| D.E. Publicado em 04/12/2018 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0009843-54.2016.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | WALTER CENCI |
ADVOGADO | : | Henrique Oltramari |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE MARAU/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO COMUM EM ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. CONVERSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CONSECTÁRIOS.
. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento no regime do art. 543-C do CPC, estabeleceu que a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço (STJ, Primeira Seção no regime do art. 543-C do CPC, EDcl no REsp 1310034/PR, rel. Herman Benjamin, j. 26/11/2014, DJe de 02/02/2015). O preceito é aplicável aos que preencheram as condições para aposentadoria especial após a edição da Lei 9.032/1995, e portanto não se beneficiam da conversão do tempo de serviço comum em especial para fins de aposentadoria
. No que tange à possibilidade de conversão de tempo de serviço especial prestado a partir de 28/05/1998, a Medida Provisória nº 1.663/98 revogou o §5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Todavia, a Lei 9.711/98 deixou de convalidar a prefalada revogação, por via expressa ou tácita, motivo pelo qual plena é a vigência dos artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios e, por conseguinte, possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
. Quanto ao fator de conversão, pacífico é o entendimento de que, em casos como o presente, onde os requisitos da aposentadoria foram implementados durante a vigência da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, devem ser aplicados a todo o período laboral os fatores de conversão previstos no artigo 64 do Decreto nº 357/91, que regulamenta o referido diploma legal.
. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho (Precedentes da 3ª Seção).
. O uso de EPIs (equipamentos de proteção), por si só, não basta para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado. Seria necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho.
. Hipótese em que concluído pelo perito judicial a eficácia do uso de EPI pela parte autora para elidir a insalubridade provocada pelo agente nocivo frio.
. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida.
. Implementados os requisitos de tempo de contribuição e carência, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição.
. Correção monetária diferida.
. Juros de mora simples de um por cento (1%) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009, e, a partir de tal data, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art.1º-F da Lei 9.494/1997.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, e adaptar, de ofício, os critérios de correção monetária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de novembro de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9472597v6 e, se solicitado, do código CRC F0D0235D. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gisele Lemke |
| Data e Hora: | 28/11/2018 14:11 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0009843-54.2016.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | WALTER CENCI |
ADVOGADO | : | Henrique Oltramari |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE MARAU/RS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta contra o INSS, na qual a parte autora (45 anos) postula a concessão de aposentadoria especial, ou, sucessivamente, aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de atividades laborais caracterizadas como especiais que alega ter desenvolvido no período de 05/11/1987 a 31/12/1995, e de 06/03/1997 a 08/12/2010. Para fins de obtenção de aposentadoria especial, pede a conversão do tempo de serviço comum em especial, pela aplicação do fator de conversão 0,71.
A sentença (prolatada em 10/02/2016) dirimiu a controvérsia nos termos a seguir transcritos:
Com esses fundamentos, JULGO PROCEDENTE o pedido aduzido por WALTER CENCI em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS para: a) conceder ao autor o benefício de aposentadoria especial desde a data do requerimento administrativo (21/12/2010); e b) condenar o réu ao pagamento das parcelas vencidas, as quais deverão ser corrigidas e acrescidas de juros na forma explicitada na fundamentação.
[[Atualização das diferenças devidas
No que tange à aplicação dos juros de mora, deve-se atentar que o STF, no julgamento da ADI 4425, atinente à Emenda Constitucional n. 62, declarou "a inconstitucionalidade, em parte, por arrastamento, do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009".
Como, no Brasil, segundo a doutrina majoritária e o entendimento do STF, a declaração de inconstitucionalidade equivale a uma declaração de nulidade (não de anulabilidade), há, em regra, o efeito repristinatório, de modo que a Lei 9.494/97, no seu artigo 1º-F, voltaria a vigorar com a redação anterior:
Art. 1o-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano.
No dia 25 de março de 2015, em julgamento da questão de ordem acerca da modulação dos efeitos da decisão proferida na ADI 4425, o Supremo Tribunal Federal determinou como sendo ex nunc a declaração de inconstitucionalidade referente à correção monetária. Desse modo, a partir daquela data, os créditos contra a Fazenda Pública devem ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), devendo incidir desde a data em que as parcelas deveriam ter sido pagas.
Já em relação aos juros, devidos a partir da citação, são de 0,5% ao mês. ]]
Condeno o réu ao pagamento dos honorários advocatícios que fixo em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da presente sentença, forte no artigo 20, §3º, alíneas 'a' e 'c', e §4º, do Código de Processo Civil, e observado o teor da súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Condeno ainda o requerido ao pagamento de 50% das custas, pois o Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade da Lei nº 13.471/10 no Incidente de Inconstitucionalidade nº 700413340531.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sentença sujeita a reexame necessário, nos termos do artigo 475, inciso I, do Código de Processo Civil. Decorrido o prazo para eventual recurso voluntário, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça.
Inconformada, a entidade previdenciária recorreu da sentença, discorrendo sobre a impossibilidade de conversão de tempo de serviço comum em especial. Aduz que não restou comprovada a efetiva exposição da parte autora aos agentes nocivos mencionados na inicial no período de 01/01/2001 a 08/12/2010, pois o perito judicial afirmou que a exposição do autor aos agentes insalutíferos ruído, frio e umidade foram elididos pelo fornecimento de EPIs eficazes. Sucessivamente, pede que os efeitos financeiros da aposentadoria especial passem a contar somente na data do afastamento do trabalho. Pede, por fim, a aplicação da integralidade do disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97 nos consectários legais, e a isenção do pagamento das custas.
Nas contrarrazões, a parte autora suscitou a intempestividade da apelação, e pediu a confirmação da sentença.
É o relatório.
VOTO
A sentença está submetida ao reexame necessário.
Preliminarmente, consigno que conheço da apelação, por tempestiva, visto que a intimação do INSS ocorreu na vigência no Código Civil de 2015, em 06/05/2016 (fls. 347 v), e a contagem do prazo se dá de acordo com o artigo 219 do referido código, computando-se somente os dias úteis.
Outrossim, tendo em vista que a sentença em comento foi publicada em 24/02/2016, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/1973.
MÉRITO
Os pontos controvertidos no plano recursal restringem-se:
- ao reconhecimento do exercício de atividade especial, nos períodos de 05/011/1987 a 31/12/1995, e de 06/03/1997 a 08/12/2010;
- à conversão inversa do tempo de serviço comum de 18/08/1978 a 31/12/1987 em especial;
- à consequente concessão de aposentadoria especial e/ou aposentadoria por tempo de contribuição;
- à necessidade de afastamento do trabalho prevista no art. 57, § 8º da Lei de Benefícios;
- à forma estabelecida para fixação dos juros de mora e da correção monetária.
- isenção da custas processuais.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
Segundo orientação adotada pela Terceira Seção do STJ, o tempo de serviço especial disciplina-se pela lei vigente à época em que exercido o labor, passando a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador como direito adquirido (AGRESP 493.458/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJU 23/06/2003, e REsp 491.338/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU 23/06/2003).
Portanto, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova e, ante a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, torna-se necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto. Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações, e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou mesmo quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de parecer técnico trazido aos autos, ou simplesmente por referência no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95, no art. 57 da Lei de Benefícios, passou a ser necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;
c) após 06/03/1997, a partir da vigência do Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento do tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Tal interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Agente Nocivo Ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, a comprovação da especialidade da atividade laboral pressupõe a existência de parecer técnico atestando a exposição do segurado a níveis de pressão sonora acima dos limites de tolerância.
Referidos limites foram estabelecidos, sucessivamente, no Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06/05/1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, os quais consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, respectivamente.
Quanto ao período anterior a 05/03/1997, já foi pacificado pela Seção Previdenciária desta Corte (EIAC 2000.04.01.134834-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU, Seção 2, de 19/02/2003, p. 485) e também pelo INSS, na esfera administrativa (Instrução Normativa nº 57/2001 e posteriores), que são aplicáveis, concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, até 05/03/1997, data imediatamente anterior à publicação do Decreto nº 2.172/97. Desse modo, até então, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsto no Código 1.1.6 do Anexo ao Decreto nº 53.831/64.
Com a edição do Decreto nº 2.172/97, em 06/03/1997, o nível de ruído até 90 decibéis passou a ser considerado salubre (Código 2.0.1 do Anexo IV), sendo tal limite minorado para 85 decibéis a contar da vigência do Decreto nº 4.882/03, de 19/11/2003 (art. 2º).
No dia 14/05/2014, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, julgou o Recurso Especial nº 1.398.260-PR, estabelecendo o seguinte:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO DECRETO 4.882/2003 PARA RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6/3/1997 a 18/11/2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB. De início, a legislação que rege o tempo de serviço para fins previdenciários é aquela vigente à época da prestação, matéria essa já abordada de forma genérica em dois recursos representativos de controvérsias, submetidos ao rito do art. 543-C do CPC (REsp 1.310.034-PR, Primeira Seção, DJe 19/12/2012 e REsp 1.151.363-MG, Terceira Seção, DJe 5/4/2011). Ademais, o STJ, no âmbito de incidente de uniformização de jurisprudência, também firmou compreensão pela impossibilidade de retroagirem os efeitos do Decreto 4.882/2003. (Pet 9.059-RS, Primeira Seção, DJe 9/9/2013). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.309.696-RS, Primeira Turma, DJe 28/6/2013; e AgRg no REsp 1.352.046-RS, Segunda Turma, DJe 8/2/2013. REsp 1.398.260-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/5/2014.
Nesse contexto, devem ser adotados os seguintes níveis de ruído para fins de reconhecimento do tempo de serviço especial: igual ou superior a 80 decibéis até a edição do Decreto n° 2.172/1997; igual ou superior a 90 decibéis entre a vigência do Decreto n° 2.172/1997 e a edição do Decreto n° 4.882/2003; igual ou superior a 85 decibéis após a entrada em vigor do Decreto n° 4.882/2003.
Intermitência na exposição aos agentes nocivos
A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. A jurisprudência desta Corte volta-se à interpretação no sentido de que tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, vejam-se os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, Relator Rogerio Favreto, D.E. 24/10/2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 07/11/2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; TRF4, EINF 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Equipamento de Proteção Individual - EPI
Primeiramente, é importante pontuar que a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, data da entrada em vigor da MP n.º 1.729/98, convertida na Lei 9.732/1998, através da qual passou a existir a exigência de o laudo técnico conter informações sobre a existência de tecnologia de proteção individual eficaz para diminuir a intensidade do agente nocivo a limites de tolerância e recomendação do empregador para o uso.
Quanto à matéria relativa ao uso de EPI, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (ARE 664335, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, Acórdão Eletrônico DJE-029 Divulgação 11/02/2015 Publicação 12/02/2015), firmou as seguintes teses:
1 - o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;
2 - na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Como se vê, considerado o período a partir de 03 de dezembro de 1998, a desconfiguração da natureza especial da atividade, em decorrência do uso de EPIs, é admissível desde que haja prova hábil afirmando inequivocamente que a sua utilização pelo trabalhador reduziu efetivamente os efeitos nocivos do agente agressivo a níveis toleráveis, ou os neutralizou.
Vale referir, no que diz respeito ao uso de EPIs na tentativa de neutralização de agentes químicos nocivos, que esta Corte tem entendido pela ineficácia, na grande maioria dos casos, dos cremes de proteção (luvas invisíveis), como bem explicitado no voto condutor do acórdão que julgou a APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000373-67.2015.4.04.7211/SC, de relatoria do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, na qual foi observado que "com relação aos agentes químicos, necessário esclarecer que a utilização de cremes de proteção, devidamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, não possui o condão de neutralizar a ação dos agentes nocivos a que estava exposto o autor. Com efeito, tais cremes são conhecidos como "luvas invisíveis" e são utilizados por não ocasionarem perda de tato ou movimentação dos trabalhadores. Exatamente em decorrência de tais características, torna-se impossível ao trabalhador a avaliação do nível de proteção a que está sujeito, considerando-se o desgaste natural da camada protetora proporcionada por tais cremes em virtude do manuseio de equipamentos, ferramentas, da fricção das mãos com objetos e roupas e mesmo do suor, aspectos ínsitos à prestação laboral em análise. Torna-se, destarte, praticamente impossível a manutenção de uma camada protetiva contínua e homogênea. Assim, inviável a afirmação de que a utilização apenas de cremes de proteção, ainda que de forma adequada, possui o condão de neutralizar a ação de agentes nocivos químicos". (5ª Turma - julgado em 23/05/2017 - unânime).
A propósito, em muitos casos em que há exposição a agentes químicos, por mais que sejam utilizadas luvas químicas na tentativa pouco eficaz de elidir os efeitos danosos, até mesmo os gases inalados serão consideravelmente nocivos à saúde do trabalhador, como nos casos de trabalhadores na indústria calçadista, por exemplo, na qual consabidamente há contato habitual com colas e solventes pelos trabalhadores que atuam na área de montagem, os quais muitas vezes são contratados como "serviços gerais" (AC nº 0025291-38.2014.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 03/08/2016).
O questionamento sobre a suficiência do mero preenchimento dos campos específicos, no PPP, onde simplesmente são respondidas as perguntas "EPI eficaz?" e "EPC eficaz?" para a caracterização da especialidade ou não da atividade, provocou a discussão estabelecida no IRDR 15, na 3ª Seção desta Corte, o qual teve o mérito julgado em sessão de 22/11/2017. No entanto, as teses nele firmadas não são aplicáveis de imediato, tendo em conta a interposição de recursos excepcionais contra o acórdão nele proferido, de acordo com o disposto nos artigos 982, § 5º e 987, § 1º, do NCPC.
Portanto, todos os aspectos supramencionados devem ser observados para avaliação da eficácia da utilização dos EPIs na elisão dos efeitos danosos dos agentes nocivos para a caracterização ou não do tempo especial.
Do Perfil Profissiográfico Previdenciário
Para validade da utilização do formulário Perfil Profissiográfico Previdenciário, este deve ter sido produzido com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, o qual deve figurar como responsável técnico. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que presume-se, ainda que de forma relativa, que o referido documento guarda fidelidade em relação às informações extraídas do laudo técnico (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0010952-16.2010.404.9999, 6ª Turma, Rel. Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, D.E. 27/05/2011; TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017107-59.2015.4.04.9999, 5ª Turma, Rel. Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, D.E. 22/06/2017).
EXAME DO TEMPO ESPECIAL NO CASO CONCRETO
Da comprovação da especialidade
A sentença examinou a matéria controvertida nos seguintes termos:
Inicialmente, consigno que o INSS já reconheceu a especialidade da atividade desenvolvida no período de 01/01/1996 a 05/03/1997.
a) Período de 05/11/1987 a 31/12/1995:
Previamente ao exame dos agentes insalubres presentes no ambiente de trabalho do autor neste período, consigno que o vínculo com a empresa Perdigão teve início em 09/08/1989, conforme CTPS de f. 24, motivo pelo qual será considerada esta data como início da atividade especial. Ademais, o autor exerceu atividade rural até 31/12/1987, conforme f. 21, de modo que impossível considerar a data de 05/11/1987 como "marco inicial" do período.
O autor busca o reconhecimento da especialidade da atividade desenvolvida como ajudante de produção, no setor fumeiros da empresa BRF Brasil Foods S/A (Perdigão Agroindustrial), alegando a exposição a monóxido de carbono e a ruído acima do limite de tolerância.
O PPP de f. 30 demostra a exposição do autor ao agente químico monóxido de carbono e nada menciona acerca dos EPIs.
O LTCAT de fs. 244 e 246 confirma a exposição ao químico monóxido de carbono.
A perícia de segurança do trabalho, por sua vez, constatou a presença de ruído acima de 90 decibéis (fs. 229, 225, 226, 227, 228) e frio de 0,9°C (f.229).
a.1) Agente químico - Monóxido de carbono: os agentes químicos especializam a atividade prestada com o simples contato habitual e permanente do obreiro com os mesmos. Tais agentes estão dispostos exaustivamente nos códigos 1.2.0 a 1.2.11 do quadro anexo do Decreto nº 53.831/64, 1.2.0 a 1.2.12 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e 1.0.1 a 1.0.19 do Anexo IV dos Decretos nº 2.172/97 e 3.048/99, ao passo que as atividades listadas nestes últimos são meramente exemplificativas.
No caso, restou comprovado que o autor estava exposto ao agente químico monóxido de carbono (fs. 30, 244, 246). O enquadramento se dá no código 1.2.9 do Decreto 53.831/64.
Desse modo, possível o enquadramento do período como especial. Nesse sentido, o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. AGENTE QUÍMICO MONÓXIDO DE CARBONO. RUÍDO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RMI. REVISÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 11.960/09. INAPLICABILIDADE. JUROS MORATÓRIOS. 1. A exposição a ruído acima dos limites de tolerância e ao agente químico monóxido de carbono é prejudicial à saúde, ensejando o reconhecimento do tempo como especial. 2. É admitida como especial a atividade em que o segurado ficou exposto a ruídos superiores a 80 decibéis até 05/03/1997, em que aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79; superiores a 90 decibéis no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, de acordo com o Decreto nº 2.172/97, e, a partir de 19/11/2003 superiores a 85 decibéis, nos termos do Decreto 4.882/2003. 3. O tempo reconhecido como especial na presente decisão deve ser levado em conta pelo INSS para fins de revisão da Renda Mensal Inicial do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da parte autora, com o pagamento das diferenças correspondentes, respeitada a prescrição quinquenal. 4. Não incide a Lei nº 11.960/2009 para fins de correção monetária do débito. 5. Os juros de mora, contados da citação, são fixados à taxa de 1% ao mês até junho/2009, e, após essa data, pelo índice de juros das cadernetas de poupança, com incidência uma única vez, nos termos da Lei 11.960/2009 (sem capitalização). (TRF4, APELREEX 5014304-24.2011.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão (auxílio Vânia) Paulo Paim da Silva, juntado aos autos em 10/10/2014)
a.2) Ruído: no tocante ao ruído, há a necessidade de adequação do entendimento deste Juízo à jurisprudência já consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "É considerada especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibéis até a edição do Decreto n. 2.171/97, sendo considerado prejudicial, após essa data, o nível de ruído superior a 90 decibéis. A partir da entrada em vigor do Decreto n. 4.882, em 18.11.2003, o limite de tolerância de ruído ao agente físico foi reduzido a 85 decibéis" (AgRg no REsp 1399426/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 04/10/2013).
No caso, restou comprovado pelo laudo pericial que o autor estava exposto a ruído acima de 90 decibéis (fs. 225,226,227,228 e 229), o que autoriza o reconhecimento da especialidade do período.
a.3) Frio: o agente físico frio está previsto nos códigos 1.1.2 do quadro anexo do Decreto nº53.831/64 e 1.1.2 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e condiciona a especialidade às atividades prestadas sob temperaturas inferiores a 12ºC. Com a vigência do Decreto nº 2.172/97 e 3.048/99, o agente físico em questão não foi mais elencado como insalubre; no entanto, saliento que, mesmo não previsto nos decretos regulamentadores, a especialidade pode ser reconhecida se demonstrado, seja por PPP ou perícia técnica, que o agente era prejudicial à saúde e integridade física do obreiro.
No caso, restou comprovado pelo laudo pericial que o autor estava exposto a frio de 0,9°C, o que autoriza o reconhecimento da especialidade da atividade desenvolvida no período em análise.
b) Período de 06/03/1997 a 08/12/2010:
Requer o autor o reconhecimento da especialidade da atividade desenvolvida nas funções de ajudante de produção e prático frigorífico II, nos setores de fumeiros, defumados cozimento, descongelamento embut. salame e câmaras de copa e presuntos, na empresa BRF Brasil Foods S/A (Perdigão Agroindustrial), alegando a exposição habitual a ruído acima do limite de tolerância, umidade e frio.
Os PPPs de fs. 30 e 31 demonstram o seguinte:
Período | Setor | Agente | Intensidade |
06/03/1997 a 31/12/2000 | Fumeiros | Ruído Monóxido de carbono | 85 dB (A) - |
01/01/2001 a 31/12/2003 | Fumeiros | Ruído Umidade Frio | 87,7 dB (A) - 1ºC |
01/01/2004 a 30/11/2004 | Defumados cozimento suínos | Ruído Umidade Frio | 87,7 dB (A) - 1ºC |
01/12/2004 a 31/12/2004 | Descongelamento embut. salame | Ruído Frio | 91,3 dB (A) ?ºC |
01/05/2005 a 29/02/2009 **14/05/2007 a 28/02/2009 | Câmaras copa e presunto | Ruído Frio | 82,6 dB (A) ?ºC |
01/03/2009 a 18/03/2009 | Câmaras copa e presunto | Ruído Frio | 82,6 dB (A) ?ºC |
19/03/2009 a 10/06/2010 | Câmaras copa e presunto | Ruído Frio | 93,3 dB (A) ?ºC |
11/06/2010 a 08/12/2010 | Câmaras copa e presunto | Ruído Frio | 93,1 dB (A) ?ºC |
O LTCAT de fs. 244 e 246 comprova a exposição do autor ao agente químico monóxido de carbono no período mencionado.
A perícia de segurança do trabalho, por sua vez, constatou a presença de ruído superior a 90 decibéis (fs. 225, 226, 227, 228 e 229) e frio de 0,9ºC (f. 229) nas atividades desenvolvidas pelo autor.
b.1) Agente químico - monóxido de carbono: a fim de evitar tautologia, reporto-me à análise do agente monóxido de carbono realizada no item "a.1". No caso, o enquadramento se dá no código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto 2.172/97. Desse modo, possível o reconhecimento da especialidade do período de 06/03/1997 a 31/12/2000, em razão do contato do autor com agente químicos nocivos à saúde e à integridade física.
b.2) Ruído: a fim de evitar tautologia, reporto-me à análise do agente ruído realizada no item "a.2". No caso, conforme evidenciado pelo laudo pericial, o autor esteve exposto a ruído acima do limite de tolerância para a época da prestação dos serviços, (80 decibéis, até 05/03/1997; 90 decibéis de 06/03/1997 a 17/11/2003 e 85 decibéis, a partir de 18/11/2003), durante toda a contratualidade, uma vez que sempre exposto a nível de ruído superior a 90 decibéis - 98,0 decibéis (f. 225); 95,3 e 95,1 decibéis (f. 226); 92,9 decibéis (f. 227); 102,6 decibéis (f. 228); 102,9 e 104,7 decibéis (f. 229).
Desse modo, é possível reconhecer a especialidade da integralidade do período de 06/03/1997 a 08/12/2010.
b.3) Frio: a fim de evitar tautologia, reporto-me à análise do agente frio realizada no item "a.3". No caso, em que pese posterior à edição do Decreto 2.172/97, é possível reconhecer a especialidade do período pela exposição ao agente frio, uma vez que constatada a presença de tal agente no ambiente de trabalho do autor e comprovada a nocividade da exposição ao frio pelo LTCAT (fs. 252, 256, 262, 266, 272, 276, 287, 301, 305, 309, 315 e 319).
Do uso de equipamentos de proteção - RUÍDO
No caso, apesar de constar nos PPPs que os equipamentos de proteção eram fornecidos ao segurado, tratando-se de agente físico ruído, entende-se que o fornecimento e uso dos equipamentos de proteção individuais não descaracteriza a especialidade da atividade prestada.
Nesse sentido, extrai-se do voto do Desembargador Federal Celso Kipper1:
Isso se dá porque os EPIs, mesmo que consigam reduzir o ruído a níveis inferiores ao estabelecido em decreto, não têm o condão de eliminar os efeitos nocivos, como ensina abalizada doutrina: Lesões auditivas induzidas pelo ruído fazem surgir o zumbido, sintoma que permanece durante o resto da vida do segurado e, que, inevitavelmente, determinará alterações na esfera neurovegetativa e distúrbios do sono. Daí a fadiga que dificulta a sua produtividade. Os equipamentos contra ruído não são suficientes para evitar e deter a progressão dessas lesões auditivas originárias do ruído, porque somente protegem o ouvido dos sons que percorrem a via aérea. O ruído origina-se das vibrações transmitidas para o esqueleto craniano e através dessa via óssea atingem o ouvido interno, a cóclea e o órgão de Corti." (Irineu Antônio Pedrotti, Doenças Profissionais ou do Trabalho, LEUD, 2ª ed., São Paulo, 1998, p. 538).
Adotando o mesmo entendimento, a súmula nº 9 da TNU:
O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado.
Oportuno referir que, para a caracterização da especialidade, não se exige exposição às condições insalutíferas durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de trabalho, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada. Entendimento contrário condicionaria a concessão da aposentadoria especial somente aos segurados que exercessem suas atividades em condições de extrema insalubridade, o que não se coaduna com o caráter protetivo das normas que regem o benefício em questão.
Nesse sentido, vale colacionar o voto do Desembargador Federal Celso Kipper2
Também é oportuno referir que, para a caracterização da especialidade, não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral. Caso se admitisse o contrário, chegar-se-ia ao extremo de entender que nenhum ofício faria jus àquela adjetivação, e, como é curial, o intérprete deve afastar a interpretação que o leve ao absurdo. Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho.
Dessa forma, resta mantido o reconhecimento da especialidade dos períodos de 09/081989 a 31/12/1995, 06/03/1997 a 08/12/2010, uma vez que comprovado que o segurado ficava exposto a níveis de ruído superiores ao limite tolerável para a época da prestação dos serviços.
Conforme se vê, o MM. Juízo "a quo" deu adequada solução à lide, merecendo ser mantida pelos seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, exceto quanto à especialidade reconhecida em função da exposição a frio no período de 01/01/2001 a 08/12/2010, que deve ser afastada tão somente quanto a este agente nocivo, tendo em vista que o perito judicial, a fls. 230, manifestou-se pela eficácia dos EPIs fornecidos. Friso que o período continua sendo considerado especial, pela exposição a monóxido de carbono e ruído de nível superior a 90 dB(A), conforme acima exposto.
Portanto, cabível o reconhecimento da natureza especial do labor nos períodos de 05/11/1989 a 31/12/1995, e de 06/03/1997 a 08/12/2010.
CONVERSÃO DE TEMPO COMUM EM ESPECIAL
Até 27/10/1995 a legislação do Regime Geral de Previdência Social admitia conversão do tempo de serviço comum em especial para cumprimento dos requisitos da aposentadoria especial, conforme a redação original do § 3º do art. 57 da Lei 8.213/1991. Essa vantagem foi excluída pela vigência da Lei 9.032/1995 (TRF4, Sexta Turma, APELREEX 2009.70.01.002087-6, rel. Celso Kipper, D.E. de 17/12/2009; TRF4, Sexta Turma, APELREEX 2008.70.09.002222-2, rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. de 14/10/2009).
O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento no regime do art. 543-C do CPC, estabeleceu que a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço (STJ, Primeira Seção no regime do art. 543-C do CPC, EDcl no REsp 1310034/PR, rel. Herman Benjamin, j. 26nov.2014, DJe de 02/02/2015). O preceito é aplicável aos que preencheram as condições para aposentadoria especial após a edição da Lei 9.032/1995, e portanto não se beneficiam da conversão do tempo de serviço comum em especial para fins de aposentadoria.
Desta forma, não é possível a conversão de tempo comum em especial nesta hipótese, razão porque deve ser reformada a sentença quanto ao ponto.
APOSENTADORIA ESPECIAL - REQUISITOS
A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, é devida ao segurado que, além da carência, tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.
Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversão de tempo de serviço especial em comum, visto que o que enseja a outorga do benefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na norma em comento (15, 20, ou 25 anos), sob condições nocivas.
DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL NO CASO CONCRETO
No caso em exame, considerada a presente decisão judicial, tem-se a seguinte composição do tempo de serviço da parte autora, na DER (21/12/2010):
a) tempo especial reconhecido administrativamente: 01 ano, 02 meses e 05 dias;
b) tempo especial reconhecido nesta ação: 19 anos e 11 meses.
Total de tempo de serviço especial na DER: 21 anos, 01 mês e 05 dias.
Como se vê, na DER, a parte autora não possuía tempo de serviço suficiente para a concessão de aposentadoria especial, razão porque deixo de examinar a matéria relativa ao art. 58, § 8º, da Lei de Benefícios, suscitada no apelo do INSS.
Em consequência, passo a analisar o pedido sucessivo de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, explicitando os critérios de conversão de tempo de serviço especial para comum, conforme segue
CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL PARA COMUM
Inicialmente, cumpre ressaltar que esta Corte já firmou entendimento no sentido de que é possível a conversão do tempo especial para comum, mesmo com relação aos períodos anteriores ao advento da Lei nº 6.887, de 10/12/1980.
No que tange à possibilidade de conversão de tempo de serviço especial prestado a partir de 28/05/1998, a Medida Provisória nº 1.663/98 revogou o §5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Todavia, a Lei 9.711/98 deixou de convalidar a prefalada revogação, por via expressa ou tácita, motivo pelo qual plena é a vigência dos artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios e, por conseguinte, possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28/05/1998.
Quanto ao fator de conversão, pacífico é o entendimento de que, em casos como o presente, onde os requisitos da aposentadoria foram implementados durante a vigência da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, devem ser aplicados a todo o período laboral os fatores de conversão previstos no artigo 64 do Decreto nº 357/91, que regulamenta o referido diploma legal.
Desta forma, admitida a especialidade da atividade desenvolvida nos períodos de 05/11/1989 a 31/12/1995, e de 06/03/1997 a 08/12/2010 impõe-se a conversão pelo fator multiplicador 1,4, totalizando o acréscimo de 07 anos, 11 meses e 18 dias.
REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC n.º 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos arts. 52 e 53 da Lei n.º 8.213/91, pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no art. 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de julho de 1991 e previsto no art. 25, II, da referida Lei, para os inscritos posteriormente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço para a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direito à aposentadoria proporcional no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.
Com as alterações introduzidas pela EC nº 20/98, o benefício passou denominar-se aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo art. 201, § 7º, I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.
Em caráter excepcional, possibilitou-se que o segurado já filiado ao regime geral de previdência social até a data de publicação da Emenda, ainda se aposente proporcionalmente quando, I) contando com 53 anos de idade, se homem, e com 48 anos de idade se mulher - e atendido ao requisito da carência - II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e de 25 anos, se mulher; e b) e um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional (art. 9º, § 1º, da EC nº 20/98). O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens "a" e "b" supra, até o limite de 100%.
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§§ 3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do "fator previdenciário", conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Ao cálculo dos benefícios dos segurados filiados até o dia anterior à data de publicação da Lei nº 9.876, de 29/11/1999, que vierem a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, será aplicado o disposto no art. 3º do referido diploma legal.
DIREITO À APOSENTADORIA NO CASO CONCRETO:
No caso em exame, tem-se a seguinte composição do tempo de serviço da parte autora na DER, em 21/12/2010:
a) tempo de contribuição reconhecido administrativamente (Resumo, fls. 147): 31 anos, 02 meses e 16 dias;
b) acréscimo de tempo especial reconhecido nesta ação: 07 anos, 11 meses e 18 dias;
Tempo total até a DER: 39 anos, 02 meses e 04 dias.
A carência necessária à obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição também restou cumprida conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91.
Assim, cumprindo com os requisitos tempo de serviço mínimo e carência, a parte autora tem direito:
- à implementação do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição desde a data do requerimento;
- ao pagamento das parcelas vencidas, observada a prescrição qüinqüenal, na forma a seguir detalhada.
Correção monetária
Tendo em conta a atribuição de efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos no RE 870.947/SE (Tema 810 do STF) e ao Recurso Extraordinário interposto contra o acórdão proferido no REsp n.º 1.492.221/PR (Tema 905 do STJ), fica indefinida a questão referente ao índice de atualização monetária aplicável aos débitos de natureza previdenciária.
Em face dessa incerteza, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os artigos 4º, 6º e 8º do Código de Processo Civil de 2015, mostra-se adequado e racional diferir para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, possivelmente, a questão já terá sido dirimida pelos Tribunais Superiores, o que conduzirá à observância pelos julgadores da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo para momento posterior ao julgamento pelos Tribunais Superiores a decisão do Juízo de origem sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas caso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Juros de mora
A partir de 30/06/2009, os juros incidem, de uma só vez, de acordo com os juros aplicáveis à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
Custas.
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigos 2º, parágrafo único, e 5º, I da Lei Estadual 14.634/2014).
Honorários advocatícios
Mantida a verba honorária fixada na sentença, de dez por cento sobre o valor da condenação, conforme a jurisprudência desta Corte (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014).
IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO
Tendo em conta que em consulta ao CNIS se verifica que a parte autora recebe aposentadoria por tempo de contribuição (NB 170.137.8261) desde 19/10/2015, não se determina a imediata implantação da aposentadoria ora reconhecida, facultando à parte autora a opção pelo benefício mais vantajoso em sede de execução de sentença .
CONCLUSÃO
Apelação e remessa oficial parcialmente providas para afastar a especialidade reconhecida quanto ao fator nocivo frio no período de 01/01/2001 a 08/12/2010, para julgar improcedente o pedido de conversão de tempo comum em tempo especial e a concessão de aposentadoria especial, para haver o INSS por isento das custas processuais e determinar a incidência dos juros de mora na forma da Lei 11.960/2009. Mantido o reconhecimento de tempo de serviço especial no período postulado, concedida aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER (21/12/2010) e a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. Reforma-se a sentença para diferir, de ofício, a aplicação da correção monetária.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, e por diferir, de ofício, os critérios de correção monetária.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9472596v5 e, se solicitado, do código CRC E861D8F0. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/11/2018
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0009843-54.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00033623220118210109
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Osni Cardoso Filho |
PROCURADOR | : | DR. Marcelo Veiga Beckhausen |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | WALTER CENCI |
ADVOGADO | : | Henrique Oltramari |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE MARAU/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/11/2018, na seqüência 37, disponibilizada no DE de 12/11/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, E POR DIFERIR, DE OFÍCIO, OS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO MONETÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ | |
: | Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO |
Paulo Roberto do Amaral Nunes
Secretário em substituição
| Documento eletrônico assinado por Paulo Roberto do Amaral Nunes, Secretário em substituição, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9481982v1 e, se solicitado, do código CRC E66F25DF. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Paulo Roberto do Amaral Nunes |
| Data e Hora: | 29/11/2018 17:07 |
