Apelação Cível Nº 5028599-55.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: NATALINO DOS SANTOS (Sucessão)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: MARLENE VUELMA DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: TATIANE DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: CAMILA VUELMA DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: FELIPE DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
A sentença proferida na ação ajuizada por Natalino dos Santos contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS fixou o valor da causa em R$ 10.560,00 e julgou procedente o pedido, para condenar o réu a proceder à averbação do exercício de atividade rural pelo autor nos períodos de 17/01/1981 a 02/01/1983 e de 22/04/1983 a 10/09/1985 e a expedir a certidão de tempo de serviço, sem exigir o recolhimento de contribuições previdenciárias. O INSS foi condenado ao pagamento das custas processuais pela metade, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa.
O INSS interpôs apelação. Arguiu, em preliminar, a ausência de interesse processual, diante da inutilidade prática do provimento jurisdicional e do princípio constitucional da duração razoável dos processos. Referiu que o autor pretende antecipar futura análise administrativa, deslocando ao Poder Judiciário atribuição exclusiva da autarquia, já que não preenche os requisitos para o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. No mérito, alegou que o autor exerceu atividade urbana como empregado a partir de 3 de janeiro de 1983, o que afasta a presunção de continuidade do labor rural. Aduziu que o autor não apresentou prova em seu nome do retorno ao trabalho rural, mas somente documentos em nome do seu pai, não contemporâneos ao período postulado. Sustentou que, no caso de período rural intercalado com urbano, a prova do retorno ao meio rural e do efetivo exercício da atividade rural em regime de economia familiar deve ser robusta e estreme de dúvidas. Ponderou que a configuração do regime de economia familiar exige a absorção de toda a força de trabalho na atividade rural e a dependência financeira dos resultados da produção para o sustento da família. Insurgiu-se contra a condenação ao pagamento de custas processuais, visto que a Lei Estadual nº 14.634 concedeu isenção às autarquias e fundações da taxa única de serviços judiciais.
A parte autora interpôs recurso adesivo. Postulou a majoração da verba honorária para valor não inferior a três salários mínimos. Alegou que os honorários fixados são extremamente irrisórios, desprestigiando a profissão de advogado. Sustentou que a sentença levou em conta o trabalho exigido, o tempo despendido pelo profissional e a complexidade da causa, entre outros vetores estabelecidos no art. 85 do Código de Processo Civil.
Somente o autor apresentou contrarrazões.
A sentença foi publicada em 5 de outubro de 2017.
Após a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em razão do falecimento da parte autora, seus sucessores promoveram a habilitação no feito.
VOTO
Ausência de interesse de agir
A interpretação do princípio constitucional da duração razoável dos processos não pode ser dissociada da garantia do exercício do direito de ação (art. 5º, inciso XXXV, da CF), erigida em cláusula pétrea por força do art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal.
Por sua vez, o art. 17 do Código de Processo Civil estabelece que o interesse do autor pode se limitar à declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica.
A necessidade e a utilidade do provimento judicial estão demonstradas, porque o autor, na condição de segurado da Previdência Social, buscou a certificação de relação jurídica previdenciária pretérita na via administrativa, a fim de assegurar a contagem do tempo de serviço rural em futuro pedido de aposentadoria.
O INSS não admitiu o requerimento administrativo, porque o Decreto nº 3.048/1999 não prevê o procedimento de averbação de tempo de atividade rural. Ora, se a autarquia não apreciou a documentação apresentada com fundamento em ato normativo flagrantemente ilegal, somente resta ao segurado exercer o direito negado em juízo.
Portanto, mesmo que o autor não preencha os requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, possui interesse de agir.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacificado sobre a matéria desde a edição da Súmula 242, acolhido também por este Tribunal Regional Federal:
PREVIDENCIÁRIO. INTERESSE DE AGIR. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AVERBAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. Conforme o teor da Súmula 242 do STJ, é cabível ação declaratória para reconhecimento de tempo de serviço para fins previdenciários, não se configurando, em tais casos, carência de ação por falta de interesse de agir do segurado. 2. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço. 2. Resultando a fixação sobre o valor da causa atualizado em valor excessivamente reduzido, majora-se a verba honorária, fixando-a em valor certo. (TRF4, AC 5039200-57.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 17/06/2021)
Dessa forma, a preliminar arguida pelo INSS não merece acolhimento.
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213
Segundo o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31 de outubro de 1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)
Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante a Súmula 149: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça:
Tema 638 - Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)
Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 11.718.
O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.
Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.
A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:
Tema 532 - O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Tema 533 - Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A controvérsia diz respeito ao exercício de atividade rural nos períodos de 17/01/1981 (quando o autor completou doze anos de idade) a 02/01/1983 e de 22/04/1983 a 10/09/1985.
As provas documentais apresentadas são as seguintes (evento 3, anexospet4):
- certidão de casamento dos genitores da parte autora, no ano de 1949, na qual o seu pai, Laurentino Florentino dos Santos, é qualificado como agricultor;
- certidão emitida pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Nova Prata, declarando que Vítor dos Santos, irmão do autor, filho de agricultores, frequentou a Escola Municipal Dr. Getúlio Vargas, localizada na Fazenda da Pratinha, nos anos de 1970 a 1974;
- registros escolares referentes ao ano de 1970, em nome do irmão do autor, Vítor dos Santos, constando que o pai exerce a profissão de agricultor;
- ficha de matrícula do autor na Escola Municipal Dr. Getúlio Vargas, emitida nos anos de 1975 e 1976, na qual consta que o pai exerce a profissão de agricultor;
- certidão emitida pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Nova Prata, declarando que o autor, filho de agricultores, frequentou a Escola Municipal Dr. Getúlio Vargas, localizada na Fazenda da Pratinha, nos anos de 1976 a 1981;
- declaração emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata e Vista Alegre do Prata, atestando que o pai do autor foi associado da entidade entre os anos de 1977 a 1989 e contribuiu com mensalidades nesse período;
- ficha de inscrição no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata em nome do pai do autor, no ano de 1977;
- matrícula no Registro de Imóveis da Comarca de Nova Prata relativa à área de terras com 3,6 hectares, adquirida pelo pai do autor, qualificado como agricultor, no ano de 1983;
- escritura pública de compra e venda, lavrada no ano de 1983, referente ao imóvel rural com área de 3,6 hectares, localizado na Fazenda do Pratinha, no Município de Nova Prata, adquirido pelo pai do autor, constando a sua qualificação como agricultor;
- certidão de óbito do pai do autor, no ano de 1989, constando no documento que o falecido exercia a profissão de agricultor;
- declaração emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata e Vista Alegre do Prata, atestando que a mãe do autor, Lúcia Claudina Borges dos Santos, é associada da entidade desde o ano de 1989 e contribuiu com mensalidades nesse período;
- ficha de inscrição no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata em nome da mãe do autor, no ano de 1989.
O INSS juntou à contestação as pesquisas efetuadas no Cadastro Nacional de Informações Sociais, que indicam a concessão do benefício de pensão por morte de trabalhador rural à mãe do autor no ano de 1989 e de aposentadoria por idade rural no ano de 1998, bem como a vinculação do autor à Previdência Social na condição de empregado entre 03/01/1983 a 22/04/1983 e a partir de 11/09/1985 (evento 3, contes6, p. 14 e 16/26).
Em juízo, as testemunhas João Augustini e Ana Maria Comin disseram que conhecem o autor desde quando ele era criança, assim como a família do autor. Os pais do autor sempre trabalharam na agricultura. A propriedade da família era pequena (3 ou 4 hectares) e, como a família era grande, precisavam arrendar terras dos vizinhos para conseguir sustentar todos os filhos. O arrendamento era pago com parte da produção. A atividade rural era a única fonte de sustento do grupo familiar. Produziam milho, feijão, mandioca, batata doce para o consumo próprio e vendiam o que sobrava. Não havia contratação de empregados. O autor ajudou os pais na lavoura desde pequeno e somente se afastou definitivamente da aitividade rural quando tinha em torno de 16/17 anos. Antes disso trabalhou em uma fábrica de móveis por pouco tempo, mas depois que saiu desse emprego voltou a exercer a atividade rural, porque precisava ajudar no sustento da família.
Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental. As notas fiscais de comercialização ou de entrega dos produtos agropecuários à cooperativa rural demonstram, sem dúvida, o efetivo desenvolvimento do trabalho rurícola, porém não representam o único meio de prova da atividade rural.
O próprio INSS admite a aptidão probatória da ficha de associação em sindicato de trabalhadores rurais, do título de propriedade de imóvel rural e dos registros escolares, desde que conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, entre outros documentos arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015.
No caso presente, existem vários documentos contemporâneos aos anos de 1981 a 1985 que evidenciam o exercício do trabalho rurícola como meio de subsistência da família e são plenamente aceitos como início de prova material. Portanto, está presente o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural, atendendo à exigência do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213.
Por outro lado, não se exige que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido. É possível ampliar a eficácia probatória do início de prova material, seja quanto ao período anterior ao documentado, seja quanto ao posterior. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja robusta e forneça subsídios relevantes acerca das propriedades em que houve o trabalho na lavoura, os períodos de atividade rural, as tarefas desempenhadas, etc.
O trabalho em atividade urbana por breve lapso temporal não acarreta a perda da qualidade de segurado especial. Nesse sentido, o art. 11, § 9º, inciso III, da Lei nº 8.213, estabelece que não é segurado especial o membro do grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, salvo se decorrente de exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 dias, corridos ou intercalados, no ano civil. Verifica-se que o vínculo empregatício urbano entre 03/01/1983 a 22/04/1983 (109 dias) não excede o limite fixado na lei. Logo, a interrupção no exercício da atividade rural não implicou a perda da qualidade de segurado especial pelo autor.
Demais, a existência de períodos rurais intercalados com urbanos não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento do exercício da atividade rural. Contudo, é necessário comprovar, após cada período de atividade urbana, o efetivo exercício das lides rurícolas mediante início de prova material. No caso em que a atividade é exercida em regime de economia familiar, os documentos em nome de membros da família são aptos para a comprovação do tempo de serviço rural, desde que a prova testemunhal seja segura e convincente a respeito. Esse é o entendimento deste Tribunal Regional Federal, no julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas:
Tema 21 - Viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea. (TRF4 5032883-33.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 28/08/2019)
Portanto, sob esse aspecto também não há óbice ao aproveitamento do início de prova material em nome do pai do autor em relação ao período de 22/04/1983 a 10/09/1985.
Constata-se, assim, que o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por firme prova testemunhal, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural pelo autor nos períodos de 17/01/1981 a 02/01/1983 e de 22/04/1983 a 10/09/1985.
Custas judiciais
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, inciso I, da Lei Estadual nº 14.634/2014, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado).
Essa regra deve ser observada mesmo no período anterior à Lei Estadual nº 14.634/2014, tendo em vista a redação conferida pela Lei Estadual nº 13.471/2010 ao art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985.
Cabe frisar que, embora a norma estadual tenha dispensado as pessoas jurídicas de direito público também do pagamento das despesas processuais, a inconstitucionalidade formal do dispositivo nesse particular foi declarada (ADIN estadual nº 70038755864).
Desse modo, subsiste a isenção apenas em relação às custas, não se aplicando às despesas processuais.
Honorários advocatícios
A fixação dos honorários advocatícios deve observar as disposições do art. 85 do CPC de 2015, já que a sentença recorrida foi publicada sob a sua vigência.
O art. 85, §2º, do CPC, estabelece que os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Já o §3º do art. 85 fixou critérios objetivos para arbitrar a verba honorária nas causas em que a Fazenda Pública for parte.
As únicas exceções que autorizam o juiz a fixar os honorários por apreciação equitativa são as previstas no §8º do art. 85: causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou o valor da causa for muito baixo.
No caso dos autos, o valor da causa (R$ 10.560,00), atualizado pelo IPCA desde a data da propositura da ação (07/01/2016) até março de 2022, corresponde a R$ 14.756,63. Os honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, se fossem calculados nessa data, não seriam irrisórios, como alega a parte autora. Assim, descabe o arbitramento da verba honorários por equidade.
Por esses fundamentos, nega-se provimento ao recurso adesivo da parte autora.
Majoração dos honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo réu quanto ao mérito, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte adversa em segundo grau de jurisdição.
Diante do que dispõe o art. 85, §11, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em 20% a verba honorária, percentual que deve incidir sobre o fixado na sentença.
Cabe esclarecer que o provimento parcial da apelação do INSS decorre de fato alheio à sucumbência na causa, visto que a isenção de custas é determinada pela legislação do Estado do Rio Grande do Sul. O afastamento da condenação da autarquia ao pagamento de custas processuais em nada altera a sucumbência decorrente do acolhimento integral da pretensão da parte autora.
Por conseguinte, caracterizam-se as condições previstas no art. 85, § 11, do CPC, que amparam a majoração dos honorários advocatícios em sede recursal.
Tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a averbação do tempo de serviço reconhecido nesta ação.
Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do INSS, apenas para afastar a condenação ao pagamento de custas processuais.
Nego provimento ao recurso adesivo da parte autora.
De ofício, concedo a tutela específica.
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS, negar provimento ao recurso adesivo da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003316048v25 e do código CRC 1af1a0f3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 28/7/2022, às 19:14:41
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:19:23.
Apelação Cível Nº 5028599-55.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: NATALINO DOS SANTOS (Sucessão)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: MARLENE VUELMA DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: TATIANE DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: CAMILA VUELMA DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: FELIPE DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
previdenciário. processual civil. ação declaratória. interesse de agir. averbação de tempo de serviço. exercício de atividade rural anterior à lei nº 8.213. regime de economia familiar. início de prova material. atividade rural intercalada com urbana. isenção de custas. honorários advocatícios.
1. O interesse do autor pode se limitar à declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica (art. 19, I do Código de Processo Civil).
2. A ação declaratória pode ser proposta com a finalidade de obter o reconhecimento do exercício de atividade rural para averbação e aproveitamento em futuro pedido de aposentadoria.
3. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
4. A ficha de associação em sindicato de trabalhadores rurais, o título de propriedade de imóvel rural e os registros escolares, nos quais constem a qualificação do declarante como agricultor, possuem o mesmo valor probatório dos documentos arrolados no art. 106 da Lei nº 8.213.
5. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.
6. Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça).
7. O exercício de atividade urbana em período não superior a 120 (cento e vinte) dias em cada ano não acarreta a perda da qualidade de segurado especial.
8. O INSS é isento do pagamento de custas processuais na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul.
9. O Código de Processo Civil autoriza o arbitramento de honorários por equidade apenas se o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, se o valor da causa for muito baixo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, negar provimento ao recurso adesivo da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de julho de 2022.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003316049v5 e do código CRC d29681ce.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 28/7/2022, às 19:14:41
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:19:23.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/07/2022 A 19/07/2022
Apelação Cível Nº 5028599-55.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: NATALINO DOS SANTOS (Sucessão)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: MARLENE VUELMA DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: TATIANE DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: CAMILA VUELMA DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELANTE: FELIPE DOS SANTOS (Sucessor)
ADVOGADO: DIRCEU VENDRAMIN LOVISON (OAB RS081383)
ADVOGADO: AVELINO BELTRAME (OAB RS017141)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/07/2022, às 00:00, a 19/07/2022, às 16:00, na sequência 535, disponibilizada no DE de 01/07/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, CONCEDER A TUTELA ESPECÍFICA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:19:23.