOCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO DEVIDO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INOCORRÊNCIA. DESCONTO DOS VALORES PERCEBIDOS INDEVIDAMENTE. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO BENEFÍCIO A VALOR INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO.
1. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé (art. 103-A, Lei nº 8.213/91). 2. Comprovada a simulação de vínculo empregatício apenas para se aproveitar, o segurado autônomo, do permissivo previsto na redação original do § 3º do artigo 29 da Lei nº 8.212/91 - que possibilitava ao contribuinte individual enquadrar-se em qualquer classe até a equivalente ou a mais próxima da média aritmética simples dos seis últimos salários-de-contribuição do vínculo anterior como empregado ou avulso - está demonstrada cabalmente a má-fé do segurado. 3. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má-fé por parte do segurado, será devida a restituição dos valores indevidamente percebidos. 4. Não incide a prescrição quinquenal nas ações em que se busca o ressarcimento ao erário, quando evidenciada a má-fé do segurado. 5. O desconto das quantias pagas indevidamente ao segurado, a ser efetuado em seu salário do benefício, não poderá reduzir o valor remanescente ao beneficiário para montante inferior ao valor do salário mínimo, em atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, materializado pela garantia insculpida no art. 201, § 2º da Constituição Federal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora para considerar como tempo de contribuição o período de 01/08/1996 a 31/01/1997, devendo o salário de contribuição desse intervalo ser corrigido para o valor de um salário mínimo e meio da época da prestação da atividade, com a consequente revisão da RMI do benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição concedido pela Autarquia, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de fevereiro de 2017.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8598417v7 e, se solicitado, do código CRC 4E4400A7. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000379-48.2013.4.04.7113/RS
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | IRCEU TREMEA |
ADVOGADO | : | LAURINDO JOSÉ DAGNESE |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta da sentença que julgou improcedente o pedido de restabelecimento da RMI do benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição, revisado pela Autarquia após auditoria em que foi determinada a desconsideração do período de 01/08/1996 a 31/01/1997, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, esses fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, suspensa a exigibilidade de tais verbas em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões de apelação, a parte autora postula a reforma da sentença. Afirma que o INSS procedeu à revisão de sua aposentadoria, excluindo período de seu tempo de contribuição, depois de passados mais de doze anos da concessão do benefício, ou seja, depois de ter-se operado a decadência de seu direito de revisar o ato concessório.
Afirma que a fraude para obtenção do benefício previdenciário alegada pela Autarquia não foi comprovada. Aduz que o processo administrativo do qual resultou a revisão ora combatida tinha por objetivo apurar irregularidades nas empresas de propriedade de seu empregador, entre elas a empresa Schulz Construções Ltda., na qual laborou, não tendo sido ele, segurado, investigado. Alega que não lhe foi assegurada a ampla defesa e o contraditório no procedimento.
Desse modo, postula a reconsideração do período de 01/08/1996 a 31/01/1997 como tempo de contribuição, com o restabelecimento da RMI do benefício e o cancelamento do débito decorrente das diferenças que o INSS entende devidas pela parte autora, decorrentes entre a data da concessão do benefício e a data de sua revisão.
Regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação.
Após sustentação oral proferida em sessão de julgamento, o mesmo foi suspenso por indicação deste relator.
É o relatório.
VOTO
Da questão controversa
A questão controversa nos presentes autos cinge-se à verificação da ocorrência da decadência do direito do INSS de revisar o ato concessório do benefício da parte autora. Superada a prejudicial de mérito, a controvérsia persiste quanto à possibilidade de reconhecimento do período de 01/08/1996 a 31/01/1997 como tempo de contribuição, com o restabelecimento da RMI do benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição que lhe fora concedido na via administrativa.
Da prejudicial de decadência (art. 103-A, Lei 8.213/91)
Atualmente, o prazo para que a autarquia previdenciária anule os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os beneficiários é de dez anos, contados da data em que praticados (art. 103-A, Lei 8213/91). Quando se tratar de ato de efeito patrimonial contínuo, como ocorre com os benefícios previdenciários em geral, o prazo tem início com a percepção do primeiro pagamento (art. 103-A, §1º, Lei 8213/91).
Se o ato for anterior à Lei 9.784/99, o marco inicial da decadência é a data de vigência da citada lei, ou seja, 01/02/1999, porque, conforme sedimentado pelo STJ, antes, não havia prazo decadencial aplicável à espécie (vide, nesse sentido: AgRg no Ag 1342657/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 07/04/2011, DJe 18/04/2011; REsp 1114938/AL, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, julgado em 14/04/2010, DJe 02/08/2010).
Evidentemente que a possibilidade de desconstituição do ato administrativo fica condicionada à "demonstração das referidas ilegalidades, em processo administrativo próprio, com oportunização ao administrado, das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório" (CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 940). Além disso, é limitada pelos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança inerentes ao Estado Democrático de Direito (AC 5009450-12.2010.404.7200, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 27/01/2016).
No caso dos autos, verifica-se que entre o marco inicial e o início da revisão administrativa do benefício previdenciário em exame, decorreu o prazo de dez anos legalmente previsto (art. 103-A, Lei 8213/91). Constata-se, em primeira análise, que a Autarquia teria decaído do direito à revisão pretendida.
Entretanto, em que pese ter transcorrido o prazo decenal, deve ser afastada, por ora, a incidência da decadência do direito à revisão do ato administrativo ante a possibilidade de ter a autora procedido com má-fé quando do processo de concessão de sua aposentadoria.
Uma vez que esta questão confunde-se com o próprio mérito da presente ação, dependendo a verificação da ocorrência ou não de má-fé da prévia verificação da existência ou não do vínculo controvertido, passo desde logo para a análise desse período.
Da ocorrência de fraude no processo de requerimento do benefício
Postula o autor o restabelecimento da RMI inicial da Aposentadoria por Tempo de Contribuição que lhe fora concedida pela Autarquia em 12/09/2000. Alega que o vínculo com a empresa Schulz Construções Ltda. não fora fraudulento, e que, efetivamente, laborou nessa empresa no período de 01/08/1996 a 31/01/1997, motivo pelo qual requer a reconsideração do intervalo.
Nesse tocante, para evitar tautologia, transcrevo excerto da bem lançada sentença, adotando seus fundamentos como razões de decidir:
Quanto à má-fé do segurado, o procedimento administrativo não deixa dúvidas de que a parte autora, juntamente com a empresa, burlaram a legislação previdenciária.
O art. 29 da Lei 8.212/91, antes da alteração da Lei n. 9.876 de 26/11/1999, previa uma escala de classes, com tempo mínimo de permanência em cada uma das dez classes previstas, da seguinte forma:
"Art. 29. O salário-base de que trata o inciso III do art. 28 é determinado conforme a seguinte tabela:
ESCALA DE SALÁRIOS - BASE
CLASSE - SALÁRIO-BASE - NÚMERO MÍNIMO DE MESES DE PERMANÊNCIAEM CADA CLASSE (INTERSTÍCIOS)
1 - R$ 120,00 - 12
2 - R$ 206,37 - 12
3 - R$ 309,56 - 24
4 - R$ 412,74 - 24
5 - R$ 515,93 - 36
6 - R$ 619,12 - 48
7 - R$ 722,30 - 48
8 - R$ 825,50 - 60
9 - R$ 928,68 - 60
10 - R$ 1.031,87
(Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
(...)
§ 2º O segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social como facultativo, ou em decorrência de filiação obrigatória cuja atividade seja sujeita a salário-base, será enquadrado na classe inicial da tabela.
§ 3º Os segurados empregado, inclusive o doméstico, e trabalhador avulso, que passarem a exercer, exclusivamente, atividade sujeita a salário-base, poderão enquadrar-se em qualquer classe até a equivalente ou a mais próxima da média aritmética simples dos seus seis últimos salários-de-contribuição, atualizado monetariamente, devendo observar, para acesso às classes seguintes, os interstícios respectivos.
(...)
§ 8º O segurado que deixar de exercer atividade que o incluir como segurado obrigatório do regime Geral de Previdência Social e passar a contribuir como segurado facultativo, para manter essa qualidade, deve enquadrar-se na forma estabelecida na escala de salários-base em qualquer classe, até a equivalente ou a mais próxima da média aritmética simples dos seus seis últimos salários-de-contribuição, atualizados monetariamente.
(...)
§ 10. Não é admitido o pagamento antecipado de contribuição para suprir o interstício entre as classes.
§ 11. Cumprido o interstício, o segurado pode permanecer na classe em que se encontra, mas em nenhuma hipótese isto ensejará o acesso a outra classe que não a imediatamente superior, quando ele desejar progredir na escala."
Assim, o segurado, para poder progredir na escala de classes, deveria cumprir um interstício mínimo em cada uma das classes, regra que visava garantir o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.
No caso em concreto, analisando os documentos, constatou-se que o requerente era filiado ao RGPS como Contribuinte Individual (autônomo - condutor de veículos), vertendo suas contribuições dentro das classes iniciais (de 07/1994 a 06/1996); em 08/1996, com o vínculo fictício com a empresa Schulz, passou a contribuir pela Classe 10 (relação de salários de contribuição juntada ao evento 1 - Procadm5).
Coincidentemente, como bem apontou a autarquia previdenciária em sede de contestação, a parte autora ficou apenas seis meses empregada na empresa auditada, de 01/08/1996 até 31/01/1997, sendo que este foi seu único vínculo empregatício (evento 1 - CTPS12).
Após o término do vínculo com a empresa Schulz Construções Ltda., o segurado retornou à categoria de contribuinte individual (eletrotécnico), e passou então a contribuir sobre o teto da previdência (classe 10), o que fez até o pedido de aposentadoria (evento 1 - Procadm5). Tal período de contribuição foi computado no período básico de cálculo, de acordo com a legislação da época, gerando assim um benefício em valor superior ao que, de fato, a parte autora teria direito.
Ou seja, enquanto os demais segurados necessitavam respeitar a escala, contribuindo primeiramente sobre um salário, passando para dois, e assim por diante, a parte autora, por meio de um artifício, ficou vários anos contribuindo sobre o valor mínimo, para então, por meio de uma fraude, passar a uma escala superior, em claro prejuízo para o sistema previdenciário nacional.
Desse modo, tem-se que o segurado se utilizou do período fictício para poder se reenquadrar em classe superior de salário-base e não ter que permanecer o tempo mínimo necessário em cada interstício, como exigia a legislação da época.
Ressalte-se que a Auditoria do INSS apurou a prática da fraude na mesma empresa com outros segurados, conforme se extrai da Representação Fiscal Para Fins Penais juntada ao feito (evento 15 - Procadm8), da qual transcrevo o trecho abaixo:
(...). Neste período, de 1991 a 1999, foram feitos 116 (cento e dezesseis) registros na Schulz Construções ltda., sendo que 41 (quarenta e um) deles, ou seja 35%, teriam permanecido na empresa por exatamente seis meses, recebendo como salário, exatamente, o valor correspondente ao teto de contribuição para com o INSS.
Estudando a situação isolada de cada um desses 41 segurados observa-se que, antes deste suposto vínculo, o recolhimento era feito sobre valores mínimos - que seriam a base de cálculo para a concessão da aposentadoria.
Alguns destes contribuintes chegaram a requerer o benefício da aposentadoria que foi deferido, sendo posteriormente cancelados a pedido do titular.
Após os seis meses de suposto registro, esses mesmos segurados seguiram recolhendo como contribuinte individual, por mais 30 (trinta) meses sobre o teto da contribuição, tendo em seguida requerido a aposentadoria que foi calculada pela média dos 36 últimos salários de contribuição. (...).
No presente feito, o autor, em seu depoimento pessoal, não consegue explicar coerentemente as razões pelas quais foi registrado como empregado e por apenas seis meses, tampouco por que lhe era descontado valor elevado de contribuição previdenciária, maior do que seu suposto salário na empresa (evento 55, Video2), não sendo crível que o empregado se submetesse conscientemente e passivamente a descontos indevidos por seu empregador.
Fica claro que os valores foram recolhidos com a plena ciência do segurado.
Outro fato relevante apontado no procedimento administrativo é de que, após a alteração dos critérios de calculo do salário de benefício (que passou a ser calculado sobre a média aritmética dos salários de contribuição correspondentes a 80% do período contributivo), não houve mais o registro de empregados recebendo no teto da contribuição por período de seis meses na empresa Schulz Construções Ltda. (evento 15 - Procadm9).
Por todo o exposto, tenho que a fraude apurada pela Autarquia Previdenciária efetivamente ocorreu, não havendo motivos para alterar o procedimento de revisão efetuado.
Destarte, comprovada a fraude e má-fé do segurado não subsistem as arguições de ato jurídico perfeito, coisa julgada administrativa e direito adquirido, bem como não cabe analisar o prazo decadencial, pois a ilegalidade na hipótese poderá ser pronunciada a qualquer tempo, nos termos do art. 103-A da Lei nº 8.213/91, abaixo transcrito.
"Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)"
Diante dessas considerações, impõe-se a improcedência dos pedidos.
A situação narrada nos autos pode gerar efeitos na esfera penal, razão pela qual determino a remessa de cópia do processo para o Ministério Público Federal para ciência dos fatos.
Diante do exposto, deve ser mantida a sentença, por seus próprios fundamentos, no tocante ao reconhecimento da ocorrência de fraude por parte do segurado e de seu empregador contra a Previdência Social.
A concessão do benefício cuja revisão ora se discute deu-se sob a vigência das regras constantes da redação original da Lei 8.212/91, que determinava que o cálculo da RMI da aposentadoria seria feito com base na média das últimas 36 contribuições do segurado. Sendo o autor autônomo, deveria, obrigatoriamente, observar a progressão estabelecida pelo art. 29 da referida lei para ascender na escala de salários de contribuição, a fim de melhorar a média contributiva e obter um futuro benefício de renda superior.
Contudo, percebe-se que o segurado aproveitou-se maliciosamente do permissivo previsto no § 3º do referido artigo da lei de custeio, que possibilitava que os segurados empregados, inclusive domésticos, e trabalhadores avulsos, que passassem a exercer, exclusivamente, atividade sujeita a salário-base (ou seja, passassem a ser filiados ao RGPS na categoria de contribuintes individuais), poderiam enquadrar-se em qualquer classe até a equivalente ou a mais próxima da média aritmética simples dos seus seis últimos salários-de-contribuição.
Saliente-se que em seu depoimento pessoal (evento 55, vídeo2), o autor declarou que foi contratado pela empresa Schultz como encanador, mas que, quando foi efetivamente prestar o serviço, seus colegas de empresa julgaram-no inapto e ele passou a exercer, com a concordância do empregador, a atividade de motorista (a que já exercia no período anterior, em que era autônomo). Alegou que percebia remuneração de valor entre um salário mínimo e meio e dois salários mínimos, ou seja, muito inferior ao valor dos salários de contribuição declarados no período. Afirmou também que o empregador, o senhor Rui Shultz, descontava de sua remuneração um valor bem superior ao que seria correto para o recolhimento das contribuições previdenciárias. Explicou que não se opôs ao recolhimento indevido por que desconhecia o valor exato. Quanto ao período posterior aos seis meses na empresa Schultz, em que voltou a ser autônomo, e permaneceu recolhendo contribuições pelo valor da última classe, também alega desconhecer qualquer irregularidade, pois a contabilidade era feita por contadores de escritório contratado os quais, afirma, nunca lhe disseram nada.
Percebe-se ser pouco verossímil que um empregado que percebia remuneração aproximada de dois salários mínimos, não oferecesse resistência ao fato de o empregador descontar suas contribuições previdenciárias em valor correspondente ao teto do RGPS. Alem disso, ao pedir demissão e retornar à atividade de autônomo, passando a ser o responsável pelo recolhimento de suas contribuições previdenciárias (efetuou mais trinta contribuições), é impossível que não percebesse que estava contribuindo sob remuneração inexistente. Soma-se a isso o fato, demonstrado na sentença, de que a empresa em questão adotou o mesmo procedimento fraudulento em mais de quarenta casos.
Assim, resta evidente que o autor (que era contribuinte individual, vertendo suas contribuições dentro das classes iniciais - de 07/1994 a 06/1996), em conluio com o empregador, forjou vínculo empregatício de exatos seis meses de duração, para, após a rescisão do mesmo, poder verter mais trinta contribuições sob o valor do salário de contribuição da última classe (décima), sem ter passado pelo interstício mínimo de contribuição nas classes anteriores.
Comprovada a má-fé do segurado, é de ser afastada a decadência do direito da Autarquia de revisar os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os beneficiários.
Alega a parte autora, em sustentação oral, que o reconhecimento - na presente ação previdenciária - da ocorrência de má-fé fundamentou-se na Representação Fiscal para Fins Penais movida pela Autarquia, na qual, afirma, não houve qualquer conclusão particularizada acerca da existência de fraude por parte dos diversos segurados envolvidos, mas apenas suspeitas de irregularidades na conduta da empresa. Não merecem acolhimento suas alegações. O presente reconhecimento da má-fé do segurado contra a Previdência Social deu-se com base nas provas produzidas nos autos, em especial o depoimento pessoal do autor, a partir do qual restou evidenciada a percepção de renda muito inferior à declarada.
No tocante ao afastamento do intervalo controvertido como tempo de contribuição do segurado, tenho, contudo, que merece parcial provimento o apelo. A partir de seu depoimento pessoal verifica-se que o mesmo percebia remuneração de um salário mínimo e meio, o que é condizente com o valor da remuneração percebida anteriormente ao início do vínculo laboral. Desse modo, e tendo-se em conta a existência de contribuições no período, não deve tal lapso ser afastado do tempo total de contribuição do apelante, devendo, contudo, o salário de contribuição desse intervalo ser corrigido para o valor de um salário mínimo e meio da época da prestação da atividade. Nesses contornos, deverá a Autarquia proceder à revisão do benefício.
Da restituição dos valores
Uma vez caracterizada a má-fé do segurado, impõe-se a necessidade de restituição aos cofres públicos dos valores percebidos indevidamente, nos termos da Lei 8.213/91.
Art. 114. Salvo quanto a valor devido à Previdência Social e a desconto autorizado por esta Lei, ou derivado da obrigação de prestar alimentos reconhecida em sentença judicial, o benefício não pode ser objeto de penhora, arresto ou seqüestro, sendo nula de pleno direito a sua venda ou cessão, ou a constituição de qualquer ônus sobre ele, bem como a outorga de poderes irrevogáveis ou em causa própria para o seu recebimento.
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
Não há que se falar na irrepetibilidade das parcelas alimentares. Nesse sentido:
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. DECLARAÇÃO FALSA PARA OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. MÁ-FÉ CONFIGURADA. RESSARCIMENTO DEVIDO. 1. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má fé por parte do recebedor dos valores, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados. 2. A afirmação da autora ao requerer a aposentadoria por idade rural de que não recebia qualquer outro benefício, quando, na verdade, vinha recebendo aposentadoria por invalidez há mais de três anos, evidencia a má-fé da beneficiária. (TRF4, AC 0006008-63.2013.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 20/04/2016).(grifado)
Acerca da prescrição quinquenal, prevista no parágrafo único do art. 103 da Lei n.º 8213/91 (redação dada pela Lei 9.528/97), em que pese ser possível a sua aplicação, por simetria, em relação às parcelas devidas pelo segurado à Previdência Social, inexiste, no caso, prescrição da pretensão de restituição ao erário porquanto demonstrada a má-fé do segurado.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO. PAGAMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. REPETIÇÃO DE VALORES DE NATUREZA ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE.1. Sobre o tema da incidência do prazo prescricional nas ações contra particulares em que se busca o ressarcimento ao erário, o entendimento desta Turma é o de que se aplica o prazo quinquenal de que trata o Decreto 20.910/32. (v.g., TRF4, AC 5003286-44.2014.404.7118, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 07/07/2015)2. Independentemente da questão relativa ao prazo prescricional, o benefício previdenciário concedido administrativamente e recebido de boa-fé é insuscetível de repetição, consoante decidiu o Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia (REsp 1384418/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe 30/08/2013). No mesmo sentido: REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012; TRF4, APELREEX 5020951-74.2012.404.7108, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 26/09/2013; TRF4, APELREEX 5000344-83.2011.404.7008, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 26/04/2013; TRF4 5021044-52.2012.404.7200, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 26/04/2013.3. Apelação improvida. (TRF4, AC 5000098-79.2014.404.7009, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 10/08/2016)
Deve ser salientado, por fim, que o desconto a ser efetuado no salário do benefício não poderá reduzir o valor remanescente ao segurado para montante inferior ao valor do salário mínimo, em atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, materializado pela garantia insculpida no art. 201, § 2º da Constituição Federal, que veda a percepção de beneficio previdenciário que substitua os rendimentos do trabalho em valor inferior ao salário mínimo.
Das Custas Processuais e dos Honorários Advocatícios
Sendo sucumbente em maior monta a parte autora, deverá arcar com o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, mantendo-se esses no percentual fixado pela sentença, observada, entretanto, a suspensão da exigibilidade do pagamento de tais verbas por litigar o autor sob o pálio da Gratuidade de Justiça.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso da parte autora para considerar como tempo de contribuição o período de 01/08/1996 a 31/01/1997, devendo o salário de contribuição desse intervalo ser corrigido para o valor de um salário mínimo e meio da época da prestação da atividade, com a consequente revisão da RMI do benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição concedido pela Autarquia.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/01/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000379-48.2013.4.04.7113/RS
ORIGEM: RS 50003794820134047113
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Claudio Dutra Fontella |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Dr. César Lamm |
APELANTE | : | IRCEU TREMEA |
ADVOGADO | : | LAURINDO JOSÉ DAGNESE |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/01/2017, na seqüência 229, disponibilizada no DE de 10/01/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
APÓS A SUSTENTAÇÃO ORAL DA TRIBUNA O JULGAMENTO FOI SUSPENSO POR INDICAÇÃO DO RELATOR.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/02/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000379-48.2013.4.04.7113/RS
ORIGEM: RS 50003794820134047113
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | IRCEU TREMEA |
ADVOGADO | : | LAURINDO JOSÉ DAGNESE |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/02/2017, na seqüência 564, disponibilizada no DE de 09/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA PARA CONSIDERAR COMO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO O PERÍODO DE 01/08/1996 A 31/01/1997, DEVENDO O SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO DESSE INTERVALO SER CORRIGIDO PARA O VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO E MEIO DA ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE, COM A CONSEQUENTE REVISÃO DA RMI DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO CONCEDIDO PELA AUTARQUIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN | |
: | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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