Apelação Cível Nº 5006621-48.2021.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: MATEUS AURELIO DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 24-06-2021, na qual a magistrada a quo extinguiu o feito, sem resolução de mérito, com fulcro no art. 485, VI, do NCPC, em razão da ausência de interesse processual.
Em suas razões, a parte autora sustenta, em síntese, que possui interesse de agir e, por tal razão, requer seja anulada a sentença, a fim de que seja determinado o retorno dos autos à origem, para o regular processamento do feito.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do interesse de agir da parte autora
Compulsando os autos, vê-se que a parte autora percebeu o benefício de auxílio-doença (NB 31/617.316.288-5), no período de 27-01-2017 a 21-02-2017, tendo ocorrido a cessação após a realização de exame pericial administrativo (evento 5 - LAUDO1; e evento 6 - LAUDO1).
Por tal razão, busca, através da ação ajuizada em 24-05-2021, a concessão do benefício de auxílio-acidente ou, alternativamente, o restabelecimento do auxílio-doença desde a DCB (21-02-2017).
No juízo a quo, havia sido determinada a intimação da parte autora para que comprovasse que "tentou prorrogar o benefício de auxílio-doença, considerando o pedido sucessivo de restabelecimento de auxílio-doença" (evento 8 - DESPADEC1).
A parte autora, por sua vez, apresentou comprovação de novo requerimento administrativo realizado em 14-06-2021 (evento 11 - OUT4).
Por tal razão, sob o entendimento de que "o pedido administrativo foi realizado posteriormente ao ajuizamento da presente ação" e de que, portanto, estaria ausente o interesse de agir por inexistência de pretensão resistida, houve proferimento de sentença pela extinção do feito sem resolução do mérito (evento 13 - SENT1).
É sabido que o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, nos autos do Recurso Extraordinário nº 631.240/MG, assentou entendimento no sentido da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo de benefício previdenciário como pressuposto para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário, ressaltando ser prescindível o exaurimento daquela esfera.
O Relator do RE 631240/MG, Ministro Luís Roberto Barroso, dividiu as ações previdenciárias em dois grupos, quais sejam:
(i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão, etc.); e
(ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidades mais vantajosa, restabelecimento, manutenção, etc.).
E concluiu o Ministro afirmando que "no primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada", sendo que a falta de prévio requerimento administrativo de concessão deve implicar na extinção do processo judicial sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir; "no segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo". Importante menção fez ainda o Relator aos casos em que o entendimento da Autarquia for notoriamente contrário à pretensão do interessado, salientando não ser exigível o prévio requerimento administrativo, todavia assegurou não se enquadrar aqui os casos em que se pretende obter benefício para trabalhador informal.
Logo, não há cogitar de falta de interesse de agir da parte demandante.
O INSS tem a obrigação de, ao cancelar o auxílio-doença, avaliar através de perícia técnica oficial se houve a efetiva recuperação da capacidade laborativa do segurado.
No caso dos autos, a Autarquia Previdenciária entendeu que o autor estaria apto para retornar ao trabalho e cessou o benefício de auxílio-doença em 21-02-2017, sem que tenha havido sua correspondente conversão em auxílio-acidente (evento 6 - LAUDO1). Configurada, portanto, a pretensão resistida.
Ademais, a jurisprudência deste Tribunal pacificou-se no sentido de não ser necessária, para fins de caracterizar o interesse de agir da parte autora, a realização de pedido de prorrogação do benefício anterior e tampouco a juntada de novo requerimento administrativo indeferido pelo INSS com data mais próxima do ajuizamento da demanda - o que inclusive foi realizado pelo autor conforme mencionado acima.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. INTERESSE DE AGIR. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. 1. A cessação do benefício de auxílio-doença é suficiente para configurar a pretensão resistida por parte do INSS e o consequente interesse de agir da parte autora, ainda que não tenha havido prévio requerimento de prorrogação do auxílio-doença na esfera administrativa. Precedentes. 2. A jurisprudência deste Tribunal é pacífica quanto à dispensa de requerimento administrativo recente para a propositura de ação visando à concessão de benefício por incapacidade. 3. Anulada a sentença, com determinação de retorno dos autos à origem para regular prosseguimento do feito. (TRF4, AC 5022650-55.2020.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 23/02/2022) (Grifou-se)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. PEDIDO DE PRORROGAÇÃO. INTERESSE DE AGIR. 1. Há interesse de agir do segurado que ingressa com ação judicial após a cessação administrativa de benefício por incapacidade, sendo desnecessária a prova de pedido de prorrogação ou reconsideração junto ao INSS para o regular processamento do feito. 2. Sentença anulada. (TRF4, AC 5007156-08.2020.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 14/10/2021) (Grifou-se)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO, FALTA DE INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ALTA PROGRAMADA. PRETENSÃO RESISTIDA. PROCESSO PRONTO PARA JULGAMENTO DO MÉRITO. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. TERMO INICIAL. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Acerca da alta programada, o benefício não pode ser automaticamente cancelado com base na estimativa da perícia administrativa, por se tratar de evento futuro e incerto. Compete à autarquia previdenciária a reavaliação médico-pericial antes da cessação do pagamento do benefício, a fim de que o segurado não fique desamparado financeiramente. 2. Hipótese em que não há falar em falta de interesse de agir, porquanto demonstrada a existência de pretensão resistida ante o objeto da presente demanda. 3. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 (doze) contribuições mensais; 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença). 4. O segurado portador de enfermidade que o incapacita total e temporariamente para a sua atividade habitual, com chance de recuperação e reabilitação, tem direito à concessão do benefício de auxílio-doença, pelo período em que estiver incapaz. 5. Em relação ao termo inicial, o entendimento que vem sendo adotado é no sentido de que, evidenciado que a incapacidade laboral já estava presente quando do requerimento administrativo/da cessação do benefício pela autarquia previdenciária, mostra-se correto o estabelecimento do termo inicial do benefício previdenciário em tal data. 6. Determinada a imediata implementação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do CPC/2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário. (TRF4, AC 5026254-82.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 19/10/2020)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. BENEFÍCIO COMPROVADAMENTE CESSADO NA VIA ADMINISTRATIVA POR ALTA PROGRAMADA. 1. Hipótese em que restou comprovada a cessação do auxílio-doença, na esfera administrativa, por alta programada, o que configura o interesse processual para buscar, em juízo, o seu restabelecimento. 2. In casu, confirmada a sentença que determinou o pagamento do auxílio-doença no período de 20/12/2013 a 23/04/2017, devendo ser abatidos os valores eventualmente já recebidos pelo autor a tal título, no mesmo período, na esfera administrativa ou por força de antecipação de tutela. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5029453-49.2018.4.04.9999, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 05/02/2019) (Grifei)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE CESSADO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. DESNECESSIDADE DE INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO ATUALIZADO OU RECENTE. 1. A cessação do benefício por incapacidade pelo INSS é suficiente para caracterizar o interesse de agir do segurado que ingressa com demanda judicial. 2. Não se mostra razoável exigir-se do segurado, para fins de caracterizar o interesse de agir, requerimento administrativo indeferido pelo INSS recente (mais próximo à data de ajuizamento da demanda). 3. Sentença anulada, para que o feito retorne à origem e prossiga regularmente. (TRF4, AC 5034838-12.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 18/07/2018) (Grifei)
PREVIDENCIÁRIO. INTERESSE DE AGIR. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NEGATIVA RECENTE. DESNECESSIDADE. 1. No que tange à necessidade de prévio requerimento administrativo, a questão foi definida da seguinte forma pelo Supremo Tribunal Federal: (a) para os pedidos de concessão de benefício, não se exige o prévio requerimento quando a postura do INSS for notória e reiteradamente contrária à postulação do segurado; (b) para os pedidos de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício, somente se exige o prévio requerimento para matéria de fato não levada ao conhecimento da Administração (RE 631.240/MG, Relator Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014). 2. Assim, enquanto que para os pedidos de concessão, o prévio requerimento é regra geral, para os pedidos de revisão, restabelecimento e manutenção, a anterior provocação do INSS é exceção. 3. Inexiste qualquer previsão legal ou mesmo padrão decisório vinculante que exija do segurado "negativa recente do indeferimento do benefício postulado em juízo" e, mesmo que houvesse, haveria clara afronta ao direito fundamental de acesso à Justiça previsto no texto constitucional. 4. Sentença anulada. (TRF4, AC 5018078-51.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 11/09/2018) (Grifei)
Logo, tenho que restou consubstanciado o pressuposto do interesse processual consistente na pretensão resistida. Além disso, ao contrário do entendimento esposado pelo juízo a quo, o objeto da presente ação trata do benefício cessado em 21-02-2017, e não do novo requerimento posteriormente formulado no ano de 2021.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003211421v4 e do código CRC aa462951.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5006621-48.2021.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: MATEUS AURELIO DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. INTERESSE DE AGIR. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO RECENTE. PEDIDO DE PRORROGAÇÃO. DESNECESSIDADE. ALTA PROGRAMADA. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. SENTENÇA ANULADA.
1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 631.240/MG em sede de repercussão geral, assentou entendimento no sentido de ser necessário, como regra geral, o requerimento administrativo antes do ajuizamento de ações de concessão de benefícios previdenciários.
2. A jurisprudência deste Tribunal pacificou-se no sentido de não ser necessária, para fins de caracterizar o interesse de agir da parte autora, a juntada de requerimento administrativo com data mais próxima do ajuizamento da demanda.
3. Ademais, a cessação do benefício de auxílio-doença é suficiente para configurar a pretensão resistida por parte do INSS e o consequente interesse de agir da parte autora, ainda que não tenha havido pedido mais recente ou prévio requerimento de prorrogação do auxílio-doença na esfera administrativa, uma vez que o INSS tem obrigação de avaliar se houve a recuperação da capacidade laborativa do segurado.
4. Hipótese de anulação da sentença com a determinação de retorno dos autos à origem para o regular processamento do feito, possibilitando à parte autora a realização da prova pericial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003211422v3 e do código CRC b0687d3d.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5006621-48.2021.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: MATEUS AURELIO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: VANESSA CRISTINA PASQUALINI (OAB SC013695)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 867, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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