Apelação Cível Nº 5010425-61.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: NOEL AMAZONAS DA LUZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelações interpostas pela parte autora e pelo INSS em face da sentença (e. 2 - SENT67), publicada em 08/02/2018 (e. 2 - CERT68), que julgou procedente o pedido e, em consequência, condenou a autarquia a conceder o benefício de auxílio-doença ao autor, com termo inicial em 12/01/2013, e pelo período de 120 (cento e vinte) dias, a contar da sentença, suficiente para sua reabilitação.
Alega o patrono do autor que não se pode fixar a data da cessação do benefício, porquanto não se pode prever a cura de uma enfermidade.
Entende ser indevida a fixação de termo final para a concessão do benefício, já que sua cessação só ocorrerá quando ficar demonstrado pela autarquia previdenciária que o segurado recuperou a capacidade laboral.
Requer a reforma da decisão para que seja reconhecido seu direito à concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença sem fixação de DCB, retroagindo o pagamento à data do requerimento administrativo (e. 2 - PET72).
A seu turno, a Autarquia Previdenciária pondera que, no processo nº 5001012-95.2014.404.7219/SC, a parte autora já requereu a concessão de benefício por incapacidade, sendo a demanda julgada totalmente improcedente, com base no laudo pericial que concluiu que o autor não apresenta incapacidade para o trabalho habitual (trânsito em julgado em 03/02/2015).
Refere que a situação fática e jurídica é a mesma qua a do presente feito. Inclusive, trata-se do mesmo benefício (NB 537.162.882-3), cessado em 11/01/2013. Ressalta ainda que no processo perante a Justiça Federal houve a realização de perícia judicial, ocasião em que não se verificou a existência de incapacidade para o trabalho.
Sustenta que o enfrentamento do pedido de benefício por incapacidade em outro processo judicial, cuja decisão, já transitada em julgado, está protegida pelo manto da coisa julgada, viola a segurança jurídica, razão pela qual o pedido deve ser prontamente rejeitado, com a prolação de sentença terminativa (artigo 485, V, do CPC).
Aduz que, considerando que o autor reiterou ação já decidida pela Justiça Federal, deverá ser reconhecida a litigância de má-fé, conforme art. 80 do NCPC, com a condenação em multa.
Pede a reforma da sentença para que o processo seja extinto, sem resolução de mérito, em virtude do reconhecimento da coisa julgada, conforme art. 485, V, do NCPC. Ademais, requer a condenação do autor em multa por litigância de má-fé (e. 2 - PET75).
Devidamente intimadas, as partes não apresentaram contrarrazões.
Subiram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Exame do caso concreto
A sentença ora objurgada enfrentou os fatos nestas letras (e. 2 - SENT67):
3. No caso, o expert nomeado pelo juízo consignou, no laudo pericial, cujas razões adoto como fundamentação, que a parte autora está incapacitada de forma parcial e temporária. Contudo, atesta que poderá ser reabilitado num período de 120 (cento e vinte) dias, para o desempenho de atividades mais leves. Também esclarece que a incapacidade teve início há aproximadamente 20 (vinte) anos, e a doença possui origem degenerativa/endocrinológica (respostas aos quesitos c, g, h e l do juízo).
Referido laudo não restou desconstituído, porém, por nenhuma parte, prevalecendo como prova, devendo ser acolhido em sua totalidade.
Desse modo, a parte autora tem direito ao auxílio-doença previdenciário.
Considerando-se, ademais, que o médico perito constatou o início da incapacidade há aproximadamente 20 (vinte) anos, e que o último benefício cessou em 11/01/2013, o termo de início do benefício deve ser o dia seguinte à data da cessação administrativa, descontando todos os valores recebidos administrativamente de verbas inacumuláveis.
Quanto aos demais requisitos, foi demonstrada a condição de segurado da parte postulante e o cumprimento do período de carência na medida em que o próprio INSS houvera concedido administrativamente o auxílio-doença por acidente de trabalho outrora.
Assim, tendo em vista a constatação de incapacidade parcial e temporária, não há que se falar em aposentadoria por invalidez.
4. Ante o exposto, julgo procedente o pedido inicial formulado por Noel Amazonas da Luz em face do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social. Outrossim, declaro extinto o processo com resolução de mérito (CPC, art. 487, I), para:
a) determinar a implementação do auxílio-doença previdenciário, com termo inicial em 12/01/2013 e pelo período de 120 (cento e vinte) dias, a contar da presente sentença, suficiente à reabilitação da parte autora.
Quanto ao inconformismo do INSS de que no processo nº 5001012-95.2014.404.7219/SC, a parte autora já requereu a concessão de benefício por incapacidade, sendo a demanda julgada totalmente improcedente, com base no laudo pericial que concluiu que o autor não apresenta incapacidade para o trabalho habitual, ou seja, alegando a existência de coisa julgada, vale referir que não oferece qualquer dificuldade compreender que, superada a chamada tríplice identidade (partes, causa de pedir e pedido), está-se diante de uma ação diversa.
A causa de pedir remota ou imediata é composta por uma base fática e os fundamentos jurídicos. A propósito, filiamo-nos à teoria da substanciação, de modo que os fatos interessam mais do que o direito (iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius).
Quando se cogita de incapacidade para o trabalho decorrente de doença, está-se tratando de base fática ou fato constitutivo do direito do autor, cuja prova é técnica e depende de perícia médica. Se Caio fosse consultar com seu médico hoje e fizesse exames, certamente os resultados seriam diferentes dos que receberia se fosse somente daqui a três ou seis meses. É natural! Tenho dito e não custa repetir, as doenças, reconhece a patologia, “são um filme e não uma fotografia”, podendo entrar em remissão, estabilizar-se ou agravar-se. Esse processo cambiante e sua velocidade dependem de inúmeras variáveis, mas podem acontecer muitas vezes em questão de dias. Esta é a premissa que autoriza dizer que raramente teremos coisa julgada material em ação previdenciária julgada improcedente porque a perícia reconheceu a capacidade do autor.
Pode-se ter a coisa julgada formal, dentro do mesmo processo, mas somente um exercício de futurologia autorizaria dizer que, mesmo quando a doença é a mesma, os fatos, na sua complexidade clínica, serão os mesmos.
Por essa circunstância, a jurisprudência tem reconhecido, nos casos de nova doença ou de agravamento da doença velha, que há uma nova causa de pedir, ou seja, uma nova ação, não se devendo, portanto, sob pena de incorrer em erro grosseiro, reputar a segunda demanda idêntica à primeira.
Os tribunais, incluso o STJ, entendem que "é possível a propositura de nova ação pleiteando o mesmo benefício, desde que fundada em causa de pedir diversa, decorrente de eventual agravamento do estado de saúde da parte, com o surgimento de novas enfermidades (AgRg no AREsp 843.233/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 17/03/2016).
É dever do advogado diligente, pelo princípio da boa-fé e da cooperação no processo, informar ao juízo sobre a existência da ação anterior, o seu resultado e o fato inédito que consubstancia a nova causa de pedir. Sendo possível, deve apresentar documentos médicos posteriores à perícia realizada na primeira ação. A mera reprodução de ação anterior já julgada, sem a demonstração nova causa de pedir, corre o risco de ser reputada coisa julgada, pois o juiz tem o dever-poder de examinar no início os pressupostos processuais. A coisa julgada é um pressuposto processual negativo que leva ao indeferimento da inicial ou à extinção do processo sem exame de mérito.
Estabelecida esta importante premissa, podemos avançar para o segundo problema. Nos casos em que não há elementos documentais demonstrando de plano a existência da nova doença ou do agravamento, poderá o juiz deduzir que se trata dos mesmos fatos (causa de pedir) e extinguir o processo reconhecendo a coisa julgada?
Cada caso é um caso, mas, em princípio, o prejulgamento parece não ser adequado. É que, como disse, o fato de se tratar das mesmas patologias que deram azo à primeira demanda é de relativa importância quando estamos tratando de "agravamento" de doenças incapacitantes. Estas que recrudescem, estabilizam ou se agravam, como sói ocorrer com doenças que acometem as camadas mais pobres da população e em países periféricos, com sistemas de saúdes precários, que apresentam tendência de agravamento. Se se tratar de nova doença, dúvida alguma haverá de que se está diante de nova causa de pedir (outra ação).
Assim, não se pode basear um juízo de certeza acerca da similitude das ações no que concerne ao quadro fático-jurídico, vale dizer, a causa de pedir, exclusivamente a partir de elementos probatórios que a parte acosta à inicial. Estes que eventualmente sequer serão consultados pelo perito ou, pelo menos, têm valor probatório restrito devido ao caráter unilateral. Aliás, em princípio, a juntada como a inicial de documentos médicos, embora seja salutar e possa ajudar ao próprio autor, não constitui pressuposto processual de constituição ou validade do processo.
Nas ações previdenciárias por incapacidade, a perícia médica é sempre essencial para subsidiar a decisão judicial e não seria dispensável neste momento crucial do processo em que se discute se a ação é idêntica ou não. Não se admite prejulgamento e extinção do processo sem a instrução probatória.
O exame da causa de pedir em ações cujo objeto seja o exame da incapacidade é mister sutil e complexo ao mesmo tempo. Essas ações previdenciárias por incapacidade têm como pano de fundo as condições de sobrevivência digna de pessoas que, em um momento marcado pela tendência de adoecimento da população e precariedade do sistema público de saúde, batem às portas do Judiciário como última cidadela diante da manifesta e crescente retração das instâncias administrativas.
A jurisprudência do TRF4 tem observado, diante do caso concreto, estas premissas, evitando o reconhecimento da coisa julgada, como se pode conferir no seguinte julgado: TRS/SC, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004699-72.2020.4.04.9999/SC, j. 03/06/2020, Rel. Des. Paulo A. B. Vaz:
O advento do quadro de incapacidade ou do agravamento incapacitante da doença faz surgir uma nova causa de pedir, ensejando a propositura de uma nova ação. A análise da alegativa de agravamento de patologia incapacitante não reconhecida em outra ação exige avaliação médica e não pode estar baseada, extreme de dúvida, apenas nos documentos médicos acostados com a inicial, que, aparentemente coincidem com aqueles que instruíram a primeira ação julgada improcedente. (unânime)
Muitas vezes fica escancarado o problema sério que temos com as perícias, apresentando os laudos resultados diametralmente opostos. Diante de tal fato, penso que se deve considerar com temperamento a coisa julgada. Afinal, há uma prova posterior realizada mediante contraditório que infirmou a anterior. Das duas, uma: ou tivemos agravamento ou a primeira perícia estava errada.
O tema doravante debatido diz respeito aos efeitos temporais da coisa julgada, mais especificamente sobre o limite temporal da imutabilidade da sentença. Até que ponto uma sentença de improcedência por falta de provas produz efeitos no tempo diante de fatos novos que são posteriores à instrução probatória do primeiro processo, e que não foram levados à apreciação do juiz como fatos supervenientes, mas apenas em outra ação como causa de pedir diversa.
Ao que vejo, sem embargo do profundo debate sobre a existência mesmo dos limites temporais da coisa julgada e da tênue distinção entre estes e os limites objetivos, o que se me afigura é uma questão muito mais semântica ou terminológica do que de conteúdo. Se eles existem, penso estarem jungidos à manutenção ou alteração da situação de fato ou de direito. A chamada eficácia preclusiva da sentença vai até onde se mantém inalterada a situação de fato que deu suporte à sentença. Os fatos abarcados pela causa de pedir resolvidos pela sentença é que recebem o selo da coisa julgada. A sentença em si não declara mais direito do que esteja substanciado em fatos relevantes.
A coisa julgada, embora possa se projetar para o futuro, não é eterna. Por isso, não representa impeditivo a que fatos supervenientes possam modificar a situação substancial da lide. A estabilidade da coisa julgada abarca a situação e as circunstâncias postas no momento em que o juiz, examinando o acervo probatório, profere a sentença.
Com bem lembra NIEVA-FENOLL, apesar da coisa julgada, é a vida real, na sua riqueza de condições e circunstâncias, que culmina por se impor e irá definir as fronteiras cronológicas da coisa julgada. Situações há em que o tempo é indiferente, sendo relevante apenas a alteração da situação objetivo-subjetivo valorada na sentença. O referido autor exemplifica com a sentença na ação de interdição (NIEVA-FENOLL, Jordi. La cosa juzgada. Barcelona: Atelier, 2016, p. 249-250):
Lo que si va afectar a la situación jurídica declarada en la sentencia, son los aspectos objetivos y subjetivos, como son el agravamiento o la sanidad del incapacitado, puesto que en ese caso la sentencia, dictada basándose em hechos diferentes a los que ocurren em la actualidad, - y por tanto dictada con unos límites objetivos y subjetivos - ya no deberá tener valor alguno, sino que habrá de dictarse nueva sentencia adoptando medidas más restrictivas para el incapacitado, o bien, reintegrando plenamente su capacitad. Y esa modificación del estado de salud del demente puede producirse em pocos dias, o en muchos años, o incluso instantáneamente si se le subministra um fármaco de nueva creación, que le aporte las substancias cuya carencia provocan sus estados de irrealidad. Es decir, el tiempo es irrelevante en este caso, porque lo único importante es el cambio en el estado de salud del paciente, es decir, la variación de estado objetivo-subjetivo que la sentencia valoró.
A jurisprudência ainda dominante no TRF4, no âmbito da sua Corte Especial, limita os efeitos patrimoniais da concessão de benefício por incapacidade, no caso de ação anterior julgada improcedente, ao trânsito em julgado da sentença de improcedência proferida no primeiro processo:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AÇÃO ANTERIOR JULGADA IMPROCEDENTE. ALTERAÇÃO DO SUPORTE FÁTICO. AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA INCAPACIDADE EM MOMENTO ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA PRIMEIRA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA PARCIAL. 1. Em casos de benefício por incapacidade, uma sentença de improcedência não implica a impossibilidade de nova ação previdenciária sobre o mesmo tema, desde que haja modificação do suporte fático, seja pela superveniência de nova doença incapacitante, seja pelo agravamento da doença anterior. 2. Nesses casos, comprovada na nova demanda a incapacidade, seu termo inicial não pode retroagir, em princípio, à data anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de violação à coisa julgada parcial (TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0004231-96.2015404.0000, Corte Especial, Des. Federal CELSO KIPPER, POR MAIORIA, vencido o relator, D.E. 25/03/2019, p. em 26/03/2019).
Com efeito, se o agravamento de doença e a superveniência de outra (diversa) enfermidade têm sido considerados como uma causa de pedir nova a dar ensejo, portanto, a uma nova demanda, não se pode comunicar as ações ao ponto de limitar o efeito financeiro da segunda, julgada procedente, ao trânsito em julgado da primeira que foi julgada improcedente. Tal entendimento da Seção congela a capacidade reconhecida na data da perícia que lastreia o juízo de improcedência (capacidade laboral do segurado). Contudo, o trânsito em julgado pode ocorrer, não raro, tempos depois, dependendo dos recursos e da pauta do tribunal. Da realização da perícia até o trânsito em julgado, o segurado não pode ter agravado o seu quadro? Não há base fática (princípio da realidade) para não se reconhecer que, no dia seguinte ao da primeira perícia, o autor venha a ter uma piora do seu quadro de saúde, mas desgraçadamente não poderá ter sua incapacidade reconhecida porque ainda não transitou em julgado a sentença da ação julgada improcedente.
Embora o Poder Judiciário tenha interesse em evitar a judicialização e, principalmente, a proliferação de ações repetidas, este desiderato não pode se sobrepor ao mundo da realidade. Na hipótese, os limites temporais da coisa julgada devem ficar restritos à matéria que foi objeto da prova produzida.
Seria razoável entender-se que o trânsito em julgado incide até onde se reconheceu a capacidade (momento da perícia). Daí para frente, não se tem mais certeza de nada, sendo odioso mesmo recorrer-se a uma ficção que pode ter efeitos catastróficos ao segurado, tal como permanecer sem renda de subsistência por um lapso de tempo variável, até o trânsito em julgado, pois poderá haver recurso da Autarquia.
Portanto, entendo que a vedação de retroatividade do juízo de incapacidade deve ser da data da perícia para trás. O trânsito em julgado, que constitui a coisa julgada material, não opera efeitos para o fim de obstar que se constate o agravamento da doença desde o laudo que não reconheceu a incapacidade, porquanto faticamente isso pode ocorrer.
O que fica coberto pela coisa julgada na primeira ação improcedente é apenas o dispositivo, jamais os fatos (e sua verdade) e nem os fundamentos, tanto que em outra ação, com nova causa de pedir, se pode reconhecer incapacidade antes não reconhecida. O art. 504 do CPC é expresso ao dizer que não fazem coisa julgada (I) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva, nem (II) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.
É adequado que o “fato capacidade”, discutido e convolado na sentença, persista imutável até a data da perícia. Da perícia para trás é defeso ao judiciário (re)julgar. Do contrário, estar-se-ia violando a coisa julgada. Todavia, esta imutabilidade não pode ir além da data da perícia e, muito menos, até a data do trânsito em julgado da sentença/acórdão de improcedência do pedido. Não teria base fática a coisa julgada depois da perícia.
A doutrina e o CPC reconhecem que os pressupostos da coisa julgada são a decisão expressa, a cognição exauriente e o contraditório prévio e efetivo (art. 503 do CPC). Tudo o que acontece depois da fase probatória pode ser reconhecido como fato superveniente, inclusive, e é suscetível de ser tranquilamente conhecido pelo juiz ou pelo tribunal, segundo as regras do CPC. Mas se não for, não fica obstado de subsidiar nova demanda sem qualquer limitação de efeitos.
O fato tido como superveniente pode ser alegado e reconhecido tanto em primeiro como em segundo grau (arts. 493 e 933 do CPC), podendo, enquanto fato novo ocorrido ainda antes da deliberação final (dentro do processo, portanto), servir de fundamento desta decisão e, portanto, fazer coisa julgada. Dessarte, é possível afirmar-se que o autor da ação que tem o seu quadro agravado ou é acometido de doença nova até o momento da decisão final, pode alegar esse fato relevante, sempre sob mais completo contraditório.
Está-se a tratar de situações em que isso não ocorreu. Perguntar-se-ia: se podia alegar e não alegou, fica o autor da ação submetido à eficácia preclusiva da coisa julgada ou coisa julgada tácita (art. 508 do CPC), de modo que o agravamento ou a nova doença ficam cobertos pela coisa julgada ficta?
Ao que penso, a resposta é negativa. O tema é complexo e não teria espaço para enfrentá-lo neste voto, por isso, fico com a posição majoritária da doutrina, encabeçada por J. C. Barbosa Moreira, no sentido de que a regra do art. 474 (atual art. 508) diz respeito à causa de pedir idêntica. A partir desta premissa, a TRS/SC do TRF da 4ª Região assim se posicionou:
PREVIDENCIÁRIO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. COISA JULGADA FICTA OU PRESUMIDA. INCOMPATIBILIDADE NO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTE NOCIVO DIVERSO DA PRIMEIRA AÇÃO. NOVA CAUSA DE PEDIR. JULGAMENTO REALIZADO NA FORMA DO ART. 942 DO NCPC. 1. Hipótese em que na primeira ação buscava-se o reconhecimento da especialidade em razão da exposição ao agente nocivo ruído e na segunda ação em face da exposição a agentes químicos. 2. Quinada jurisprudencial que recomenda cautela no exame do alcance da coisa julgada. 3. Se a causa de pedir é diferente, não há falar em identidade de ações, pressuposto material da coisa julgada. 4. Para a melhor leitura das regras dos artigos 474 do CPC/73 e 508 do CPC/15, consoante a doutrina majoritária, capitaneada por Barbosa Moreira, a preclusão alcança apenas as questões relativas à mesma causa de pedir. 5. Em face do princípio da primazia da proteção social, que norteia o direito e o processo previdenciário, não há espaço para a coisa julgada ficta ou presumida (TRF4, AC 5003095-30.2017.4.04.7203, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 26/03/2019).
Portanto, também sob o enfoque do fato superveniente, pode-se afirmar que, no período de tempo posterior à perícia e anterior à decisão final, não fica o direito do segurado limitado pela coisa julgada da sentença de improcedência da primeira ação.
Quero com esses argumentos arrematar reforçando que não se pode congelar a incapacidade, ou deixá-la refém do tempo processual, esgarçando os limites temporais (ou objetivos) da coisa julgada.
Assim a construção jurisprudencial ainda vigorante na Corte Especial do TRF4, com a devida vênia, opera em confusão ao aplicar os efeitos temporais da coisa julgada a uma nova ação.
Ainda no âmbito do TRF4, na sua TRS/SC, embora com ressalva do Desembargador Federal Celso Kipper, recentemente, a discussão foi retomada, acolhendo-se o entendimento que venho sustentando:
O trânsito em julgado pode interessar como ficção para a delimitação temporal da coisa julgada, mas é um dado totalmente alheio à situação fática, porquanto ele ocorre muito tempo depois da avaliação médica. Em um caso qualquer, logo após a perícia, pode o segurado que até ali se encontrava capaz, ter um agravamento (uma crise aguda qualquer) e dela não mais se recuperar, mas o trânsito em julgado da sentença de improcedência, porque ele não se conformou e recorreu (afinal, dias depois da perícia piorou muito), e o tribunal ad quem levou dois anos para negar provimento ao seu recurso, o impedirá de receber o benefício. Não se pode congelar a incapacidade, ou deixá-la refém do tempo processual (TRF4, TRS/SC, Apelação Cível nº 5004699-72.2020.4.04.9999/SC, j. unânime em 03/06/2020, Relator Desembargador Federal Paulo A. B. Vaz).
Esta mesma solução também foi adotada em diversos julgados da TRS/SC, de que é exemplo o seguinte:
PREVIDENCIÁRIO. COISA JULGADA. TRÍPLICE IDENTIDADE. NÃO VERIFICAÇÃO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. 1. Havendo a autora formulado pedido novo, qual seja a concessão de benefício por incapacidade, ao argumento de que houve agravamento de sua doença, tem-se presente causa de pedir diversa em relação à ação transitada em julgado, afastando a alegação de ocorrência da coisa julgada. 2. Considerando-se as conclusões periciais médicas de incapacidade total e permanente para o trabalho, sem possibilidade de reversibilidade da doença, tem-se presente o quadro que autoriza a concessão da aposentadoria por invalidez desde a DER. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5028086-87.2018.4.04.9999, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Relator Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 13/05/2020).
Dito isso, no caso sub examine, a partir da perícia médica, realizada em 30/03/2017, pelo Dr. Marino Laerte Picelli, CRM/SC 2613, perito de confiança do juízo (laudo juntado no e. 2 - LAUDOPERIC51-LAUDOPERIC58), é possível obter os seguintes dados:
a) data de nascimento: 30/01/1970;
b) escolaridade: ensino fundamental incompleto;
c) profissão: agricultor;
d) doenças: o autor é portador de lombociatalgia bilateral (dor em coluna lombar com irradiação para os membros inferiores, sendo mais acentuado à direita) e hipotiroidismo descompensado (não faz tratamento há aproximadamente 09 meses, gerando dores musculares/articulares em todo corpo), patologias de origem degenerativa e endocrinológica crônica. CID10: M54.4 + E03.9.
Referiu o expert que tais moléstias tornam o autor incapacitado para o exercício de seu trabalho habitual, devendo ele, portanto, evitar atividades que sobrecarreguem a coluna vertebral, membros inferiores e membros superiores.
Data de início da doença: conforme dados de anamnese, há aproximadamente 20 anos.
Data provável de início da incapacidade: conforme dados de anamnese, há aproximadamente 03 anos não consegue mais trabalhar devido dores generalizadas pelo corpo. Já fez vários tratamentos com diferentes médicos sem obter melhora.
Esclareceu o perito que a incapacidade decorre de progressão e agravamento da patologia, aumento de intensidade gradativa, sem relação com esforço físico ou traumatismo.
Sugeriu o perito, de imediato, consulta em serviço de Endocrinologia para tratamento do Hipotiroidismo, responsável pelas dores generalizadas pelo corpo. Também, tratamento em Serviço de Ortopedia. Após compensar patologias - aproximadamente 120 (cento e vinte) dias, readaptação profissional para serviços leves, tais como Porteiro de Edifícios, Guardião, Vendedor, Cobrador, Ascensorista, etc.
Questionado se o grau de escolaridade e o nível sócio-econômico são fatores que interferem na reabilitação do trabalhador para o exercício da atividade laborativa e se, nas circunstâncias específicas em que se encontra o autor, tais fatores interferem positiva ou negativamente na sua reabilitação profissional, respondeu o perito que sim, que interferem negativamente.
Como se vê, o laudo pericial é seguro sobre a efetiva incapacidade para o exercício da atividade profissional para a qual o autor possui habilitação, o que justifica a concessão de benefício previdenciário.
Aliás, atestou também o perito judicial que a incapacidade é permanente para exercer suas atividades laborativas de agricultor, devendo o autor ser reabilitado para realizar trabalhos mais leves.
No que pertine ao termo inicial, considerou o juiz sentenciante que o médico perito constatou que o início da incapacidade se deu há aproximadamente 20 (vinte) anos, e que o último benefício cessou em 11/01/2013, portanto, estabeleceu o termo de início do benefício no dia seguinte à data da cessação administrativa, e pelo período de 120 (cento e vinte) dias, a contar da sentença, entendendo ser esse tempo suficiente para a reabilitação do autor.
Vale destacar que, no caso em tela, o autor apresenta sérios problemas de lombociatalgia bilateral (dor em coluna lombar com irradiação para os membros inferiores, sendo mais acentuado à direita) e hipotiroidismo descompensado. Inclusive, o perito judicial constatou que a doença é progressiva, o que leva a crer que se agravará com o tempo, tornando mais difícil ainda a possibilidade de retornar o autor ao mercado de trabalho.
Ademais, o autor conta, atualmente, 51 anos de idade e desde sempre exerceu atividades braçais. Para ser reabilitado, no intuito de que possa vir a trabalhar em outras funções que não exijam esforços físicos, teria que retomar os estudos, o que, nas condições em que se encontra e com os problemas que enfrenta, se afigura bastante complicado.
Portanto, em razão do quadro clínico e das suas condições pessoais, entendo que o autor faz jus ao restabelecimento do auxílio-doença indevidamente cessado em 11/01/2013, benefício esse que, diga-se de passagem, o autor vinha recebendo desde 03/09/2009 (e. 2 - OUT6, p. 7).
Contudo, levando em conta que a perícia no processo anterior, realizada em audiência, no dia 27/10/2014, pelo Dr. Norberto Rauen, especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas, concluiu pela capacidade laborativa do autor (e. 2 - OUT79), fixo o termo inicial do benefício em 28/10/2014.
Restabelecido o auxílio-doença desde então, deverá o benefício ser convertido em APOSENTADORIA POR INVALIDEZ a partir deste julgamento.
Logo, não há falar em multa por litigância de má-fé.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
Confirma-se a sentença que julgou procedente o pedido formulado na inicial, para condenar a autarquia a restabelecer o AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA indevidamente cessado em 11/01/2013 (e. 2 - OUT6, p. 7). Contudo, levando em conta que a perícia no processo anterior, realizada em audiência, no dia 27/10/2014, tinha concluído pela capacidade laborativa do autor (e. 2 - OUT79), fixo o termo inicial do benefício em 28/10/2014, devendo ser convertido em APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE a partir deste julgamento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso do INSS, dar provimento ao apelo do autor e determinar a imediata implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002432455v30 e do código CRC 9a972c15.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5010425-61.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: NOEL AMAZONAS DA LUZ
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APELADO: OS MESMOS
VOTO DIVERGENTE
As ações em que se busca a concessão de benefício por incapacidade para o trabalho caracterizam-se por terem como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos. Tais sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota.
Trago à baila, a propósito do tema, os seguintes julgados recentes da Terceira Seção desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AÇÃO ANTERIOR JULGADA IMPROCEDENTE. ALTERAÇÃO DO SUPORTE FÁTICO. AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA INCAPACIDADE EM MOMENTO ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA PRIMEIRA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA PARCIAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1. Em casos de benefício por incapacidade, uma sentença de improcedência não implica a impossibilidade de nova ação previdenciária sobre o mesmo tema, desde que haja modificação do suporte fático, seja pela superveniência de nova doença incapacitante, seja pelo agravamento da doença anterior. 2. Nesses casos, comprovada na nova demanda a incapacidade, seu termo inicial não pode retroagir, em princípio, à data anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de violação à coisa julgada parcial. (TRF4, ARS 5026310-42.2019.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator MARCOS JOSEGREI DA SILVA, juntado aos autos em 02/12/2019)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. COISA JULGADA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CAUSA DE PEDIR DISTINTA. MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FATO. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO DO BENEFÍCIO À DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. Reconhecida a ilegitimidade passiva dos réus Ilson Gomes Ferreira e Jorge Alexandre Dias Ávila, advogados da parte ré na ção rescindenda. 2. O artigo 966, inciso IV, do CPC, autoriza a desconstituição de decisão que ofender a coisa julgada. Conforme o § 4º do art. 337 do CPC, há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba mais recurso. Já o § 2º do art. 337 estabelece que uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. 3. O nosso sistema processual adotou a teoria da substanciação, devendo o pedido decorrer da causa de pedir, ou seja, das consequências jurídicas que se extraem dos fatos narrados na inicial. Logo, a causa de pedir compõe-se dos fatos constitutivos do direito alegado (causa remota) e da fundamentação jurídica, em que o autor demonstra a incidência de hipótese abstratamente prevista em norma legal sobre os fatos concretos (causa próxima). 4. A causa de pedir não se reduz à relação jurídica substancial deduzida em juízo, pois é a ocorrência do fato que faz incidir a regra jurídica e irradia os efeitos jurídicos. Então, mesmo que a causa de pedir próxima seja semelhante, se a causa de pedir remota é distinta, não se trata da mesma ação. 5. Conquanto ambos as demandas em que se formou a coisa julgada possuam as mesmas partes e o mesmo pedido, a causa de pedir remota é distinta, visto que os fatos constitutivos do direito que embasaram o ajuizamento do primeiro processo mudaram ao longo do tempo, em decorrência da modificação das condições sócioeconômicas da parte autora e do grupo familiar que ensejam a concessão do benefício assistencial. A nova situação de fato afasta a identidade da causa de pedir. 6. O benefício não pode retroagir à data do requerimento administrativo, sob pena de malferir a coisa julgada que se formou na primeira demanda, em razão da imutabilidade da parte dispositiva da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial desde a postulação administrativa. 7. Admitindo-se a renovação do pedido em ação judicial que objetiva a concessão de benefício assistencial, já que a modificação da situação de fato caracteriza nova causa de pedir, conclui-se que a coisa julgada oriunda do primeiro processo surte efeitos até o momento em que restou comprovada a alteração das condições sócioeconômicas da parte. 8. O julgado deve ser rescindido parcialmente, para que o benefício seja concedido a partir do ajuizamento da segunda demanda, quando houve a comprovação da mudança das condições sócioeconômicas da parte. 9. Mantida em parte a antecipação dos efeitos da tutela, para suspender a execução da ação rescindenda quanto às parcelas anteriores à data do ajuizamento da segunda demanda. 10. Honorários advocatícios distribuídos conforme a sucumbência das partes. (TRF4, ARS 5000802-65.2017.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relatora GABRIELA PIETSCH SERAFIN, juntado aos autos em 25/07/2019)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. COISA JULGADA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. MODIFICAÇÃO DO ESTADO DE SAÚDE. 1. Em se tratando de benefício previdenciário por incapacidade, a modificação do estado de saúde do segurado faz surgir nova causa de pedir, afastando a tríplice identidade que configura a coisa julgada. 2. A data de início da incapacidade reconhecida na segunda demanda não pode retroagir a momento anterior ao trânsito em julgado da sentença exarada na primeira demanda, que não reconheceu o direito ao benefício. (TRF4, ARS 5001058-37.2019.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 27/06/2019)
Nestes precedentes, o conteúdo do julgado é no sentido de que: a) uma decisão que julgou improcedente determinada ação previdenciária versando sobre benefício por incapacidade não impede uma segunda ação pelo mesmo segurado, pleiteando o mesmo (ou outro) benefício por incapacidade desde que ocorra o agravamento da mesma doença ou a superveniência de uma nova doença incapacitante; b) em contrapartida, o termo inicial do benefício a ser deferido na segunda ação não poderia ser, em princípio, anterior à data do trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de colisão de decisões, uma delas transitada em julgado.
Ao menos em duas oportunidades, a questão chegou à análise da Corte Especial deste Tribunal (por força do art. 942 do CPC), onde aquele entendimento foi sufragado, sendo uma delas a seguinte:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AÇÃO ANTERIOR JULGADA IMPROCEDENTE. ALTERAÇÃO DO SUPORTE FÁTICO. AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA INCAPACIDADE EM MOMENTO ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA PRIMEIRA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA PARCIAL. 1. Em casos de benefício por incapacidade, uma sentença de improcedência não implica a impossibilidade de nova ação previdenciária sobre o mesmo tema, desde que haja modificação do suporte fático, seja pela superveniência de nova doença incapacitante, seja pelo agravamento da doença anterior. 2. Nesses casos, comprovada na nova demanda a incapacidade, seu termo inicial não pode retroagir, em princípio, à data anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de violação à coisa julgada parcial. (TRF4, AR 0004231-96.2015.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator para Acórdão CELSO KIPPER, D.E. 25/03/2019)
Propõe o eminente Relator, em seu voto, uma alteração da posição, com a possibilidade de retroação do termo inicial do benefício concedido nesta segunda ação para o dia seguinte ao da perícia realizada no anterior processo.
A questão não é de fácil solução, pois, de fato, pode haver um agravamento da doença do segurado entre a data da perícia da primeira ação e a data do trânsito em julgado da decisão de improcedência. Entretanto, há de se considerar alguns pontos.
O primeiro é a possibilidade de o fato superveniente (nova doença ou agravamento da doença anterior) vir a ser analisado tanto pelo juiz de primeiro grau, na sentença, quanto pelo Tribunal (em caso de recurso), por aplicação do art. 493 do CPC, ainda na primeira ação. Isso ocorre muitas vezes, desde que a parte autora faça juntar aos autos documentação médica posterior à perícia realizada. É claro que se essa primeira ação foi improcedente (estou falando das ações em tese, não especificamente da primeira ação relativa a este processo), provavelmente não houve tal juntada e, portanto, eventual alteração das condições de trabalho não puderam ser analisadas, à época.
O segundo ponto são os motivos de se estabelecer o trânsito em julgado da primeira ação como a data antes da qual, em princípio, não poderia ser fixado o termo inicial do benefício previdenciário concedido na segunda ação. O primeiro motivo é o óbvio: evitar colisão de entendimentos entre julgadores relativamente a uma mesma situação jurídica, ainda que continuativa. Se a perícia da primeira ação foi em fevereiro, a sentença em abril e o acórdão de improcedência em agosto de um determinado ano, o juiz prolator de nova sentença (na segunda ação), dois anos depois, não poderia contrariar o primeiro juiz e o tribunal e dizer, ao contrário do que aqueles pronunciaram, que havia sim incapacidade desde o primeiro dia após a primeira perícia, sob pena de conflito entre essas decisões e afronta à coisa julgada (ainda que parcialmente). Parece-me até uma questão de lógica do sistema judicial.
O segundo motivo para se fixar como marco o trânsito em julgado da primeira ação é a coerência com outra posição consagrada neste Tribunal em situação similar, mas inversa. Refiro-me à posição segundo a qual, tendo sido concedido, em decisão ou sentença, um determinado benefício previdenciário por incapacidade, não pode o INSS, administrativamente, sponte sua, cancelar este benefício antes do trânsito em julgado dessa sentença. Posteriormente poderá fazê-lo (se comprovada administrativamente a recuperação do segurado), mas não antes. São exemplos deste posicionamento as seguintes ementas:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUXÍLIO-DOENÇA. DECISÃO JUDICIAL. REAVALIAÇÃO. CANCELAMENTO. TRÂNSITO EM JULGADO. O INSS pode efetuar reavaliações médico-periciais periódicas e, constatada a capacidade laborativa do segurado por perícia médica, pode cancelar o benefício concedido na esfera judicial, nos termos dos arts. 101 da Lei 8.213/91 e 71 da Lei 8.212/91, desde que já transitada em julgado a decisão concessória. (TRF4, AG 5034447-47.2018.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 21/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUXÍLIO DOENÇA. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DEFERIDA PELO JUÍZO SINGULAR. REQUISITOS. PRAZO DE DURAÇÃO DO BENEFÍCIO. ART. 60, § 9º, DA LEI 8.213/91. A hipótese sub judice reflete a estipulação e prazo de que trata o § 9º do art. 60 da Lei 8.213/91, o que não autoriza a revisão do benefício enquanto não transitar a decisão judicial. (TRF4, AG 5010366-97.2019.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTÔNIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 21/06/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. DEFERIMENTO JUDICIAL. CANCELAMENTO. PERÍCIA MÉDICA. Em se tratando de auxílio-doença - benefício cuja provisoriedade advém de sua própria natureza - não caracteriza violação à coisa julgada ou descumprimento de decisão judicial o seu cancelamento administrativo, desde que posterior ao trânsito em julgado do título judicial e embasado em laudo médico pericial conclusivo acerca do restabelecimento da capacidade laboral do segurado, hipótese que não ocorreu no caso. (TRF4, AG 5028819-43.2019.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 28/11/2019)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. DECISÃO JUDICIAL. REAVALIAÇÃO. CANCELAMENTO. TRÂNSITO EM JULGADO. O INSS pode e deve efetuar reavaliações médico-periciais periódicas e, constatada a capacidade laborativa do segurado por perícia médica, pode cancelar o benefício concedido na esfera judicial, nos termos dos arts. 101 da Lei 8.213/91 e 71 da Lei 8.212/91, desde que já transitada em julgado a decisão concessória. (TRF4, AG 5045699-81.2017.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 23/10/2017)
Ou seja, estabeleceu-se que o âmbito de abrangência temporal da decisão concessiva de um benefício por incapacidade, salvo exceções ou determinação em contrário na própria decisão, é a data do seu trânsito em julgado, o que não poderia ser desrespeitado pela autarquia previdenciária unilateralmente, mesmo que tenha procedido a uma nova perícia administrativa. Em contrapartida, na outra via, entende-se que até o trânsito em julgado da decisão judicial que indeferiu o benefício, em princípio, o segurado permaneceu capaz. Em assim entendendo, garante-se um certo paralelismo e coerência na análise da capacidade do segurado no transcurso da primeira ação, haja vista a dificuldade em se estabelecer, muitas vezes, durante todo o período de tramitação da ação, a real situação da doença ou da incapacidade.
O terceiro ponto a ser considerado nesta análise é o de que embora o estabelecimento da data do trânsito em julgado da ação anterior possa não corresponder precisamente ao momento do início da incapacidade, também é verdade que dificilmente a incapacidade iniciou-se exatamente no dia posterior à data da perícia realizada na primeira ação e que atestou a capacidade do segurado.
O quarto e último ponto a ser analisado é a possibilidade de ocorrência de uma injustiça flagrante com a adoção (na verdade, manutenção) deste entendimento, especialmente quando há um lapso temporal muito grande entre a prova pericial em que se baseou a decisão na primeira ação e o seu trânsito em julgado. Em casos assim, dada a possibilidade, já consagrada, de flexibilização de institutos processuais em demandas previdenciárias, se atendidos determinados pressupostos, variáveis conforme as hipóteses [vide, a título de exemplo, o decidido no REsp n. 1.840.369/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 12-11-2019, DJe de 19-12-2019], penso que se possa flexibilizar a coisa julgada parcial para fazer retroagir a data do início do benefício previdenciário por incapacidade deferido na segunda ação para momento anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sempre que (a) exista prova categórica para se atestar que a incapacidade tenha iniciado, realmente, em momento anterior e (b) haja transcorrido um tempo muito longo entre a perícia ou outra documentação médica que tenha embasado a decisão que indeferiu o benefício na primeira ação e o seu trânsito em julgado. No entanto, realizar tal flexibilização em todos os casos não me soa razoável nem prudente, frente a todas as considerações anteriores.
No presente caso, além de se observar o decurso de pouco mais de três meses entre a perícia realizada no primeiro processo (27-10-2014) e o trânsito em julgado da sentença no mesmo prolatada (03-02-2015), inexiste um evento marcante (um acidente, um enfarto, um AVC ou uma internação hospitalar, por exemplo) que pudesse, categoricamente, demonstrar o início da incapacidade a partir dele e que sugerisse, em razão disso, a flexibilização da coisa julgada.
Acolhido, ainda que parcialmente, o apelo da Autarquia ré, não há espaço para a majoração dos honorários advocatícios. No mais, acompanho in totum o laborioso voto de Sua Excelência.
Ante o exposto, divergindo, em parte, do eminente Relator, voto por dar provimento ao apelo do autor, dar parcial provimento à apelação do INSS, sendo que a este em maior extensão, a fim de estabelecer em 04-02-2015 a DIB do benefício por incapacidade concedido ao segurado, e determinar a imediata implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002504191v4 e do código CRC 29a72b33.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5010425-61.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
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APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. COISA JULGADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE LABORAL. REPETIÇÃO DE AÇÃO. CAUSA DE PEDIR DISTINTA. MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FATO. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO, DE RETROAÇÃO DO BENEFÍCIO A DATA ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DO PRIMEIRO PROCESSO.
1. As ações de concessão de benefício previdenciário por incapacidade para o trabalho caracterizam-se por terem como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos. Tais sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir próxima ou remota.
2. Não obstante uma decisão que julgou improcedente determinada ação previdenciária versando sobre benefício por incapacidade não impeça uma segunda ação pelo mesmo segurado, pleiteando o mesmo (ou outro) benefício por incapacidade desde que ocorra o agravamento da mesma doença ou a superveniência de uma nova doença incapacitante, o termo inicial do benefício a ser deferido na segunda ação, segundo já decidido pela Corte Especial do TRF4, não poderia ser, em princípio, anterior à data do trânsito em julgado da primeira ação.
3. Ainda que possa haver um agravamento da doença do segurado entre a data da perícia da primeira ação e a data do trânsito em julgado da decisão de improcedência, há de se considerar alguns pontos.
4. O primeiro é a possibilidade de o fato superveniente (nova doença ou agravamento da doença anterior) vir a ser analisado tanto pelo juiz de primeiro grau, na sentença, quanto pelo Tribunal (em caso de recurso), por aplicação do art. 493 do CPC, ainda na primeira ação. Isso ocorre muitas vezes, desde que a parte autora faça juntar aos autos documentação médica posterior à perícia realizada. É claro que se essa primeira ação foi improcedente, provavelmente não houve tal juntada e, portanto, eventual alteração das condições de trabalho não puderam ser analisadas, à época.
5. O segundo ponto são os motivos de se estabelecer o trânsito em julgado da primeira ação como a data antes da qual, em princípio, não poderia ser fixado o termo inicial do benefício previdenciário concedido na segunda ação. O primeiro motivo é o óbvio: evitar colisão de entendimentos entre julgadores relativamente a uma mesma situação jurídica, ainda que continuativa. O segundo motivo é a coerência com outra posição consagrada neste Tribunal em situação similar, mas inversa: o âmbito de abrangência temporal da decisão concessiva de um benefício por incapacidade, salvo exceções ou determinação em contrário na própria decisão, é a data do seu trânsito em julgado, o que não poderia ser desrespeitado pela autarquia previdenciária unilateralmente, mesmo que tenha procedido a uma nova perícia administrativa; em contrapartida, na outra via, entende-se que até o trânsito em julgado da decisão judicial que indeferiu o benefício, em princípio, o segurado permaneceu capaz. Em assim entendendo, garante-se um certo paralelismo e coerência na análise da capacidade do segurado no transcurso da primeira ação, haja vista a dificuldade em se estabelecer, muitas vezes, durante todo o período de tramitação da ação, a real situação da doença ou da incapacidade.
6. O terceiro ponto a ser considerado nesta análise é o de que embora o estabelecimento da data do trânsito em julgado da ação anterior possa não corresponder precisamente ao momento do início da incapacidade, também é verdade que dificilmente a incapacidade iniciou-se exatamente no dia posterior à data da perícia realizada na primeira ação e que atestou a capacidade do segurado.
7. O quarto e último ponto a ser analisado é a possibilidade de ocorrência de uma injustiça flagrante com a adoção deste entendimento, especialmente quando há um lapso temporal muito grande entre a prova pericial em que se baseou a decisão na primeira ação e o seu trânsito em julgado. Em casos assim, dada a possibilidade, já consagrada, de flexibilização de institutos processuais em demandas previdenciárias, se atendidos determinados pressupostos, variáveis conforme as hipóteses [vide, a título de exemplo, o decidido no REsp n. 1.840.369/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 12-11-2019, DJe de 19-12-2019], poder-se-ia flexibilizar a coisa julgada parcial para fazer retroagir a data do início do benefício previdenciário por incapacidade deferido na segunda ação para momento anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sempre que (a) exista prova categórica para se atestar que a incapacidade tenha iniciado, realmente, em momento anterior e (b) haja transcorrido um tempo muito longo entre a perícia ou outra documentação médica que tenha embasado a decisão que indeferiu o benefício na primeira ação e o seu trânsito em julgado. No entanto, realizar tal flexibilização em todos os casos não soa razoável nem prudente, frente a todas as considerações anteriores.
8. No caso concreto, não ocorre a mencionada injustiça, pois não é significativo o decurso de tempo havido entre a perícia realizada no primeiro processo e o trânsito em julgado da sentença no mesmo prolatada (pouco mais de três meses). Além do mais, inexiste, no hipótese, um evento marcante (um acidente, um enfarto, um AVC ou uma internação hospitalar, por exemplo) que pudesse, categoricamente, demonstrar o início da incapacidade a partir dele e que sugerisse, em razão disso, a flexibilização da coisa julgada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencido o relator, dar provimento ao apelo do autor, dar parcial provimento à apelação do INSS, sendo que a este em maior extensão, a fim de estabelecer em 04-02-2015 a DIB do benefício por incapacidade concedido ao segurado, e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 15 de junho de 2021.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002659150v2 e do código CRC bae64d90.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 23/6/2021, às 18:27:25
Conferência de autenticidade emitida em 01/07/2021 04:01:00.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 12/04/2021 A 19/04/2021
Apelação Cível Nº 5010425-61.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: NOEL AMAZONAS DA LUZ
ADVOGADO: MAURI RAUL COSTA JUNIOR (OAB SC023061)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/04/2021, às 00:00, a 19/04/2021, às 16:00, na sequência 118, disponibilizada no DE de 29/03/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, DAR PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, DA DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL CELSO KIPPER NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, SENDO QUE A ESTE EM MAIOR EXTENSÃO, A FIM DE ESTABELECER EM 04-02-2015 A DIB DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE CONCEDIDO AO SEGURADO, E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO , E O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA COM RESSALVA, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Divergência - GAB. 92 (Des. Federal CELSO KIPPER) - Desembargador Federal CELSO KIPPER.
Acompanha a Divergência - GAB. 93 (Des. Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ) - Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ.
Acompanho a divergência, com a ressalva de meu entendimento em sentido diverso, que tem ficado vencido na Turma ampliada (art. 942 do CPC) e na 3ª Seção.
Conferência de autenticidade emitida em 01/07/2021 04:01:00.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 08/06/2021 A 15/06/2021
Apelação Cível Nº 5010425-61.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: NOEL AMAZONAS DA LUZ
ADVOGADO: MAURI RAUL COSTA JUNIOR (OAB SC023061)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/06/2021, às 00:00, a 15/06/2021, às 16:00, na sequência 80, disponibilizada no DE de 27/05/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO APÓS OS VOTOS DO DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO ANTONIO ROCHA E DO DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO QUADROS DA SILVA ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, DAR PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, SENDO QUE A ESTE EM MAIOR EXTENSÃO, A FIM DE ESTABELECER EM 04-02-2015 A DIB DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE CONCEDIDO AO SEGURADO, E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Acompanha a Divergência - GAB. 103 (Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA) - Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA.
Acompanhar a divergência para acolher em parte o apelo do INSS, apenas no que se refere ao termo inicial do benefício.
Acompanha a Divergência - GAB. 102 (Des. Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA) - Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA.
Acompanho a Divergência
Conferência de autenticidade emitida em 01/07/2021 04:01:00.