| D.E. Publicado em 12/12/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0016498-47.2013.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | VERA INES WEBER |
ADVOGADO | : | Oneide Smit |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA DA COMARCA DE SAO SEBASTIAO DO CAI/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS LEGAIS. TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. TEMPO DE SERVIÇO URBANO. CTPS. AVERBAÇÃO.
1. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31-10-1991 independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
2. A partir de novembro de 1991, pretendendo o segurado especial computar tempo rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento das contribuições facultativas (Súmula 272 do STJ).
3. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
4. As anotações constantes da CTPS gozam de presunção juris tantum do vínculo empregatício, salvo alegada fraude, do que não se cuida na espécie.
5. Não satisfeitos os requisitos legais, a parte não tem direito à aposentadoria especial, tampouco à aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
6. O segurado só tem direito adquirido à averbação e cômputo, para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, do tempo rural a partir de 11/1991 quando - e se - for efetuado o pagamento da indenização referente às contribuições previdenciárias devidas no interregno.
7. Mantida a sucumbência recíproca, com redistribuição dos ônus dela decorrentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8609031v3 e, se solicitado, do código CRC EBEE38F7. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 29/11/2016 15:34 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0016498-47.2013.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | VERA INES WEBER |
ADVOGADO | : | Oneide Smit |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA DA COMARCA DE SAO SEBASTIAO DO CAI/RS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação e de remessa oficial de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado por VERA INÊS WEBER nos autos de ação previdenciária em que visava à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de exercício de atividade rural em regime de economia familiar e de tempo de serviço urbano comum, em dispositivo transcrito a seguir:
Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para reconhecer:
a) os períodos de serviço urbano laborados com CTPS assinada de 12/06/2000 a 13/07/2000, 01/10/2003 a 30/11/2004, 01/01/2005 a 30/09/2005 e de 01/11/2005 a 14/12/2007, determinando sua averbação;
b) reconhecer o trabalho rural em regime de economia familiar de 01/01/1997 a 11/06/2000, com a ressalva de que a averbação do período a partir de 01/11/1991 somente valerá para fins de benefício urbano caso seja providenciado o recolhimento de contribuições a partir da competência 11/1991.
Em razão da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 70% das custas processuais, além de honorários de R$ 1.500,00 ao procurador do INSS, suspensa a exigibilidade em decorrência da AJG concedida.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios do patrono da parte adversa, os quais fixo em R$ 500,00, autorizada a compensação1. Arcará ainda o INSS com o pagamento das custas processuais remanescentes, pela metade, de acordo com a Súmula n.º 02 do extinto TARGS, visto que Lei Estadual 13.471/2010 teve declarada sua inconstitucionalidade em sede da ADIN 70041334053.
Transcorrido o prazo para eventual recurso voluntário, subam os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região para o reexame necessário.
Nas suas razões recursais, a parte autora sustenta que restou devidamente demonstrado o exercício da atividade rural em regime de economia familiar no período de 10/09/1991 a 31/12/1996, argumentando a desnecessidade da apresentação de documento referente a cada ano que se pretende comprovar. Requer que, reconhecido o período postulado, e pagas as contribuições previdenciárias a partir de 11/1991, seja o INSS condenado a conceder o benefício desde o pedido administrativo (25/05/2010) como direito adquirido, pois os períodos integram seu patrimônio jurídico.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (a saber: metas do CNJ), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da controvérsia
A parte autora ajuizou a presente demanda objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde 25/05/2010 (DER) mediante a averbação de tempo de serviço urbano comum registrado em CTPS (de 12/06/2000 a 13/07/2000, de 01/10/2003 a 30/11/2004, de 01/01/2005 a 30/09/2005 e de 01/11/2005 a 14/12/2007) e o reconhecimento e averbação de tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar no período de 10/09/1991 a 11/06/2000.
A análise do caso concreto por ocasião da prolação da sentença restou exarada nos seguintes termos:
"Dos períodos anotados na CTPS - 12/06/2000 a 13/07/2000, 01/10/2003 a 30/11/2004, 01/01/2005 a 30/09/2005 e de 01/11/2005 a 14/12/2007
Conforme admitido pelo próprio réu em contestação, devem ser computados os períodos de trabalho anotados em CTPS como de atividade doméstica, independentemente do recolhimento de contribuições.
Embora a anotação em carteira de trabalho possua presunção juris tantum, vale dizer, admita prova em contrário, o simples fato de que determinado período anotado não consta na CNIS não impede o cômputo.
(...)
Não há nos autos elementos aptos a afastar a presunção de veracidade dos registros na carteira de trabalho.
Outrossim, o recolhimento de contribuição previdenciária é de responsabilidade do empregador (art. 30, V, da Lei n° 8.212/91) e não do empregado, não devendo este ser punido pela negligência daquele.
(...)
Cabe, portanto, o reconhecimento do labor urbano nos períodos compreendidos de 12/06/2000 a 13/07/2000, 01/10/2003 a 30/11/2004, 01/01/2005 a 30/09/2005 e de 01/11/2005 a 14/12/2007, que totalizam 4 anos, 1 mês e 12 dias.
Dos períodos de atividade rural - 10/09/1991 a 11/06/2000
Com o intuito de comprovar a atividade rural, vieram aos autos cópias dos seguintes documentos:
- ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, datada de 16/11/1983, em nome do marido (folhas 14/15);
- ficha de matrícula do filho, datada de 17/12/1997, em que a autora está qualificada como agricultora;
- notas de produtor rural em nome da autora e do marido nos anos de 1997, 1998, 1999, 2000 e 20011 (folhas 17/21).
Observo que a certidão de casamento da autora, realizado em 30/03/1988, denota que seu marido foi qualificado como agricultor.
Em 31/03/1988 a parte autora cessou a atividade na empresa Paquetá Calçados (folha 10), retornando ao vínculo urbano, conforme registro em CTPS, em 28/02/1989 (folha 11).
As testemunhas ouvidas em justificação administrativa, ainda que genericamente, afirmaram que a autora, depois do casamento, passou a trabalhar nas terras do marido com este.
Dessa forma, diante das limitações do pedido e, tendo em vista que nos casos onde são intercalados vínculos urbanos e rurais, a prova destes deve ser analisada com mais vagar, entendo que restou demonstrado o exercício da atividade agrícola de 01/01/1997 a 11/06/2000.
De outro lado, o art. 11, VII, da Lei de Benefícios da Previdência Social, garantiu aos trabalhadores rurais individuais ou em regime de economia familiar a condição de segurados obrigatórios da Previdência:
(...)
Tais segurados têm direito, independentemente de contribuição outra que não a devida por todo produtor rural sobre a comercialização da produção (art. 25 da Lei n. 8.212/91), apenas àqueles benefícios dispostos no art. 39, I e parágrafo único, da LBPS, verbis:
(...)
Para a obtenção dos demais benefícios especificados na Lei 8.213/91, o legislador exigiu dos segurados especiais o aporte contributivo na qualidade de facultativos, a teor do art. 39, II, da LBPS, e do art. 25, § 1º, da Lei de Custeio da Previdência Social.
A questão inclusive foi sumulada pelo STJ: "O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas".
(...)
Não obstante, a Lei de Benefícios resguardou, em seu art. 55, § 2º, o direito ao cômputo do tempo de serviço rural, anterior à data de início de sua vigência, para fins de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência.
Em verdade, admite-se o reconhecimento da atividade agrícola sem contribuições até a competência de outubro de 1991, a teor do disposto no art. 192 do antigo Regulamento dos Benefícios da Previdência Social (Decreto 357, de 1991), repetido nos posteriores Regulamentos da Previdência Social, inclusive no atual Decreto 3.048/99 (art. 123), em obediência ao princípio constitucional da anterioridade de noventa dias para a instituição de contribuições para a seguridade social (art. 195, § 6º, da Carta Magna).
Assim, no que tange ao tempo posterior a 01/11/1991, ainda que comprovado o labor agrícola, não é possível a contagem do período para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, sem que haja, antes, o recolhimento das contribuições devidas.
Friso que a diferenciação no aproveitamento do tempo não é arbitrária. Ora, se não eram exigidas contribuições no momento em que a atividade econômica foi realizada (o trabalhador rural não era abrangido pelo regime previdenciário da LOPS, mas pelo regime assistencial do FUNRURAL) não seria adequado surpreender o segurado que permaneceu toda a sua vida produtiva no campo. Assim, ele pode habilitar-se à concessão do benefício previsto na regra de transição do artigo 143 da LBPS. Se o trabalhador passou a desenvolver atividades urbanas e pretende obter uma aposentadoria do novo sistema, pode adicionar os períodos rurais com os urbanos, mas a carência só pode ser cumprida em atividades urbanas. Dessa maneira, os trabalhadores rurais foram integrados no regime geral da Lei nº 8.213, sistema eminentemente contributivo, atendendo aos princípios da universalidade e da equivalência das prestações devidas aos trabalhadores urbanos e rurais (art. 194, incisos I e II, da CF/88).
O conjunto probatório, portanto, somente autoriza o cômputo do período de atividade rural ora reconhecido (de 01/01/1997 a 11/06/2000) mediante o respectivo aporte contributivo.
Neste feito, o exame recursal abrange a apelação cível e a remessa oficial, expressamente interpostas diante da sentença recorrida.
Nessas circunstâncias, havendo sido interposto recurso de apelação pela parte autora, onde suscitados os tópicos indicados no relatório, tenho que quanto aos demais fundamentos de mérito a sentença deve ser confirmada por suas próprias razões, uma vez que lançada conforme a legislação aplicável. Tanto que a autarquia previdenciária deles teve expressa ciência e resolveu não se insurgir.
A controvérsia restringe-se, portanto, ao reconhecimento do tempo rural no período de 10/09/1991 a 31/12/1996 e à concessão, após o pagamento da indenização do período rural a partir de 11/1991, da aposentadoria por tempo de contribuição desde 25/05/2010, em razão do direito adquirido.
Do tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Pode o exercício do labor rural ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Também não é necessário que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213. Tal exigência implicaria introdução indevida em limites não estabelecidos pelo legislador, e que devem ser de pronto afastados.
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
De outro lado, nada impede que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Em relação aos boias-frias, cujo trabalho rural é caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal. Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte.
No regime de economia familiar (§1º do art. 11 da Lei de Benefícios) em que os membros da família trabalham "em condições de mútua dependência e colaboração", os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
No tocante ao trabalho do segurado especial em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade de seu cômputo, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo a questão maiores digressões.
A partir da competência novembro de 1991, em observância ao princípio constitucional da anterioridade previsto no art. 195, §6º, da Constituição Federal (90 dias para a instituição de contribuições para a seguridade social), pretendendo o segurado especial computar tempo de serviço rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento de contribuições facultativas, conforme dispõe o art. 39, II, da Lei nº 8.213/91. Significa dizer que a contribuição obrigatória sobre percentual retirado da receita bruta da comercialização da produção rural, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, não garante ao segurado especial a aposentadoria por tempo de serviço, pois tal benefício, conforme se depreende do exame dos arts. 11, inciso VII, e 39, I e II, da Lei nº 8.213/91, tem sua concessão condicionada ao recolhimento facultativo de contribuições.
Tal entendimento restou assim sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 11/09/2002:
Súmula 272 - "O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas."
No caso concreto, como destacado, resta controverso o exercício de atividade rural em regime de economia familiar pela autora no intervalo de 10/09/1991 a 31/12/1996, considerando que a sentença já o reconheceu com relação ao período de 01/01/1997 a 11/06/2000, condicionando sua averbação ao recolhimento das contribuições facultativas.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- certidão de casamento da autora, datada de 30/03/1988, em que seu marido é qualificado como agricultor (fl. 12);
- declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Sebastião do Caí no sentido de que o marido da autora é associado desde 1983 (fl. 13);
- ficha de inscrição do marido da autora no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Sebastião do Caí, datada de 16/11/1983 (fl. 15);
- ficha de matrícula do filho da autora em escola municipal situada na localidade de Campestre, datada de 17/12/1997, em que ambos os genitores são qualificados como agricultores (fls. 16);
- notas fiscais de comercialização de produtos agrícolas em nome do marido da autora, datadas de 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001 (fls. 17/21).
A prova testemunhal colhida no âmbito administrativo, em sede de justificação administrativa (fls. 26/28), corrobora as alegações da parte autora, tendo sido uníssona no sentido de que tendo deixado a lavoura para trabalhar como doméstica, a autora retornou à agricultura após o casamento, tendo permanecido por aproximadamente 10 anos. As testemunhas afirmaram que trabalhava apenas a autora e seu marido, plantando aipim, batata, laranja e cana e criando bois, vacas e galinhas, sem auxílio de terceiros e sem outra fonte de renda.
Mesmo que a autora tenha desempenhado atividade urbana até 09/09/1991 (fl. 11), tenho que os documentos apresentados podem ser tidos como prova material do exercício do labor rural pela parte autora a partir de então.
Com efeito, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
O conjunto probatório produzido nos autos revela que o marido sempre trabalhou na agricultura (mesmo antes do casamento), que assim permaneceu quando a própria autora desempenhava atividades urbanas e inclusive depois disso. Assim, considerando a continuidade do trabalho rurícola do marido e o fato de que a comprovação do tempo rural prescinde de prova referente a cada ano postulado, é possível concluir, com auxílio da complementação da prova material pela prova testemunhal, que a partir do momento em que deixou de trabalhar no meio urbano a autora retornou à atividade rural, passando a trabalhar com o marido.
Restou, portanto, comprovado o desempenho de atividades rurais em regime de economia familiar pela parte autora também no período de 10/09/1991 a 31/12/1996.
A averbação e aproveitamento do interregno de 10/09/1991 a 31/10/1991 para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, exceto para efeito de carência, independe de contribuições previdenciárias. Entretanto, como já destacado e consignado na própria decisão recorrida, após a competência de 11/1991 o aproveitamento depende do recolhimento de contribuições facultativas.
Conclusão: Foi reconhecido o exercício da atividade rural pela autora no intervalo de 10/09/1991 a 31/12/1996, dependendo, a averbação e aproveitamento para fins de aposentadoria do período a partir de 11/1991, do pagamento da indenização referente às contribuições previdenciárias correspondentes.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
A aposentadoria por tempo de serviço, extinta pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998 e transformada em aposentadoria por tempo de contribuição, foi garantida (art. 3º) aos segurados da previdência social que, até a data da publicação da Emenda, em 16.12.98, tivessem cumprido os requisitos para sua obtenção, com base nos critérios da legislação então vigente (arts. 29, caput, e 52 a 56 da Lei nº 8.213/91, na sua redação original), quais sejam: a) 25 anos de tempo de serviço, se mulher, ou 30 anos, se homem e b) carência (conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91, inscritos até 24-7-1991, ou conforme o art. 25, II, da Lei, para os inscritos posteriormente). O valor da aposentadoria corresponde a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano para cada ano completo de atividade até o máximo de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de tempo de serviço para as mulheres, e 35 para os homens.
Oportuno enfatizar que o direito adquirido a tal modalidade de benefício exige a satisfação de todos os requisitos até a data da EC nº 20/98, já que, a partir de então, passa a viger a aposentadoria por tempo de contribuição, consoante previsão do art. 201, §7º, da Constituição Federal, para a qual exigem-se 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se mulher, e carência de 180 contribuições mensais.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do fator previdenciário, conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29.11.1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I, e §7º).
Do direito à aposentadoria no caso concreto
Considerando-se o presente provimento judicial, a parte autora contabiliza o seguinte tempo de contribuição até a DER, em 25/05/2010:
a) reconhecido na via administrativa: 17 anos, 6 meses e 9 dias
b) reconhecido judicialmente, urbano comum: 4 anos, 1 mês e 12 dias
b) reconhecido judicialmente, rural: 1 mês e 22 dias (que independe de contribuição)
Tempo total até a DER: 21 anos, 9 meses e 13 dias
Diante tudo o que foi exposto nesta decisão e na sentença, na DER (25/05/2010) a parte autora só possuía direito adquirido à averbação e cômputo, para fins de aposentadoria por tempo de contribuição de 21 anos, 9 meses e 13 dias. O direito ao cômputo do tempo rural correspondente ao período de 01/11/1991 a 11/06/2000 só estará integrado ao patrimônio jurídico da segurada quando - e se - for efetuado o pagamento da indenização referente às contribuições previdenciárias devidas no interregno.
Na DER, portanto, não havia direito adquirido ao cômputo do tempo relativo ao intervalo de 01/11/1991 a 11/06/2000 e, consequentemente, não havia direito à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição porque não foi preenchido o requisito temporal previsto em lei.
Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão do benefício, a parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos (tempo urbano comum e rural entre 10/09/1991 e 31/10/1991), para fins de obtenção de futura aposentadoria. A averbação do período de 01/11/1991 a 11/06/2000 depende da indenização pertinente, devendo a autarquia apresentar o cálculo correspondente.
Dos ônus sucumbenciais
Mantida a sucumbência recíproca. Entretanto, condeno cada uma das partes no pagamento de metade das custas processuais e no pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, esses últimos fixados em 1.500,00 em favor do procurador do INSS (para evitar reformatio in pejus) e 10% sobre o valor da causa em favor dos procuradores da parte autora.
Deverá, ainda, ser observada a isenção prevista na Lei Estadual nº 13.471/2010, em relação ao INSS; suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência com relação à parte autora, por ser beneficiária da gratuidade de justiça (art. 12 da Lei 1060/50).
Conclusão
A remessa oficial foi desprovida.
O apelo da parte autora foi parcialmente provido para o fim de reconhecer o exercício de atividade rural em regime de economia familiar no período de 10/09/1991 a 31/12/1996, determinando a averbação do tempo de serviço relativo a: a) 10/09/1991 a 31/10/1991 independentemente do recolhimento de contribuições; e b) 01/11/1991 a 31/12/1996 após o efetivo pagamento da indenização referente às contribuições previdenciárias facultativas devidas no período.
Mantida a sucumbência recíproca, com redistribuição dos ônus dela decorrentes.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e dar parcial provimento à apelação da parte autora.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8609030v3 e, se solicitado, do código CRC EEF94538. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 29/11/2016 15:34 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0016498-47.2013.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00041212220118210068
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | VERA INES WEBER |
ADVOGADO | : | Oneide Smit |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA DA COMARCA DE SAO SEBASTIAO DO CAI/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 941, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8740059v1 e, se solicitado, do código CRC D611D410. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 30/11/2016 16:53 |
