Apelação Cível Nº 5003094-43.2020.4.04.7202/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: LIRIA HENDGES (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
LIRIA HENDGES ajuizou ação ordinária, em 15/04/2020, objetivando a concessão de benefício por incapacidade desde a data do requerimento administrativo (09/05/2016 - NB 614.290.278-0 ou 23/11/2018 - NB 625.763.041-3). Asseverou que a sua incapacidade decorre de moléstia ortopédica e de doença autoimune (lúpus).
Sobreveio sentença de improcedência, fundamentada na ausência de incapacidade laboral (
)A parte autora, nas razões de seu apelo, sustentou, em síntese, fazer jus ao benefício postulado na inicial. Questionou as conclusões do laudo pericial e referiu que ele não examinou todas as doenças alegadas, que indicariam a incapacidade laboral.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Mérito
Auxílio-doença e Aposentadoria por invalidez
São quatro os requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) existência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
A parte autora, que nasceu em 18/03/1982, possui atualmente 42 anos, trabalhava como empregada doméstica e cuidadora de crianças, e está acometida de problemas ortopédicos e possui doença autoimune (lúpus).
A análise do Quadro Resumo Previdenciário (
) correlaciona à parte autora os seguintes benefícios por incapacidade:(1) NB: 517.592.439-3 - DER: 14/08/2006; DIB: 29/07/2006; DCB: 29/09/2006.
(2) NB: 625.763.041-3 - DER: 23/11/2018; indeferido em 07/12/2018.
A sentença julgou improcedente o pedido, alicerçando-se na constatação do laudo pericial.
Em 20/08/2020 foi realizada perícia judicial, na qual a expert consignou que a parte autora, 38 anos, ensino fundamental incompleto, babá (cuida de crianças em casa), apresenta o seguinte relato:
é casada há 10 anos, marido é aposentado. Tem 03 filhos de 20, 14 e 08 anos. Mora com o marido e os 02 filhas (a de 14 anos é casada e tem um filho) em zona rural.
É fumante há 22 anos. Nega etilismo .
Nega atividade física.
Nega patologias sistêmicas.
Submeteu-se a conização uterina e à ooforectomia, e à apendicectomia.
É portadora de lúpus desde os 15 anos. Refere que atualmente apresenta episódios de esquecimento, parestesia em todos os membros e lombalgia, cervicalgia e cefaleia. Faz uso Hidroxicloroquina em dias alternados, o reumatologista diminui a dose em sua última consulta 11/08/2020.
Atualmente cuida de 02 crianças de 01 e 06 anos e de sua própria filha de 08 anos.
Descreveu o exame físico:
Apresenta-se em bom estado geral, lúcida, coerente, orientada no tempo e espaço.
Peso: 86 kg Altura: 1,65
Deambulando normalmente. Senta e levanta da cadeira sem dificuldades. Despe-se para o exame físico sem auxílio.
AP: Murmúrio vesicular diminuído em todos os campos pulmonares, com sibilos importantes nas bases pulmonares
AC: Bulhas normo fonéticas, ritmo regula em 2 tempos, sem sopros
PA: 120/90 mmHg
Membros superiores: sem sinais de atrofias ou distrofias musculares. Sem sinais de desuso muscular.
Força de membros superiores presentes e simétricos.
Calosidades palmares discretas bilaterais
Membros Inferiores: Sem atrofias e distrofias musculares. Sem sinais de desuso muscular
Eixo vertebral preservado.
Ritmo lombo pélvico mantido.
Força de membros inferiores preservadas e simétricas.
Marcha e ante pés e retro pés realizadas sem dificuldades.
Manobras especificas para a coluna Vertebral:
Teste de Lasègue: negativo
Teste de Kerning: negativo
Teste do Tripé: negativo
Concluiu que a parte autora apresenta CID10 L93.2 - Outras formas de lúpus eritematoso localizado e M32.8 - Outras formas de lúpus eritematoso disseminado [sistêmico], patologias que não geram incapacidade laboral, mesma condição presente desde a análise da perícia administrativa.
Destacou que:
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: No momento da perícia médica a Autora apresenta patologia crônica que estão estabilizadas, sem sinais objetivos que determinem incapacidade laboral. No momento foi verificado a existência da patologia, sem que a mesma determine incapacidade laboral, também não se evidenciam agravamento do quadro
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
No laudo complementar (evento 61) esclareceu, ademais, em relação às moléstias secundárias:
A Autora apresenta patologia degenerativa de coluna vertebral sem comprometimento significativo. Apresentou neoplasia de colo de útero e submeteu-se a conização.
Diferente do que defendido no evento 67, o trabalho desenvolvido pela Perita foi adequado. A perícia judicial equaciona divergência entre o parecer técnico da autarquia e eventuais atestados emitidos pelo médico assistente da parte autora. E não se observa fragilidade nas conclusões periciais, devidamente fundamentadas, demonstrando que a profissional investigou durante o ato as reais condições da demandante, cotejando os exames de imagem com o exame físico e as queixas apresentadas. Destaco que durante o exame físico foram realizados os testes específicos, os quais estão relatados pela perita.
Não se pode confundir patologia com incapacidade, visando a benesse almejada subsidiar o sustento daqueles que não logrem exercer seu mister habitual, o que não é o caso.
Nestes termos, não havendo mácula no ato administrativo impugnado, é improcedente o pedido.
É cediço que, em se tratando de benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial. No entanto, não fica adstrito à literalidade do laudo técnico, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova.
Embora não esteja vinculado à perícia, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução depende de prova técnica, o magistrado somente poderá recusar a conclusão do laudo com amparo em robusto teor probatório, uma vez que o perito do juízo se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com maior credibilidade.
Assim, a desconsideração do laudo técnico somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por documentos médicos que fossem seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que colocassem efetivamente em dúvida a conclusão do perito do juízo.
Outrossim, quanto à desnecessidade de realização de perícia médica com especialista, este TRF4 já decidiu que não há qualquer nulidade da prova realizada, já que se trata de profissional médico e, portanto, com formação adequada à apreciação do caso. Neste sentido, leia-se:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. NULIDADE DA PERÍCIA. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA POR ESPECIALISTA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. REQUISITOS. 1. O entendimento deste Tribunal é pacífico no sentido de que, mesmo que o perito nomeado pelo Juízo não seja expert na área específica de diagnóstico e tratamento da doença em discussão, não há qualquer nulidade da prova, já que se trata de profissional médico e, portanto, com formação adequada à apreciação do caso e, caso entenda não ter condições para avaliar alguma questão específica, deverá indicar avaliação por médico especialista. 2. São requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: i) qualidade de segurado do requerente; ii) cumprimento da carência de 12 contribuições, quando necessária; iii) incapacidade permanente e insuscetível de reabilitação profissional para o exercício de qualquer atividade laboral (aposentadoria); ou iv) incapacidade para o exercício da atividade exercida (auxílio). 3. Não comprovada a incapacidade laborativa do autor é indevido o benefício por incapacidade pleiteado. (TRF4, AC 5008834-59.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 30/11/2022)
Em que pese a argumentação deduzida no recurso da parte autora, a documentação trazida ao feito não é apta a infirmar as conclusões do perito do juízo, que decorreu da anamnese e de criterioso exame físico e documental.
A divergência quanto às conclusões da perícia judicial, ainda que baseada em laudos médicos particulares, não implica, por si só, realização de nova perícia ou complementação do procedimento. Caso os documentos emitidos por médicos assistentes, especialistas ou não na área da moléstia em questão, fossem suficientes para a comprovação de incapacidade laborativa, não haveria necessidade de judicialização de casos em que se discute o direito aos benefícios por incapacidade.
Saliente-se que o laudo pericial apresentado pelo perito do Juízo, em razão de sua imparcialidade e isenção, deve prevalecer ante as conclusões dos atestados médicos anexados pela parte autora. Registre-se, ainda, que a existência de patologia ou lesão nem sempre significa incapacidade para o trabalho.
Observo que foram anexados pela parte autora os seguintes documentos que supostamente indicariam o estado incapacitante: atestados médicos e exames clínicos (
, ). Ainda que contemporâneos ao requerimento administrativo e mesmo fazendo menção para afastamento das atividades habituais, não se prestam para afirmar a existência de incapacidade laborativa diante das conclusões do(a) perito(a) judicial, que os tomou em consideração quando da elaboração do laudo.Além disso, contrariamente ao que referiu a parte autora em suas razões recursais, houve apreciação pericial da totalidade das doenças referidas na petição inicial e analisadas administrativamente, como evidencia o laudo complementar (
).Diante desse cenário, mostra-se indevida a concessão do benefício pretendido.
Ônus da sucumbência
Sendo desacolhida a pretensão, a parte autora deverá arcar com o pagamento dos ônus sucumbenciais.
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do CPC/2015), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, §11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, §3º, inciso I, do CPC), tendo em conta a pretensão máxima deduzida na petição inicial.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade da referida verba, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.
Honorários periciais
Honorários periciais a cargo da parte vencida. Caso a referida despesa processual tenha sido antecipada pela administração da Justiça Federal, seu pagamento deverá ser realizado mediante reembolso, nos termos do art. 32 da Resolução 305/2014, do Conselho da Justiça Federal.
Custas processuais
Sucumbente, a parte autora responde pelas custas e despesas processuais.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade das referidas verbas, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no §3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos justificadora da concessão da benesse.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Mantida a sentença de improcedência.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5003094-43.2020.4.04.7202/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: LIRIA HENDGES (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. incapacidade não demonstrada.
1. Nos benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial.
2. Perícia conclusiva quanto à ausência de incapacidade do(a) segurado(a).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 28 de junho de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/06/2024 A 28/06/2024
Apelação Cível Nº 5003094-43.2020.4.04.7202/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: LIRIA HENDGES (AUTOR)
ADVOGADO(A): ADRIELI LEHNEN PUTZEL DOS SANTOS (OAB SC023065)
ADVOGADO(A): CELSO ADROALDO LEHNEN PUTZEL (OAB SC033251)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/06/2024, às 00:00, a 28/06/2024, às 16:00, na sequência 524, disponibilizada no DE de 12/06/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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