Apelação Cível Nº 5024680-87.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: IRENITA GOIS DE QUADRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
IRENITA GOIS DE QUADRA ajuizou ação ordinária em 21/12/2017, objetivando o restabelecimento de benefício por incapacidade, desde o indeferimento administrativo, ocorrido em 09/11/2017. Referiu que a sua incapacidade decorre de moléstia ortopédica(
).Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido em razão da não constatação de incapacidade laborativa (
).A parte autora, em suas razões recursais, sustentou, em síntese, fazer jus ao benefício postulado na inicial, sob alegação de que restou comprovada sua moléstia incapacitante diante da farta documentação carreada aos autos, no entanto, alega que há possibilidade de não ter ocorrido a devida apreciação das provas fornecidas, vez que estas não foram citadas na decisão sentencial nem em laudo pericial judicial (
).Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte (
).É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Mérito
São quatro os requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) existência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Trata-se de segurada que conta com 56 anos de idade, e cujos registros na CTPS apontam a atividade profissional de industriária em empresas madeireiras/mobiliárias (
). O CNIS referente à autora informa os seguintes benefícios previdenciários:benefício | motivo | DIB/DER | DCB | documento |
506.038.857-0 auxílio-doença | não informado | 05/09/2003 | 22/10/2003 | |
549.367.516-8 auxílio-doença | CID S60 traumatismo superficial do punho e da mão | 17/12/2011 | 24/01/2012 | |
614.613.018-8 auxílio-doença | CID M65 sinovite e tenossinovite | 30/05/2016 | 13/12/2017 | |
632.720.341-1 auxílio-doença | CID M75 lesões do ombro | 20/10/2020 (DER) | indeferido | |
708.311.865-6 auxílio-doença | sem menção à CID; referência apenas a "ressonância magnética do ombro esquerdo" | 30/10/2020 (DER) | indeferido | |
708.478.800-26 auxílio-doença | CID M75 lesões do ombro | 16/10/2020 (DER) | indeferida a antecipação do pagamento |
A sentença examinou a alegada incapacidade nos seguintes termos:
[...]
Notadamente, o expert, após proceder aos exames cabíveis na espécie, concluiu que a parte ativa encontra-se apta ao exercício de suas atividades laborativas e, portanto, não precisa da tutela estatal para sua subsistência, por ter condições de prover o seu sustento de forma autônoma ou com apoio familiar.
[...]
Tendo a sentença utilizado o laudo pericial em sua fundamentação, dele extraio as seguintes conclusões: a parte autora, embora apresente doença ortopédica (tendinopatia, bursite e hérnia/protrusão discal), não indica, nos testes físicos realizados, quadro de incapacidade laboral (
).Os documentos apresentados pela parte autora e associados aos citados quadros clínicos datam de 2014 (
, ), 2015 ( ), 2016 ( , , , , , ) e 2017 ( , , ).A perícia judicial, por sua vez, considerou os mencionados documentos médicos em sua análise e foi realizada em 29/06/2018 (
), o que permite, por certo, apurar eventual melhorar clínica ou, sendo o caso, até mesmo quadro de piora. Na situação dos autos, o perito refere que a própria parte autora mencionou a melhora dos sintomas, o que permite aferir que o seu quadro clínico melhorou, indicando que a doença - que antes poderia ensejar a concessão de benefício por incapacidade - deixou de apontar a incapacidade laboral.Verifica-se, portanto, que a incapacidade laboral estaria ligada, em tese, a quadro de sinovite/tenossinovite e a lesão do ombro (CIDs M65 e M75, respectivamente), já que foram essas as doenças reportadas pela segurada ao INSS e que conduziram tanto ao deferimento do benefício NB 614.613.018-8 como, após, e diante de subsequentes requerimentos, ao indeferimento administrativo de novos benefícios (NB 632.720.341-1, NB 708.311.865-6 e NB 708.478.800-26).
Importante referir, ainda, que todos os requerimentos formulados, contendo em sua alegação quadro de incapacidade decorrente de lesão no ombro (CID M75 - NB 632.720.341-1, NB 708.311.865-6 e NB 708.478.800-26) foram indeferidos na via administrativa, o que corrobora a conclusão alcançada pelo expert nos autos deste processo.
Após a interposição de seu apelo, a parte autora juntou aos autos novos documentos médicos, indicativos da sua incapacidade laboral:
(1) ressonância magnética do ombro esquerdo, de 25/09/2020 (
);(2) atestado médico - CID M 75 (
);(3) ressonância magnética do ombro direito, de 13/11/2020 (
);(4) laudo médico, referente a perícia realizada em 22/02/2021, em que foi apontada incapacidade laboral. O laudo está vinculado ao processo nº 5000032-31.2021.4.04.7211 e indicou quadro de "síndrome do manguito rotador" e com a DII a contar de 25/09/2020 (
);(5) laudo médico complementar de 22/02/2021, também vinculado à ação nº 5000032-31.2021.4.04.7211, que apontou "que no ano de 2020 houve agravamento da ruptura do manguito rotador dos ombros verificada na parte autora, principalmente do ombro esquerdo" (
).Em relação aos pontos suscitados após ter sido proferida a sentença - e também depois da interposição do apelo - tenho, nos termos do artigo 434 do Código de Processo Civil [Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações], que incumbe ao autor instruir a petição inicial - e ao réu, em sua contestação - com os documentos destinados a provar suas alegações. Proferida a sentença, está encerrada a fase instrutória ordinária do processo de conhecimento, conforme o art. 494 do Código de Processo Civil [Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I - para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; II - por meio de embargos de declaração].
Por essa razão, a juntada - e a apreciação - de documentos na fase recursal é cabível apenas excepcionalmente: (1) no caso de equívocos verificados na sentença ou (2) diante de fatos novos supervenientes à sua prolação, conforme o art. 493 do Código de Processo Civil [Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir], situações não verificadas na hipótese dos autos, inclusive porque os documentos apresentados se referem a fatos posteriores àqueles alegados na petição inicial.
Conforme já decidiu esta Corte, "documentos novos admissíveis são aqueles cronologicamente novos ou que se tornaram conhecidos ou disponíveis após a prolação da sentença (artigo 435, caput e parágrafo único do Código de Processo Civil)" (TRF4, AC 5010385-15.2016.4.04.7112, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 22/11/2023). No caso dos autos, a apreciação da suposta incapacidade laboral se dá diante do que foi previamente requerido na via administrativa e diante de benefícios específicos.
Ainda que assim não se considere, a análise dos novos documentos, posteriores à sentença, indica que o quadro de "síndrome do manguito rotador" teria como DII a data de 25/09/2020 (
). Além disso, o que corrobora a conclusão pericial alcançada nesta ação, o perito nos autos do processo nº 5000032-31.2021.4.04.7211, concluiu "que no ano de 2020 houve agravamento da ruptura do manguito rotador dos ombros verificada na parte autora, principalmente do ombro esquerdo" ( ). É possível precisar, portanto, a data de início da incapacidade e ela é posterior (25/09/2020), inclusive, à data de ajuizamento do presente feito (21/12/2017).Em consulta aos registros processuais desta Corte, de acesso público no endereço eletrônico do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, verifica-se, ainda, que a 1ª Turma Recursal de Santa Catarina, por unanimidade, negando provimento ao recuso da parte autora, decidiu que "O laudo pericial é conclusivo no sentido de que a autora, com 54 anos, auxiliar de produção, está temporariamente incapaz para o trabalho, em decorrência de 'síndrome do manguito rotadordor', desde 25-9-2020 (evento 26)".
Assim, a decisão colegiada nos autos do processo nº 5000032-31.2021.4.04.7211 corroborou a DII indicada no laudo pericial e na subsequente sentença, o que confirma que a alegada incapacidade pode ser indicada, apenas, a partir de 2020 e está ligada, por certo, a quadro de agravamento de ruptura do manguito rotador, situação fática que, no presente feito, não foi evidenciada na perícia judicial.
É cediço que, em se tratando de benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial. No entanto, a despeito de não haver adstrição à literalidade do laudo técnico, sendo facultada ampla e livre avaliação da prova, observo que não foram trazidos aos autos, na espécie, documentos médicos aptos a afastar as conclusões periciais.
Embora não esteja vinculado à perícia, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução depende de prova técnica, o magistrado somente poderá recusar a conclusão do laudo com amparo em robusto teor probatório, uma vez que o perito do juízo se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com maior credibilidade.
Assim, a desconsideração do laudo técnico somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por documentos médicos que fossem seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que colocassem efetivamente em dúvida a conclusão do perito do juízo.
Em que pese a argumentação deduzida no recurso da parte autora, a documentação médica trazida ao feito não é apta a infirmar as conclusões do perito do juízo, as quais decorreram da anamnese e de criterioso exame físico e documental.
A divergência quanto às conclusões da perícia judicial, ainda que baseada em laudos médicos particulares, não implica, por si só, realização de nova perícia ou complementação do procedimento. Caso os documentos emitidos por médicos assistentes, especialistas ou não na área da moléstia em questão, fossem suficientes para a comprovação de incapacidade laborativa, não haveria necessidade de judicialização de casos em que se discute o direito aos benefícios por incapacidade. Registre-se, por fim, que a existência de patologia ou lesão nem sempre significa incapacidade para o trabalho.
Observo que os documentos de natureza médica acostados aos autos pela parte autora foram examinados pelo perito. Ainda que contemporâneos ao requerimento administrativo e mesmo fazendo menção para afastamento das atividades habituais, não se prestam para afirmar a existência de incapacidade laborativa diante das conclusões do perito judicial, que os tomou em consideração quando da elaboração do laudo.
Diante desse cenário, mostra-se indevida a concessão do benefício pretendido.
Ônus da sucumbência
Sendo desacolhida a pretensão, a parte autora deverá arcar com o pagamento dos ônus sucumbenciais.
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do CPC/2015), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, §11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, §3º, inciso I, do CPC), tendo em conta a pretensão máxima deduzida na petição inicial.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade da referida verba, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.
Honorários periciais
Honorários periciais a cargo da parte vencida. Caso a referida despesa processual tenha sido antecipada pela administração da Justiça Federal, seu pagamento deverá ser realizado mediante reembolso, nos termos do art. 32 da Resolução 305/2014, do Conselho da Justiça Federal.
Custas processuais
Sucumbente, a parte autora responde pelas custas e despesas processuais.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade das referidas verbas, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no §3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos justificadora da concessão da benesse.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Mantida a sentença de improcedência.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5024680-87.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: IRENITA GOIS DE QUADRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. incapacidade não demonstrada.
1. São quatro os requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) existência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
2. Nos benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial.
3. A juntada e a apreciação de documentos na fase recursal é cabível apenas excepcionalmente: (1) no caso de equívocos verificados na sentença ou (2) diante de fatos novos supervenientes à sua prolação, conforme o art. 493 do Código de Processo Civil.
4. A desconsideração do laudo técnico somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por documentos médicos que fossem seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que colocassem efetivamente em dúvida a conclusão do perito do juízo.
5. Perícia conclusiva quanto à ausência de incapacidade do(a) segurado(a).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004391653v4 e do código CRC 974e1d92.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/04/2024 A 10/04/2024
Apelação Cível Nº 5024680-87.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: IRENITA GOIS DE QUADRA
ADVOGADO(A): LEANDRO AMÉRICO REUTER (OAB SC030343)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/04/2024, às 00:00, a 10/04/2024, às 16:00, na sequência 420, disponibilizada no DE de 20/03/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 23/04/2024 12:01:47.