APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033110-33.2017.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
APELANTE | : | MARIA DE LOURDES MOURA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | IVAN ROGERIO DA SILVA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. DOCUMENTOS EM NOME DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR QUE MIGROU PARA O TRABALHO URBANO. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA PROVA. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO COMPROVADO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.
1. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, mediante início de prova material complementado por prova testemunhal idônea.
2. A extensão da prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
3. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 320 do NCPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção, sem o julgamento do mérito (art. 485, IV, do NCPC). Precedente do STJ em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16/12/2015).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, para julgar extinto o feito sem julgamento do mérito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de março de 2018.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Artur César de Souza, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9290131v6 e, se solicitado, do código CRC D8D8A57E. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033110-33.2017.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
APELANTE | : | MARIA DE LOURDES MOURA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | IVAN ROGERIO DA SILVA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença proferida antes da vigência do novo CPC, em que a magistrada a quo julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC/73, por falta de interesse de agir, em razão da ausência de prévio requerimento administrativo do benefício de aposentadoria por idade rural. Condenou, ainda, a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), restando suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da AJG.
Em suas razões recursais, a parte autora alega desnecessidade de exaurimento da via administrativa, por ser trabalhadora rural boia-fria. No mérito, sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à concessão do benefício postulado, com efeitos financeiros a contar do ajuizamento da ação.
Com as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
Na sessão de 26/11/2014, a Sexta Turma desta Corte deu parcial provimento ao recurso da parte autora, para, reformando a sentença, determinar a baixa dos autos em diligência ao Juízo de primeiro grau, que deverá intimar a parte autora a dar entrada no pedido administrativo em até 30 (trinta) dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse de agir. Comprovada a postulação administrativa, o Juiz deverá intimar o INSS para que, em 90 (noventa) dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data de início da ação, para todos os efeitos legais, sendo que o resultado da análise administrativa deverá ser comunicado ao Juiz, que deverá apreciar a subsistência ou não do interesse de agir (Evento 1 - OUT31 - p. 2/9).
A autora requereu administrativamente o benefício em 05/11/2015, o qual foi indeferido, em razão da falta de comprovação do efetivo exercício da atividade rural no período correspondente à carência (Evento 1 - OUT33).
Considerando que subsiste interesse processual e restando atendida a determinação desta Corte, a Julgadora monocrática determinou a restituição dos autos (Evento 1 - OUT34).
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão-somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
No caso dos autos, a sentença foi proferida em 18/10/2012, não se aplicando, portanto, as normas do CPC de 2015.
Aposentadoria por Idade Rural
O exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ. Trata-se de exigência que vale tanto para o trabalho exercido em regime de economia familiar quanto para o trabalho exercido individualmente.
O rol de documentos do art. 106 da LBPS não é exaustivo, de forma que documentos outros, além dos ali relacionados, podem constituir início de prova material, que não deve ser compreendido como prova plena, senão como um sinal deixado no tempo acerca de fatos acontecidos no passado e que agora se pretendem demonstrar, com a necessária complementação por prova oral.
Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção: está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
Outrossim, sabe-se que quando a atividade rural é desenvolvida na qualidade de boia-fria, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493/PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o "boia-fria", da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n.º 1.321.493/PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes a respeito do boia-fria:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
Saliente-se que, no referido julgamento, o STJ manteve decisão deste Regional que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua CTPS, constando vínculo rural no intervalo de 01/06/1981 a 24/10/1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Cumpre destacar, ainda, que, em recente decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a
alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1.348.633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014).
No que tange à alegação de que o trabalhador rural deve ser enquadrado como contribuinte individual, saliento que esta Corte já pacificou o entendimento de que o trabalhador rural boia-fria deve ser equiparado ao segurado especial, de que trata o art. 11, VII, da 8.213/91, sendo dispensado o recolhimento das contribuições para fins de obtenção do benefício. Neste sentido: AC Nº 2003.04.01.029412-1, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, D.E. 10/01/2007; AC Nº 0015098-03.2010.404.9999, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 30/05/2011; APELRE 5017769-98.2016.404.9999, 6º Turma, Rel. Marina Vasques Duarte de Barros Falcão, j. 02/03/2017; AC 5045460-87.2016.404.9999, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Vânia Hack de Almeida, j. 05/06/2017.
Caso Concreto
No caso em tela, a autora atingiu o requisito etário em 22/10/2010 e ajuizou a presente ação em 03/11/2010. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 174 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima (de 22/04/1996 a 22/10/2010) ou à data do ajuizamento da ação (de 03/05/1996 a 03/11/2010) ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para comprovar o exercício de atividade rural, foram trazidos aos autos, dentre outros, os seguintes documentos (Evento 1):
a) Certidão de casamento, lavrada em 16/07/1983, na qual consta a profissão da autora como "de prendas domésticas" e a de seu marido como "operário" (OUT4, p. 2);
b) Certidão de nascimento do filho, lavrada em 1991, sem qualificações profissionais (OUT4, p. 3);
c) Matrícula de imóvel rural, localizado no município de Cruzália/SP, constando a autora como adquirente, em 07/12/1976, de área de 6,8 hectares, em condomínio com a mãe e os irmãos (OUT4, p. 1);
d) Ficha geral de atendimento emitida pelo Centro de Saúde de Rancho Alegre/PR, em nome da autora, sem qualificação profissional, constando registros de atendimento no período de 1986 a 2000 e de 2003 a 2010 (OUT3);
e) Extrato do CNIS, em nome do marido, constando registros de vínculos rurais, nos períodos de 02/10/1984 a 01/12/1995 e de 01/03/2000 a 30/03/2004, e de vínculos urbanos, nos períodos de 02/05/1996 a 31/08/1999 e de 01/12/2004 a 11/2010 (OUT13).
Em sede de justificação administrativa, realizada em 18/10/2011, foi tomado o depoimento pessoal da autora e ouvidas duas testemunhas (Evento 1 - OUT20 e OUT21).
No depoimento pessoal da autora Maria de Lourdes Moura dos Santos, constaram as declarações abaixo:
"(...) que nasceu em Cruzália/SP e mora na região de Rancho Alegre há mais ou menos 30 anos; que casou-se em Cruzália/SP em 1983, com Dario Batista dos Santos, com quem teve 2 filhos; que o marido da autora também era e ainda é lavrador, hoje residindo em Londrina; disse que está separada há 15 anos; que a autora desde solteira sempre trabalhou na lavoura, juntamente com os pais; que quando veio para o Paraná foi morar na Fazenda da família Newmann, denominada Água Nova, localizada próxima à cidade de Rancho Alegre; que na Fazenda a cultura era de algodão, alfafa, soja, e a autora trabalhava, em serviços de carpa, colheita, etc.; que havia umas 3 famílias que moravam na propriedade; que a propriedade era de 200 alqueires, e além da lavoura tinha gado, e porcos, também; que seu marido trabalhava cuidando de porcos de granja e era registrado na Fazenda; que a autora trabalhava na lavoura, sem registro, ganhava por dia, e recebia por quinzena; disse que não assinava recibos; que acredita que das demais famílias as mulheres que trabalhavam, na Fazenda, era da mesma forma, sem registro; que somente os maridos tinham Carteira anotada; que a autora mora na cidade de Rancho Alegre há mais ou menos 15 anos e anteriormente havia trabalhado na Fazenda Água Nova durante uns 14 anos, direto; que saiu da Fazenda, juntamente com os dois filhos, na época em que separou-se de seu marido; que, morando na cidade, continuou a trabalhar na lavoura; que seu marido pagava pensão para os filhos sendo que uma já está casada; que teve que retornar para a lavoura, em serviços de catação de milho, de bichinho do soja, em serviços de enfileirar amendoim após a colheita, na lavoura de algodão, etc.; que como boia fria trabalhou nas propriedades de José Alves, e outras, através de gatos, muitas vezes não sabia nem os nomes dos proprietários, os pagamentos eram feitos pelos empreiteiros; que trabalhou com os gatos, Florisvaldo, Mauricião, Jair 'espalha bala', Jorge gato, etc.; que as últimas propriedades em que trabalhou foi no José Alves, José Felipe, na laranja, e na Fazenda Congonhas, catando milho e bichinho do soja; que nunca exerceu outra atividade, senão a de lavoura; que depois de adulta é que está estudando à noite. (...)"
O depoimento da testemunha Maria de Lurdes dos Santos apresentou o relato que segue:
"(...) que conhece a autora há mais ou menos 15 anos; que a conheceu já morando na cidade; que não tem certeza se na época ela já estava separada do marido, Dari, porque sempre o via com o menino; que o casal teve dois filhos uma menina e um menino; que desde que a conheceu, moram próximas; que a declarante sempre foi trabalhadora rural, tendo trabalhado junto com a autora, na Fazenda Congonhas, Fazenda São José, Fazenda Paredão, catando lagarta, catando milho, apanhando algodão; que a declarante está aposentada há mais ou menos 3 anos e fazem uns 4 ou 5 anos que não trabalha mais; que a autora continuou trabalhando e ainda hoje ela trabalha porque não tem renda nenhuma; que desde que a conhece a autora sempre trabalhou somente na lavoura, não tendo exercido outras atividades; (...)"
No depoimento da testemunha Dolores Pereira de Aguiar, por sua vez, foram referidas estas informações:
"(...) que a declarante mora em Rancho Alegre desde que nasceu; que conhece a autora há mais ou menos 15 anos; que na época, a autora morava na Fazenda de Elizabeth Neumann, e a declarante trabalhava no sítio de Izaltino, catando café, e a propriedade ficava perto da Fazenda; que a declarante trabalhou na Fazenda Congonhas e a autora ia trabalhar ali também; que a declarante estava morando na cidade de Rancho Alegre, na época, e logo depois a autora também se mudou, mas não foram vizinhas; que, aí, passaram a trabalhar juntas, na boia fria, catando algodão no Paulo Pirolo, no Sítio do Sr.Martins e depois recentemente trabalharam no sítio de José Alves, José Felipe Santana, catando laranja; que atualmente os patrões é que buscam na cidade, mas já trabalhou com os gatos também, se lembra dos nomes dos gatos Beronha, Osmar, Virgulino; que a autora trabalha até hoje, é separada do marido Dario, que a declarante disse haver conhecido; que a autora nunca exerceu outra atividade que não seja de lavoura. (...)"
Como se pode observar, embora a prova oral demonstre que a parte autora trabalhava no campo, é forçoso reconhecer que tal atividade não restou corroborada por início de prova material razoável.
Vale ressaltar que, em consulta ao sistema CNIS (Evento 1 - OUT13), verifica-se que o cônjuge da autora passou a exercer vínculos urbanos a partir do ano de 1996, bem como, em seu depoimento pessoal, a demandante afirmou estar separada desde 1996.
Mesmo com vinculação à atividade rural, não é possível aproveitar por extensão o documento em nome do marido, quando este passa a exercer atividade urbana. Logo, não se pode estender a eficácia probatória dos documentos do marido à esposa, titular da prova e vivendo em novo núcleo familiar.
A impossibilidade da extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro, quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana, foi apreciada em sede de recurso especial repetitivo REsp nº 1.304.479/SP (Tema n.º 533), representativo de controvérsia, assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL.
ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL.
CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas provas em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana, mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está em conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(STJ, REsp 1304479/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012) - Grifei
Nessas circunstâncias, pela falta de documentos hábeis a comprovar o desempenho efetivo de atividade rural e considerando o julgamento do REsp nº 1.352.721 pela sistemática dos recursos repetitivos, deve ser extinto o feito sem julgamento do mérito:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16/12/2015)
Por conseguinte, impõe-se a extinção do feito sem apreciação do mérito, nos termos dos artigos 320 e 485, IV, ambos do NCPC.
Em face do mínimo proveito da parte autora no presente feito, mantêm-se as verbas de sucumbência na forma disposta pela sentença recorrida.
Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores dou por prequestionadas as matérias constitucionais e legais alegadas em recurso pelas partes, nos termos das razões de decidir já externadas no voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou tidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do declinado.
Conclusão
- Recurso da parte autora parcialmente provido, para julgar extinta a ação sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, do NCPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, para julgar extinto o feito sem julgamento do mérito.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Artur César de Souza, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9290130v4 e, se solicitado, do código CRC A700102E. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/03/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033110-33.2017.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00028338120108160175
RELATOR | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. EDUARDO KURTZ LORENZONI |
APELANTE | : | MARIA DE LOURDES MOURA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | IVAN ROGERIO DA SILVA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/03/2018, na seqüência 138, disponibilizada no DE de 20/02/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, PARA JULGAR EXTINTO O FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9349110v1 e, se solicitado, do código CRC 2499AA89. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 14/03/2018 14:06 |
