Apelação Cível Nº 5004881-58.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: JOSE ANTONIO NICHELE
ADVOGADO: SIMONE MARTINI BAMBERG (OAB RS068976)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença proferida por Juízo Estadual com jurisdição delegada, que indeferiu a inicial e julgou o feito extinto sem resolução do mérito (art. 5º, LXXXVIII, da CF, art. 330, III, c/c 485, I, ambos do CPC), a fim de que a ação seja reproposta no juízo federal competente, nos seguintes termos:
Vistos.
Trata-se de demanda previdenciária movida contra o INSS, proposta neste Juízo Estadual em razão da delegação de competência conferida pelo §3º do art. 109 da CF, através do Sistema e-Proc, no âmbito da Justiça Estadual.
Tramitam nesta Comarca aproximadamente treze mil processos, entre físicos e eletrônicos, sendo que quase ¼ são demandas previdenciárias de competência delegada.
Sendo duas varas judicias na Comarca, congregam-se todas as competências (cível, crime, família, infância e juventude, violência doméstica, juizados especiais, direção do foro, eleitoral), circunstância que acaba por impor, invariavelmente, atendimento prioritário a determinadas demandas (réus presos, adolescentes internados, crianças acolhidas, medidas de proteção etc), em sacrifício da celeridade de outras.
Outra circunstância que deve ser levada em consideração é a existência de inúmeros processos paralisados, pois imprescindível a realização de perícia médica e há extrema dificuldade de conseguir profissionais que aceitem a nomeação, pelos valores pagos pela União.
Apenas um profissional especialista da área de ortopedia tem aceitado realizar perícias, este de Santa Rosa (distante em 100km desta Comarca), sendo que as demais perícias são deprecadas para a Justiça Federal de Ijuí, muitas vezes após inúmeras diligências na busca de profissional que aceite.
A Comarca de Santo Augusto não conta com médicos especialistas. Assim, todas as perícias realizadas nas demandas previdenciárias somente são levadas a termo após inúmeras diligências em busca de profissionais de cidades maiores para onde as partes devem se deslocar.
Além disso, o rol de profissionais habilitados nas cidades sedes da Justiça Federal para a realização das perícias, supera em muito os poucos médicos – generalistas – que atuam em Santo Augusto.
A propositura de demandas desta natureza, nos foros estaduais, tem se mostrado absolutamente contraproducente, sobretudo em matéria de celeridade, pois tal opção, na prática, opera em detrimento do interesse da própria parte autora.
A competência delegada foi outrora concebida para facilitar o acesso do segurado (ou beneficiário) à Justiça, evitando que tivesse de se sacrificar desmedidamente para ingressar em juízo (deslocamentos, despesas etc).
Tal faculdade (opção de ajuizamento em juízo estadual), pertinente à época, hoje não mais reverte em benefício do segurado; pelo contrário: milita em seu desfavor, ainda que, de certa forma, favoreça a interesses (legítimos, para alguns) dos advogados, que percebem honorários na Justiça Estadual e não nos Juizados Especiais Federais, com consequente deslocamento do órgão recursal que mereceria conhecer da matéria (das Turmas Recursais para o Tribunal Regional Federal).
A Justiça Federal, foro originariamente competente, passou (e vem passando) por um processo de interiorização. Santo Augusto atualmente integra a Subseção Judiciária de Ijuí (Resolução 71/2016-TRF4), que está situada a cerca de 70 km desta Comarca, com via de acesso asfaltada e em boas condições de tráfego (cerca de 1 hora).
O deslocamento à Vara Federal sequer é necessário, tendo em conta a sistemática do processamento eletrônico implementada e adotada pela Justiça Federal (Sistema E-proc, copiosamente elogiado pelos operadores do direito).
Nem mesmo para oitiva de testemunhas haveria necessidade do deslocamento, porquanto plenamente possível que eventuais inquirições sejam aqui tomadas via carta precatória ou através do sistema de videoconferências, recentemente implantado na Comarca e com elogiável eficiência.
Soma-se que nas causas de até de 60 salários mínimos, a competência é do Juizado Especial Federal, o que garante uma tramitação ainda mais célere, dinâmica e desonerada.
Além disso, na Justiça Estadual, essencial figura perquirir sobre o direito de a parte merecer ou não assistência judiciária gratuita, bem como será essencial a imposição de sucumbência em detrimento da autarquia previdenciária caso vencida, onerando cofres públicos em deficit bilionário, o que fomentou, inclusive, drástica reforma previdenciária. A previdência está sofrendo gravíssima crise e se vê compelida a suportar, ainda, em face da tramitação modo ordinário no juízo delegado, ônus financeiro com pagamento de custas e honorários advocatícios, o que, como regra, não existe no campo federal porque lá os feitos tramitam nos juizados especiais.
A Justiça Federal ampliou suas unidades de atendimento, inclusive implantando centros avançados, processa demandas previdenciárias, como regra, no orbe do juizado especial, e possui estrutura e pessoal especializado no trato da matéria. Em contrapartida, a Justiça Estadual permanece, como regra, com o mesmo volume de juízos havidos quando da previsão constitucional em referência, agora, entretanto, com capacidade de escoamento processual cada vez menor em face do constante incremento do vultoso número de processos que acolhe em comparação aos havidos naquele passado distante. Além disso, tem competência muito mais ampla, gerenciando matérias diversas, sobremodo em varas judiciais como a presente, enxerga o processo previdenciário tramitar pelo rito ordinário e não dispõe de estrutura e pessoal com gerência especializada para o trato das questões dessa ordem.
Se, por um lado, o §3º do art. 109 da CF/88 ainda assegura a faculdade de optar por ingresso no Juízo Estadual, por outro, o art. 5º, LXXVIII, da mesma Carta (dispositivo introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004), também estabelece que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
Sejam quais forem as razões que têm levado operadores do direito a optar pelo Juízo Estadual, é inexorável a conclusão de que tal se dá às custas da celeridade almejada pela parte e, no mais das vezes, à revelia desta.
A competência delegada (artigo 109, § 3º, da Carta Magna), que dava suporte para ajuizamento de ações previdenciárias de caráter não acidentário perante a Justiça Estadual, perdeu eficácia em face do esmaecimento de sua ratio legis, situação derivada de modificações no plano da tramitação dos processos na Justiça brasileira, bem como da disseminação e especialização da Justiça Federal.
E, no juízo de ponderação entre o direito fundamental à celeridade e razoável duração do processo, introduzido em nossa Carta Magna em 2004, e o regramento constitucional de ordem processual regente da competência delegada informa, sem dúvida, prevalência daquele.
Assim, impõe-se que este Juízo confira efetividade àquele direito fundamental, garantindo à parte os meios que confiram celeridade na tramitação da sua demanda, razão pela qual INDEFIRO A INICIAL E JULGO EXTINTO O FEITO (art. 5º, LXXXVIII, da CF, art. 330, III, c/c 485, I, ambos do CPC), a fim de que a demanda seja REPROPOSTA NO JUÍZO FEDERAL competente.
A parte autora, em suas razões, sustenta em síntese, ser prerrogativa da parte demandante a escolha do foro competente. Afirma que a Comarca de Santo Augusto/RS é a que detém a competência delegada para a demanda previdenciária em questão.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Da competência do juízo estadual com jurisdição delegada
Nos termos do art. 109, § 3º, da Constituição Federal de 1988 pode o autor de demanda previdenciária optar pelo juízo estadual da comarca de seu domicílio para a instrução e julgamento de seu pedido. É o que se denomina de competência delegada da Justiça Estadual em matéria previdenciária e que, segundo a orientação desta Corte, induz competência concorrente entre os juízos federal e estadual.
Colho o ensejo para citar o seguinte aresto como representativo desta orientação jurisprudencial:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. JUIZ ESTADUAL. COMPETÊNCIA DELEGADA. OPÇÃO DO SEGURADO. Tratando-se de ação previdenciária movida contra o INSS, a competência do Juízo Estadual do domicílio da parte autora, a do Juízo Federal com jurisdição sobre o seu domicílio e a do Juízo Federal da capital do Estado-membro são concorrentes, devendo prevalecer a opção exercida pelo segurado. (TRF4, AC 0000392-68.2017.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, D.E. 24/05/2017)
Entretanto, tal delegação somente cessa quando, na comarca do domicílio do autor se instala Vara Federal ou Unidade Avançada de Atendimento, por força da competência absoluta da Justiça Federal.
Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. UNIDADE AVANÇADA DE ATENDIMENTO DA JUSTIÇA FEDERAL (UAA). 1. O segurado cujo domicílio não seja sede de Vara Federal, segundo interpretação jurisprudencial e à vista do contido no § 3º do art. 109 da CF, pode optar pelo ajuizamento da ação previdenciária (1) no Juízo estadual da comarca de seu domicílio, (2) no Juízo Federal com jurisdição sobre o seu domicílio ou, ainda, (3) perante Varas Federais da capital do Estado-membro. 2. Optando pelo ajuizamento da ação no Juízo Estadual, deve ser considerado o local de seu domicílio, no caso dos autos Triunfo-RS, para fixação da competência, não havendo falar em incompetência, já que a instalação de UAA somente faz cessar a competência delegada na Comarca em que está sediada (São Jerônimo-RS). (TRF4, AC 0015936-33.2016.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 16/03/2017)
O caso em análise trata de uma ação de natureza previdenciária, ajuizada em comarca, na qual não há Juízo Federal, nem UAA, de modo que, por delegação, a competência é da Justiça Estadual.
Ademais, trata-se de questão sumulada no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região (TRF4, Súmula 8): "Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal".
Portanto, havendo previsão expressa no sentido de que o segurado pode fazer a opção para ajuizamento da demanda na Justiça Estadual, comarca onde reside, que a julgará por competência federal delegada, a decisão recorrida, permissa venia, não merece prosperar.
Oportuno relembrar que a utilização do processo judicial eletrônico pela Justiça Federal (Sistema Eproc) não justifica o descumprimento da norma constitucional acerca do julgamento das ações previdenciárias, prevista no § 3º do art. 109 da Constituição Federal, que confere ao segurado ou beneficiário a opção de ajuizar a causa previdenciária perante o Juízo Estadual do foro do seu domicílio, sempre que o município não seja sede de Vara da Justiça Federal.
A propósito, veja-se entendimento desta Corte em caso análogo:
PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. JURISDIÇÃO FEDERAL DELEGADA. OPÇÃO GARANTIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que o art. 109, § 3º, da Constituição Federal, confere ao segurado ou beneficiário a opção de ajuizar a causa previdenciária perante o Juízo Estadual do foro do seu domicílio, sempre que o município não seja sede de Vara da Justiça Federal.
2. A interpretação sistemática da Constituição Federal não autoriza o entendimento de que o direito à razoável duração do processo deva preponderar sobre o direito à facilitação do acesso à justiça assegurado pela competência delegada (AC 5014567-11.2019.4.04.9999/RS, rel. Juíza Federal Adriane Battisti, 5ª Turma, julgado em 05/11/2019).
Nessa linha de entendimento, o processo deve mantido sob a égide da Vara Estadual com jurisdição delegada para o devido processamento e julgamento do feito originário.
Dá-se provimento ao apelo para anular a sentença e remeter o processo à origem para prosseguimento do feito.
CONCLUSÃO
Apelação do autor provida para anular a sentença, determinando-se a remessa do processo à origem para regular prosseguimento do feito.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001914878v5 e do código CRC ee02c1b3.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5004881-58.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: JOSE ANTONIO NICHELE
ADVOGADO: SIMONE MARTINI BAMBERG (OAB RS068976)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA QUE INDEFERIU A INICIAL E JULGOU EXTINTO O FEITO EM RAZÃO DA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL.
1. O juízo estadual é competente para processar e julgar a ação previdenciária quando o segurado possuir domicílio nesta comarca e desde que o município não seja sede de vara federal ou de unidade de atendimento avançado da Justiça Federal - UAA. 2. Sentença anulada para que o feito retorne à origem e prossiga regularmente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001914879v3 e do código CRC 92ebc07a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 17/08/2020 A 25/08/2020
Apelação Cível Nº 5004881-58.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: JOSE ANTONIO NICHELE
ADVOGADO: SIMONE MARTINI BAMBERG (OAB RS068976)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/08/2020, às 00:00, a 25/08/2020, às 14:00, na sequência 190, disponibilizada no DE de 05/08/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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