Apelação Cível Nº 5017265-19.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: VALDECI BERNAR PRZIBILSKI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
VALDECI BERNAR PRZIBILSKI ajuizou ação ordinária, em 09/07/2018, objetivando o restabelecimento de benefício por incapacidade desde a cessação administrativa. Asseverou que a sua incapacidade decorre de diversas doenças (doença pulmonar obstrutiva, insuficiência ventricular esquerda, prolapso da valva mitral).
Sobreveio sentença de improcedência, fundamentada na ausência de incapacidade laboral (
, p. 1-3).A parte autora apelou e sustentou em suas razões recursais (
, p. 1-5) que faz jus ao benefício postulado na inicial em face dos documentos médicos que instruem o feito, comprobatórios da incapacidade laboral.Com contrarrazões (
, p. 7-8), subiram os autos a esta Corte.É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Mérito
Auxílio-doença e Aposentadoria por invalidez
São quatro os requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) existência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
A parte autora nasceu em 23/10/1972 e possui atualmente 51 anos; trabalhava, segundo a petição inicial, como agricultor e apresenta a(s) seguinte(s) doença(s), segundo o(a) expert (
, p. 15): doença pulmonar obstrutiva crônica, prolapso mitral, hipertensão essencial e hérnia inguinal unilateral.A análise do Quadro de Resumo Previdenciário (
) correlaciona à parte autora os seguintes benefícios por incapacidade:(1) NB 642.814.523-9 - ativo; DER: 07/03/2023; DIB: 07/03/2023.
(2) NB 637.396.707-0 - DER: 06/12/2021; DIB: 31/01/2022; DCB: 14/12/2022.
(3) NB 631.582.893-4 - DER: 03/03/2020; DIB: 03/03/2020; DCB: 31/07/2020.
(4) NB 628.877.106-0 - DER: 23/07/2019; DIB: 05/08/2019; DCB: 31/01/2020.
(5) NB 616.096.725-1 - DER: 10/10/2016; DIB: 10/10/2016; DCB: 05/07/2018.
(6) NB 634.923.400-0 - DER: 04/05/2021, indeferido em 30/08/2021.
(7) NB 706.766.143-0 - DER: 21/07/2020, indeferido em 21/07/2020.
(8) NB 628.340.900-1 - DER: 11/06/2019, indeferido em 13/06/2019.
(9) NB 617.537.050-2 - DER: 14/02/2017, indeferido em 09/03/2017.
(10) NB 523.919.853-1 - DER: 17/12/2007, indeferido em 25/05/2009.
Embora a petição inicial não tenha feito expressa referência ao benefício previdenciário controvertido nos autos, a data de ajuizamento do feito (09/07/2018) e a decisão administrativa que instrui a exordial (
, p. 6) indicam tratar-se do NB 616.096.725-1.A sucessão de requerimentos administrativos, especialmente a partir de 2016, aliada à multiplicidade de causas clínicas supostamente incapacitantes, não revela a litigância de má-fé da parte autora ao ajuizar o feito nº 50456763920214047100, em 28/06/2021 (
).Conforme consulta ao processo, nesta data, junto ao endereço eletrônico do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de acesso público, verifica-se que nele estavam em discussão os benefícios NB 631.582.893-4 e NB 634.923.400-0, em relação aos quais - considerado o decurso temporal em relação ao benefício NB 616.096.725-1 - teria havido o agravamento do quadro clínico inicialmente reportado ou, ainda (conforme a parte autora refere nos autos -
), o surgimento de novas enfermidades. Justificados, assim, tanto os novos requerimentos administrativo como a propositura do feito, sem que isso revele, em contrapartida, litigância de má-fé.Para a parte autora, na data da cessação administrativa do NB 616.096.725-1 (05/07/2018) persistiria o quadro incapacitante e, portanto, desde então faria jus ao benefício de incapacidade.
A sentença examinou a questão (
, p. 1-3), concluindo que a parte autora, na ocasião da perícia, não apresentava incapacidade laboral.Tendo a sentença se alicerçado no laudo pericial, dele extraio as seguintes informações (
, p. 15-19): a partir da anamnese, exame físico e análise documental foi constatado que a parte autora apresenta quadro clínico de doença pulmonar obstrutiva crônica, prolapso mitral, hipertensão essencial e hérnia inguinal unilateral, sem obstrução ou gangrena.Essas doenças, de origem degenerativa e adquirida, não gerariam incapacidade laboral. Tratam-se de "patologias de longa evolução mas que permite manter atividade laboral, apesar de suas queixas". A própria sintomatologia, segundo o perito, é desproporcional e incongruente em relação aos exames físico e complementar realizados.
Em seu apelo, a parte autora ressaltou que a perícia judicial, realizada em 27/02/2019, constatou a existência de hérnia inguinal unilateral, mesma doença que ensejou a concessão administrativa do benefício NB 628.877.106-0 (DER: 23/07/2019; DIB: 05/08/2019; DCB: 31/01/2020). Considerando que em 19/01/2018 já havia prova do mesmo quadro clínico (hérnia inguinal), restaria evidenciado que quando da DCB (05/07/2018) do benefício NB 616.096.725-1 já existiria quadro incapacitante.
O silogismo construído pela parte autora não merece prosperar, pois se alicerça na pressuposição de que a doença apontada (hérnia inguinal) necessariamente gerou, desde a sua constatação clínica, incapacidade laboral. Consabido é, todavia, que a existência de patologia ou lesão nem sempre significa incapacidade para o trabalho. Trata-se precisamente do caso em tela.
Não se nega, portanto, a existência da doença, mas a sua natureza incapacitante para o trabalho. A detecção médica de hérnia inguinal não indica, necessariamente, incapacidade laboral, perspectiva reconhecida pela perícia judicial.
Quando do requerimento administrativo do benefício NB 616.096.725-1, a parte autora reportou ao INSS dor torácica, que ensejou a concessão do benefício por incapacidade (
, p. 3), com DER em 10/10/2016 e DCB em 05/07/2018. Após, sem efetiva menção a quadro de hérnia inguinal, detectou a perícia administrativa a capacidade para o trabalho: "Segurado agricultor, sem diagnóstico definido de 'nódulos pulmonares' ( inocentes?), dça pulmonar obstrutiva crônica SEM FOCO AGUDO OU DESCOMPENSAÇÃO AGUDA atual por infecção ou por quadro cardíaco. Não comprova eventos isquemicos agudos ou prévios. Dor toráxica atípica, mais possivelmente osteomuscular ou pelo DBPOC crônico. Não está em tto especializado com médico devidamente registrado no seu Conselho de Classe profissional . Exame físico normal. FE acima ou igual a 60%. Indefiro" ( , p. 5).O laudo subsequente igualmente não detectou quadro de hérnia inguinal: "não há elementos objetivos suficientes e necessários para subsidiar incapacidade laboral nesse momento. Segurado com DBPOC cronico sem descompensações recentes" (
, p. 9).Apenas com o requerimento administrativo formulado em 23/07/2019 (NB 628.877.106-0 -
, p. 15) - após a data da perícia judicial (27/02/2019) - foi reportado ao INSS quadro de herniação inguinal que ensejou a concessão de novo benefício previdenciário por incapacidade: "Herniação inguinal volumosa com extensão a bolsa escrotal...necessita de correção cirurgica ( conteúdo intestinal )...sugere limitação para esforços...condizente as queixas x atividade. Pmeumopatia sem respaldo ao exame fisico - patologia crônica estabilizada ( vide espirometria ) Somatório para considerá-lo inapto temporariamente - até cirurgia. DII hoje Longo prazo." ( , p. 15).O fato de existir exame médico indicando, em 19/01/2018, que existia hérnia inguinal (
, p. 14) não impõe, por si só, reconhecimento de incapacidade para o trabalho. A doença, como dito, não é sinônimo de incapacidade laboral.É cediço que, em se tratando de benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial. No entanto, não fica adstrito à literalidade do laudo técnico, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova.
Embora não esteja vinculado à perícia, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução depende de prova técnica, o magistrado somente poderá recusar a conclusão do laudo com amparo em robusto teor probatório, uma vez que o perito do juízo se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com maior credibilidade.
Assim, a desconsideração do laudo técnico somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por documentos médicos que fossem seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que colocassem efetivamente em dúvida a conclusão do perito do juízo.
Em que pese a argumentação deduzida no recurso da parte autora, a documentação médica trazida ao feito não é apta a infirmar as conclusões do perito do juízo, que decorreu da anamnese e de criterioso exame físico e documental.
A divergência quanto às conclusões da perícia judicial, ainda que baseada em laudos médicos particulares, não implica, por si só, realização de nova perícia ou complementação do procedimento. Caso os documentos emitidos por médicos assistentes, especialistas ou não na área da moléstia em questão, fossem suficientes para a comprovação de incapacidade laborativa, não haveria necessidade de judicialização de casos em que se discute o direito aos benefícios por incapacidade.
Saliente-se que o laudo pericial apresentado pelo perito do Juízo, em razão de sua imparcialidade e isenção, deve prevalecer ante as conclusões dos atestados médicos anexados pela parte autora. Registre-se, ainda, que a existência de patologia ou lesão nem sempre significa incapacidade para o trabalho.
Observo que os documentos apresentados pela parte autora, que supostamente indicariam o estado incapacitante, ainda que contemporâneos ao requerimento administrativo e mesmo fazendo menção para afastamento das atividades habituais, não se prestam para afirmar a existência de incapacidade laborativa diante das conclusões do(a) perito(a) judicial, que os tomou em consideração quando da elaboração do laudo.
Diante desse cenário, mostra-se indevida a concessão do benefício pretendido.
Ônus da sucumbência
Sendo desacolhida a pretensão, a parte autora deverá arcar com o pagamento dos ônus sucumbenciais.
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do CPC/2015), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, §11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, §3º, inciso I, do CPC), tendo em conta a pretensão máxima deduzida na petição inicial.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade da referida verba, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.
Honorários periciais
Honorários periciais a cargo da parte vencida. Caso a referida despesa processual tenha sido antecipada pela administração da Justiça Federal, seu pagamento deverá ser realizado mediante reembolso, nos termos do art. 32 da Resolução 305/2014, do Conselho da Justiça Federal.
Custas processuais
Sucumbente, a parte autora responde pelas custas e despesas processuais.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade das referidas verbas, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no §3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos justificadora da concessão da benesse.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Mantida a sentença de improcedência.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5017265-19.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: VALDECI BERNAR PRZIBILSKI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. incapacidade não demonstrada.
1. Nos benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial.
2. Perícia conclusiva quanto à ausência de incapacidade do(a) segurado(a).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 28 de junho de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/06/2024 A 28/06/2024
Apelação Cível Nº 5017265-19.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: VALDECI BERNAR PRZIBILSKI
ADVOGADO(A): DANIEL RYZEWSKI (OAB RS068056)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/06/2024, às 00:00, a 28/06/2024, às 16:00, na sequência 332, disponibilizada no DE de 12/06/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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