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Apelação Cível Nº 5014429-44.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: AMERES TERESINHA DESCONSI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença proferida na vigência do CPC/2015 que julgou improcedente o pedido de concessão de Aposentadoria por Idade Rural, assim deixando consignado:
ANTE O EXPOSTO, julgo improcedente o pedido e extingo o feito com base no art. 487, I, do CPC.
Condeno a autora em custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00, restando suspensa a cobrança em face da AJG.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sustenta a parte autora que exerce atividade rural há longa data, inclusive no período equivalente à carência necessária à concessão do benefício pretendido. Refere, que apresentou início de prova material suficiente, do período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário/requerimento administrativo, o que foi corroborado pela prova testemunhal. Aduz, ainda, que a propriedade em que exerceu a atividade rural não possui extensão superior a quatro módulos fiscais. Alega, que seu esposo é beneficiário de aposentadoria por invalidez, desde 01/11/1999 (DIB), na condição de segurado especial, conforme as informações do CNIS, em anexo. Por fim, postula a reforma da sentença, para que lhe seja concedido o benefício de Aposentadoria por Idade Rural, a contar da DER (16-11-2017), e a condenação do INSS ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes majorados nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Da remessa necessária
Tratando-se de sentença que julgou improcedente pedido de concessão de aposentadoria por idade rural, a decisão não está sujeita à remessa necessária.
Da aposentadoria por idade rural
Tratando-se de rurícola, deve o julgador valorar os fatos e as circunstâncias evidenciados, com ênfase no artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos acontecimentos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos, quando de outra forma atingirem a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 277 do CPC/2015.
Os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei nº 8.213/91 são os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher (art. 48, § 1.º); e (b) exercício de atividade rural, ainda que descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida nas aposentadorias em geral, independente do recolhimento de contribuições.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completa a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima, mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessário ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios.
Não é possível dispensar a necessidade de implementação simultânea dos requisitos da idade e tempo de serviço durante o interregno correspondente à carência, uma vez que esse benefício não tem caráter atuarial, sendo vedado criar regime híbrido que comporte a ausência de contribuições e a dispensa do preenchimento concomitante das exigências legais.
Em qualquer caso, desde que implementados os requisitos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, e desde que caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, com repercussão geral, Plenário, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).
Quanto aos segurados especiais que implementarem os requisitos para concessão do benefício após 31 de dezembro de 2010, não deve ser aplicado o limite temporal a que se refere o art. 143, com as alterações promovidas pela Lei 11.718/2008, destinadas, exclusivamente, aos trabalhadores rurais não enquadrados ou equiparados a segurados especiais. A estes últimos, aplica-se o disposto no art. 39, I, sem limite de data.
Da demonstração da atividade rural
Entende-se por "regime de economia familiar", nos termos da Lei 8.213/91, art. 11, § 1.º, "a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados".
No que concerne à prova do tempo de serviço exercido nesse tipo de atividade, se deve observar a regra do art. 55, § 3.º, da LB: "a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento".
Para a análise do início de prova material, associo-me aos seguintes entendimentos:
Súmula n.º 73 deste Regional: Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Súmula n.º 149 do STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário.
Súmula n.º 577 do STJ: É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.
A contagem do tempo de serviço rural em regime de economia familiar prestado por menor de 14 anos é devida. Conforme entende o STJ, a legislação, ao vedar o trabalho infantil do menor de 14 anos, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se o princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social (AR n.º 3.629/RS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 9.9.2008; EDcl no REsp n.º 408.478/RS, Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 5.2.2007; AgRg no REsp n.º 539.088/RS, Ministro Felix Fischer, DJ 14/6/2004). No mesmo sentido é a Súmula 05 da TNU dos JEF.
A formação de início razoável de prova material sem a apresentação de notas fiscais de produtor rural em nome próprio é possível. Com efeito, a efetiva comprovação da contribuição é flexibilizada pelo fato de o art. 30, III, da Lei 8.212/91 atribuir a responsabilidade de recolher à empresa que participa da negociação dos produtos referidos nas notas fiscais de produtor, seja na condição de adquirente, consumidora, consignatária ou se trate de cooperativa. Nesse caso, a contribuição especificada não guarda relação direta com a prestação de serviço rural em família, motivo pelo qual se pode reconhecer o respectivo tempo ainda que ausentes notas fiscais de produtor rural como início de prova material.
No que respeita a não exigência de contribuições para a averbação do tempo de serviço do segurado especial, a questão deve ser analisada sob o prisma constitucional, uma vez que em seu texto foi prevista a unificação da Previdência Social, outorgando a qualidade de segurado do RGPS aos trabalhadores rurais.
Em consonância está o § 2.º, do art. 55, da Lei 8.213/91 que previu a possibilidade de que o tempo de serviço rural dos segurados especiais fosse computado independentemente do recolhimento de contribuições ou indenização:
"O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência conforme dispuser o Regulamento."
Tal entendimento foi esposado pelo Supremo Tribunal Federal na decisão liminar da ADIN 1664-4-DF. Assim, desde que devidamente comprovado, o tempo de serviço que o segurado trabalhou em atividade rural poderá ser utilizado para fins de qualquer aposentadoria por tempo de serviço independentemente de contribuições. Logo, não se exige do segurado especial o recolhimento de contribuições previdenciárias para fins de concessão de benefício no regime próprio RG. (Agravo Regimental, interposto no Agravo em Recurso Especial nº 390.932, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJE: 22-10-2013).
Também devem ser observados os precedentes vinculantes do STJ, nos temos das seguintes teses firmadas:
Tema 532: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Tema 533: A extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Tema 642: O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.
Tema 629: Ausência de prova material em ação de aposentadoria por idade de trabalhador rural e a possibilidade de reproposição de ação.
Tema 638 - Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal.
Destaco, ainda, que a qualificação da mulher como "doméstica" ou "do lar" em certidões de registro civil é muito comum. Não se pode, no entanto, concluir a partir disso que as mulheres dedicavam-se apenas às tarefas da casa; ao contrário, sabe-se que na maioria das vezes elas acumulavam tais responsabilidades com o trabalho no campo, o que foi comprovado no presente caso.
É de se ressaltar que o exercício de pequenos períodos de labor urbano, não retira do interessado a condição de trabalhador rural, pois o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 297.322/PB, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 13/08/2013).
No que diz respeito à extensão da área rural em que é desenvolvida a atividade agropecuária, dispõe o art. 11, inciso VII, alínea "a", 1, da Lei n. 8.213/91, in verbis:
VII- como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
Tendo em vista que a maior parte do período a ser considerado para concessão do benefício é anterior à referida alteração legislativa, tal regramento não se aplica aà maior parte do período de carência.
Sabe-se, que também as circunstâncias do caso concreto - localização do imóvel, cultura explorada, quantidade de produção comercializada, utilização de mão-de-obra e maquinário, etc. -, é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inciso VII do art. 11 da Lei n.º 8.213/91, como bem vem decidindo a jurisprudência, a exemplo da decisão tomada na AC n.º 2009.71.99.001581-2/RS, 6ª Turma, da minha relatoria, DE em 21-05-2010; na AC n.º 2009.71.99.004841-6/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DE em 11-01-2010, e AC n.º 2006.70.16.002301-8/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DE em 15-10-2009, dentre tantos outros.
Desse modo, a extensão da propriedade é apenas mais um aspecto a ser analisado juntamente com o restante do conjunto probatório, não constituindo, por si só, óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial, salvo nas hipóteses em que a área do imóvel seja de tal monta que inviabilize a sua exploração apenas pelo grupo familiar.
Do caso concreto
Da idade e da carência
No caso em tela, observa-se que a parte autora preencheu o requisito etário (55 anos) em 15-11-2017 (DN: 15-11-1962) e requereu o benefício na via administrativa em 16-11-2017. Assim, deve comprovar o efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 180 meses anteriores ao implemento do requisito etário ou que antecendem o requerimento administrativo.
Da comprovação do trabalho rural
Para comprovar a atividade rural alegadamente exercida de 11-11-2002 a 16-11-2017, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos (Evento3-AnexosPet4):
a) Carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Osório/RS, em nome do autora, constando sua admissão em 1984;
b) Certidão de Casamento da autora com Delvino José Desconsi, do ano de 1981, na qual não consta a qualificado profissional dos cônjuges;
c) Declaração de Exercício de Atividade Rural, abrangendo os períodos de 1981 a 1983, 2000 a 2001 e 2002 a 2017;
d) Notas fiscais de produtor rural emitidas pela autora em conjunto com seu esposo, de 2001 a 2017;
e) Comprovantes de pagamento das mensalidades do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Osório/RS em nome da autora, nos anos de 1998 a 1990, 1994, 1996 a 1997, 2007 a 2009, 2011 a 2017;
f) Escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios pela qual o autor adquiriu uma fração de terras situada em zona rural, no ano de 2000;
g) INFBEN/Sistema Plenus e CNIS, com registro de que o esposo da autora está em gozo de aposentadoria por invalidez, na condição de segurado especial/atividade rural, DIB em 01-11-1999.
h) INFBEN/Sistema Plenus e CNIS, com anotação de que a autora recebeu auxílio-reclusão, na condição de segurada especial/atividade rural, de 22-02-2005 a 09-02-2006.
Na audiência judicial realizada em 25-10-2018 as testemunhas afirmaram, com convicção, que a autora exerce atividade rural em regime de economia familiar por período superior à carência (Evento 3 - Audienci10).
A testemunha Gildo Conti declarou que conhece Ameres, ela é casada com Delvino. Ela é agricultora. Ameres mora em Esquina Andrades desde 2011, 2012, por aí. Antes ela morava na cidade de Doutor Maurício Cardoso. Delvino não pode mais trabalhar, mas é agricultor. Ameres e o marido têm uns 20 hectares de terras em Esquina Andrades. Há anos atrás o Delvino tinha uma parceria com o irmão dele, Geraldo, numas terras em Santo Antônio das Missões. Pela parte Autora: Ameres e os filhos dela plantam milho e soja. Eles não têm empregados. Ameres depende da renda da agricultura para sobreviver. Da cidade de Doutor Maurício Cardoso, onde Ameres morava, até a terra deles em Esquina Andrades, dá uns 08km.
Oscar Antônio Saueressig afirmou que conhece Ameres quando ela morava na cidade de Doutor Maurício Cardoso, o depoente era vizinho dela. Quando ela morava lá, ela ia para Esquina Andrade trabalhar na lavoura, iam de trator e com um fusquinha. Delvino também era agricultor. Depois do acidente ele não trabalhou mais, daí ficou só a Ameres e o filho trabalhando. Pela parte Autora: o propriedade rural de Ameres fica em Esquina Andrades. De onde Ameres morava na cidade até a terra em Esquina Andrade dava uns 08km. Hoje ela mora no interior. Ela não tem empregados. Ela depende totalmente da renda da agricultura para sobreviver. O depoente sabe que Delvino tinha área consorciada em outro local. Essa área era plantada pelo Geraldo, irmão do Delvino. Uma vez o depoente foi junto plantar lá. Delvino se machucou, daí Geraldo plantou a parte dele e Delvino não plantou naquela área. Isso foi em 1999.inclusive, relatando que Delvino não plantava a área desde 1999, in verbis: da agricultura para sobreviver. O depoente sabe que Delvino tinha área consorciada em outro local. Essa área era plantada pelo Geraldo, irmão do Delvino. Uma vez o depoente foi junto plantar lá. Delvino se machucou, daí Geraldo plantou a parte dele e Delvino não plantou naquela área. Isso foi em 1999.
A testemunha Nelson Aisenberg, declarou que conhece Ameres de Esquina Andrades. Nos últimos anos ela continua sendo agricultora. O depoente conhece Ameres há uns 40 anos, e ela sempre foi agricultora. Delvino também era agricultor, só não pode mais trabalhar depois do acidente. Eles têm de 20, 22 hectares de terra em Esquina Andrades. Eles plantam milho, soja, mandioca, essas coisas pro gasto. Tem um filho que ajuda mais na lavoura, o mais novo. Pela parte Autora: Ameres não tem empregados. Ela vive só da agricultura, não tem outra fonte de renda.
Gilberto Scheidt, informou que conhece Ameres da Esquina Andrades. Ela mora lá há uns 03, 04 anos. Antes disso Ameres e o marido já tinham terra lá. O depoente mora lá há 20 anos e eles sempre tiveram terra lá nesse período. Delvino e Ameres trabalhavam na terra, depois do acidente, Delvino parou de trabalhar. Antes eles moravam na cidade, agora moram na terra. Quando moravam na cidade, eles iam com frequência na lavoura, dependendo do serviço que tinha pra fazer. Eles iam na lavoura de carro. Eles plantam milho e soja. Eles não têm empregados. Pela parte Autora: na terra de Ameres e do marido deve ter uns 20 hectares ou um pouco mais. A distância da casa deles na cidade até a terra em Esquina Andrades é de uns 08km. Ameres e o marido dependem da agricultura para sobreviver. Os filhos é que ajudam Ameres na lavoura.
Na hipótese dos autos, os documentos juntados constituem início razoável de prova material de que a autora efetivamente trabalhou na agricultura, em regime de economia familiar, no período correspondente à carência, entre 11-11-2002 até a DER, em 15-11-2017. A prova testemunhal, por sua vez, é precisa e convincente quanto ao labor rural desempenhado pela requerente no período em questão.
Cumpre ressaltar, que o INSS indeferiu o pedido administrativo pelo fato do marido da autora possuir 72,0 hectares de terras, em Santo Antônio das Missões-RS, e mais 28,7 hectares em Doutor Maurício Cardoso-RS, totalizando mais de 100 hectares, ultrapassando o limite legal de 04 módulos fiscais.
A esse respeito, alega a demandante, que a área de 72,3 hectares, situada no município de Santo Antônio das Missões/RS, foi adquirida por seu marido em condomínio com o irmão deste, Sr. Geraldo Vicente Desconsi, de sorte que ela e o cônjuge o domínio restringia-se a 50% (cinquenta por cento) do referido imóvel, ou seja, de 36,15 ha.
Da análise da certidão do Registro de Imóveis de Santo Antonio das Missões-RS, percebe-se que a autora e seu esposo adquiriram, em condomínio com irmão deste, Sr. Geraldo Vicente Desconsi, os seguintes imóveis rurais, no ano de 1991: - 6,75 ha (Matrícula nº 0489); - 30,59 ha (Matrícula nº 0495); 29,65 ha (Matrícula nº 3090); e 05,05 ha (Matrícula nº 1331). Somadas, tais áreas importavam em 72,49 hectares, de forma que a cada condômina era proprietário de 36,24 hectares (Evento3-Anexospet4, fls. 100/114).
No contrato particular de compra e venda, datado de 30-06-2009, a autora e seu esposo figuram como vendedores dos imóveis rurais objeto das matrículas nº 0489, 0495, 3090 e 1331 (36, 24 hectares).
Por outro lado, nas CRI do município de Horizontina-RS, observa-se que a autora e seu esposo adquiriram, por meio de usucapião, uma fração do lote rural nº 110, da 29ª Seção de Santa Rosa - RS, com área de 10 ha, na data de 09-05-2012. As matrículas nº 6855, 6856 e 6857 acostadas a este feito, certificam que a requerente e o marido adquiriram três frações do lote rural nº 110, da 29ª Seção de Santa Rosa - RS, com áreas de 4,5 ha, 5,0 ha e 9,5 ha, , em 16-09-1990.
Com efeito, depreende-se do contexto probatório que a parte autora logrou êxito em comprovar o exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, na propriedade rural com dimensão inferior a 4 módulos fiscais, não havendo razão para afastar a sua condição de segurada especial.
Além disso, do extrato do CNIS juntado aos autos, observa-se que a parte autora não possui registro de vínculos empregatícios, fortalecendo-se a indicação de que, de fato, no período correspondente à carência, sobreviveu unicamente das lides rurais.
Cumpre salientar, também, que muitas vezes a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência.
Entretanto, o conjunto probatório produzido nos autos não corroborou a conclusão da Autarquia Previdenciária. Ao prestarem seus depoimentos em Juízo, as testemunhas não confirmaram a referência autárquica. Existindo conflito entre as provas colhidas na esfera administrativa e em juízo, como na hipótese, deve-se optar por estas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pelo INSS, mas sim de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. Dispondo de elementos que pudessem obstaculizar a pretensão da parte autora, caberia ao Instituto Previdenciário judicializar a prova administrativa, de forma a emprestar-lhe maior valor probante, ônus do qual não logrou desincumbir-se.
Portanto, no caso, é possível a formação de uma convicção plena, após a análise do conjunto probatório, no sentido de que, efetivamente, houve o exercício da atividade laborativa rurícola em regime de economia familiar em todo o período correspondente à carência.
Com efeito, preenchido o requisito da idade exigida (55 anos em 15-11-2017 (DN: 15-11-1962) e comprovado o exercício da atividade rural no período correspondente à carência (180 meses), considerada a data do implemento do requisito etário, deve ser reformada a sentença para condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de Aposentadoria por Idade Rural, a contar do requerimento administrativo, em 16-11-2017 (art. 49, II, da Lei 8.213/91).
Dos Consectários
Correção monetária
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5.º e 6.º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11.08.2006, e art. 31 da Lei 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/1997, foi afastada pelo STF no julgamento do RE 870.947, Tema 810 da repercussão geral, o que restou confirmado no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
No julgamento do REsp 1.495.146, Tema 905 representativo de controvérsia repetitiva, o STJ, interpretando o precedente do STF, definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, e que, aos benefícios previdenciários voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29.06.2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3.º do Decreto-Lei 2.322/1987, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/1997, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei 9.289/96).
Tratando-se de feitos afetos à competência delegada, tramitados na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, a autarquia também é isenta do pagamento dessas custas (taxa única), de acordo com o disposto no art. 5.º, I, da Lei Estadual n.º 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não a exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora (parágrafo único, do art. 5.º). Salienta-se, ainda, que nessa taxa única não estão incluídas as despesas processuais mencionadas no parágrafo único do art. 2.º da referida lei, tais como remuneração de peritos e assistentes técnicos, despesas de condução de oficiais de justiça, entre outras.
Da Verba Honorária
O juízo de origem arbitrou a verba honorária em valor monetário, por meio de apreciação equitativa. Todavia, o § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece a seguinte ordem para a base de cálculo dos honorários advocatícios, (i) o valor da condenação, (ii) do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, (iii) o valor atualizado da causa. Assim, havendo condenação ao pagamento de quantia, essa é a base de cálculo que deve ser adotada na fixação dos honorários.
Desse modo, segundo entendimento consolidado deste Regional, os honorários advocatícios em matéria previdenciária devem ser arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
No caso, não tendo sido concedido na sentença o benefício pretendido, a base de cálculo da verba honorária estende-se às parcelas vencidas até prolação do presente acórdão.
Incabível a majoração da verba honorária prevista no parágrafo 11, do art. 85, do CPC/2015, uma vez que não se trata de prêmio pelo êxito recursal, mas sim de consequência da indevida movimentação da máquina judiciária nos casos de não conhecimento ou desprovimento de recurso.
Da tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 09.08.2007 - 3.ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício concedido em favor da parte autora, no prazo de 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da parte autora e determinar a implantação do benefício.
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Apelação Cível Nº 5014429-44.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: AMERES TERESINHA DESCONSI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. processual civil. APOSENTADORIA POR IDADE rural. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL robusta. entrevista administrativa. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE RURAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado mediante início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Existindo conflito entre as provas colhidas na esfera administrativa e em juízo, deve-se optar por estas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório. 3. A extensão da propriedade rural não constitui, por si só, óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial, salvo, nas hipóteses em que a área do imóvel seja de tal monta que inviabilize a sua exploração apenas pelo grupo familiar, o que não foi constatado no presente caso. 4. Comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural, no período de carência é de ser concedida a Aposentadoria por Idade Rural à parte autora, a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei 8.213/91. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao apelo da parte autora e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de outubro de 2020.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002106179v4 e do código CRC d32cbb31.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 30/09/2020 A 07/10/2020
Apelação Cível Nº 5014429-44.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: AMERES TERESINHA DESCONSI
ADVOGADO: RODRIGO HENDGES (OAB RS089299)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/09/2020, às 00:00, a 07/10/2020, às 14:00, na sequência 273, disponibilizada no DE de 21/09/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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