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Apelação Cível Nº 5015698-50.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: NEUSA MARTINS CAMARGO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta de sentença, cujo dispositivo foi assim proferido:
ANTE O EXPOSTO, resolvo o mérito e julgo improcedente (art. 487, I, CPC) o pedido feito por Neusa Martins Camargo contra o INSS.
Condeno a parte autora nas custas processuais e honorários advocatícios. Suspensa a exigibilidade em razão a AJG.
Registre-se. Publique-se. Intimem-se.
Interposto recurso de apelação, vista para contrarrazões e depois remetam-se os autos ao TRF4.
A parte autora apelou defendendo o direito ao benefício por ter restado comprovado o exercício de atividade rural no período postulado, de 09/06/1998 a 01/07/2018. Alega, em síntese, que o fato de seu esposo ter mantido vínculos urbanos extemporâneos ao período de carência, bem como receber auxílio por acidente de trabalho, no valor de um salário mínimo, não descaracterizam a sua condição de segurada especial. Requer seja considerado como carência o tempo em que esteve em gozo de auxílio-doença, de 23-05-2012 a 07-06-2018, na qualidade de segurada especial, no valor de um salário mínimo, uma vez que as notas fiscais acostadas comprovam o seu retorno ao labor rural, o foi corroborado pelas testemunhas ouvidas em sede de justificação administrativa.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Da aposentadoria rural
Tratando-se de rurícola, deve o julgador valorar os fatos e as circunstâncias evidenciados, com ênfase no artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos acontecimentos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos, quando de outra forma atingirem a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 277 do CPC/2015.
Dispõe o art 201, II, § 7º da CF, que é assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Os requisitos para a aposentadoria por idade rural, para os filiados ao RGPS à época da edição da Lei nº 8.213/91, estão dispostos nos §§ 1º e 2º do art. 48 e no art. 39, I, da LB, que exigem: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher (art. 48, § 1.º ); e (b) o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido. Portanto, independente do recolhimento de contribuições. Para o segurado especial que comprovar o efetivo exercício de atividade rural pelo período da carência, o valor do benefício equivalente a um salário mínimo.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completa a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima, mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessário ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subsequentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios.
Não é possível dispensar a necessidade de implementação simultânea dos requisitos da idade e tempo de serviço durante o interregno correspondente à carência, uma vez que esse benefício não tem caráter atuarial, sendo vedado criar regime híbrido que comporte a ausência de contribuições e a dispensa do preenchimento concomitante das exigências legais.
Em qualquer caso, desde que implementados os requisitos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, e desde que caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, com repercussão geral, Plenário, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).
Em se tratando de aposentadoria por idade rural do segurado especial, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições.
Da demonstração da atividade rural
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13-12-2010, DJe 15-04-2011).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar (STJ, AgRg no AREsp 31.676/CE, Quinta Turma, Rel.Ministro Gilson Dipp, julgado em 28/08/2012)
No que se refere à prova do tempo de serviço exercido nesse tipo de atividade, se deve observar a regra do art. 55, § 3.º, da LB: "a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento".
Para a análise do início de prova material, associo-me aos seguintes entendimentos:
Súmula n.º 73 deste Regional: Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Súmula n.º 149 do STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário.
Também devem ser observados os precedentes vinculantes do STJ, nos temos das seguintes teses firmadas:
Tema 532: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Tema 533: A extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Tema 554 - Abrandamento da prova para configurar tempo de serviço rural do "boia-fria". "O STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. (REsp 1321493/PR)
Tema 629: A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Tema 638 - Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal.
Tema 642: O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.
O §1.º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural.
Não há necessidade de que a prova material abarque todo o período de trabalho rural, uma vez que se deve presumir a continuidade do labor rural. Em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP (Tema 638, do STJ), foi editada a tese de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Por outro lado, comprovado o desempenho de atividade rural por meio de documentos em nome do segurado ou de ente familiar que permaneça na lida rural, corroborado por prova testemunhal, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. Assim, o fato por si só do cônjuge ter exercido labor urbano e hoje perceber aposentadoria de origem urbana ou permanecer trabalhando em atividade que não a rural, não afasta a condição de segurado especial, da parte interessada, desde que esta disponha de início de prova material independente do cônjuge.
Destaco que a qualificação da mulher como "doméstica" ou "do lar" em certidões de registro civil é muito comum. Não se pode, no entanto, concluir a partir disso que as mulheres dedicavam-se apenas às tarefas da casa; ao contrário, sabe-se que na maioria das vezes elas acumulavam tais responsabilidades com o trabalho no campo.
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Do caso concreto
Da idade e da carência
No caso em tela, observa-se que a parte autora preencheu o requisito etário (55 anos) em 19-04-2017 (DN: 19-04-1962) e requereu o benefício na via administrativa em 02-07-2018. Assim, deve comprovar o efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 180 meses anteriores ao implemento do requisito etário ou que antecedem o requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.
Da comprovação do trabalho rural
Para demonstrar o labor agrícola a parte autora acostou aos autos, dentre outros, os seguintes documentos:
- certidão de casamento com o Sr. Domingo Camargo, este qualificado como agricultor, datada de 20-06-1986 (evento 16 - PROCADM4, p. 73);
- contrato de arrendamento de imóvel rural, com vigência de 09-06-1998 a 01-06-2007, em que o marido figura como arrendatário de uma área com 3,0 ha de extensão (evento 15, PROCADM4, p. 14-15);
- contrato de arrendamento de imóvel rural, com vigência de 17/05/2004 a 06/05/2016, no qual a autora e seu esposo figuram como arrendatários de uma área de 4,0 ha (evento 16, PROCADM4, fls. 13-14);
- contrato de comodato de imóvel rural, com vigência de 24/03/2010 a 24/03/2020, em que a autora e seu esposo figuram como comodatários de uma área de 8,0 ha (evento 16, PROCADM4, fls. 82/83);
- notas fiscais de produtor em nome do esposo da autora, dos anos de 2002 a 2008 e 2014 a 2018 (evento 14, PROCADM4, p. 14-15 e evento 16 – PROCADM4, fls. 38/42);
- notas fiscais de produtor em nome da autora e de seu esposo, dos anos de 2009 a 2013 e de 2019 a 2021 (evento 16 – PROCADM4, fls. 32/37 e evento 35 – NOTAFISCAL2);
- CNIS da parte autora, sem registro de vínculos empregatícios, consulta realizada em 16-08-2018 (evento 16-PROCADM4, p. 64).
- extrato do INFBEN/Sistema Plenus noticiando que a autora recebeu auxílio-doença, sem registro do ramo de atividade, de 23-05-2012 a 07-06-2018, no valor de um salário mínimo, por força de decisão judicial (evento 16 - PROCADM4, p. 66);
- CNIS do marido da demandante com registro de vínculos urbanos entre 1989 a 1993, em períodos descontínuos, e nos intervalos 27-08-2012 a 19-11-2012 e 17-11-2012 a 08-12-2012 (evento 16-PROCADM4, p. 68);
- extratos do INFBEN/Sistema Plenus referentes aos benefícios de auxílio acidente concedidos ao esposo da demandante na condição de empregado, no período de 06-12-2012 a 19-02-2018, inferior a um salário mínimo (evento 16-PROCADM4, p. 69/70);
- nota fiscal de energia elétrica da classe rural em nome do marido da autora, de 07/2017 (evento 16 – PROCADM4, p. 12).
Tais documentos, porque contemporâneos ao período almejado pela autora, bem como por terem sido emitidos em seu nome e de integrante do seu grupo familiar (cônjuge), são aptos ao preenchimento do requisito de início de prova material.
Para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem ano a ano o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, considerando-se que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, sendo inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental.
Quanto ao fato da prova ser extemporânea, em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Da prova testemunhal
Na hipótese, as testemunhas ouvidas em sede de justificação administrativa, realizada em 30-09-2019 (evento 20), confirmaram o labor rurícola desempenhado pela autora em regime de economia familiar.
A testemunha JOÃO FRANCISCO CARPES relatou que conhece a autora desde que ela nasceu, pois é lindeiro da terra onde ela trabalha e reside. Que a requerente sempre residiu na localidade de Campo Santo, interior de Coronel Bicaco/RS, e que sempre trabalhou na lavoura. Enquanto era solteira ela trabalhava com os pais e, após o casamento, continuou trabalhando na agricultura com o marido. Referiu que a autora e seu marido plantam uma área aproximada de 12 ha, que era de propriedade dos pais da mesma, sendo que a autora e seu marido arrendavam referida, onde construíram sua casa. Narrou que o plantio da terra era feito com arado de boi e cavalo. Disse que tem conhecimento de que a autora recebeu auxílio doença e, após a cessação deste, retornou ao labor agrícola, atividade que permanece exercendo até os dias atuais, cultivando soja, milho, feijão, batata, bem como criando animais.
A testemunha OLDELINO LUTZ DE BARCELOS narrou que conhece a autora desde a infância, pois sempre visita a localidade de Campo Santo, interior de Coronel Bicaco/RS, onde a autora reside. Relatou que antes de casar a autora já trabalhava na atividade rural com seus pais e, após o casamento, continuou laborando na agricultura com o marido. Afirmou que eles cultivam uma área de terras de aproximadamente 08 ha, onde plantam soja, milho, feijão, mandioca, criam porcos e galinhas. Afirmou que tem conhecimento de que a requerente teve problemas de saúde um certo período, mas depois voltou a trabalhar na agricultura, atividade que exerce até os dias atuais.
A testemunha OLIBIO REIS informou que conhece a requerente há muito tempo, desde, aproximadamente, 1985, antes dela casar, tendo em vista que sua esposa é natural da localidade de Campo Santo, interior, de Coronel Bicaco/RS, onde a autora reside, sendo que visitam com frequência a aludida localidade. Relatou que a autora trabalhava na agricultura com os pais e após o casamento continuou trabalhando com o marido na área de terras de propriedade de seus pais, com aproximadamente 08 ha de extensão, que eles arrendam. Referiu que a autora recebeu auxílio doença durante um período, no entanto, após a cessação do benefício, voltou a exercer a atividade rural. Que eles plantam soja, milho e também criam porcos e galinhas.
Além disso, do extrato do CNIS (evento 16-PROCADM4, p. 64), observa-se que a parte autora não possui registro de vínculos empregatícios, fortalecendo-se a indicação de que, de fato, sobrevive unicamente das lides rurais.
Quanto ao fato do marido da autora ter exercido labor urbano em períodos extemporâneos e em ínfima parte do período de carência do benefício pretendido (de 27-08-2012 a 19-11-2012 e 17-11-2012 a 08-12-2012), bem como ter recebido auxílio acidente, de 06-12-2012 a 19-02-2018, inferior a um salário mínimo, observo que não foi afastada a condição de segurada especial da demandante. Como visto, comprovado o desempenho de atividade rural, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. Ademais, não há qualquer comprovação nos autos de que o labor rural da autora não era indispensável para a subsistência do grupo familiar, e nem especificação de que o trabalho urbano do marido seria a fonte de renda preponderante.
Cumpre ressaltar, que o entendimento pacificado nas turmas previdenciárias deste tribunal é no sentido de que se reconhece a atividade agrícola na condição de segurado especial, quando os rendimentos do cônjuge não retiram a indispensabilidade da renda auferida na agricultura para a subsistência da família (na praxis judicial, rendimentos não superiores a dois salários mínimos, prova essa que não foi trazida aos autos pela parte ré (Embargos Infringentes Nº 2005.72.13.003086-0, 32 Seção, Des. Federal Celso Kipper, por unanimidade, D.E. 16-05-2011; Apelação Cível Nº 0002162- 09.2011.404.9999, 6º Turma, Des. Federal Celso Kipper, por unanimidade, D.E. 27-10-2011; Apelação Cível Nº 0007446-32.2010.404.9999, 62 Turma, Des. Federal João Batista Pinto Silveira, por unanimidade, sessão de 20-10-2010).
No que concerne à comprovação da atividade laborativa do rurícola, resta controvertida a possibilidade da extensão da prova material da atividade rural de um membro do núcleo familiar a outro, quando o titular dos documentos passa a exercer atividade incompatível com a rural, como o trabalho urbano.
A questão foi apreciada pelo STJ no Recurso Especial nº 1.304.479-SP, que ensejou a edição do precedente vinculante - Tema 533, segundo o qual: A extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Ocorre que, na hipótese sub judice, embora o marido da autora tenha exercido labor urbano por curtos períodos, de 27-08-2012 a 19-11-2012 e 17-11-2012 a 08-12-2012 (evento 16-PROCADM4, p. 68), de forma eventual, também manteve o labor rural, havendo registros contemporâneos ao período de carência nesse sentido, tais como notas fiscais de produtor rural em seu nome, hipótese não abordada pela decisão do STJ.
Portanto, o fato de o marido ter exercido atividade urbana em concomitância com a atividade rural, não é óbice à extensão de registros dessa atividade ao cônjuge, desde que haja prova material contemporânea ao período de carência, o que se verifica no caso concreto.
Neste contexto, dada a continuidade do labor agrícola em regime de economia familiar por parte do cônjuge da autora concomitantemente ao labor urbano, entendo por considerar a documentação apresentada pela autora como início de prova material. Mesmo que assim não fosse, calha mencionar que a parte autora possui início de prova material em nome próprio.
A parte autora pleiteou, ainda, o cômputo de auxílio-doença usufruído de 23-05-2012 a 07-06-2018, que efetivamente se encontra registrado no CNIS (evento 16 - PROCADM4, p. 64).
O tempo em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez só pode ser computado para fins de carência se intercalado com períodos de trabalho efetivo (Lei 8.213/91, art. 55, II).
A constitucionalidade do dispositivo legal foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, firmando-se a seguinte tese:
Tema STF 1.125 - É possível o cômputo do interregno em que o segurado esteve usufruindo benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) para fins de carência, desde que intercalado com períodos contributivos ou de efetivo trabalho.
Do contexto probatório, restou comprovado que, após a cessação do benefício, a segurada voltou a exercer atividade rural, conforme atestam as notas fiscais de produtor emitidas em 10-07-2018, 11-04-2019 e 17-03-2020, em nome da requerente (evento 35-NFISCAL2)
Assim, deve ser computado o referido intervalo em gozo de auxílio-doença previdenciário, inclusive para fins de carência, já que demonstrado o efetivo exercício da atividade rural posteriormente à cessação do benefício.
Vê-se, portanto, que presente o início de prova material complementado por prova oral, no período controverso, devida é a admissão da condição da parte requerente como segurada especial no período equivalente à carência.
No caso, considerando que a parte autora preencheu os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria rural por idade concomitantemente (carência: 180 meses e idade mínima: 55 anos, em 19-04-2017), bem como comprovou que estava trabalhando no meio rural no período imediatamente anterior à DER (02-07-2018), faz jus ao benefício pleiteado, nos termos dispostos no art 201, II, § 7º da CF, e nos artigos 48, §§ 1º e 2º, 39, I, e 49, II, da Lei 8.213/91.
Dos Consectários
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5.º e 6.º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11.08.2006, e art. 31 da Lei 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/1997, foi afastada pelo STF no julgamento do RE 870.947, Tema 810 da repercussão geral, o que restou confirmado no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
No julgamento do REsp 1.495.146, Tema 905 representativo de controvérsia repetitiva, o STJ, interpretando o precedente do STF, definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, e que, aos benefícios previdenciários voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29.06.2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3.º do Decreto-Lei 2.322/1987, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/1997, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP).
Por fim, a partir de 09/12/2021, data da publicação da Emenda Constitucional n.º 113/2021, incidirá a determinação de seu art. 3.°, que assim dispõe:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei 9.289/96).
Tratando-se de feitos afetos à competência delegada, tramitados na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, a autarquia também é isenta do pagamento dessas custas (taxa única), de acordo com o disposto no art. 5.º, I, da Lei Estadual n.º 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não a exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora (parágrafo único, do art. 5.º). Salienta-se, ainda, que nessa taxa única não estão incluídas as despesas processuais mencionadas no parágrafo único do art. 2.º da referida lei, tais como remuneração de peritos e assistentes técnicos, despesas de condução de oficiais de justiça, entre outras.
Da Verba Honorária
Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
No caso, não tendo sido concedido na sentença o benefício pretendido, a base de cálculo da verba honorária estende-se às parcelas vencidas até prolação do presente acórdão.
Incabível a majoração da verba honorária prevista no parágrafo 11 do art. 85 do CPC/2015, uma vez que não se trata de hipótese de não conhecimento ou desprovimento de recurso interposto pela parte condenada ao pagamento de honorários pelo juízo de origem, conforme critérios estabelecidos pela Segunda Seção do STJ no julgamento do AgInt nos EREsp 1.539.725 – DF (DJe: 19.10.2017).
Da tutela específica
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do CPC/2015, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo, o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício concedido em favor da parte autora.
Dados para cumprimento: ( X ) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 186332893-6 |
Espécie | Aposentadoria por idade rural |
DIB | 02-07-2018 (DER) |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício. |
DCB | Não se aplica. |
RMI | A apurar. |
Observações | --- |
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Frente ao exposto, voto por dar provimento ao recurso e determinar o cumprimento imediato do acórdão com relação à implantação do benefício, via CEAB.
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Apelação Cível Nº 5015698-50.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: NEUSA MARTINS CAMARGO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. processual civil. APOSENTADORIA POR IDADE rural. segurado especial. Documentos de terceiros. trabalho urbano de integrante do grupo familiar (Tema 532, do STJ). PROVA MATERIAL EM NOME DO CÔNJUGE. EXTENSIBILIDADE (Tema 533, DO stJ). PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PELO MARIDO. PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÔMPUTO PARA FINS DE CARÊNCIA. possibilidade. concessão do benefício. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado mediante início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental. (Súmula n.º 73 deste Tribunal). 3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a indispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, o que restou demonstrado no caso. 4. Admite-se a extensão da prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro, se o exercício da atividade de natureza urbana pelo cônjuge for concomitante com o labor rurícola. 5. A percepção de auxílio acidente de natureza urbana pelo marido não desqualifica a condição de segurada especial da esposa, uma vez demonstrado que a indigitada renda não era suficiente para tornar dispensável o labor agrícola para a subsistência do núcleo familiar. 6. É possível a contagem para fins de carência de período em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade, desde que intercalado com períodos contributivos (art. 55 , II , da Lei 8.213 /91). 7. Comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural, no período de carência é de ser concedida a Aposentadoria por Idade Rural à parte autora, a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei 8.213/91. 8. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso e determinar o cumprimento imediato do acórdão com relação à implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de abril de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/04/2022 A 20/04/2022
Apelação Cível Nº 5015698-50.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
APELANTE: NEUSA MARTINS CAMARGO
ADVOGADO: MARCIA MARTINS BANDEIRA (OAB RS098720)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/04/2022, às 00:00, a 20/04/2022, às 14:00, na sequência 93, disponibilizada no DE de 30/03/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO COM RELAÇÃO À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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